I. Os depoimentos que descrevem situações que, na prática, se furtam à refutação por elementos probatórios da mesma natureza e não são apoiados pelas regras de experiência, não têm, em regra, capacidade para a formação da convicção do juiz, no sentido dos factos afirmados terem existido, salvo se existir corroboração por outros elementos probatórios, incluindo, como se disse, as regras de experiência.
II. Face a duas versões factuais que se excluem mutuamente, só podendo uma delas corresponder à realidade, não se vislumbrando terceira hipótese, se a versão factual do Réu não é verosímil e, ao invés, a versão factual apresentada pela Autora é corroborada por elementos documentais e testemunhais e se apresenta como a melhor explicação para a existência dos cheques do Ré na posse da Autora e para a existência de movimentos de iguais quantias saídas da conta dos pais da Autora, sendo todos estes elementos contemporâneos, a convicção do tribunal – n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil – tem de se formar em sentido concordante com a versão descrita na petição inicial.
III. A afirmação feita na petição inicial de que «A cobrança da dívida aqui em questão está em risco de perigar, pois a Cabeça de Casal veio a ter conhecimento da diminuição do património dos RR. e das muitas hipotecas e penhoras, de avultados valores, estando por isso em risco de ficar sem o pagamento que lhe é devido.», alegada com vista a preencher a previsão do artigo 2089.º do Código Civil, onde se determina que o cabeça de casal pode cobrar as dívidas ativas da herança, quando a cobrança possa perigar com a demora, embora tenha natureza factual, não é aproveitável enquanto facto, por ser conclusiva e omitir os factos da realidade histórica.
IV –Tal afirmação, por ser conclusiva, não justifica que o tribunal da Relação determine a ampliação da matéria de facto, ao abrigo do disposto na al. c), do n.º 2, do artigo 662.º do Código de Processo Civil.
(Sumário elaborado pelo Relator )
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,
1.º Juiz adjunto…….….José da Fonte Ramos
2.º Juiz adjunto………. José Vítor dos Santos Amaral
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Recorrida……………………Herança aberta por óbito de CC, representada pela cabeça de casal DD.
a) O presente recurso insere-se numa ação declarativa de condenação, com processo comum, e vem interposto pelo Réus.
Respeita à seguinte sentença:
«Pelo exposto:
- julgo parcialmente procedente a ação e, em consequência, condeno o R. AA, a pagar à A. HERANÇA a quantia de quarenta e cinco mil euros, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento;
- julgo parcialmente improcedente a ação e, em consequência, absolvo o R. AA do demais contra si peticionado;
- julgo parcialmente improcedente a ação e, em consequência, absolvo a R. BB do pedido;
- julgo improcedente o pedido de condenação da A. Herança como litigante de má fé e, em consequência, absolvo-a do pedido;
- condeno a A. Herança e o R. AA no pagamento das custas do processo, na proporção do respetivo decaimento. Notifique.»
b) Esta sentença resulta do pedido que a Autora fez ao tribunal alegando que autor da sucessão e esposa emprestaram ao Réu marido, em duas ocasiões, 15.000,00 e 30.000,00 euros, respetivamente, pelo prazo de 5 anos, findo o qual e até à data, apesar das interpelações aquele Réu não pagou. Mais alegaram que o R. marido usou aqueles montantes em proveito comum do casal e no exercício da sua atividade comercial, razão pela qual a Ré mulher também é demandada.
Pediram ainda juros de mora dos últimos cinco anos.
Pediram a condenação dos Réus no pagamento de €45.000,00 euros, mais €9.000,00 de juros vencidos à data da entrada da ação.
Os Réus contestaram negando o alegado empréstimo e pediram a condenação da Autora como litigante de má-fé.
Dizem que houve um empréstimo, mas feito por um dos herdeiros, o qual foi liquidado.
c) Foi proferido acórdão nesta Relação o qual foi revogado em recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em conceder a revista, anulando-se o acórdão recorrido, sendo consequentemente os autos devolvidos ao Tribunal da Relação de Coimbra para o conhecimento da impugnação de facto apresentada nos termos do artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil e subsequente decisão de mérito.»
b) As conclusões do recurso interposto por parte dos Réus são as seguintes:
«1ª- Com este recurso, o recorrente pretende ver reapreciada a douta decisão recorrida, seja no que se refere à matéria de facto, seja no que concerne à solução de direito.
2ª- Nos termos do disposto nos artigos 662.º e 640.º do C.P.C., o Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto, no caso vertente, uma vez que o apelante a impugna, os depoimentos estão gravados e constam dos autos todos os elementos e documentos com base nos quais foi proferida.
Da Impugnação da matéria de facto:
3ª- A escritura intitulada “Habilitação”, datada de 6-3-2018 e exarada a fls. 94 do Livro ...30-E do cartório notarial a cargo do notário EE, nos termos da qual está patenteado o falecimento de CC e são determinados os seus herdeiros, a saber, o cônjuge sobrevivo e os descendentes consubstancia documento autêntico que faz prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos nele atestados com base nas perceções da entidade documentadora, sendo esta força probatória afastada unicamente em caso de comprovada falsidade das declarações, pelo que deve julgar-se provado que (i) em 21 de Fevereiro de 2016, faleceu CC, no estado de casado com FF, e (ii) deixou como herdeiros, para além desta, sua viúva, seis filhos, a saber DD, NIF ...12..., casada com GG, residente na Calçada ..., ... ..., HH, residente no lugar ..., ..., II, residente no lugar
de ..., ..., JJ, NIF ...22..., divorciado, residente na Rua ..., ..., ... ..., KK, NIF ...92..., casado com LL, no regime de comunhão de bens adquiridos, residente na Urbanização .... – ... ... e MM, divorciado, residente na Calçada ..., ... ....
