EXECUÇÃO POR ALIMENTOS DEVIDOS A MENOR
ABUSO DE DIREITO
Sumário

No abuso de direito estamos perante posições jurídicas contrárias aos valores estruturantes do sistema jurídico.
No caso, para o período em questão (2015 a 2020), é ilegítimo o exercício do direito executivo quando a Exequente invoca o título que ela própria rejeitou e incumpriu ostensivamente, rejeitando a competência dos tribunais portugueses, sendo contumaz no processo crime de deslocação ilícita das crianças, para a obtenção de facto consumado, e quando tal título, por tal motivo, vem a ser nuclearmente alterado ainda no ano de 2015.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

 AA, contra BB, deduziu embargos de executado, pedindo: - a extinção da execução que constitui o apenso .2, com o consequente cancelamento de todas as penhoras e a devolução ao embargante de todos os valores que lhe foram penhorados; - caso não se entenda conforme pedido anterior, deverá a exceção de prescrição ser julgada procedente e, consequentemente, ser a execução parcialmente extinta, por prescrição da obrigação exequenda, serem canceladas as consequentes penhoras e serem os valores penhorados em causa devolvidos ao Embargante; - caso assim não se entenda, e a título meramente subsidiário no caso de improcedência dos dois pedidos acima formulados, deverá ser declarada a compensação, até ao valor do crédito do Embargante sobre a Embargada (30.370,86 euros), do crédito que a Embargada peticiona na presente execução, com a consequente extinção parcial da dívida exequenda com a consequente absolvição do Embargante do valor peticionado até esse montante, o cancelamento das consequentes penhoras e a devolução dos valores penhorados em causa ao Embargante.

A embargada e o Ministério Público contestaram, concluindo pela improcedência das exceções perentórias da prescrição e da compensação.

Realizado o julgamento, foi proferida decisão a julgar parcialmente procedentes os embargos de executado e de oposição à penhora, e, decorrentemente, declarou-se ser o embargante devedor dos alimentos vencidos entre 08 de janeiro de 2015 a 08 de novembro de 2015, no valor global de €4 400, 00, e respetivos juros de mora à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada uma das prestações (€400, 00 mensais), até efetivo e integral pagamento, determinando-se a redução da penhora para se ajustar aos termos percentuais previstos no art. 735º n.º 3 do CPC, em função da quantia exequenda definida.


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            Inconformada, a Exequente, embargada, recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

1.Nos embargos deduzidos contra a ora recorrente, o ora recorrido pediu a: - a extinção da execução por alimentos interposta pela ora Recorrente em nome e representação dos seus filhos menores, com o consequente cancelamento de todas as penhoras e a devolução ao embargante de todos os valores que lhe foram penhorados; - caso assim se não entenda, deverá a exceção de prescrição ser julgada procedente e, consequentemente, ser a execução julgada parcialmente extinta, serem canceladas as consequentes penhoras e serem os valores penhorados em causa devolvidos ao embargante; - também caso assim se não entenda, e a título meramente subsidiário no caso de improcedência dos dois pedidos acima formulados deverá ser declarada a compensação, até ao valor do crédito da embargante sobre a embargada (30.370,86 euros) do crédito que a Embargada peticiona na presente execução, com a consequente extinção parcial da dívida exequenda, e absolvição do embargante do valor peticionado até esse momento, o cancelamento das consequentes penhoras e a devolução dos valores penhorados ao embargante;

2. Do relatório da sentença ora em litígio consta que a embargada e o Ministério Público contestaram, concluindo pela improcedência das exceções perentórias da prescrição e da compensação, sendo certo que, se tal asserção corresponde é verdadeira no que tange à contestação apresentada pelo Ministério Público, já não é correta no que tange à contestação apresentada pela embargada, uma vez que nela a ora Recorrente se pronunciou (para além das exceções perentórias da prescrição e da compensação) sobre a alegada inexistência de título executivo, como consequência do despacho de 23 de novembro de 2015 que fixou provisoriamente a residência dos menores junto do progenitor, sobre a impossibilidade de cumprimento da obrigação exequenda e sobre a exceção perentória de abuso de direito, quer invocada pelo embargante, quer invocada pela embargada – vide contestação apresentada pela Embargada em 28.11.2023, com a ref.ª Citius 8496157.

3. Em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 607º do CPC, o tribunal a quo enunciou as questões que lhe cumpria solucionar: - a eficácia da decisão provisória de regulação do exercício das responsabilidades parentais; - a prescrição do crédito alimentício; - a compensação do crédito alimentício com outros créditos cruzados e a oposição à penhora;

4. Ora, levando em consideração quer o objeto do litígio, quer as questões que cumpria ao tribunal a quo solucionar, supra indicadas, não podemos deixar de considerar que os factos descritos nos pontos 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 22), 26), 27), 28), 29), 30), 31), 32), 33), 34), 35), 36), 37), 39), 40), 41), 42), 43), 44), 45), 47), 48), 49), 50), 51), 52), 53), 54), 55), 56), 57), 58), 59), 60), 61), 62), 63), 65), 66), 67), 68), não têm qualquer interesse para a boa decisão da causa, devendo ser eliminados do acervo probatório.

5. Com efeito, tais factos dados como provados, em nada se relacionam com o objeto do presente litígio, que se prende unicamente com a discussão sobre a existência ou não de um crédito de alimentos, no valor 31.847,23€, acrescido de juros de mora entretanto vencidos até integral pagamento, dos filhos menores sobre o Embargante e em nada contribuem para a solução das questões a que o tribunal a quo se propôs responder, supra elencadas.

6. Tratando-se tão somente de factos relacionados com alegados incumprimentos da regulação das responsabilidades parentais por parte da ora Embargada, assim como factos que foram objeto do processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais n.º 133/13...., que corre os seus termos no Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, no âmbito do qual foi já proferida sentença, em 07.11.2021, entretanto transitada em julgado, que absolveu a Embargada e julgou extinta a instância – cfr documento n.º3 junto com o requerimento de embargos de Executado).

7. Ao considerar tais factos relevantes para a boa decisão da causa, o tribunal a quo transformou a atuação da embargada no objeto do litígio, quando, efetivamente, o que está em causa e aquilo que importa discutir é a atuação dolosa do Embargante que, até à presente data, se recusa a pagar as pensões de alimentos devidas aos dois filhos menores, QUE SEMPRE RESIDIRAM COM A MÃE, referentes ao período compreendido entre 08 de janeiro de 2015 e 08 de maio de 2020, desonerando-se de uma obrigação primordial que sobre si impende e que constitui um mau trato perpetrado de forma contínua, reiterada, prolongada no tempo e intencional sobre os seus filhos menores.

8. Com esta atuação, o tribunal a quo recusou-se a aceitar a inexistência de um sinalagma entre a obrigação de prestar alimentos e as obrigações de facultar os contactos com o progenitor com quem os menores não residem, olvidando que todas as obrigações decorrentes do exercício das responsabilidades parentais devem ser cumpridas e são independentes umas das outras.

9. Em suma, independentemente do incumprimento ou não do regime de visitas por parte do progenitor residente, o direito constitucional a alimentos dos menores continua a existir (não existe qualquer isenção ou desoneração do Embargante) pela que a divida em causa nos autos de execução especial por alimentos pode e deve ser cobrada!

10. Acresce que, no que tange ao ponto 1) dos factos dados como provados, o tribunal a quo determinou que “O Executado foi notificado para os termos da execução que constitui o apenso. 2, em que é peticionada a cobrança coerciva da quantia total de 31.847,23€ (trinta e um mil oitocentos e quarenta e sete euros e vinte e três cêntimos)”, fundamentando tal asserção com a justificação de que tal consta dos autos de execução,

11. quando na verdade, na execução especial por alimentos, de que estes embargos constituem um apenso, consta que, a divida do executado se cifra, à data de entrada do requerimento executivo, em 31.847,23€ (trinta e um mil oitocentos e quarenta e sete euros e vinte e três cêntimos), sendo que 25.826,46€ referem-se aos montantes das prestações em dívida entre 08.01.2015 e 08.05.2020 e 6.020,77€, referem-se a juros moratórios, à taxa de 4%, vencidos na data de apresentação do requerimento executivo, sendo que se continuam a vencer juros moratórios até integral pagamento das quantias em dívida (cfr. ponto 19 do Item identificado como “ Tribunal Competente, Título Executivo e Factos” do requerimento executivo).

12. Pelo que do ponto 1) dos factos provados deverá constar “O Executado foi notificado para os termos da execução que constitui o apenso. 2, em que é peticionada a cobrança coerciva da quantia total de 31.847,23€ (trinta e um mil oitocentos e quarenta e sete euros e vinte e três cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.”, sendo tal correção importante para a determinação do valor da dívida exequenda.

13. O ponto 20) da matéria de facto dada como provada deverá passar a ter a seguinte redação “Deduziu incidente de incumprimento da regulação as responsabilidades parentais que deu origem ao processo de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais n.º 133/13...., e que culminou com a sentença proferida, em 22.01.2018, já transitada em julgado, que determinou, quanto aos pedidos formulados em a): que fosse declarada a ilicitude da transferência e retenção dos menores; d):que fosse determinado o imediato regresso dos menores a Portugal, nos termos da Convenção da Haia e do Regulamento de Bruxelas II bis aplicáveis e e): que caso não seja garantido pela Requerida o regresso imediato dos menores a Portugal no prazo de 10 dias, seja a Requerida condenada em sanção pecuniária compulsória de €40,00 por cada dia de atraso, o seu indeferimento, pelo facto do tribunal a quo, estar vinculado pela decisão definitiva proferida pela Audiência Provincial da Coruña, de 24 de março de 2017, onde se recusou o regresso das crianças a Portugal, com fundamento no parágrafo segundo do art.º 12º da Convenção da Haia (integração das crianças num novo meio), uma vez que o artigo 36º do R (EU) n.º 1215/2012 de 12 de dezembro, impõe o reconhecimento automático de tal decisão (da Audiência Provincial da Coruña, de 24 de março de 2017) na ordem jurídica nacional, verificando-se, por isso, a exceção dilatória do caso julgado, determinante da absolvição da ora Recorrida da instância” – decorrendo tal alteração do teor do documento n.º 2 junto com o requerimento de Embargos de Executado.

