APOIO JUDICIÁRIO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA CONTESTAR
JUNÇÃO AOS AUTOS DE DOCUMENTO COMPROVATIVO DE PEDIDO DE NOMEAÇÃO DE PATRONO
DECURSO DO PRAZO PARA CONTESTAR
INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 139.º DO CPC
Sumário

I - Considerando o espírito da lei e a respetiva teleologia socio-normativa: impedir que o cidadão carenciado economicamente não tenha acesso aos tribunais, o nº4 do artº 24º da Lei n.º 34/2004, de 29.07, deve ser interpretada no sentido de que a interrupção do prazo em curso tanto pode ocorrer com a junção aos autos pelo requerente do documento comprovativo da apresentação do requerimento nos serviços da Segurança Social para a concessão do apoio judiciário, como pela informação nesse sentido - ou já da concessão do apoio -, pelos aludidos serviços ou por outra entidade idónea, vg. a Ordem dos Advogados.
II – Porém, tal informação tem sempre de ser prestada ainda no decurso do prazo «comum ou ordinário» respetivo, não podendo ao mesmo acrescer o período extraordinário previsto no artº 139º do CPC.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Relator: Carlos Moreira
Adjuntos: Alberto Ruço
Fernando Monteiro



ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

No processo em epígrafe, em que são executados AA e BB

 foi proferido o seguinte despacho, extratado na sua sumula essencial:

«Da tempestividade dos Embargos de Executado:

A executada AA …foi citada na sua pessoa para, em 20 dias, deduzir embargos à execução e/ou oposição à penhora no dia 28 de fevereiro de 2024 …pelo que o prazo de 20 dias para apresentar os embargos terminou em 19 de março de 2024. Os três dias úteis seguintes são: 20, 21 e 22 de março de 2024…

O executado, BB …foi citado em 3.ª pessoa (a executada AA) para, em 20 dias, deduzir embargos à execução e/ou oposição à penhora no dia 28 de fevereiro de 2024 … pelo que o prazo de 20 dias para apresentar os embargos terminou em 3 de abril de 2024. Os três dias úteis seguintes são: 4, 5 e 8 de abril de 2024…

Na execução, a executada AA …não comunicou até 19 de março de 2024 – data em que o prazo que dispunha para embargar terminou – que apresentou na Segurança Social pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e não juntou o documento comprovativo da apresentação desse requerimento nos autos executivos.

Também o executado BB …não comunicou até 3 de abril de 2024 – data em que o prazo que dispunha para embargar terminou – que apresentou na Segurança Social pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e não juntou o documento comprovativo da apresentação desse requerimento nos autos executivos.

Os requerimentos/ofícios de notificação ao tribunal das duas decisões de deferimento do apoio judiciário aos dois executados foram juntos aos autos executivos em 23 de abril de 2024.

E os email/ofícios a comunicar o deferimento do pedido de Apoio Judiciário e a nomeação de patronos aos dois executados…foram juntos aos autos executivos em 8 de abril e, subsequentemente, em 12 de abril de 2024.

Os executados foram neste apenso notificados do despacho de 20 de maio de 2024 e nada vieram dizer.

(…)os embargos (foram) deduzidos pelos dois executados…em 10 de maio de 2024.

O prazo para deduzir embargos foi interrompido nos termos do artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29/07 ?

Acho que não. Passo a explicar.

De acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 4, da Lei 34/2004, de 29/07,

“ 4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.”

A interrupção dos prazos em curso por efeito do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono foi entendida pelo Tribunal Constitucional, nos termos do Acórdão nº 515/2020 (publicado no Diário da República n.º 225/2020, Série I de 2020-11-18), como garantia inerente ao direito de acesso à justiça e aos tribunais, estatuído no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição.”, de molde a que quem careça de ser patrocinado em juízo por advogado e não disponha de condição económica idónea a suportar o custo de tais serviços,...

O Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 98/2004, veio considerar …se pôr a cargo do requerente da nomeação de patrono o acto de dar a conhecer e documentar no processo a apresentação do pedido, para efeitos de interrupção do prazo em curso, constitui um ónus que compromete (ou compromete desproporcionadamente) o direito de acesso à justiça por parte dos cidadãos economicamente carenciados. (…) Ora, não se considera gravoso para o requerente, em termos de lesar o seu direito de aceder à Justiça, exigir que ele documente nos autos a apresentação do requerimento de apoio judiciário nos serviços de segurança social, no prazo judicial em curso, para que este se interrompa. Trata-se, com efeito, de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica. Note-se, aliás, - o que não é despiciendo - que, no modelo de impresso aprovado, em que o requerente inscreve o seu pedido, consta uma declaração, a subscrever pelo interessado, no sentido de que tomou conhecimento de que deve apresentar cópia do requerimento no tribunal onde decorre a acção, no prazo que foi fixado na citação/notificação. Com o que nem sequer pode legitimamente invocar o desconhecimento daquela obrigação.”

As razões que estiveram na origem da exigência de apresentação do documento comprovativo do pedido de apoio judiciário para a interrupção do prazo, prendem-se com o princípio da segurança, evitando a indefinição dos prazos processuais, da confiança da contraparte (de que decorrido este prazo perentório se verificou a extinção do direito de praticar o ato), da igualdade (o sistema de patrocínio judiciário visa nivelar as desigualdades, possibilitando o acesso à justiça dos mais carenciados, …e da auto-responsabilização das partes.

Por outro lado, não decorre da letra nem do espírito da lei e é, em nosso entender, frontalmente contrária a esta, uma interpretação desta norma, que defenda que é ao tribunal que cabe averiguar se as partes que se encontram em situação de revelia absoluta, requereram apoio judiciário com vista à nomeação de patrono.

Nestes termos, se conclui por ser a interpretação conforme ao disposto no artº 24 nº4 da LAJ que o prazo em curso se interrompe com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo e que a junção desse documento no processo para o qual foi requerido o benefício, compete ao requerente do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, por ser a parte interessada na interrupção do prazo.

Mais se conclui que, não cumprido este ónus pelo requerente do apoio judiciário, só se pode considerar suprida esta omissão, pela informação prestada no processo pela Segurança Social de que foi pedido e deferido aos RR. a nomeação de patrono, se esta informação for prestada nos autos antes do decurso do prazo.

Por último, tem sido jurisprudência constante do nosso Tribunal Constitucional que esta interpretação se mostra conforme à constituição, por tal exigência não constituir um ónus excessivo imposto ao requerente, nem comprometer de forma desproporcionada o acesso à justiça em razão da carência económica. “.

Como acima foi verificado, os dois executados AA e BB não cumpriram com o ónus que resultava do artigo 24.º, n.º 4, da LAJ, pelo que o direito a praticar o ato (instauração de embargos e executado) extinguiu-se pelo seu decurso.

Com efeito, não tendo anexado os dois executados o pedido de apoio judiciário formulado na modalidade de nomeação de patrono, não se pode ter o prazo dos 20 dias para embargar como interrompido.

Por outro lado, essa omissão também não pode ser suprida, dado que a junção aos autos executivos do apoio judiciário deferido ou da nomeação de patrono não ocorreu antes do termo do prazo em curso, como resulta do acima enunciado neste conspecto.

Nestes termos, e tendo os presentes embargos sido instaurados em 10 de maio de 2024, verifica-se que os mesmos são extemporâneos quanto aos dois executados …pois, nessa data, estava já ultrapassado o prazo para deduzir embargos, prazo esse que não se interrompeu, bem como os três dias úteis posteriores durante os quais o ato poderia ainda ser realizado mediante o pagamento das multas previstas no art. 139º, do Código de Processo Civil.

**

Pelo exposto, indefere-se liminarmente os embargos à execução apresentados pelos dois executados …por extemporâneos, ao abrigo do disposto na al. a), do nº 1, do art. 732, do Código de Processo Civil.»

2.

Inconformados, recorreram os embargantes.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1- O Tribunal a quo indeferiu liminarmente os embargos à execução apresentados pelos dois executados AA e BB, por extemporâneos, ao abrigo do disposto na al. a), do nº 1, do art. 732, do Código de Processo Civil.

2- A executada AA foi citada na sua pessoa para, em 20 dias, deduzir embargos à execução e/ou oposição à penhora no dia 28 de fevereiro de 2024 pelo que o prazo de 20 dias para apresentar os embargos terminou em 19 de março de 2024. Os três dias úteis seguintes são: 20, 21 e 22 de março de 2024.