4ª-Impõe-se a correção por este distinto tribunal de recurso da matéria de facto provada, no sentido de dar-se como provada a factualidade vertida na conclusão antecedente.
Por Outro Lado,
5ª- O recorrente pugna pela alteração/modificação da factualidade tida por provada nas alíneas 2), 3), 4), 5) e 6) de 3.1- Factos Provados da sentença, no sentido de serem julgados como provados.
6ª-Relativamente aos factos provados em 2) e 3) vê-se que a A. deixa de situar a entrega de 30000,00€ na residência e em dinheiro, e passa a situá-la numa operação bancária de transferência através do documento nº1 junto ao requerimento referencia citius 5073303 de 11-1-2022, e mantém a entrega de 15000,00 € na residência e em dinheiro que tinha sido levantado à boca do cofre por cheque emitido pela viúva, FF e assinado pela filha, aqui Cabeça de Casal, como evidenciado no documento nº2 que juntou ao requerimento de 11-1-2022, cheque esse que apresentou como documento nº3 no mesmo requerimento de 11-1-2022.
7ª-Destarte, de acordo com a A., a quantia de 30000,00 € é entregue pela transferência feita da conta evidenciada no documento nº1 junto ao requerimento referencia citius 5073303 de 11-1-2022 para uma conta dos RR, e a quantia de 15000,00 € é entregue em dinheiro ao R., após ter sido levantada da conta bancária a que se refere o cheque junto como documento nº3, por desconto à boca do cofre desse mesmo cheque, o que os RR impugnaram pelo requerimento referencia citius 41080054 de 21-1-2022.
8ª- A A. não logrou provar que a quantia de 30000,00 € tivesse sido transferida para conta bancária dos RR, como alegaram, e que a quantia de 15000,00 € tivesse sido levantada em dinheiro no banco através da emissão do cheque junto como documento nº3, porquanto não está nos autos o comprovativo da titularidade da conta que dizem ser dos RR., e do cheque junto como documento nº3 constata-se, do verso, que o cheque não foi levantado em dinheiro à boca do cofre, mas sim depositado numa conta bancária, cuja titularidade se desconhece.
9ª- A inexistente prova de efetiva entrega das quantias pela A. aos RR, de acordo com a alegação da A., não permite a resposta dada aos pontos 2) e 3) aqui impugnados, em razão do que a resposta deve ser modificada para não provado.
10ª-Relativamente à factualidade tida por provada nos pontos 2), 3), 4), 5) e 6) de 3.1 da sentença, cremos que não colhe o argumento da sentença, de os factos datarem de 2004/2005 para justificar as incongruências e alterações dos factos conduzidas pela A., em face da afirmação da A. de que a herança dispunha de apontamentos que lhe permitem descrever os empréstimos, o que fizeram; porém, que na falta desses meios probatórios, a A. viu-se na necessidade de modificar a versão dos factos que constituem a sua causa de pedir, e pelo requerimento referencia citius 5073303 de
11-1-2022, a A. alterou os factos concretos que evidenciou nos artigos 7º a 12º e 14º e 15º da p.i., pelo que os empréstimos já não foram efetuados nos dias 10-6-2005 e 10-12-2005, respetivamente nas quantias de 30000,00 € e 15000,00 €, entregues ao réu marido pelo falecido autor da herança e viúva dele na residência destes, em dinheiro, como dito na petição inicial, outrossim foram efetuados em Março de 2004 e em 17-6-2005, respetivamente nas quantias de €15.000,00 e €30.000,00, aquele em dinheiro levantado à boca do cofre do banco e entregue ao réu marido na casa do autor da herança levantamento feito por cheque emitido pela viúva e assinado pela filha “cabeça de casal”, e este por transferência bancária feita para conta do R. marido em data posterior àquela que consta do cheque sacado pelo réu marido como prova do empréstimo.
11ª- Não obstante a A. não ter justificado esta alteração em face dos apontamentos que tinha alegado deter (os quais nunca evidenciou nos autos), o certo é que e em face da nova versão (i) instada a provar que a transferência bancária da quantia de 30000,00 € se tinha destinado/dirigido por operação de crédito para uma conta bancária dos RR., a A. não o logrou provar, e (ii) instada a provar que o cheque da quantia de 15000,00 € se tinha destinado/dirigido por operação de crédito para uma conta bancária dos RR., a A. não o logrou provar.
12ª- Destarte, a A., alterou a sua versão inicial de que tinha emprestado em dinheiro, e sustentou depois que entregou ao R. datada de 17-6-2005, e mantém que o R. marido, como garantia desse empréstimo, entregou ao autor da herança um cheque de igual valor, o que fez em 10-6-2005, sendo certo que o acolhimento, como verdade, desta versão da A. fere de morte a logica e a experiência comum da vida, porquanto, à falta de uma explicação cabal para que a garantia (o cheque) tenha sido entregue pelo devedor ao credor antes do empréstimo que criaria o crédito, a experiência da vida permite concluir que ninguém entrega uma garantia sem ter recebido a coisa que aquela garante, o que torna o raciocínio aduzido na motivação da decisão de facto, nesta parte provada, manifestamente deficiente.