14. Sendo que tal alteração a este ponto da matéria de facto é importante para a boa decisão da causa, uma vez que comprova que também o tribunal a quo, no processo de incumprimento das responsabilidades parentais supra identificado, reconheceu a inexistência de eficácia prática e legal à decisão judicial de 23.11.2015, pelo facto de estar vinculado pela decisão definitiva proferida pela Audiência Provincial da Coruña, de 24 de março de 2017, onde se recusou o regresso das crianças a Portugal, com fundamento no parágrafo segundo do art.º 12º da Convenção da Haia (integração das crianças num novo meio), uma vez que o artigo 36º do R (EU) n.º 1215/2012 de 12 de dezembro, impõe o reconhecimento automático de tal decisão (da Audiência Provincial da Coruña, de 24 de março de 2017) na ordem jurídica nacional, doutra forma, ter-se-ia fundamentado na decisão de 23.11.2015, que fixou ainda que provisoriamente a residência das crianças com o pai, para deferir os pedidos elencados pelo ora Recorrido nas alíneas a), d) e e) supra identificadas.

15. No que tange ao ponto 23, da matéria de facto dado como provada, o mesmo deverá ser alterado, passando a conter o seguinte teor: “Ainda no âmbito desse processo e face à fuga da embargada para parte incerta e à inexistência de qualquer notícia quanto ao paradeiro da embargada e dos menores, veio a ser emitido Mandado de Detenção Europeu relativamente à aqui Embargada, tendo em vista a sua detenção e apresentação às Autoridades Judiciárias competentes, cujo cumprimento foi, no entanto, negado pelas competentes autoridades judiciais espanholas, por considerarem que, estando fixada a residência permanente e habitual dos menores com a mãe, no âmbito dos autos de regulação das responsabilidades parentais n.º 133/13...., não se verificam os pressupostos do crime de subtração de menores” – isto mesmo decorre do documento n.º 5, apresentado em requerimento de 29.11.2023, com a Ref.ª Citius 8497661.

16. Esta alteração, que se extrai de um documento junto aos autos, o qual foi aceite pelo embargante, é importante para a boa decisão da causa, uma vez que permite aferir da eficácia e validade legal do despacho de 23.11.2015 e, consequentemente, da existência do título executivo que tem por base a execução especial por alimentos de que estes autos são apensos , tanto mais que do teor do despacho de 23.11.2015, consta que, e passamos a transcrever «Considerando a necessidade de definição, por Tribunal de Família e Menores, de que o ora Requerente tem condições para passar a ter os menores a residir consigo, caso o mandado de detenção europeu seja cumprido, independentemente do resultado do procedimento em curso no âmbito da Convenção sobre o rapto internacional de crianças – incompreensivelmente lento até ao momento -, considerando o teor do relatório social às condições (habitacionais, profissionais e económicas do agregado familiar do progenitor fixa-se provisoriamente a residência das crianças junto deste último, nos termos do artigo 28º do RGPTC» - vide documento n.º 3, junto com requerimento apresentado pelo embargante em 25.10.2023, com a Ref.ª Citius 8411388.

17.No que diz respeito ao conteúdo do ponto 25) dos factos dados como provados, o mesmo deverá ser considerado como não provado, uma vez que o despacho a que se refere este ponto é de 23 de novembro de 2015 e não de 20 de novembro de 2015.

18. Acresce que, tal despacho também não alterou, ainda que provisoriamente, o acordo homologado por sentença que serviu de título executivo à presente execução, por um lado porque tal alteração se cingiu apenas à residência dos menores, e não a todas as restantes clausulas do acordo, mormente no que tange à pensão de alimentos, que não foi fixada nesse despacho, mantendo-se, por isso, em vigor a clausula que determinou o pagamento de uma pensão de alimentos, a cada um dos menores, no valor de 200,00€, por parte do Embargante, uma vez que é ilegal a não fixação/atribuição de uma pensão de alimentos por parte do tribunal, já que tratando-se de um direito próprio inalienável e irrenunciável de cada um dos menores, é contrário ao seu superior interesse que tal direito não seja determinado, o que poria em causa o seu são desenvolvimento,

19. por outro lado, porque tal alteração – a fixação da residência dos menores com o embargante – apenas se concretizaria, caso a mandado de detenção fosse cumprido, ora não tendo tal mandado de detenção sido cumprido, como decorre do documento n.º 5, apresentado em requerimento de 29.11.2023, com a Ref.ª Citius 8497661, não se verificou a condição da qual dependia aquela alteração, pelo que a mesma carece de qualquer eficácia legal.

20. No que concerne ao ponto 46) dos factos dados como provados cumpre referir que o seu teor deverá ser alterado para “Em julho de 2018 a Embargada constitui mandatária no processo que corre termos no Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz, mas apenas para arguir a nulidade de todo o processo, o que foi indeferido.”, uma vez que do documento nº 30 junto com o requerimento de embargos e que serve de fundamento a este ponto, consta que tal procuração foi junta em julho de 2018.

21. No que tange aos pontos 64 a 66 dos factos dados como provados, caso o tribunal ad quem considere que os mesmos se revelam importantes para a boa decisão da causa, o que não se aceita, sempre se dirá que o tribunal a quo os considerou provados pelo facto dos mesmos não terem sido impugnados, ora tal é falso, uma vez que a Embargada ora recorrente, no ponto 1 da sua Contestação referiu expressamente que “A embargada aceita o vertido em 2º e 3º do articulado a que ora se responde e impugna especificamente os demais factos alegados, atento o sentido que lhes é dado pelo embargante.” – vide contestação, apresentada em 28.11.2023, com a Ref.ª Citius 8496157, pelo que os mesmos deverão ser dados como não provados.

22. No que concerne ao ponto 67 dos factos dados como provados, o tribunal a quo considerou provados os factos ali descritos com fundamento no documento n.º 43 junto com o requerimento de embargos.

23. Ora, aquele documento não prova que tal requerimento tenha sido apresentado junto da entidade bancária em questão, nele não tendo sido aposto qualquer carimbo de entrada /recibo, pelo que se deve considerar tais factos como não provados.

24. No que tange aos factos descritos no ponto 68) dos factos dados como provados, o tribunal a quo considerou provados os factos ali descritos com fundamento nos documentos n.ºs 3, 44 e 45 juntos com o requerimento executivo.

25. Ora, do documento n.º 3 junto com o requerimento executivo não constam quaisquer pedidos apresentados em 09 de julho de 2015 e 22 de janeiro de 2016, nem consta que tenha sido transmitido pelo banco que nessas datas a conta se mantinha sem provisão e penhorada, sendo que com o requerimento executivo não foram juntos quaisquer documentos numerados 44 e 45, pelo que tais factos deverão ser considerados como não provados.

26. No que diz respeito aos factos descritos no ponto 79) dos factos dados como provados deverá alterar-se o seu conteúdo, atendendo aos factos descritos no ponto 46) e ao documento junto com o n.º 30 com o requerimento de embargos, para o seguinte: “ A embargada foi notificada da decisão assente em 78) em julho de 2018, quando constituiu Mandatária no processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais nº 133/13.....”, uma vez que tal se revela premente para aquilatar da eficácia da dita decisão e consequentemente para aferir da existência de título executivo por parte da Embargante.

27. O Embargante alegou que, com o despacho de 23 de novembro de 2015 (documento n.º 3 junto com o Requerimento apresentado pelo embargante em 25 de outubro de 2023, com a Ref.ª Citius 8411386), nos termos do qual e passamos a transcrever «Considerando a necessidade de definição, por Tribunal de Família e Menores, de que o ora Requerente tem condições para passar a ter os menores a residir consigo, caso o mandado de detenção europeu seja cumprido, independentemente do resultado do procedimento em curso no âmbito da Convenção sobre o rapto internacional de crianças – incompreensivelmente lento até ao momento -, considerando o teor do relatório social às condições (habitacionais, profissionais e económicas do agregado familiar do progenitor fixa-se provisoriamente a residência das crianças junto deste último, nos termos do artigo 28º do RGPTC», o Tribunal de Família e Menores da Figueira da Foz alterou, ainda que provisoriamente, o acordo homologado por sentença que serve de título executivo à presente execução, determinando a extinção dos seus efeitos, uma vez que, a partir de novembro de 2015, a residência das crianças esteve judicialmente fixada junto do Embargante, concluindo ser manifesto que a Embargada não possui título executivo para a ação que propôs.

28.O Tribunal a quo considerou, no nosso entendimento muito mal, que assiste inteira razão ao embargante.

29. Ora, contrariamente ao aduzido pelo tribunal a quo decorre do teor literal do despacho judicial de 23 de novembro de 2015 que a alteração provisória da residência das crianças só se fixa junto do Embargante, sob condição do mandado de detenção ser cumprido.

30. Com efeito, veio a ser emitido um Mandado de Detenção Europeu relativamente à aqui Embargada, tendo em vista a sua detenção e apresentação às Autoridades Judiciárias competentes, cujo cumprimento foi, no entanto, negado pelas competentes autoridades judiciais espanholas, por considerarem que, estando fixada a residência permanente e habitual dos menores com a mãe, no âmbito dos autos de regulação das responsabilidades parentais n.º 133/13...., não se verificavam os pressupostos do crime de subtração de menores” – isto mesmo decorre do documento n.º 5, apresentado em requerimento de 29.11.2023, com a Ref.ª Citius 8497661.

31. Assim sendo, nunca se tendo verificado a condição da qual dependia a fixação

provisória da residência das crianças junto do progenitor, isto é, tendo sido negado o cumprimento do Mandado de Detenção Europeu, a predita alteração provisória da residência dos menores para junto do pai, nunca se tornou válida e eficaz.

32. E nem se diga que tal alteração provisória da residência das crianças não foi sujeita a tal condição, apesar do seu teor literal, uma vez que, se assim fosse a Meritíssima Juiz do tribunal a quo que proferiu tal decisão não teria necessidade de inscrever no seu texto “Considerando a necessidade de definição, por Tribunal de Família e Menores, de que o ora Requerente tem condições para passar a ter os menores a residir consigo, caso o mandado de detenção europeu seja cumprido,(…)”, podendo e devendo ter-se limitado simplesmente a reduzir o conteúdo do mesmo à parte final da decisão que determinou« considerando o teor do relatório social às condições (habitacionais, profissionais e económicas do agregado familiar do progenitor fixa-se provisoriamente a residência das crianças junto deste último, nos termos do artigo 28º do RGPTC».