3- O executado, BB, por sua vez, foi citado em 3.ª pessoa (a executada AA), pelo que o prazo de 20 dias para apresentar os embargos terminou em 3 de abril de 2024. Os três dias úteis seguintes são: 4, 5 e 8 de abril de 2024.

4- Na execução, a executada AA não comunicou até 19 de março de 2024 que apresentou na Segurança Social pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e não juntou o documento comprovativo da apresentação desse requerimento nos autos executivos.

5- Também o executado BB não comunicou até 3 de abril de 2024 – data em que o prazo que dispunha para embargar terminou – que apresentou na Segurança Social pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e não juntou o documento comprovativo da apresentação desse requerimento nos autos executivos.

6- Os requerimentos/ofícios de notificação ao tribunal das duas decisões de deferimento do apoio judiciário aos dois executados foram juntos aos autos executivos em 23 de abril de 2024.

7- E os email/ofícios a comunicar o deferimento do pedido de Apoio Judiciário e a nomeação de patronos aos dois executados AA e BB foram juntos aos autos executivos em 8 de abril e, subsequentemente, em 12 de abril de 2024.

8- A questão prende-se com a tempestividade dos embargos deduzidos pelos dois executados AA e BB em 10 de maio de 2024.

9- No processo principal consta a seguinte notificação, a 8 de Abril de 2024, pela Ordem dos Advogados, Refª: N.P. nº ...85/2024 - V/Refª: Proc. nº 375/24.... - Soure - Juízo Execução - Juiz 2 - Refª S.S.: Centro Distrital de Segurança Social de Coimbra - Proc. nº ...05 do Beneficiário(a): BB.

10-Na sequência do deferimento do pedido de Apoio Judiciário referente ao Processo da Segurança Social supra-referido, comunicamos a V.Exª que foi nomeado(a) para o patrocínio o(a) Senhor(a)

Advogado(a): Dr(a) (...) C.P. nº ...59... com domicílio profissional sito (...);

11-Informamos que, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 5 do artigo 24º e artigos 30º e 31º da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, o(a) Senhor(a) Advogado(a) foi notificado(a), na presente data, da nomeação efectuada.

12-E ainda outra notificação da Ordem dos Advogados: em 12 de Abril de 2024 Assunto: Apoio Judiciário - N/Refª: N.P. nº ...85/2024 - V/Refª: Proc. nº 375/24.... - Soure - Juízo Execução - Juiz 2 - Refª S.S.: Centro Distrital de Segurança Social de Coimbra - Proc. nº ...05 - ao Requerente: BB.

13-Na sequência do deferimento do pedido de Apoio Judiciário referente ao Processo da Segurança Social supra referido, comunicamos a V.Exª que foi nomeado(a) para o patrocínio o(a) Senhor(a) Advogado(a): Dr(a) CC R das ..., 6 ... ... em substituição do(a) Senhor(a) Advogado(a): Dr(a) DD Informa-se que, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 5 do artigo 24º e artigos 30º e 31º da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, o(a) patrono nomeado(a) foi notificado(a), por via postal simples, na presente data, da nomeação efectuada.

14-E de igual forma para a executada / embargante AA.

15-Na jurisprudência tem-se admitido que o conhecimento pelo tribunal da decisão que deferiu o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, no prazo em curso para a prática do ato, sem que se mostre junto o comprovativo do pedido formulado junto da entidade administrativa, não pode ser ignorado pelo tribunal para efeitos de determinar a interrupção do prazo judicial para a prática do ato.

16-Neste sentido podem consultar-se entre outros: Ac. Rel. Coimbra 05 de maio de 2015, Proc.50/14.0T8CNT.C1; Ac. Rel. Évora14 de julho de 2011, Proc.481/10.4TBOLH-A.E1 e Ac. Rel. Guimarães 17 de dezembro de 2018, Proc. 849/18.8T8BRG-A.G1 (todos acessíveis em www.dgsi.pt).

17-Estando em causa na apreciação liminar dos embargos, a tempestividade da oposição, por não ter ocorrido o facto que determina a interrupção do prazo para a prática do ato (a junção do comprovativo do pedido formulado junto da entidade administrativa competente, a informação prestada pela ordem dos advogados revela-se e constitui um facto essencial e como tal deve constar do enunciado dos factos provados, por documento, ponderando as diferentes soluções plausíveis de direito.