13ª- No sentido acabado de expor e com vista a avaliar o conhecimento pelos depoentes a seguir indicados quanto à entrega dos cheques pelo R. marido, quanto às circunstâncias de modo, lugar e tempo dos falados empréstimos, quanto ao destino que o R. marido visava com tais empréstimos e quanto à convenção/obrigação de restituir, mas também com quem o R, marido estabeleceu a relação, importa aceder à totalidade desses depoimentos, a saber:
A)II, identificado como herdeiro da herança autora, cujo depoimento registado na ata de 17-3-2022 e gravado no sistema áudio do Citius, com início pelas 09:51:50 horas e términus pelas 10:19:52 horas, afirmou desconhecer as circunstancias dos empréstimos;
B) HH, identificada como herdeira da herança autora, cujo depoimento registado na ata de 17-3-2022 e gravado no sistema áudio do Citius, com início pelas 10:20:36 horas e términus pelas 11:04:26 horas, afirmou desconhecer as circunstâncias dos empréstimos; relativamente
a este depoimento, o distinto Julgador, em rodapé na folha 12 da sentença, esclarece e transcreve-se “ 6 Que relatou um detalhe significativo da veracidade do que dizia e que de outra forma não se justificaria que aparecesse no seu discurso: disse que quando pela primeira vez interpelo o R. e este invocou a incapacidade de pagar, pediu-lhe que este, pelo menos, desse um sinal de “boa-fé”. E, cerca de uma semana depois, quando novamente o interpelou, em vez daquele sinal, voltou a repetir que não podia pagar e “virou-lhe as costas”. Quem relata um evento que não aconteceu, em regra, fica pelas generalidades.”.
Permitimo-nos discordar da credibilidade pelo seguinte:
ouvido o seu depoimento, é visível que a testemunha faz afirmações, mas quando instada, refugia-se em generalidades, senão em contradições, do que é exemplo (i) a rotação 21:45 onde ela diz ter informação de que a conta para onde transitaram 30000,00 € é do Réu, quando os autos, após pedido expresso à entidade bancária, não o evidenciam, (ii) a rotação 23:14 onde ela diz que o cheque de 15000,00 € foi levantado e o dinheiro entregue, para depois dizer que foi informação da irmã e da mãe, e de seguida, confrontada com o facto de o cheque estar nos autos e dele se ver que o cheque não foi levantado, mas sim depositado noutra conta, não ter logrado resposta, a rotação 24:30 onde diz expressamente que não viu qualquer dinheiro ser entregue ao Reu, a rotação 24:45 onde diz que havia juros, mas não sabe a taxa (então quem lhe deu nota do facto omitiu a taxa ??), e rotação 26:45 onde não soube explicar a razão pela qual o cheque de pretensa garantia é entregue pelo devedor ao credor antes do putativo empréstimo. Ouvido este depoimento, vê-se que ele foi claramente concertado antecipadamente.
C)NN, cujo depoimento registado na ata de 17-3-2022 e gravado no sistema áudio do Citius, com início pelas 11:06:38 horas e términus pelas 11:20:44 horas, afirmou desconhecer as circunstâncias
dos empréstimos;
D) KK, identificado como herdeiro da herança autora, cujo depoimento registado na ata de 17-3-2022 e gravado no sistema áudio do Citius, com início pelas 11:21:15 horas e términus pelas 11:37:19 horas, afirmou desconhecer as circunstâncias dos empréstimos;
E) OO, cujo depoimento registado na ata de 17-3-2022 e gravado no sistema áudio do Citius, com início pelas 11:21:15 horas e términus pelas 11:37:19 horas, afirmou desconhecer as circunstâncias dos empréstimos, e até aludiu que os empréstimos foram feitos na antiga moeda corrente (o escudo) quando os empréstimos dos autos são situados em 2005, ou seja, 3 anos após o inicio da nova moeda do euro !!!;
F)PP, cujo depoimento registado na ata de 31-3-2022 e gravado no sistema áudio do Citius, com início pelas 09:49:20 horas e términus pelas 10:05:32 horas, afirmou desconhecer as circunstâncias dos empréstimos, e, apesar de empregado no banco donde alegadamente a transferência de 30000,00 € foi efetuada, não a soube explicar, e ainda ao depoimento da declarante de parte autora,
G) DD, identificada como herdeira e cabeça de casal da herança autora, cujo depoimento registado na ata de 5-5-2022 e gravado no sistema áudio do Citius, com início pelas 15:45:56 horas e términus pelas 16:31:56 horas, afirmou desconhecer as concretas circunstâncias dos empréstimos, o que é inaudito atenta a qualidade invocada de filha que acompanhava mais de perto os pais, com quem trabalhava e com quem também viveu (cf. fls 12 da sentença), porquanto a normalidade da vida conduz à convicção de que a filha que vive e trabalha com a mãe, e até emite os cheques da conta bancária da mãe está obrigada a saber das circunstâncias concretas dos aqui falados empréstimos em valores vultuosos.