33. Nem se argumente igualmente, como fez o tribunal a quo, se bem que em sede de pronuncia sobre a existência da exceção perentória de abuso de direito, que “a condicionante do cumprimento do mandado de detenção europeu apenas relevava como início efetivo da residência das crianças com o pai, porque nem sequer havia obstáculos quanto às condições residenciais”,

34. pois até deste argumento se aduz que o predito despacho judicial, nunca se tornou válido e eficaz, uma vez se a residência das crianças com o progenitor ora Embargante só se iniciaria com o cumprimento do Mandado de Detenção Europeu da ora Embargante, não tendo esse Mandado sido cumprido, nunca a residência dos menores com o Embargante teve o seu inicio, pelo que a decisão de 23 de novembro de 2015, “morreu na praia”, não se tornando nem válida nem eficaz.

35. Assim, não se pode deixar de concluir que, não se tendo verificado a condição que dependia a fixação provisória da residência das crianças junto do pai, nunca esta determinação se tornou válida e eficaz, pelo que continuou em vigor o acordo de regulação das responsabilidades parentais homologado por sentença de 28/02/2014, no âmbito do processo n.º 133/13...., que correram termos no Tribunal Judicial ..., nos termos da qual ficou fixada pensão de alimentos de €200, 00 mensais a favor de cada uma das crianças CC e DD, filhos de exequente e executado, a cargo do executado e que serve de título executivo à execução a que estes autos de embargos são apensos.

36. Acresce que, no âmbito do processo nº ...16, que correu termos no Julgado de 1ª Instância n.º 10 da Corunha, relativo ao pedido de regresso das crianças a Portugal, foi proferido acórdão, já transitado em julgado, pela Audiência Provincial da Corunha, de 24 de marco de 2017, que recusou o regresso das crianças a Portugal, com fundamento no parágrafo segundo do art.º 12º da Convenção da Haia (integração das crianças num novo meio).

37. Nesse processo nº ...16, a Audiência Provincial da Coruña definiu a situação dos menores em Espanha, atendendo aos seus superiores interesses, excluindo a sua permanência ilícita naquele país.

38. Esta decisão que recusou o regresso das crianças a Portugal, excluindo a permanência ilícita dos menores em Espanha tem aplicação automática no ordenamento jurídico português em virtude do disposto no artigo 36º do Regulamento (EU) n.º 1215/2012, de 12 de dezembro.

39. A decisão de 23 de novembro de 2015 só se considera notificada à autora quando esta interveio no processo de alteração de regulação das responsabilidades parentais n.º 133/13...., através da junção aos autos de procuração forense em julho de 2018, sendo que, quando foi proferido o acórdão, já transitado em julgado, da Audiência Provincial da Corunha, de 24 de março de 2017, que recusou a regresso das crianças a Portugal e determinou a licitude da sua permanência em Espanha, a decisão de 23 de novembro de 2015, ainda não tinha transitado em julgado, pois, na altura, nem sequer era do conhecimento da Embargada.

40. Neste conspecto, e porque tal decisão de março de 2017 é de aplicação imediata no ordenamento português prevalece sobre a decisão de 23 de novembro de 2015, na altura ainda não transitada em julgado, retirando qualquer validade a uma decisão que determinou, contrariando-a, a residência dos menores em Portugal, quando aquela tinha determinado o seu não retorno ao nosso país.

41. E nem se diga que há total autonomia entre o procedimento com vista ao regresso dos menores a Portugal e um qualquer processo tutelar cível que vise alterar a regulação das responsabilidades parentais, uma vez que devido à aplicação automática daquela decisão de não regresso dos menores a Portugal, qualquer alteração da regulação das responsabilidades parentais, pelo menos na vertente que vise a determinação do local de residência dos menores terá sempre de ter em consideração e respeitar, aquela decisão, já transitada em julgado que determinou o não regresso das crianças a Portugal.

42. Neste conspecto, o tribunal a quo ao considerar que o despacho judicial de 23 de novembro de 2015, se impõe ao acórdão, já transitado em julgado, da Audiência Provincial da Corunha, de 24 de março de 2017, que recusou a regresso das crianças a Portugal e determinou a licitude da sua permanência em Espanha, impondo, consequentemente, que as crianças não têm direito às prestações de alimentos vencidas entre dezembro de 2015 e maio de 2020, violou o disposto no artigo 36º do Regulamento (EU) n.º 1215/2012, de 12 de dezembro.

43. A decisão de 23 de novembro de 2015 só se considera notificada à autora quando esta interveio no processo de alteração de regulação das responsabilidades parentais n.º 133/13...., através da junção aos autos de procuração forense em julho de 2018, sendo que, quando foi proferido o acórdão, já transitado em julgado, da Audiência Provincial da Corunha, de 24 de março de 2017, que recusou a regresso das crianças a Portugal e determinou a licitude da sua permanência em Espanha, a decisão de 23 de novembro de 2015, ainda não tinha transitado em julgado, pois, na altura, nem sequer era do conhecimento da Embargada.

44. Neste conspecto, e porque tal decisão de março de 2017 é de aplicação imediata no ordenamento português prevalece sobre a decisão de 23 de novembro de 2015, na altura ainda não transitada em julgado, retirando qualquer validade a uma decisão que determinou, contrariando-a, a residência dos menores em Portugal, quando aquela tinha determinado o seu não retorno ao nosso país.

45. E nem se diga que há total autonomia entre o procedimento com vista ao regresso dos menores a Portugal e um qualquer processo tutelar cível que vise alterar a regulação das responsabilidades parentais, uma vez que devido à aplicação automática daquela decisão de não regresso dos menores a Portugal, qualquer alteração da regulação das responsabilidades parentais, pelo menos na vertente que vise a determinação do local de residência dos menores terá sempre de ter em consideração e respeitar, aquela decisão, já transitada em julgado que determinou o não regresso das crianças a Portugal.

46. Neste conspecto, o tribunal a quo ao considerar que o despacho judicial de 23 de novembro de 2015, se impõe ao acórdão, já transitado em julgado, da Audiência Provincial da Corunha, de 24 de março de 2017, que recusou a regresso das crianças a Portugal e determinou a licitude da sua permanência em Espanha, impondo, consequentemente, que as crianças não têm direito às prestações de alimentos vencidas entre dezembro de 2015 e maio de 2020, violou o disposto no artigo 36º do Regulamento (EU) n.º 1215/2012, de 12 de dezembro.

47. Mais se diga que, o tribunal a quo na sua “sede” de “punir” a Embargada, olvidando-se que as prestações de alimentos cujo pagamento coercivo se requer nos autos de execução a que estes autos estão apensos pertencem aos menores e não à Embargada e que servem para satisfazer os seus superiores interesses e necessidades e não quaisquer interesses ou necessidades da Embargada, como decorre da argumentação expendida na decisão recorrida,

48. ao afirmar a total independência entre uma decisão tomado no âmbito de um procedimento de pedido de regresso das crianças a Portugal (denominado pelo tribunal a quo de “rapto internacional”) e um qualquer processo tutelar cível, contrariou de forma explicita a decisão por si tomada no processo de incumprimento das responsabilidades parentais n.º 133/13.... (um processo tutelar cível), na qual reconheceu a inexistência de eficácia prática e legal à decisão judicial de 23.11.2015, pelo facto de estar vinculado pela decisão definitiva proferida pela Audiência Provincial da Coruña, de 24 de março de 2017, que recusou o regresso das crianças a Portugal, com fundamento no parágrafo segundo do art.º 12º da Convenção da Haia (integração das crianças num novo meio), uma vez que o artigo 36º do R (EU) n.º 1215/2012 de 12 de dezembro, impõe o reconhecimento automático de tal decisão (da Audiência Provincial da Coruña, de 24 de março de 2017) na ordem jurídica nacional,

49. pois doutra forma, teria lançado mão da decisão de 23.11.2015, que fixou, ainda que provisoriamente, a residência das crianças com o pai, para deferir os pedidos elencados pelo Recorrido nas alíneas a), d) e e) do seu requerimento inicial de incumprimento.

50. Mais se diga que, o tribunal a quo, ao determinar a suspensão da obrigação de alimentos, fixada em 28 de fevereiro de 2024, a cargo do Embargante, a partir da prolação do despacho de 23.11.2015, e ao não estabelecer qualquer prestação de alimentos, a favor dos menores (que não de qualquer dos progenitores) no âmbito de tal despacho, com a desculpa (que não colhe) de que desconhecia os rendimentos da Embargada e que o Embargante também não pediu a sua fixação, deixando-os desprotegidos durante mais de cinco anos,

51. quando é jurisprudência unânime que, mesmo quando se desconhecem os rendimentos do obrigado a alimentos ou mesmo quando este os não tem, devido ao carácter contínuo, indisponível e irrenunciável do direito a alimentos, deve sempre ser fixada (e nunca suspensa!) a pensão de alimentos a cargo do progenitor não residente, por forma a tutelar o superior interesse das crianças, garantindo-lhes uma vida digna,

52. violou de forma flagrante e claramente prejudicial ao bem-estar dos menores, o artigo 36º n.º 5 da CRP e o artigo 1874º n.º s 1 e 2 do Código Civil, os quais estabelecem a obrigação dos pais de prestarem alimentos aos filhos, os artigos 24º, 26º n.º 3 e 67º da CRP, uma vez que o fundamento da obrigação de prestar alimentos decorre do conteúdo à vida, enquanto direito especial de personalidade, bem como do princípio da preservação da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social e familiar, o artigo 2008º n.º 1 do Código Civil, que estabelece que o direito a alimentos não pode ser renunciado ou cedido, o artigo 27º da Convenção sobre os Direitos da Criança, o artigo 36º nº 3 da CRP, que estabelece o princípio da igualdade de deveres de ambos os progenitores na manutenção dos filhos, o artigo 1871º n.º1 do CC, que faz recair a obrigação de sustento e educação dos filhos sobre ambos os pais, o artigo 69º n.º 1 da CRP, que garante às crianças o direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral,

53. pelo que deverá a decisão ora recorrida ser revogada na parte em declarou o embargante ser apenas devedor de alimentos vencidos entre 08 de janeiro de 2015 a 08 de novembro de 2015, no valor global de 4.400,00€ e respetivos juros de mora à taxa legal de 4% desde o vencimento de cada uma das prestações até efetivo e integral pagamento.