18-Conclui-se, assim, que nos factos provados deve incluir-se o seguinte facto:

- A fls. (...) do processo de execução consta a informação prestada pelos Serviços da Ordem dos Advogados em 8 de abril de 2024, por comunicação eletrónica, com a seguinte referência “N/ Proc. N.º APJ /….../2024” e que tem o teor que atrás se transcreveu;

19-a informação prestada pela Ordem dos Advogados (em tempo, diga-se dia 8 de abril de 2024 - 3.º dia útil) operou a interrupção do prazo para apresentação dos embargos, por aplicação do art. 24º/4 da Lei 34/2004 de 29 de julho.

20-A questão que cumpre apreciar prende-se com os efeitos do pedido de proteção jurídica, na modalidade de nomeação de patrono na tramitação processual e data a partir da qual se inicia o prazo para apresentar a petição de embargos, quando o requerente não comprova nos autos o pedido formulado, mas existe informação prestada pela Ordem dos Advogados no prazo em curso para a prática do ato, que confirma a apresentação do pedido, na modalidade de nomeação de patrono.

21-Em sede de execução ordinária, o prazo para deduzir embargos de executado é de 20 dias, a contar da citação – art. 728º/1 CPC.

22-Uma vez apresentados, os embargos são liminarmente indeferidos quando tiverem sido deduzidos fora do prazo (art. 732º/1 a) CPC).

23-O prazo para deduzir embargos é um prazo processual, sujeito à regra da continuidade dos prazos, prevista no art. 138º CPC. 24-Por se tratar de um prazo perentório, o decurso do prazo extingue o direito de praticar o ato (art. 139º/1 /3 CPC).

25-O prazo inicia-se com a respetiva citação e apenas se suspende ou interrompe nas circunstâncias previstas na lei.

26-A lei do apoio judiciário – Lei 34/2004 de 29/07, na redação da Lei 47/2007 de 28/08 – prevê no art. 24º/4, a interrupção do prazo que estiver em curso, quando o pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono é formulado na pendência do processo.

27-Determina o art. 24º/4 / 5 do citado diploma:

“(…)

4. Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.

5. O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:

a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;

b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono. “

 28-A razão de ser do preceito visa garantir a tramitação processual da ação judicial a prazo certos e definidos e ainda, a garantia de acesso ao direito, por parte daquele que se encontrando numa situação de insuficiência económica carece de nomeação de patrono para promover a sua defesa na ação (art. 20º e 13º da CRP).

29-Como se observa no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 467/2004: “[A] norma em causa dispõe sobre os efeitos da apresentação do requerimento com que é promovido perante a competente autoridade administrativa o procedimento administrativo de concessão do apoio judiciário e da junção aos autos do documento comprovativo desse requerimento, determinando que “o prazo que estiver em curso interrompe -se” com a junção aos autos deste documento.

30-A ratio do preceito é evidente.

31-Os prazos processuais são interregnos de tempo que são conferidos aos interessados para o estudo das posições a tomar no processo na defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, maxime, para virem ao processo expor os factos e as razões de direito de que estes decorrem.

32-Uma tal decisão poderá envolver a utilização de conhecimento técnicos especializados da área do direito, sendo que a capacidade para a sua prática apenas é reconhecida às pessoas que estão legalmente habilitadas a exercer o patrocínio judiciário, em regra, os advogados.

33-Ora, estando pendente de apreciação o pedido de concessão do apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono que há de tomar aquela posição do interessado, apreciação essa levada a cabo, no domínio da Lei n.º 30 -E/2000, pelas autoridades administrativas da Segurança Social (no sistema anterior essa tarefa era levada a cabo pelo próprio tribunal), se o prazo em curso não se interrompesse com a apresentação do pedido de apoio à autoridade administrativa competente e a prova dessa apresentação perante a autoridade judiciária perante quem corre a ação, correr -se -ia o risco de o interessado não poder defender de forma efetiva e eficaz os seus direitos e interesses legalmente protegidos, quer porque o prazo entretanto se poderia ter esgotado, quer porque disporia sempre de um prazo inferior ao estabelecido na lei para prática do ato ao qual o prazo está funcionalizado.