14ª- As declarações de parte podem constituir, em si mesmas, uma fonte privilegiada de factos-base de presunções judiciais, lançando luz e permitindo ligar - congruentemente - outros dados probatórios avulsos resultantes do julgamento; porém, esta declarante de parte nada trouxe acerca das circunstâncias de lugar, tempo e modo em que decorreram os empréstimos, ao invés do que lhe era exigível, porquanto e nas palavras do distinto julgador, como se vê a fls. 6 da sentença, é dito que “ Assim se compreende e se tem como verídica a afirmação da cabeça de casal, DD, quando afirmou que, a determinada altura, com medo que lhe subtraíssem os cheques, que estavam ao portador, a mãe, FF, pediu-lhe especificamente que os guardasse”; ora, não é crível que uma filha guarde cheques que pertencem à mãe com quem vive, numa situação de receio, sem que a mãe lhe tenha revelado a razão de ser desses cheques, o que também milita contra a normalidade da vida, sendo ainda de relevar que esta especial declarante de parte, pois que – repete-se - acompanhava mais de perto os pais, com quem trabalhava e com quem também viveu, não conseguiu explicar e revelar o destino para o qual o Reu pediu as quantias que diz terem sido emprestadas, e por isso as declarações prestadas pela herdeira e autointitulada cabeça de casal da herança autora pautaram-se no que aos empréstimos diz respeito pela contextualização pobre, por seremsinópticas e, por vezes, expressamente evasivas, o que tudo constitui um conjunto de caraterísticas mais próximas de um depoimento inverídico do que de um depoimento genuíno.
15ª- Em resultado da totalidade da prova recolhida, ninguém afirmou/elucidou/informou acerca da relação estabelecida entre o casal e o R. marido a respeito dos pretensos empréstimos de 15000,00 € e de 30000,00 €., não foi lograda qualquer prova acerca da entrega ao R. marido das quantias de 15000,00 € e de 30000,00 €., sendo certo que a mera detenção dos cheques assinados pelo R. marido não permite inferir da validade e legitimidade dessa detenção, para alem de o facto de haver cheques assinados pelo R. marido, por si só não permite inferir da existência de contratos de mútuo que a Autora diz que ela e FF terão celebrado com aquele, pela simples razão de, desse simples facto não poder extrair-se os elementos integrantes do mútuo, qual seja o da entrega e o da obrigação de restituir.
16ª-Destarte, importa modificar para “não provada” a factualidade tida por provada nos pontos 2), 3), 4), 5) e 6) de 3.1 da sentença.
17ª-Relativamente à factualidade tida por não provada nos pontos c), d), e), f), g) e h) de 3.2 da sentença, discordamos, a alegada posse/detenção dos cheques pela autora permita deduzir a entrega das quantias, porquanto é necessário, ademais que o possuidor demonstre a sua aquisição legitima, ou seja, prove que foi o sacador quem lhos entregou, o que não aconteceu neste caso, pelo que, ao inferir um facto desconhecido de um facto controvertido, a sentença incorre na violação do disposto no artigo 349º do C.C.
18ª- A motivação de 3.3 da sentença qual não logra apontar um concreto facto contraditório/falso na explicação dos factos dadas de forma escorreita e espontânea pelas testemunhas MM e QQ, sendo certo que não cremos admissível extrair-se frases soltas e apontar intuitos que não estão minimamente expressos no sentido e alcance dos depoimentos, sob pena de serem de todo subvertidos, pelo que os depoimentos a seguir referidos e a que alude a sentença prestados por MM e QQ mostram os necessários e suficientes detalhes, com cabal descrição das cadeias de interações e da reprodução das conversações, com segurança e assertividade da fundamentação e espontaneidade das declarações, razão pela qual se impetra sejam compulsados, na integra, assim se podendo contextualizar os testemunhos em causa de
A) MM, cujo depoimento registado na ata de 17-3-2022 e gravado no sistema áudio do Citius, com início pelas 12:39:00 horas e términus pelas 13:04:25 horas, afirmou que os cheques em causa nos autos lhe haviam sido entregues por ter sido ele quem, de facto, havia emprestado dinheiro ao R. marido por intercedência do seu amigo QQ, filho do R. marido; também
explicou que, tendo ele sido o último dos filhos a sair, por casamento, da casa paterna, onde tinha no seu quarto documentos pessoais do seu comércio de compra e venda de veículos automóveis, constituído por “arquivo morto” de cheques e letras já pagos, os deixou nessa casa paterna, tendo estes cheques sido abusivamente usados pela cabeça de casal, mas à sua revelia e dos seus progenitores, e de
B)QQ, cujo depoimento registado na ata de 17-3-2022 e gravado no sistema áudio do Citius, com início pelas 11:5317 horas e términus pelas 12:38:02 horas, afirmou conhecer as circunstancias da entrega dos cheques pelo seu progenitor, e que não tinha havido um qualquer empréstimo da A. ou da mulher do finado;
19ª- Destarte, a decisão acerca dos factos elencados nas alíneas c) e d), e), f), g) e h) de 3.2 Factos não Provados da sentença, deve ser modificada no sentido de esses factos serem tidos por provados.