54. A Embargada argumentou que, de facto, os menores não residiram um único dia com o ora Embargante, pelo que, caso se considere que efetivamente o despacho de 23.11.2015 que fixou provisoriamente a residência dos menores junto do pai, é legal e eficaz, o que não se aceita, não serve para justificar o inadimplemento do Embargante, uma vez que as prestações de alimentos são devidas aos menores para suprir as suas necessidades, devendo ser entregues ao progenitor que com elas efetivamente reside (neste caso a Embargada) para que este possa promover o seu bem-estar e sadio desenvolvimento,

55. pelo que a tese defendida pelo Embargante que não está obrigado a entregar ao progenitor com quem sempre residiram as crianças as prestações que são devidas aos menores (que não à Embargada), com base numa decisão que nunca foi exercida de facto, constitui um clamoroso abuso de direito.

56. Ora, apesar da Recorrente considerar que a predita decisão de 23.11.2015 não é válida e eficaz, conforme amplamente alegado supra, não é pela circunstância de a mesma se considerar válida e eficaz no nosso ordenamento jurídico o seu exercício não possa constituir um verdadeiro abuso de direito.

57. Com efeito, a teoria do abuso do direito serve de válvula de segurança para os casos de pressão violenta da nossa consciência jurídica contra a rígida estruturação, geral e abstrata, das normas legais, obstando a injustiças clamorosas que o próprio legislador não hesitaria em repudiar se as tivesse vislumbrado, conforme advogam Manuel de Andrade, in RLJ, ano 87, pg. 307, e Vaz Serra, MBJ 85, pg. 326.

58. Nesta conformidade, e conforme se diz no acórdão do Supremo Tribunal de 16/11/2011 “… existirá abuso do direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apodicticamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.”

59. Ora, é por demais evidente que constitui uma clamorosa injustiça, sentida por todos nós enquanto comunidade, que a CC e o DD (que não a Embargada como parece defender o tribunal a quo) não possam usufruir das pensões de alimentos a que têm direito para fazer face às suas mais elementares necessidades pelo facto de existir uma decisão em vigor no nosso ordenamento jurídico que fixou a sua residência provisoria junto de um progenitor com quem nunca residiram, sem que, no entanto, decorra dessa decisão a fixação de qualquer pensão de alimentos a favor de menores que delas necessitam para manter a sua dignidades enquanto pessoas.

60. Neste conspecto, o instituto do abuso do direito, constitui um meio de que o tribunal ad quem, deve lançar mão para obviar a situações em que o ora Embargante, a coberto da invocação duma norma tuteladora dos seus direitos ou do exercício da ação, o faz de uma maneira que – objetivamente – e atenta a especificidade do presente caso, conduz a um resultado que viola o sentimento de Justiça prevalecente na nossa comunidade, (a usurpação do sustento a que estas crianças têm direito) devendo por isso, repudiar tal procedimento, por apenas formalmente respeitar o Direito, mas que, em concreto, o atraiçoa.

61. Assim, impõe-se ter por prevalecente o direito constitucionalmente estabelecido destas crianças a alimentos, enquanto emanação dos direitos fundamentais de personalidade, sobre o direito do Embargante de não pagar pensões de alimentos com fundamento numa decisão que determinou provisoriamente que os menores residiriam com o pai, sendo que com ele nunca residiram, por existir uma outra decisão judicial que determinou o não regresso as crianças a Portugal, impedindo assim a concretização dessa decisão provisória.

62. Verifica-se, assim, a existência in casu de abuso de direito, uma vez que existe uma clara desproporção entre a vantagem auferida pelo embargante (o não pagamento de pensões de alimentos por quem, atendendo aos montantes facilmente penhorados nos presentes autos, não tem qualquer tipo de dificuldades financeiras) e o sacrifício imposto a duas crianças que se vêm privadas de montantes que o tribunal, quando os estabeleceu, considerou essenciais ao seu são desenvolvimento, com uma lesão intolerável dos seus direitos de personalidade.

63. Mais se diga que, contrariamente ao alegado pelo tribunal a quo, não é pelo facto de a mãe ter incumprido com o regime de visitas do pai aos filhos que as crianças deixam de ter direito às suas pensões de alimentos, sendo que este é um direito das crianças que não da Embargada, pelo que não existe qualquer sinalagma entre a obrigação de prestar alimentos aos menores e as obrigações de facultar os contactos com o progenitor com quem os menores não residem, tanto mais que a punição que o tribunal a quo pretende inferir à embargada só prejudicará as crianças, o seu bem-estar e o seu são desenvolvimento.

64. Acresce que, não é pelo facto de só agora se vir exigir as pensões de alimentos em dívida que também não existe abuso de direito, tanto mais que tais pensões poderão ser legalmente exigidas até que as crianças atinjam a maioridade, não existindo qualquer disposição legal que imponha a imediata exigência das prestações em dívida, sendo certo que tal montante não se avolumaria se o embargante tivesse pago as pensões devidas, mensalmente, conforme estipulado.

65. Saliente-se igualmente que não é pela circunstância de a embargada não ter argumentado a existência de dificuldades em sustentar as crianças e em fazer face às suas mais elementares necessidades, que os menores deixam de ter direito a ser sustentados de igual forma pelo pai, que tem o dever de contribuir para a sua felicidade.

66. Nestes termos, verifica-se que o tribunal a quo ao não considerar verificada a exceção perentória de abuso de direito, violou o disposto no artigo 334º do Código Civil.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, com o douto suprimento, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado, devendo a decisão recorrida ser substituída por outra que declare ser o embargante devedor dos alimentos vencidos entre 08 de janeiro de 2015 e 8 de maio de 2020 e respetivos juros de mora à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada uma das prestações (400,00€ mensais) até efetivo e integral pagamento.


*

           Também inconformado, o Executado, embargante, recorreu subordinadamente, e apresenta as seguintes conclusões:

1.º O presente recurso é apresentado, subordinadamente, do segmento da sentença que não julgou procedente os embargos de executado e oposição à penhora e em que declarou ser o embargante devedor dos alimentos vencidos entre 8 de janeiro de 2015 e 8 de novembro de 2015, no valor global de 4.400 euros e respetivos juros de mora;

2.º A sentença recorrida omitiu, quer da lista de factos provados, quer da lista de factos não provados, facto essencial para a apreciação da causa, mais concretamente para a apreciação do abuso de direito alegado pelo Recorrente - o facto alegado no artigo 4.º da petição de embargos e que encontra suporte probatório no ponto 16 dos factos do requerimento executivo;

3.º Assim, e com base naquele suporte probatório, deverá ser aditado à lista de factos dados como provados o seguinte: 80) A Embargada alega, expressamente, assumir a posição de Exequente na ação executiva, por “durante esse período de tempo (…) [ter suportado] sozinha, com um encargo muito mais agravado para si (…) as despesas com alimentação, vestuário e calçado, lazer, habitação, saúde, educação e atividades extracurriculares dos menores” (ponto 16 dos factos do requerimento executivo);

4.º Esse facto é essencial porquanto constitui a base dos fundamentos invocados do abuso de direito, já que a Embargada, aqui Recorrida, alega e declara, expressamente,

assim, no seu requerimento executivo, assumir a posição de Exequente, como, na sua perspetiva, credora de direito próprio, reconhecendo ter sucedido no crédito por sub-rogação, nos termos do disposto no artigo 592.º, n.º 1 do Código Civil, alegando que cumpriu para além do que lhe competia em lugar do aqui Recorrente – esta alegação expressa da Recorrida no seu requerimento executivo dá azo a um novo enquadramento jurídico não levado em conta na sentença recorrida, mas que foi alegado na petição de embargos;

5.º A sentença recorrida julgou improcedente a invocada exceção perentória de abuso de direito, alicerçando tal decisão no caráter indisponível e irrenunciável do direito a alimentos;

6.º Não obstante, a Recorrida não instaurou a ação executiva contra o recorrente para realizar um direito de crédito dos filhos, mas um alegado direito de crédito dela, por

os ter tido a seu cargo - e a ser assim não se coloca a questão da indisponibilidade ou irrenunciabilidade do direito a alimentos invocada na decisão recorrida, pois que já não é

deste direito que se trata, mas sim de um alegado direito de crédito da Recorrida;

7.º Por outro lado, ainda que assim não fosse, enquanto legal representante, os seus atos têm repercussões na esfera jurídica dos representados, não apenas no âmbito dos direitos, mas, também e simultaneamente no âmbito dos deveres para si advêm;

8.º Na verdade, o Tribunal a quo não levou em consideração que a aferição da conduta relevante para efeitos de abuso do direito pauta-se pela conduta do representante, nos termos do artigo 259.º do Código Civil;

9.º E essa repercussão ocorre mesmo antes da prolação da decisão judicial de 23 de novembro de 2015 – a qual, como acertadamente decidiu a sentença recorrida – extinguiu os efeitos da sentença dada como título executivo no que respeita à pensão de alimentos;

10.º A conduta da Recorrida, conforme resulta provado nos pontos 5 a 69 da lista de factos provados, sempre deveria, assim, conduzir à aplicação do instituto do abuso de direito nos presentes autos;

11.º Dos factos dados como provados (pontos 5 a 69) resulta manifesto que, entre janeiro de 2015 e maio de 2020 – data em que a Recorrida baliza os factos constantes do requerimento executivo –, ou seja, mesmo antes da prolação da decisão judicial de 23 de novembro de 2015, devido à atuação consciente, culposa e altamente danosa da Recorrida, o Recorrente e os seus filhos não tiveram qualquer contacto, privando as crianças do direito ao convívio com o seu progenitor, limitando-as no seu desenvolvimento pessoal e afetivo, privando-as do direito a um crescimento saudável e harmonioso, e privando aquelas e o Recorrente do direito à família;