34-A não acontecer essa interrupção, os interessados ficariam sempre em uma posição juridicamente desigual quanto à possibilidade do uso dos meios processuais a praticar dentro do prazo em relação aos demais interessados que não carecessem economicamente de socorrer -se do apoio judiciário por poderem contratar um patrono para defender as suas posições na ação.

35-O princípio da igualdade de armas, corolário no processo do princípio fundamental da igualdade dos cidadãos, sairia irremediavelmente afetado”.

36-Seguiram esta interpretação, entre outros, o Ac. Tribunal Constitucional 350/2016 de 07 de junho e o Ac. Tribunal Constitucional 515/2020 de 13 de outubro de 2020 (acessíveis em www.dgsi.pt e o último publicado no DR I série, nº N.º 225 de 18 de novembro de 2020).

37-Se dúvidas houvesse sobre o pedido formulado pelos Executados / Embargantes, junto da Segurança Social, dever-se-ia ter ordenado aos Executados que juntasse cópia de tal pedido, ou solicitado a tal entidade a sua remessa.

38-Acontece que, o Tribunal já tinha a comunicação da Ordem dos Advogados, diga-se duplamente, primeiro em 8 de abril de 2024 e, de seguida, a 12 de abril de 2024.

39-Ao contrário do Douto Despacho a nomeação de Patrono foi tempestiva repita-se em 8 de abril de 2024.

40-Temos pois, para nós, que o documento emitido pela Ordem dos Advogados comprova, suficientemente, que os executados apresentaram, junto da entidade SS, pedido de “nomeação de patrono e dispensa do pagamento dos respetivos honorários” e, por isso, não podemos deixar de considerar cumprido o formalismo imposto pelo n.º 4 citado”.

41-No Ac. Rel. Coimbra 20 de novembro de 2012, Proc. 1038/07.2TBGRD-A.C1, no Ac. Rel. Porto 09 de fevereiro de 2012, Proc. 5406/10.4TBMAI-A.P1; no Ac. Rel. Porto 06 de março de 2017, Proc. 2009/14.8TBPRD-B.P1, no Ac. Rel. Évora de 14 de julho de 2011, Proc. 481/10.4TBOLH-A.E1, no Ac. Rel. Coimbra 05 de maio de 2015, Proc.50/14.0T8CNT.C1.

42-Ora, o que aconteceu, tendo sido notificado para apresentar os documentos assim o fez e, apresentou oposição e foi criada expetativa nos interessados.

43-No Ac. Rel. Guimarães de 17 de dezembro de 2018, Proc.849/18.8T8BRGA.G1 no mesmo sentido. A jurisprudência citada está acessível em www.dgsi.pt.

44-Transpondo tais considerações para o caso concreto, somos levados a considerar que os embargos foram apresentados dentro do prazo, por ter ocorrido um facto que determinou a interrupção do prazo para deduzir embargos: a concessão de proteção jurídica na modalidade de nomeação de patrono.

45-Deve, assim, ser ampliada a decisão de facto, consignando o seguinte facto:

- Em 8 de abril de 2024, por comunicação eletrónica enviada pela Ordem dos Advogados para o processo de execução, junta a fls. (...), com a seguinte referência “N/ Proc. N.º APJ /2024” prestou-se a seguinte informação: "Coimbra, 8 de Abril de 2024 - Assunto: Apoio Judiciário - N/Refª: N.P. nº ...85/2024 - V/Refª: Proc. nº 375/24.... - Soure - Juízo Execução - Juiz 2 - Refª S.S.: Centro Distrital de Segurança Social de Coimbra - Proc. nº ...05 - Beneficiário(a): BB - Exmo.(a) Senhor(a), Na sequência do deferimento do pedido de Apoio Judiciário referente ao Processo da Segurança Social supra-referido, comunicamos a V.Exª que foi nomeado(a) para o patrocínio o(a) Senhor(a) Advogado(a): Dr(a)

(...)

C.P. nº ...59... com domicílio profissional sito na (...) - Informamos que, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 5 do artigo 24º e artigos 30º e 31º da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, o(a) Senhor(a) Advogado(a) foi notificado(a), na presente data, da nomeação efectuada."