-Da ausência dos pressupostos/requisitos da fonte da obrigação:
20ª- O artigo 1142º do C.C. diz que “Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.”, pelo que, como é pacifico, o mútuo exige a verificação de dois elementos constitutivos, a saber (i) empréstimo de uma coisa fungível ou de determinada quantia em dinheiro; (ii) obrigação de restituição da coisa ou dinheiro mutuado e a cargo do devedor, acrescida de eventual remuneração.
21ª- Independentemente do resultado da modificação da matéria de facto, não está provada a obrigação de restituição da coisa, sendo certo que este elemento constitutivo do mútuo não advém da eventual prova de empréstimos, por esta palavra já inserir em si um tal elemento restitutivo, porquanto, se assim fosse (e não é), seria redundante a redação dada pelo legislador à norma, ao exarar o elemento empréstimo e o elemento restituição separadamente.
22ª- No que diz respeito aos empréstimos, ou seja, às entregas, o certo é que elas também não estão provadas, em face da douta decisão que se espera quanto à impugnação da matéria de facto, reiterando-se que a autora não logrou demonstrar que transferiu para uma conta do R. marido a quantia de 30000,00 € como diz ter feito, e também não logrou demonstrar que entregou em dinheiro ao R. marido a quantia de 15000,00 € que obteve por levantamento à boca do cofre de cheque que apresentou e do qual verificámos que esse cheque foi depositado numa outra conta bancária não identificada.
-Da Legitimidade Ativa: preterição do litisconsórcio necessário ativo:
23ª- A ação vem intentada pela Herança Ilíquida e Indivisa Aberta por Óbito de CC, representada pela autointitulada cabeça de casal DD, o que, perscrutando a douta sentença, também consta de modo expresso do respetivo Relatório, verificando-se que é pedido contra o recorrente a condenação no pagamento de quantia certa fundada em alegados empréstimos, achando-se ainda determinados os herdeiros do finado, de acordo com a escritura de habilitação de herdeiros que constitui o documento nº1 junto com a petição inicial, o que sustentou também o pedido de correção da matéria de facto acima impetrado.
24ª- Como diz o nº1 do artigo 2091º do C.C., fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078.º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros, ou contra todos os herdeiros, constituindo, pois, regra legal a obrigatoriedade de intervenção de todos os herdeiros.
25ª- Na previsão do artigo 2089º do C.C. – cobrança de dívidas ativas da herança - a sua aplicabilidade, que constitui exceção à regra geral da intervenção de todos os herdeiros, depende da alegação e concreta prova de que a cobrança da dívida estaria em perigo com a demora no pagamento.
26ª- Da factualidade provada não é sequer feita qualquer referência à existência de qualquer perigo ou que a demora da cobrança possa redundar num qualquer prejuízo, pelo que estava vedado à autointitulada cabeça de casal, desacompanhada dos demais determinados herdeiros, exigir judicialmente dos recorrentes o pretenso empréstimo.
27ª- A exceção prevista no disposto no artigo 2089º do C.C. carece de ser provada pelo interessado que dela pretende fazer uso, e nunca pode ser suprida por acordo das partes, ou pelo Tribunal, sem prova de um qualquer facto que consubstancie o perigo com a demora a que alude a norma, pelo que não se acompanha o teor do último paragrafo da sentença, o qual incorre em violação da acima indicada norma.
28ª- Ocorre nos presentes autos uma evidente situação de litisconsórcio necessário ativo, cuja preterição conduz à absolvição dos executados da instância, por falta de legitimidade da exequente – cf. artigos 33º, nº 1 e 278º, nº 1, al. d), ambos do C. P. C., exceção que é do conhecimento oficioso face ao disposto no artigo 578º e al. e) do artigo 577º, ambos do C.P.C.
Do Interesse em Agir/Do pagamento da quantia peticionada:
29ª- É alegado na petição inicial, e consta da decisão sobre os factos provados na sentença que os putativos empréstimos foram feitos pelo finado CC e pela mulher, pelo que a titularidade do crédito caberá, em partes iguais, ao falecido e à sua mulher, e assim somente integra a herança ilíquida e indivisa a meação que competia ao falecido CC, pertencendo a restante metade, por direito próprio, à sua mulher.
30ª- Destarte, e no respeita à quota parte dos putativos empréstimos que compete à mulher do finado, a herança deste não é a titular desse direito, nem da invocada relação material que carece de tutela judicial.
31ª- Sendo certo que, em face do previsto em caso de litisconsórcio voluntário (cf. artigo 32º do C.P.C.), a autora herança podia peticionar do recorrente a totalidade dos supostos empréstimos, não é menos verdadeiro que, e de acordo com o nº1 do artigo 32º citado, o pagamento pelo recorrente somente poderá corresponder à quota-parte do interesse da herança, o que não vem pedido.
32ª- Da ação é patente que não vem dito e discriminado quanto dinheiro foi emprestado pelo finado e quanto dinheiro foi emprestado pela sua mulher, o que consubstancia facto essencial integrador da causa de pedir e é facto constitutivo do direito da herança autora, pelo que a omissão de alegação e prova de facto essencial e constitutivo do direito prosseguido pela autora conduz inexoravelmente à improcedência da ação.
Violou, pois, a douta sentença as acima enunciadas normas no sentido acabado de expor.