12.º Resulta dos factos provados que “da noite para o dia”, sem qualquer aviso prévio, e no cumprimento de um plano de fuga que visava (e foi logrado) afastar o Recorrente da vida dos seus filhos, o Recorrente deixou de poder contactar com a Recorrida e de conseguir, sequer, saber se os seus filhos estavam “vivos ou mortos”;

13.º Resulta dos factos provados que a Recorrida violou, com o seu comportamento, conscientemente, um dos direitos mais básicos e fundamentais de qualquer ser humano: o direito das crianças à identidade pessoal e autodeterminação;

14.º O que a Recorrida fez – e continua a fazer – é uma campanha para alienar o Recorrente da vida das crianças, induzindo uma disfunção no vínculo afetivo parental. Este comportamento é, objetivamente, uma violência contra as crianças, constituindo maus tratos;

15.º Como resulta dos factos dados como provados (pontos 5 a 69), foi a própria Recorrida quem deu azo ao direito de que agora se vem arrogar, ou seja, através do requerimento executivo apresentado pretende aproveitar-se de alegados factos que foi ela própria quem os originou e motivou;

16.º Não pode quem deu azo à situação acima relatada e à impossibilidade de o Recorrente prover e zelar pelo bem-estar dos seus filhos nos mesmos termos em que sempre o fez e, mais ainda, quem agiu voluntariamente no sentido de ocultar, durante anos, o paradeiro dos seus filhos, praticando os ilícitos criminais de que se encontra acusada, vir agora exigir o pagamento de prestações de alimentos, invocando ter sido a mesma “quem suportou sozinha, com um encargo muito mais agravado para si, devido ao incumprimento do Executado, as despesas” dos menores – quando foi a Recorrida quem em janeiro de 2015 desapareceu com as crianças;

17.º Tal comportamento constitui um verdadeiro abuso de direito e do próprio sistema judicial, bem como uma instrumentalização deste sistema por parte da Recorrida, cabendo no âmbito de aplicação do abuso de direito, nos termos previstos no Artigo 334.º do Código Civil, enquanto “válvula de escape” do sistema jurídico;

18.º Como, na verdade, reconhece a sentença recorrida, foi a própria Recorrida quem contribuiu decisivamente para a criação da situação de facto de que agora pretende prevalecer-se através da execução por alegado incumprimento do aqui Recorrente no pagamento da pensão de alimentos dos seus filhos menores;

19.º No caso em apreço, e perante os factos dados como provados, é manifesto o comportamento abusivo e contrário aos ditames do direito por parte da Recorrida quando, depois de se ter colocado em fuga, praticando vários ilícitos, inclusive de natureza criminal, levando consigo os filhos menores, depois de ter abandonado o país e deixado “à sorte” as responsabilidades assumidas e que também têm implicações na vida e bem-estar dos filhos, depois de se ter furtado a qualquer tipo de contactos por parte do Recorrente, recusando-se a ter qualquer conversa ou a fornecer qualquer informação, designadamente quanto aos menores, vem, ao fim de vários anos, alegar um incumprimento no pagamento da pensão de alimentos, quando foi ela própria que conduziu a que tais pagamentos não pudessem continuar a ser feitos nos mesmos termos em que eram feitos até à altura em que a Recorrida raptou os seus filhos e os levou para parte incerta;

20.º Tal comportamento constitui abuso de direito ao abrigo do disposto no Artigo 334.º do Código Civil, também porque se traduz num comportamento que viola todas as conceções ético-jurídicas dominantes na nossa sociedade e, portanto, merece a censura do direito;

21.º Como é manifestamente abusiva a exigência de juros de mora, quando foi a Recorrida quem deu causa à presente situação, não existindo qualquer culpa por parte do Recorrente.

22.º Ao não ter julgado procedente a exceção perentória de abuso de direito alegada pelo Recorrente e, em consequência, não ter declarado a extinção de toda a execução, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 334.º, 592.º e 259.º do Código Civil.


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Foram apresentadas contra-alegações. Também alegou o Ministério Público, defendendo a correção do decidido,

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            As questões que importa resolver são:

            A reapreciação da matéria de facto impugnada;

            A consideração dos efeitos da decisão de 23.11.2015;

            O abuso de direito.


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A reapreciação da matéria de facto.

A prova a reconsiderar é apenas documental.

Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662, nº1, do Código de Processo Civil).

Este tribunal forma a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos impugnados.

Reapreciados os documentos indicados, a nossa convicção manifesta-se no seguinte sentido:

Em face da conclusão 4 do recurso da Exequente, importa dizer que tais factos têm interesse para a decisão, como se verá infra, para a consideração do abuso do direito, pelo que deverão ser mantidos e discutidos.

No que respeita às conclusões 10 e 11 do mesmo recurso, remete-se para o facto 71, que é suficiente.

Face à conclusão 13 daquele recurso, importa dizer que o facto já remete para a decisão de 22.1.2018, a interpretar juridicamente, que é o que a Recorrente faz.

Para o facto 23, a Recorrente pretende inserir uma interpretação e não um facto.

Facto 25: aqui ocorre apenas um lapso de escrita, sendo o despacho em questão de 23.11.2015.

            Facto 46: efetivamente, a procuração foi junta em julho de 2018; (nota: a Exequente foi considerada citada em 26.6.2017. (A alegação de nulidade de todo o apenso B), por falta de citação, foi expressamente apreciada no despacho de 11.09.2018 do apenso B) e sobre tal despacho recaíram, em recurso, a decisão singular de 23.10.2020 e o acórdão de 26.01.2021 (apenso H).

            Factos 64 a 68: considerando a impugnação meramente genérica da Embargada, apenas quanto ao sentido a retirar do alegado, e os documentos 43 a 45 apresentados pelo Embargante, não impugnados, entendemos que o decidido está correto.

           Facto 79: diferenciando a constituição de mandatária (julho de 2018) da citação (considerada realizada em 26.6.2017), e considerando o documento 30 invocado, insuficiente para o pretendido, não encontramos razões para alterar o decidido.

            Aditamento pretendido pelo Embargante:

           Vamos aditar o ponto 16 do requerimento executivo, como pedido.

Pelo exposto, julgando a impugnação da Recorrente parcialmente procedente e a do Recorrente (subordinado) procedente, decidimos manter a matéria de facto como decidido, com as seguintes alterações:

No facto 25 a data do despacho é de 23.11.2015;

No facto 46 é alterada a data, que passa a julho (não é agosto);

Aditamos um facto 81, com o teor do ponto 16 do requerimento executivo.


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Os factos provados são os seguintes:

1)O Executado foi notificado para os termos da execução que constitui o apenso .2, em que é peticionada a cobrança coerciva da quantia total de 31.847,23€ (trinta e um mil, oitocentos e quarenta e sete euros e vinte e três cêntimos).

2)A execução em causa funda-se no acordo de regulação das responsabilidades parentais, homologado por sentença de 28/02/2014, no âmbito do processo n.º 133/13...., que correram termos no Tribunal Judicial ..., nos termos da qual ficou fixada pensão de alimentos de €200, 00 mensais a favor de cada uma das crianças CC e DD, filhos de exequente e executado, a cargo do executado.

3)O embargante/requerido não liquidou pensões de alimentos aos filhos menores entre janeiro de 2015 e maio de 2020, ambos inclusive.

4)No âmbito dos autos de processo de regulação das responsabilidades parentais n.º 133/13...., que correu termos no Juiz 1 do Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, foi homologado por sentença, proferida no dia 31 de Outubro de 2014, o acordo alcançado entre o aqui Embargante e a ora Embargada quanto ao exercício das responsabilidades parentais, o qual refere expressamente, não só o regime de convívios, mas também que constitui questão de particular importância para a vida dos melhores a saída dos filhos para o estrangeiro, não em turismo, mas em mudança de residência com algum carácter duradouro.

5)No cumprimento do estipulado nesse acordo, e tal como sempre fez até então, o Embargante esteve com as crianças no fim-de-semana de 9 a 11 de Janeiro de 2015, tendo entregue as mesmas, no dia 11 de Janeiro de 2015, à noite, na casa em que a Assistente habitava com os filhos menores do casal, sita em ..., ....

6)Na segunda, terça e quarta-feira seguintes (dias 12, 13 e 14 de janeiro de 2015), o Embargante tentou entrar em contacto telefónico com a Embargada, para falar com os seus filhos, não tendo esta atendido as suas chamadas, o que vinha sendo recorrente.

7)No dia 15 e 16 de janeiro (quinta e sexta-feira) de 2015, o Embargante tentou, insistentemente, entrar em contacto telefónico com a Embargada, para falar com os seus filhos, encontrando-se sempre o telemóvel desligado.

8)No dia 16 de janeiro de 2015, às 21 horas e 57 minutos, a Embargada enviou um email ao Embargante dizendo: “Boa noite, Não tive possibilidade de te avisar que o telemóvel não funciona. Está tudo bem com os meninos. Cumprimentos”

9)Nesse mesmo dia, o Embargante respondeu à Embargada por email perguntando onde estavam os seus filhos, mostrando a sua indignação pela completa ausência de notícias e mostrando a sua preocupação com o bem-estar dos menores, informando que iria recorrer às Autoridades Policiais para aquilatar do paradeiro das crianças.

10)No dia 17 de janeiro de 2015, pelas 19 horas e 52 minutos, a Embargada enviou ao Embargante um email dizendo que se encontrava em Espanha, na sua nova casa e que lhe indicava quem era a sua advogada em Espanha, solicitando que o Embargante entrasse em contato com essa alegada Advogada para tratar de qualquer assunto relacionado com os menores e reiterando a sua conduta de não permitir qualquer tipo de contacto entre o Embargante e os seus filhos.

11)Foi com total surpresa e consternação que o Embargante recebeu tal email: nunca a Embargada lhe tinha falado sequer da intenção de se mudar para Espanha e levar consigo os filhos de ambos.

12) Com aqueles emails, ficou o Embargante sem saber onde estavam os seus filhos, não obstante todos os esforços e diligências realizadas e desencadeadas pelo Embargado para conseguir encontrar os seus filhos.