46-E ainda outra notificação da Ordem dos Advogados: "Coimbra, 12 de Abril de 2024 Assunto: Apoio Judiciário - N/Refª: N.P. nº ...85/2024 - V/Refª: Proc. nº 375/24.... - Soure - Juízo Execução - Juiz 2 - Refª S.S.: Centro Distrital de Segurança Social de Coimbra - Proc. nº ...05 - Requerente: BB - Exmo(a) Senhor(a), Na sequência do deferimento do pedido de Apoio Judiciário referente ao Processo da Segurança Social supra referido, comunicamos a V.Exª que foi nomeado(a) para o patrocínio o(a) Senhor(a) Advogado(a): Dr(a) (...) R (...) em substituição do(a) Senhor(a) Advogado(a): (...) Informa-se que, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 5 do artigo 24º e artigos 30º e 31º da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, o(a) patrono nomeado(a) foi notificado(a), por via postal simples, na presente data, da nomeação efectuada.”

47-E revogar o despacho e julgar os embargos deduzidos em prazo, prosseguindo o processo os ulteriores termos, sem embargo da verificação de outro fundamento para o seu indeferimento liminar.

3.

Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda  é a seguinte:

(In)tempestividade dos embargos.

4.

Apreciando.

4.1.

Liminarmente.

Os recorrentes pretendem que se adite aos factos provados o facto referente à comunicação ao tribunal, em 08 e 12 de abril, pela Ordem dos Advogados, que aos executados tinha sido concedido o benefício do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono.

Porém tal facto já está dado como provado na decisão recorrida, a saber:

 «os email/ofícios a comunicar o deferimento do pedido de Apoio Judiciário e a nomeação de patronos aos dois executados…foram juntos aos autos executivos em 8 de abril e, subsequentemente, em 12 de abril de 2024. »

Na verdade, ainda que não se esclareça cabalmente que os «email/ofícios» são da OA, tem de considerar-se, atento todo o circunstancialismo processual vg. o plasmado na decisão e o alegado no recurso, que os documentos são os mesmos e os atinentes à comunicação da OA.

Destarte, os factos a considerar são os vertidos na decisão.

4.2.

Perante eles, perscrutemos.

Assiste razão aos recorrentes quando afirmam que o conhecimento no, /comunicação ao, processo, do facto interruptivo do prazo em curso, qual seja,  que a parte solicitou aos Serviços da SS a atribuição do benefício do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, pode advir não apenas da iniciativa da parte interessada, como também podendo ser fornecida pelos próprios serviços ou por outra entidade idónea.

Esta tem sido a interpretação que, ao menos maioritariamente, a jurisprudência tem vindo a operar.

Assim e para além dos Arestos indicados pelos recorrentes, considerem-se ainda mais os seguintes:

- Ac. TRC de 11.10.2022, p. 2372/20.1T8CBR-B.C1;

- AC. TRG de  23.02.2023, P. 359/21.6T8GMR-A.G1;

- AC. TRL de 26.09.2024, p. 10119/23.4T8LSB-A.L1-2;

- AC. STJ de 19.09.22024, p. 4833/23.1T8MTS.P1.S1, todos in dgsi.pt.

Tendo, neste último Acordão sido, adrede, expendido:

«I. Nos termos do artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, a interrupção do prazo processual em curso, depende da junção aos autos, no decurso desse prazo, do documento comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono.

II. Parece, porém, possível (e desejável) interpretar a norma legal como abarcando no seu objecto e fim social a situação em que a comprovação da apresentação do pedido no prazo legal advém não da junção pelo requerente de cópia do requerimento apresentado, mas da chegada aos autos (por iniciativa das partes, de terceiros ou de instituição ou entidades envolvidas), dentro do prazo em curso, de informação que demonstre que o pedido foi apresentado em tempo.»

(sublinhado nosso).

Efetivamente, a norma do nº4 do artº 24º não impõe que tenha de ser o próprio requerente do apoio judiciário a juntar aos autos o documento comprovativo de que o requereu.