NESTES TERMOS,
concedendo provimento ao presente recurso, revogando a douta sentença recorrida e modificando a factualidade apurada em conformidade com o exposto, V. Exas. farão, como sempre, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.»
c) Foram produzidas contra-alegações no sentido da manutenção da decisão recorrida (não se transcrevem as conclusões por não existirem com tal no final da peça processual).
II. Objeto do recurso.
As questões colocadas pelo recurso são as seguintes:
1 – Verificar se deve julgar-se provado que (i) em 21 de Fevereiro de 2016, faleceu CC, no estado de casado com FF, e (ii) deixou como herdeiros, para além desta, sua viúva, seis filhos, a saber DD, NIF ...12..., casada com GG, residente na Calçada ..., ... ..., HH, residente no lugar ..., ..., II, residente no lugar ..., ..., JJ, NIF ...22..., divorciado, residente na Rua ..., ..., ... ..., KK, NIF ...92..., casado com LL, no regime de comunhão de bens adquiridos, residente na Urbanização .... – ... ... e MM, divorciado, residente na Calçada ..., ... ....
2 – Se devem ser declarados não provados os factos constantes dos n.º 2, 3, 4, 5 e 6 dos factos declarados provados na sentença.
Considerando, segundo a impugnação constante do recurso, que face à totalidade da prova recolhida, ninguém afirmou/elucidou/informou acerca da relação estabelecida entre o casal e o R. marido a respeito dos pretensos empréstimos de 15000,00€ e de 30000,00€., não foi lograda qualquer prova acerca da entrega ao R. marido das quantias de 15000,00€ e de 30000,00€., sendo certo que a mera detenção dos cheques assinados pelo R. marido não permite inferir da validade e legitimidade dessa detenção, para alem do facto de haver cheques assinados pelo R. marido, por si só não permite inferir da existência de contratos de mútuo que a Autora diz que ela e FF terão celebrado com aquele, pela simples razão de, desse simples facto não poder extrair-se os elementos integrantes do mútuo, qual seja o da entrega e o da obrigação de restituir.
3 – Se devem ser declarados provados os factos constantes dos pontos c), d), e), f), g) e h) declarados como não provados na sentença.
4 – Saber se ocorre preterição do litisconsórcio necessário ativo, porquanto a Autora não prova que a cobrança da dívida esteja em perigo com a demora no pagamento – n.º 1 do artigo 2091.º do Código Civil.
5 – Considerando que o alegado empréstimo foi feito por marido e mulher e esta última ainda é viva, não se sabendo quanto dinheiro terá emprestado cada um, cumpre verificar se a omissão de alegação e prova desta factualidade essencial e constitutiva do direito prosseguido pela autora, conduz à improcedência da ação.
6 – Por fim, considerando, designadamente que (conclusão 21ª) «Independentemente do resultado da modificação da matéria de facto, não está provada a obrigação de restituição da coisa, sendo certo que este elemento constitutivo do mútuo não advém da eventual prova de empréstimos, saber se esta circunstância, só por si, obsta à procedência da ação.
III. Fundamentação
a) Impugnação da matéria de facto
1 - Vejamos se deve julgar-se provado que (i) em 21 de Fevereiro de 2016, faleceu CC, no estado de casado com FF, e (ii) deixou como herdeiros, para além desta, sua viúva, seis filhos, a saber DD, NIF ...12..., casada com GG, residente na Calçada ..., ... ..., HH, residente no lugar ..., ..., II, residente no lugar ..., ..., JJ, NIF ...22..., divorciado, residente na Rua ..., ..., ... ..., KK, NIF ...92..., casado com LL, no regime de comunhão de bens adquiridos, residente na Urbanização .... – ... ... e MM, divorciado, residente na Calçada ..., ... ....
Procede a impugnação, pois reproduz a factualidade que consta da escritura de habilitação de herdeiros relativa ao falecido CC.
O facto será aditado sob o número «1/A» dos factos provados.
2 – Vejamos agora se os factos constantes dos n.º 2, 3, 4, 5 e 6 dos factos declarados provados na sentença devem ser declarados não provados.
A resposta é negativa, pelas razões que vão ser explanadas mais abaixo, cumprindo, antes disso, deixar referidas algumas orientações acerca da aquisição da convicção do juiz relativamente aos factos submetidos a prova.
Primeiro – Considerando o princípio lógico da não contradição, quando o juiz se depara com duas versões factuais, as quais no seu núcleo essencial se excluem mutuamente, então só uma delas pode corresponder à realidade histórica, isto é, se uma e verdadeira a outra é falsa e vice-versa.
Segundo: Os factos são, em regra, acontecimentos históricos localizados no tempo e no espaço, acontecimentos históricos, de natureza física, psíquica (como as intenções que movem as nossas ações) ou ideal, como o valor em dinheiro que atribuímos a um objeto destruído.
Terceiro – A realidade factual tem estrutura nomológica (causal no que respeita ao mundo físico e teleológica quanto às ações humanas), pelo que os factos que efetivamente ocorrem produzem efeitos no mundo e resultam de estados factuais anteriores.
Os factos que consistem em ações humanas, os quais não estão submetidos à causalidade que reina no mundo natural, deixam-se compreender porque a ação humana sendo intencional também obedece a leis, neste caso com estrutura teleológica, ou seja, a ação está sempre dirigida a uma finalidade a qual por sua vez visa satisfazer um interesse, um desejo, uma necessidade, própria ou alheia.