13)A Embargada, por forma a concretizar, sem levantar suspeitas, o seu plano de fuga para o estrangeiro, levando consigo os menores à completa revelia do Embargante, informou o infantário que os menores frequentavam na altura (2015) que os mesmos iriam estar fora uns dias, afirmando, contudo, que regressariam no dia 9 de janeiro de 2015, tendo, depois, a Embargada informado o infantário, no dia 12 de janeiro de 2015 que, afinal, apenas regressariam no dia 19 de janeiro de 2015.

14)O mesmo tendo feito junto da entidade patronal onde a Embargada trabalhava na altura (IPO ...), tendo a Embargada marcado férias naquele serviço até ao dia 9 de janeiro tendo, posteriormente, no dia 11 de janeiro, enviado um email ao Diretor daquele serviço de saúde informando que precisaria de uns dias para tratar de assuntos pessoais, mas que, depois, regressaria ao seu posto de trabalho.

15)Posteriormente, quando já tinha logrado os seus intuitos e levado as crianças menores para parte incerta, comunicou ao colégio que os menores frequentavam que, afinal, e ao contrário do que havia transmitido dias antes, as crianças nunca mais voltariam a Portugal.

16)Em janeiro de 2015 – ou seja, em data posterior à prolação da sentença homologatória que serve de título à presente oposição – por ato voluntário e unilateral da Embargada, o Embargante deixou de ter qualquer contacto com os seus filhos, não sabendo onde os mesmos se encontravam ou em que país residiam.

17)Face a tal conduta e tendo presente a gravidade dos factos perpetrados pela Embargada, o aqui Embargante desencadeou e tomou todas as diligências processuais ao seu dispor para que pudesse descobrir o paradeiro dos seus filhos e poder voltar a estar com eles.

18)O Embargante propôs, de imediato, após tomar conhecimento da fuga da Embargada, em 21 de janeiro de 2015, ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais, peticionando, para si a guarda dos menores.

19)No dia 21 de janeiro de 2015, ao abrigo do Regulamento de Bruxelas II bis, junto da Autoridade Central Portuguesa, o pedido de regresso das crianças, tendo tal pedido sido remetido à Autoridade Central Espanhola no dia 4 de fevereiro de 2015.

20)Deduziu incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais, que deu origem ao apenso C dos presentes autos e que culminou com a sentença proferida em 22 de janeiro de 2018

21)Logo em janeiro de 2015, apresentou participação criminal contra a Embargada, que deu origem à prolação de acusação contra a Embargada por dois crimes de subtração de menor, p. e p. pelo artigo 249.º, n.º 1, do Código Penal, no âmbito do processo n.º 328/15.... a correr termos na Instância Local Criminal ....

22)Nesse processo, no dia 6 de julho de 2016 a aqui Embargada foi declarada contumaz, nos termos previstos no artigo 377.º do Código de Processo Penal, situação que ainda se mantém na presente data.

23)Ainda no âmbito desse processo e face à fuga da Embargada para parte incerta e à inexistência de qualquer notícia quanto ao paradeiro da Embargada e dos menores, veio a ser emitido Mandado de Detenção Europeu relativamente à aqui Embargada, tendo em vista a sua detenção e apresentação às Autoridades Judiciárias competentes.

24)O aqui Embargante requereu, logo nessa altura, e sem prejuízo da ação de alteração de regulação das responsabilidades parentais que intentou em 21 de janeiro de 2015 (apenso B) que lhe fosse atribuída, ainda que a título provisório, a residência dos menores, passando os mesmos a estar à sua guarda e a residir consigo, o que lhe foi deferido, por despacho datado de 23 de novembro de 2015, proferido pelo Tribunal de Família e Menores ... e onde se decidiu (decisão transitada em julgado) que “(…) considerando o teor do relatório social às condições (habitacionais, profissionais e económicas do agregado familiar do progenitor, fixa-se, provisoriamente a residência das crianças junto deste último, nos termos do Artigo 28.º do RGPTC.”

25)(Retifica-se o lapso.) Por despacho de 23 de novembro de 2015, o Tribunal de Família e Menores da Figueira da Foz alterou, ainda que provisoriamente, a sentença homologatória que serve de título executivo à presente execução.

26) Entre janeiro de 2015 e abril de 2021, o Embargante, por ato unilateral, voluntário e intencional da Embargada, não viu os seus filhos.

27)Desde janeiro de 2015 e durante mais de 4 anos, o Embargante não soube do paradeiro dos seus filhos, não sabendo sequer do seu estado de saúde, se se encontravam bem ou mal.

28)A Embargada sempre se manteve incontatável, furtando-se a todas as tentativas de contato por parte do Embargante, o qual nunca conseguiu falar com a mesma, resultando, também dos presentes autos os obstáculos erigidos pela Embargada para o estabelecimento de meros contactos telefónicos ou por email.

29)Durante anos foi tentada a localização da Embargada e dos filhos do Embargante, sem qualquer sucesso.

30)Em maio de 2015, a Autoridade Central Portuguesa deu conhecimento ao Embargante das ações levadas a cabo pela Interpol, as quais não obtiveram resultados positivos.

31)Dá-se conta, nessas ações, que a Embargada esteve a trabalhar no Hospital ... em Santiago de Compostela entre 7 de janeiro e 10 de fevereiro de 2015, data em que se demitiu, o que coincide com a data em que o Embargante conseguiu descobrir que talvez aí trabalhasse e informa o processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais.

32) A Embargada demitiu-se do Hospital ... em Santiago de Compostela a 10 de fevereiro de 2015 e deixou de estar contactável para o telefone que havia fornecido ao departamento de recursos humanos, que se encontrava permanentemente desligado.

33)As crianças não se encontravam inscritas na escola e os pais da Embargada diziam não saber do seu paradeiro.

34)Em agosto de 2015, a Autoridade Central Portuguesa dá conhecimento de que não foi possível encontrar o paradeiro das crianças.

35)Em outubro de 2015, a Autoridade Central Portuguesa deu conhecimento de que não foi possível descobrir o paradeiro das crianças.

36)Em dezembro de 2015, a Autoridade Central Portuguesa deu conhecimento de que não foi possível encontrar o paradeiro das crianças, avançando a hipótese de as crianças terem saído do território espanhol.

37)Em janeiro de 2016, a Autoridade Central Portuguesa deu conhecimento de que não foi possível encontrar o paradeiro das crianças.

38)Em agosto de 2016, a Embargada foi detida, em execução do mandado de detenção europeu emitido contra si.

39)Nesse momento, indicou como sendo a sua morada a Calle ..., em Corunha.

40)Mesmo após a audição, em Espanha, no âmbito do Mandado de Detenção Europeu, emitido no processo crime acima identificado, a Embargada continuou a não ser localizável na morada que aí indicou, mantendo-se escondida, estando o imóvel que indicou como sua morada desabitado.

41)Em outubro de 2017, “nenhuma autoridade pública ou a mando desta se certificou, em Espanha, de que as crianças aí residem efetivamente, pois que a mãe delas nunca as apresentou, nem no procedimento criminal, nem no âmbito da ação de regresso a território nacional.”

42)Em março de 2018, ainda ninguém sabia do paradeiro das crianças, nem tinha a verdadeira certeza do paradeiro da Embargada, que continuava a furtar-se a qualquer contacto, razão pela qual foram requeridas mais diligências para encontrar a mesma e as crianças.

43)Quando, finalmente, foi possível notificar a Embargada, esta encontrou múltiplas formas de não ser ouvida – situação que ocorreu até 2020.

44)Em junho de 2018, a Embargada voltou a não comparecer no Tribunal de Corcubión, a fim de ser ouvida por videoconferência.

45)Em julho de 2018, a Embargada voltou a não comparecer no Tribunal de Corcubión, a fim de ser ouvida por videoconferência.

46)(Alterada a data.) Em julho de 2018, a Embargada constitui mandatária no processo que corre termos no Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz, mas, apenas, para arguir a nulidade de todo o processo, o que foi indeferido.

47)O que se alcança, inclusive, do constante da ata de conferência de dia 9 de outubro de 2018:a. “Mais refere [a mandatária da Embargada] que todos os contactos que tem com a senhora BB são através de e-mail, não dispondo de contacto telefónico”; b. “Confrontada com a proposta do pai [de estabelecimento de contactos telefónicos e por videochamada com os filhos], não obstante os apelos, por parte do tribunal e do Ministério Público no sentido de serem, para já, restabelecidos os contactos entre pai e filhos pelos ditos meios de contacto à distância, pela Ilustre Mandatária da requerida, foi dito que nem sequer mostra abertura aos contactos via Internet ou telefónico entre o pai e as crianças, porque desta forma estaria a comprometer a coerência da sua posição processual”.

48)Em outubro de 2018, a Embargada continuava, ativamente, a tentar a todo o custo não ser contactada pelo Embargante.

49)Em dezembro de 2018, em janeiro e em fevereiro de 2019, o Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz notificou a Embargada para indicar um contacto telefónico, o que nunca fez, apesar de sucessivos despachos em tal sentido.

50)Mantendo-se incontactável, limitando-se a intervir no processo para requerer, sucessivamente, a desmarcação das audiências que iam sendo marcadas, até Fevereiro de 2019, passados 4 anos de ter desaparecido com os filhos do Embargante.

51)Em maio de 2019, a Embargada não compareceu ao julgamento agendado, argumentando não estar notificada, requerendo, mais uma vez, a desmarcação do julgamento, o que é indeferido pelo Tribunal, por se considerar a mesma representada por advogada com poderes especiais.

52)Poderes especiais esses que revogou antes da sessão de julgamento seguinte.

53)Nessa mesma audiência, o Embargante deu conta ao Tribunal dos constrangimentos que tem sentido nas deslocações a Espanha, uma vez que, numa das diversas vezes em que se deslocou àquele país, no sentido de encontrar os seus filhos, passado pouco tempo de ter feito o check-in no hotel respetivo, foi abordado por duas pessoas que se intitularam da polícia, lhe pediram a identificação e lhe entregaram o documento n.º 36 junto com o requerimento de embargos.