 Razão pela qual é conforme ao espírito da lei e à respetiva teleologia socio-normativa: impedir que o cidadão carenciado economicamente não tenha acesso aos tribunais,  entender que o efeito interruptivo se produz se o tribunal tiver conhecimento do pedido de nomeação de patrono por outra via, como, por exemplo, por informação da segurança social, de outro interveniente no processo ou até de pessoa estranha à lide, ou por conhecimento funcional do tribunal.

Assim sendo,  e como decorre deste Acordão, e constitui jurisprudência pacífica, mister é que a informação tenha sido apresentada dentro do prazo que ainda esteja a decorrer.

Pois que sendo este um prazo perentório, o seu decurso extingue o direito da prática do ato.

E, assim, sendo irrelevante e pífio que o conhecimento do pedido de apoio judiciário seja comunicado após ele ter decorrido, já que - , logicamente e pela natureza das coisas -, se está decorrido, extinguiu-se  e dele, ou sobre ele, não podendo ser reclamados quaisquer efeitos, vg. não podendo pretender-se que se interrompa, com renovação de todo o seu período de tempo para que nesta renovação se possa praticar o ato.

Dito isto, urge ter presente que:

«I - O “prazo em curso” a que se refere o nº 4 do artigo 24º da Lei nº 34/2004 (apoio judiciário) é o prazo estabelecido concretamente na lei para a prática do ato.

II - Tal prazo não é integrado, por acréscimo ou alongamento, com o lapso de tempo, de utilização subsequente, casuística e eventual, previsto no nº 5 do art. 139º do CPCivil.» - Ac. STJ de 17.04.2018, p. 1350/16.0T8PVZ.P1.S2.

A ratio destas conclusões vem, clara e proficientemente, exposta no Aresto:

Assim:

«…uma coisa é o prazo normativo e invariável assinalado na lei para a prática do ato processual (este é que é o prazo que pode estar em curso), outra coisa é a possibilidade, casuística e eventual, de praticar o ato para além (fora) do prazo legal até ao terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, mediante certa penalização (o pagamento imediato de uma multa).

Esta última situação funciona apenas como remédio, não como criação ou formação de um novo prazo a acrescer (diz bem o Recorrente quando significa - aludindo, por reporte a jurisprudência deste Supremo, às palavras de Antunes Varela - que a opção legal agora prevista no nº 5 do art. 139º do CPCivil se fundou no reconhecimento de uma velha pecha da nossa maneira coletiva de agir, e que mais não visou que minimizar as consequências do hábito condenável de guardar para a última hora todo o ato que tem um prazo para ser validamente praticado).

O art. 139º do CPCivil não deixa dúvidas quanto à não assimilação de uma coisa (o prazo legal) à outra (prática do ato para além do prazo legal), aí onde, no respetivo nº 5, se reporta aos “três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo”» (SIC).

4.3.

Munidos destes princípios/critérios dogmático-jurídicos que se têm como sedimentados, atentemos no caso concreto.

Tendo a informação sobre a concessão do benefício do apoio judiciário aos executados/embargantes sido fornecida pela OA, esta informação – versus o que parece transparecer do despacho recorrido -  deve ser considerada e relevar, pois que já se viu que não é estritamente necessário que ela seja fornecida pela parte ou pelos serviços da SS.

Resta saber se ela foi fornecida atempadamente, ou seja, ainda no decurso do prazo respetivo.

E não foi.

Pois que o dies ad quem do prazo dos dois executados terminava em 03 de Abril e a comunicação  da OA apenas foi introduzida em juízo  em 08 de Abril, ou seja,  no terceiro dia útil posterior ao terminus do prazo, nos termos permitidos pelo artº 139º do CPC.

Mas já se viu que a extensão do prazo prevista neste preceito não é aplicável in casu, pois que o prazo que aqui releva é apenas o prazo digamos que, «comum» ou «normal», sem o acréscimo temporal extraordinário  concedido por aquele artigo.

Nesta conformidade se extraindo a final conclusão que, mostrando-se já decorrido este prazo normal ou ordinário, sem que no processo tivesse sido dado conhecimento do pedido ou concessão  do benefício do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, o direito de praticar o ato – embargar – estava já extinto, sendo irrelevante, por extemporânea tal comunicação.

Improcede, ainda que com fundamentação parcialmente diversa, o recurso.

5.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar o despacho recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Coimbra, 2025.01.28.