Porque a ação é dirigida a uma finalidade, há uma conexão lógica, uma coerência normativa entre interesses, desejos, motivos, intenções, finalidades, decisões, e ainda crenças e meios, de modo que não podemos compreender isoladamente cada uma destas instâncias sem a ligarmos às restantes.
Quarto – Dada a estrutura nomológica da realidade, os factos que efetivamente ocorreram são explicáveis; a explicação gera conhecimento e o conhecimento a convicção.
Na ação humana a sua explicação passa por racionalizá-la, inferindo os motivos, crenças e razões do agente a partir da evidência empírica disponível para um observador.
Quinto – Existe uma simetria entre a explicação e a previsão que permite ir da causa para o efeito e fazer o caminho inverso, agora do efeito para a causa usando para tanto regras de experiência pertinentes.
O raciocínio que vai da causa para o efeito e do efeito para a causa é construído com regras de experiência. São elas que revelam as relações existentes entre os factos, conferindo-lhes sentido.
Sexto – Para verificar se um meio de prova fornece informação probatória, o juiz percorrerá o caminho que vai da causa para o efeito e do efeito para a causa (servindo-se das regras de experiência pertinentes) para verificar se o facto apresentado como prova integra, a montante ou a jusante, o processo causal ou teleológico onde o facto se insere e explica.
Sétimo – A hipótese factual que coincide com a realidade tem caraterísticas particulares que a hipótese falsa não possui, ou seja, a primeira está coberta por sintomas de verdade e a segunda não.
São eles: 1. A coerência da hipótese; 2. A simplicidade da hipótese; 3. A probabilidade da hipótese face ao contexto factual (consensual); 4. A relevância explicativa da hipótese (o processo explicativo há de implicar logicamente o facto que está sob explicação); 5. A testabilidade empírica da hipótese; 6. A corroboração da hipótese e resistência à refutação; 7. A quantidade e diversidade das provas que a apoiam; 8. A confirmação da hipótese por novos elementos factuais (provas) não contemplados inicialmente na hipótese.
Oitavo – O juiz formará a sua convicção sobre a hipótese explicativa que se mostrar coberta por sintomas de verdade (Sobre toda esta temática, ver, do ora relator, Prova e Formação da Convicção do Juiz. Coimbra, Almedina/Casa do Juiz, 2016).
3. Vejamos então, indicando os pontos relevantes, o que se pode retirar dos depoimentos prestados:
● Testemunha II.
Ouviu dizer à mãe que o seu pai emprestava dinheiro ao Réu e ao sócio dele – minuto 03:47. Sabe que o seu pai emprestou ao réu uma vez 30 mil euros, outra vez 25 mil e outras quantias num total de 85 mil euros – minuto 04:21 –, mas nunca assistiu, ouvia dizer à mãe – minuto 16:50. Disse que certo dia, porque precisavam de dinheiro para custear as despesas do pai, o qual estava internado num estabelecimento de cuidados continuados, foram falar com o réu no seu minimercado – minuto 06:21 – para pagar, pelo menos alguma coisa, e ele disse que não tinha dinheiro para pagar, mas não negou a dívida – minuto 06:57 – foi à uns 8 ou 9 anos.
Disse que a mãe tinha cheques de garantia passados pelo Réu – minuto 08:19 – tendo visto um cheque de 35 mil euros e outro de 30 mil euros que a mãe tinha guardados– minuto 08:40/09:00.
Nada sabe de prazos – minuto 10.00.
Falou com o Réu várias vezes na rua e o Réu sempre dizia que não tinha dinheiro para pagar – minuto 11:50 – que tivessem paciência, que pagaria.
Sendo-lhe afirmado e perguntado se o empréstimo não teria sido feito pelo seu irmão MM a testemunha riu-se da afirmação – minuto 13:00. Disse que este irmão não lhe fala, nem aos outros irmãos, existindo processos entre a herança do seu pai e este irmão. Referiu que o irmão MM deve dinheiro a outros irmãos – minuto 14:05 – e que tal afirmação é «forjada».
Chegou a ver um ou dois cheques porque a mãe lhos mostrou – minuto 19:40.
● Testemunha HH
Sabe que o Réu e outro senhor pediram dinheiro emprestado aos seus pais, minuto 03:45 – mediante entrega de cheques como garantia – minuto 05:43, 06:09 – e sempre houve confiança entre todos – minuto 05:50; 16:35.
Tem conhecimento de três empréstimos, de 30, 15 e 35 mil euros – minuto 06:18. – tratados em casa da sua mãe, onde o réu se dirigia – minuto 07:20 – sendo o valor total da dívida 80 mil euros – minuto 12:51.
Referiu que o empréstimo de 30 mil foi por transferência bancária e o de 15 mil por entrega em dinheiro, depois da sua irmã DD ter levantado essa quantia no banco utilizando um cheque – minuto 07: 40-54; sabia destes empréstimos, mas só ficou com a certeza como tinham sido feitos depois de ter tido acesso aos documentos – minuto 08:25.
Disse que a transferência foi para a conta do Sr. AA (réu) – minuto 10:07 – segundo informação que receberam (subentende-se que por parte do banco) –, mas que o tribunal poderá investigar se houver dúvidas – minuto 22:45.