54)Tendo a Embargada vindo esclarecer tratar-se de uma queixa (falsa!) apresentada pelo seu cunhado contra o Embargante, por forma a demovê-lo de tentar encontrar os seus filhos e de estabelecer qualquer contacto com os mesmos e com a Embargada.

55)Em dezembro de 2019, foi realizada nova sessão de julgamento, na qual a Embargada se apresentou no Tribunal de Corcubión, não tendo sido possível estabelecer ligação para videoconferência.

56)Em todo o caso, o Tribunal sugeriu o seguinte: “Consigna-se que face às dificuldades em proceder a ligação por videoconferência, e uma vez que a requerida se encontrava presente nas instalações do tribunal de Corcubión, pela Sr.ª Juiz foi sugerido à Ilustre Mandatária da requerida, no sentido de falar com a sua constituinte acerca da possibilidade de aquela aceder em ser ouvida através de videochamada/Whatsapp, e considerando que quer o Ministério Público quer o requerente não se opõem a essa forma de audição, sendo proposto por parte do requerente que a requerida, caso não tenha ou não queira usar o seu próprio telemóvel, possa usar o telemóvel que lhe enviou destinado a falar com os meninos”, o que foi recusado.

57)A Embargada recusou qualquer contacto direto, ou fornecer qualquer contacto pessoal, só tendo sido possível à Mandatária da mesma contactá-la através dos telefones do tribunal da Figueira da Foz para o tribunal de Corcubión.

58)E vamos em dezembro de 2019 – sem qualquer possibilidade de contacto entre o Embargante e a Embargada.

59)Na sessão de julgamento de 17 de dezembro de 2019, o Tribunal exortou a mandatária da Embargada, bem como o irmão desta, a que aquela estivesse presente na sessão seguinte de julgamento no Tribunal da Corunha, para que pudesse ser realizada a tentativa de conciliação com o Embargante.

60)O que a Embargada recusou.

61)Na sessão de julgamento de 18 de fevereiro de 2020, a Embargada faltou ao julgamento.

62)Altura em que este Tribunal “desiste” da audição da Embargada, atenta a sua falta de colaboração.

63)Até maio de 2020 – data em que a Embargada balizou os factos – sem que a Embargada se deixasse contactar por qualquer forma.

64)Em março de 2015, o Embargante foi contactado pela gestora de conta do Banco 1..., que o informou que a conta bancária ...20, titulada pela Embargada – a conta para a qual o Embargante transferia a pensão de alimentos dos seus filhos, de acordo com a sentença que é dada como título executivo –, se encontrava sem provisão e bloqueada.

65)Era também dessa conta que eram pagas as prestações do crédito à habitação devido por Embargante e Embargada para a aquisição da habitação em ..., ..., em que a Embargante residiu até janeiro de 2015 com as crianças.

66)E que foi adquirida, em compropriedade, por Embargante e Embargada.

67)Perante tal circunstância e perante o incumprimento do pagamento do referido crédito à habitação, o Embargante requereu o débito das referidas prestações na sua própria conta bancária.

68)Pedidos reiterados em 9 de julho de 2015 e 22 de janeiro de 2016, por, de acordo com o transmitido pelo Banco, se manter a situação de ausência de provisão e, entretanto, penhora da conta bancária.

69)Na ação que corre termos sob o n.º 2/20.... – no Juízo de Competência Genérica ... (Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra), foi proferida sentença – pendente de recurso - com o seguinte dispositivo: - “Condenar a Ré BB no pagamento do valor total de €26.743,85 (vinte seis mil setecentos e quarenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos) ao Autor AA, sendo €1.743,85 (mil setecentos e quarenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de danos patrimoniais e €25.000,00 (vinte cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais; - Condenar a Ré no pagamento de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data da sua citação até efetivo e integral pagamento, quanto aos danos patrimoniais, e desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento, relativamente aos danos não patrimoniais; - Condenar a Ré como litigante de má-fé em multa de 10 (dez) U.C. acrescida de indemnização ao Autor no valor de €1.500,00 (mil e quinhentos euros).”

70) O Executado vem notificado para os termos da execução acima identificada, em que é peticionada a cobrança coerciva da quantia total de 31.847,23€ (trinta e um mil, oitocentos e quarenta e sete euros e vinte e três cêntimos).

71)O Agente de Execução citou o Executado, referindo-lhe que “o valor em dívida (incluindo a quantia peticionada, juros e custas é provisoriamente fixado em42.521,20 euros já aqui estando incluídos os honorários e despesas previsíveis com o agente de execução”.

72)Nos presentes autos, até à data da apresentação do requerimento de oposição à penhora, o Executado já tinha sido alvo de penhoras no valor global de 44.242,27 euros, assim desdobradas: a) Penhora de depósito à ordem com a identificação ...70 do Banco 2..., no valor de 18.452,17 euros; b) Penhora de depósito à ordem com a identificação  ...20 do Banco 3..., no valor de 5.087,37 euros; c) Penhora de depósito à ordem com a identificação ...70 do Banco 2..., no valor de 18.452,17 euros; d) Penhora de depósito a prazo – conta 100% Poupança, com a identificação  ...23 do Banco 4..., no valor de 15.640,30 euros; e) Penhora de depósito à ordem com a identificação  ...23 do Banco 4..., no valor de 18.452,17 euros 890,47 euros; f) Penhora de parte do vencimento do Executado relativo a setembro de 2023, no valor de 2.239,78 euros; g) Penhora de parte do vencimento do Executado relativo a outubro de 2023, no valor de 1.932,18 euros;

73)O embargante transferiu para conta bancária da embargada a 16.09.2021, o valor de €1 600, 00, com o descritivo «pensão de alimentos», correspondente a parte dos valores devidos ao abrigo da sentença propaladas no processo de “modificacion de medidas” espanhol.

74)No apenso B), foi proferida sentença a 07.11.2021, entretanto transitada em julgado, que absolveu a Requerida e julgou extinta a instância, com fundamento no trânsito em julgado da sentença proferida no tribunal espanhol, com o mesmo objeto e sujeitos processuais.

75)Por sentença transitada em julgado, datada de 22.05.2020 no âmbito do processo de “modificación de medidas n.º 259/18”, que correu os seus termos no “Juzgado de 1ª Instância e Instrución nº 2 de Corcubión”, segundo a qual, julgando parcialmente procedente a ação interposta pela ora Embargada, determinou a manutenção da pensão de alimentos no valor de 200,00€ para cada um dos menores, estabelecida na sentença de Regulação das Responsabilidades Parentais, de 28 de fevereiro de 2014, propalada pelo Tribunal Judicial ....

76)No âmbito do processo nº ...16, que correu termos no Julgado de 1ª Instância n.º 10 da Corunha, relativo ao pedido de regresso das crianças a Portugal, foi proferido acórdão, já transitado em julgado, pela Audiência Provincial da Corunha, de 24 de marco de 2017, que recusou o regresso das crianças a Portugal, com fundamento no parágrafo segundo do art.º 12º da Convenção da Haia (integração das crianças num novo meio).

77)Nesse processo nº ...16, a Audiência Provincial da Coruña definiu a situação dos menores em Espanha, atendendo aos seus superiores interesses, excluindo a sua permanência ilícita naquele país.

78)Foi a seguinte a decisão do tribunal de 23.11.2015, no apenso B): «Considerando a necessidade de definição, por Tribunal de Família e Menores, de que o ora Requerente tem condições para passar a ter os menores a residir consigo, caso o mandado de detenção europeu seja cumprido, independentemente do resultado do procedimento em curso no âmbito da Convenção sobre o rapto internacional de crianças – incompreensivelmente lento até ao momento -, considerando o teor do relatório social às condições (habitacionais, profissionais e económicas do agregado familiar do progenitor fixa-se provisoriamente a residência das crianças junto deste último, nos termos do artigo 28º do RGPTC»

79)A Embargada foi notificada da decisão assente em 78)

80)A embargada, em cumprimento do determinado por sentença de 25.01.2023 e acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09.01.2024, ambos propalados no âmbito da ação declarativa sob a forma de processo comum – processo n.º 2/20...., que corre os seus termos no Juízo de Competência Genérica ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra e já transitados em julgado, procedeu ao pagamento ao Autor da quantia de 30.078,10€ (trinta mil e setenta e oito euros e dez cêntimos).

81) (Aditado.) Consta do ponto 16 do requerimento executivo: “Assim, durante esse período de tempo foi a Exequente, na qualidade de mãe e legal representante dos menores quem suportou sozinha, com um encargo muito mais agravado para si, devido ao incumprimento do Executado, as despesas com alimentação, vestuário e calçado, lazer, habitação, saúde, educação e atividades extracurriculares dos menores.”


*

           Sendo correto o sentido do decidido pelo Tribunal recorrido, apenas entendemos que também o período salvaguardado por aquele (em 2015) não deve ser concedido à Exequente, na consideração de que o título que invoca foi por ela totalmente rejeitado e amputado, sendo um abuso de direito a sua invocação.

Diz-nos a decisão recorrida, corretamente:

“A decisão provisória de 23 de novembro de 2015 – inexistindo qualquer outra que se lhe sobreponha – prevalece sobre a RERP de 2014; tal prevalência cessa com a sentença proferida no tribunal espanhol e cujo trânsito em julgado determinou a extinção da instância do apenso B) com fundamento em caso julgado; note-se, aliás, que a própria decisão provisória de 23 de novembro de 2015 transitou em julgado, pelo que a sua eficácia na ordem jurídica nacional e europeia é absoluta; a tanto não obsta o acórdão de revogação da decisão da primeira instância espanhola, no âmbito do processo nº ...16, que correu termos no Julgado de 1ª Instância n.º 10 da Corunha, relativo ao pedido de regresso das crianças a Portugal, acórdão este da Audiência Provincial da Corunha, de 24 de marco de 2017; na verdade, como é consabido, é total a independência entre o procedimento de rapto internacional e o processo tutelar cível, razão pela qual a exequente, habilidosamente, apenas depois do dito acórdão recusante do regresso, intentou a ação de alteração da RERP portuguesa, perante a instância judiciária espanhola; eis porque o acórdão de 24 de março que 2017, da audiência Provincial da Corunha, que determinou o não retorno dos menores a Portugal, apesar da aplicação automática no ordenamento jurídico português, nos termos do disposto no Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro, não “retirou qualquer efeito prático e legal à dita decisão judicial de 23.11.2015, sobrepondo-se-lhe; distorce a Embargada o alcance de tal decisão, ao atribuir-lhe a fixação formal da residência das crianças junto de si, atenta a total independência entre a decisão relativa ao rapto e a de RERP cuja alteração já pendia em Portugal, sob o apenso B) e com decisão – repete-se – provisória a favor do Embargante, datada de 23.11.2015; é tal a voracidade argumentativa da Embargada que nem sequer, salvo o devido respeito, se apercebe que entra em contradição, porquanto – a ser como aduz – nem carecia de alteração da RERP em Espanha, porquanto já existia a de 2014 em Portugal e a alteração de janeiro de 2015; mas fê-lo porque a Embargada estava ciente de estar a correr termos em Portugal ação de alteração da RERP já com decisão provisória de atribuição da residência das crianças ao pai, em nada afetada com o dito acórdão recusante, contrariamente ao impacto sentido por este pai; aliás, esta progenitora nem precisaria de intentar a ação de alteração da RERP em Espanha, mas preferiu fazê-lo pela segurança que tanto lhe trazia, à semelhança do ganho de causa com que já vinha embalada pelo acórdão da Audiência Provincial da Corunha, de 24 de marco de 2017.”

(…)

“Portanto, a decisão de 23.11.2015 impõe-se. Nesta decorrência, o dever de assistência previsto no art. 1874º do CC, a partir de tal data, não se poderia guiar pela bitola de 28.02.2014, porquanto o pressuposto da obrigatoriedade de desembolso dos 200,00 mensais a favor de cada criança tinha-se alterado, a saber a residência então (28.02.2014) fixada junto da progenitora.

É certo que a decisão de 23.11.2015 não fixou pensão de alimentos a cargo da progenitora. A explicação é compreensível: a devedora dos alimentos (desembolso ativo) estava propositada e habilidosamente escondida no país vizinho, desconhecendo este tribunal a sua situação financeira.

De todo o modo, o pai das crianças não reclamou a fixação da pensão alimentícia a receber por si em benefício das crianças.”

(…)

“Escalpelizando, insurge-se a Embargada contra o facto de o Embargante se recusar a liquidar alimentos a favor das crianças entre dezembro de 2015 e maio de 2020, como argumento formal (do embargante) da residência, não correspondente à residência efetiva dos mesmos filhos.

Não lhe assiste razão, porquanto a Embargada, devidamente notificada de todo o processado, desde que se dignou outorgar procuração com poderes especiais à sua Ilustre Mandatária e, mais tarde, informar os autos de endereço de notificação, não logrou obter a destruição da dita decisão provisória.

Em segundo lugar, é a Embargante que vem reclamar direitos creditórios – alegadamente em nome das crianças –, com base numa (alegada) residência de facto, quando raptou as crianças e manteve-as ocultas em Espanha o tempo suficiente para a segunda instância espanhola fazer valer a exceção do art. 12º da Convenção da Haia de 1980 e, a partir daí, dificultou o mais que pode o contacto do pai com as crianças, durante todo o apenso B), bem mais para além do termo temporal do pedido de alimentos (maio de 2020).”

(…)

“Argumenta a embargada que, “do teor literal daquele despacho, decorre que, contrariamente ao alegado pelo Embargante, o tribunal nunca fixou provisoriamente a residência dos menores com o Embargante, uma vez que tal só ocorreria, de acordo com o despacho judicial de 23.11.2015, do juízo de família e menores da Figueira da Foz, caso o mandato europeu fosse cumprido: não tendo tal mandado sito cumprido, nunca a residência dos menores foi fixada, ainda que provisoriamente com o ora Recorrente”.

Salvo o devido respeito, equivoca-se a embargada em toda a linha, porquanto a condicionante do cumprimento do mandado de detenção europeu apenas relevava como início efetivo da residência das crianças com o pai, porque nem sequer havia obstáculos quanto às condições residenciais.

(…)

“Mas, independentemente disso, a fixação formal da residência junto do pai teve lugar a 23.11.2015: “fixa-se provisoriamente a residência das crianças junto deste último, nos termos do artigo 28º do RGPTC”.

A decisão provisória de alteração da RERP de novembro de 2015 manteve-se em vigor até à decisão proferida em 22 de maio de 2020, no âmbito do processo de modificación de medidas definitivas n.º 259/2018, que correu termos no Juzgado de 1.ª Instancia e Instrución n.º 2 de Corcubión. Isto é, entre 23 de novembro de 2015 e maio de 2020, a residência das crianças esteve judicialmente fixada junto do Embargante, passando a estar fixada junto da embargada com a decisão de maio de 2020 tomada no tribunal espanhol. E aquela decisão provisória alterou todo o regime da regulação das responsabilidades parentais, incluindo a cláusula referente ao pagamento da prestação de alimentos, que cessou perante a fixação da residência provisória das crianças com o Embargante.”

(…). Quanto à reclamação do Embargante, para afastar também todo o período de 2015, diz a decisão recorrida:

“Apreciando, dir-se-á que, ainda que lhe assista razão quanto à violação do constitucional direito das crianças ao convívio com o pai e ao tratamento destes com respeito por parte da progenitora, a verdade é que a decisão judicial que traduziu tamanhas violações apenas teve lugar a 23 de novembro de 2015. Até lá, impõem-se as dimensões de indisponibilidade e irrenunciabilidade do direito a alimentos, nos termos do art. 2003 e ss. do CC.” (Fim da citação.)

Não concordamos com este último parágrafo, que revela um obstáculo que deverá ser tido por meramente formal.

            Vejamos:

            Também a guarda e o convívio familiar são direitos fundamentais e foram irremediavelmente violados pela Exequente.

            Está em causa a invocação de um título executivo (sentença) que a Exequente mostrou rejeitar de uma forma ostensiva e claramente injusta.

           Essa invocação, passados 8 anos, de forma amputada, no contexto que se percebe, parece-nos abusiva. (A partir de novembro de 2015, até seria a Exequente a prestar alimentos aos filhos, juntos do pai.)

No abuso de direito estamos perante posições jurídicas contrárias aos valores estruturantes do sistema jurídico.

            É um limite indeterminado ao comportamento jurídico, que passa pelos conceitos de fim, de bons costumes e de boa fé.

           Trata-se de um conceito indeterminado, que carece de um processo de concretização para melhor aplicar a justiça ao caso concreto.

Há, assim, necessidade de surpreender grupos típicos de comportamentos abusivos frente a "um universo informe de comportamentos inadmissíveis" - M. Cordeiro, Boa Fé, 1997, página 719.

           Têm sido considerados grupos típicos: a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegalidades formais, a suppressio e a surrectio, o tu quoque e finalmente o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.

            Dúvidas não há que a decisão inicial foi alterada em novembro de 2015, devendo a residência passar a fazer-se junto do progenitor.

A condicionante do cumprimento do mandado de detenção europeu apenas relevava como início efetivo da residência das crianças com o pai, porque não havia outros obstáculos.

A solução da regulação é unitária, incluindo de forma integrada as questões da residência, guarda, convívio e responsabilidades financeiras.

O argumento da independência das suas obrigações serve o intento oportunístico da Exequente – o que lhe serve é para cumprir, o que não lhe serve é para incumprir. A Exequente “retalhou” tal solução e procura servir-se dela apenas no que lhe interessa.

A Exequente rejeitou as decisões portuguesas, deslocando ilicitamente as crianças, escondendo-as do pai (não constavam sequer nas escolas), quis assumir sozinha a sua guarda e durante 8 anos nem pensou sequer em cobrar alimentos, bastava-se a si própria. (No apenso B, no âmbito do referido no facto 47, ela declarou mesmo que rejeitava a competência dos tribunais portugueses; ela foi declarada contumaz no processo crime em que era arguida.)

Foi a infratora quem beneficiou, conseguindo, com o passar dos anos, o denominado “facto consumado”, pois o Tribunal espanhol acabou por decidir com base na “integração das crianças em novo meio”.

Por força do incumprimento originário, grave, do início de 2015 (a deslocação), impunha-se uma alteração da regulação. A Exequente tudo fez para que esta alteração (já desencadeada formalmente em novembro de 2015) não fosse realizada no processo português.

Quer isto dizer que a Exequente rejeitou as decisões portuguesas, que agora vem invocar limitadamente no que lhe interessa.

Hoje já não está em causa o sustento das crianças, mas apenas um ressarcimento tardio da Exequente. Durante anos, esta não convocou o pai para nada, vindo agora pedir uma responsabilização financeira, amputada de direitos alienados. A Exequente substituiu-se totalmente ao pai porque quis, voltando agora atrás naquilo que parcialmente entende em vigor, desconsiderando tudo aquilo que dolosamente destruiu.

Tivesse cumprido a decisão da guarda e seria ela a devedora de alimentos.

Em conclusão, por ação da própria Exequente, está em causa o valor unitário e a integridade do título executivo.

Parece-nos ilegítimo o exercício do direito executivo quando a Exequente invoca o título que ela própria rejeitou e incumpriu ostensivamente, rejeitando a competência dos tribunais portugueses, sendo contumaz no processo crime de deslocação ilícita das crianças, para a obtenção do facto consumado.

Este título vem a ser formal e nuclearmente alterado ainda no ano de 2015 (novembro). Mas essa alteração é apenas o confirmar da sua relevante alteração de facto já no início de 2015.

Conceder a possibilidade de execução à Exequente, neste contexto, é ofender valores relativos aos bons costumes e à boa fé, é beneficiar quem, durante anos, dolosamente, rejeitou a decisão do tribunal, na parte que não lhe convinha, chamando à colação os direitos dos filhos que desconsiderou e violou.

Por fim, não estão aqui em causa os direitos firmados depois pelo Tribunal espanhol, para o período posterior a maio de 2020.


*

Decisão.

           Julga-se o recurso da Exequente improcedente e procedente o do Embargante, declarando extinta toda a execução.

           Custas pela Exequente, vencida (art.527º, nº 2, do Código de Processo Civil).

            Coimbra, 2025-01-28


(Fernando Monteiro)

(Vítor Amaral)

(Luís Cravo)