O cheque de 15 mil euros foi assinado pela sua irmã DD porque a sua mãe não sabia assinar – minuto 11:07. Não acompanhou este empréstimo, mas a sua mãe e irmã DD informaram-na sobre ele – minuto 23.31 –, sabendo que havia juros, mas desconhecendo a taxa – minuto 24:45.
Sabe que a irmã DD levantou o dinheiro e entregou-o ao réu em casa da sua mãe – minuto 23:48.
Sendo confrontada com o facto do cheque ter sido depositado numa conta do Banco 1..., referiu que nesse caso era possível saber em que conta foi depositado – minuto 24:08.
Viu os cheques (os docs. 2 e 3 da petição) na posse dos seus pais – minuto 11:39 –, mas não sabe em que datas foram entregues – minuto 25:22.
Não acompanhou as conversas relativas aos empréstimos, sabendo deles pela sua mãe – minuto 13:01 –, mas quando os pais ficaram idosos e o réu não pagou, os irmãos passaram a acompanhar o assunto mais de perto – minuto 13: - não havendo qualquer dúvida sore estes factos, sendo certo que a própria testemunha confrontou o réu – minuto 13:47 – pouco antes do início da pandemia, no estabelecimento comercial do filho dele, em ..., e ele não negou a dívida – minuto 14:09. Disse-lhe que a reforma da mãe não chegava para pagar as despesas dela e o réu disse que não podia pagar – minuto 15:18 –, tendo a testemunha lhe pedido que lhes desse um sinal de boa fé, que pagasse uma quantia mais baixa – minuto 15:29 –, tendo-lhe dito, passado uma semana, que quando pudesse pagar pagaria e «virou-lhe as costas», nunca mais lhe tendo dito nada – minuto 15:47.
Diz que ela e os irmãos têm problemas com o irmão MM, que há ações em tribunal – minuto 19:46; que o seu irmão MM nunca quis saber dos pais – minuto 19:56; que há mais de 10 anos que não visita a mãe – minuto 20:05; que a posição do seu irmão foi sempre contra a família – minuto 20:45.
Disse que o seu irmão MM à data dos empréstimos estava com vinte e tal anos, andava a construir uma casa e «vivia pendurado dos irmãos» - minuto 21:05; que não houve um irmão que ele não tivesse «cravado» - minuto 21:12 – que o modo dele angariar dinheiro era o comércio de carros, mas uma «coisa pequena» - minuto 21:36.
Disse não saber se havia ou não «anotações» relativas aos empréstimos – minuto 26:00 –, mas havia algum controlo – minuto 26:09.
● Testemunha NN
Referiu ter frequentado em pequena a casa da mãe da Autora onde mais tarde trabalhado diariamente – minuto 01:20 – o que fez até há cerca de 7 ou 8 anos.
Sobre a matéria dos autos disse que sabia – minuto 04:50 – estar em causa dinheiro que a Sra. FF, mãe da autora, emprestou ao Sr. AA(réu); há muito tempo – minuto 05:57.
Viu o Sr. AA lá em casa da Sra. FF a «falar de dinheiro» - 05:26, mas não sabe de valores – minuto 06:13 –, nem «nada de concreto».
Mas apercebeu-se que algumas vezes o Sr. AA foi lá a casa da Sra. FF pagar juros, outras vezes «pedir mais dinheiro»; eu «apanhava esses comentários» – minuto 06:38, 12:40; que quando deixou de trabalhar para a Sra. FF ouvia dizer que o réu ainda não tinha pago – minuto 08:38.
Que se apercebeu que a Sr. FF também emprestava dinheiro a outras pessoas – minuto 13:28.
● Testemunha KK
Que o irmão MM não se dá bem consigo, nem com os outros irmãos – minuto 00:49. Sabe que o seu pai fez empréstimos ao Réu, à volta de 80 mil euros – minuto 02:54 – há 17 ou 18 anos – minuto 03.40 –, mas que não assistiu aos respetivos acordos – minuto 12:50 –, tendo sido informado disso passados poucos dias quando foi a casa dos pais, mas não sabe como os empréstimos foram feitos – minuto 13:32.
Disse que nunca falou com o réu sobre os empréstimos – minuto 04.43 –, mas sabe pelos irmãos, HH, DD, CC e II, que falaram com ele e que ele nunca negou a dívida, mas que dizia que não tinha dinheiro para pagar – minuto 05:04 –, que pagaria – minuto 05.52; que, segundo ouviu aos irmãos, ele réu estava à espera de receber uma indemnização devida por uma expropriação movida pela Câmara e que pagaria então – minuto 08:06.
Disse que a sua mãe lhe mostrou os cheques passados pelo Réu a si (à sua mãe) – minuto 06:53.
O seu irmão MM tem negócios com o filho do réu – minuto 09:07.
Sendo-lhe afirmado/perguntado que o empréstimo tinha sido feito não pelos seus pais, mas pelo irmão MM, a testemunha riu-se da afirmação – minuto 09:40 – dizendo que na altura dos empréstimos o irmão MM estava a iniciar a vida (entenda-se laboral) e «andava sempre a pedir»; que o ajudou várias vezes, nessa altura, com dinheiro – minuto 10:22.
● testemunha OO
Disse saber dos empréstimos feitos ao Sr. AA porque tinha confiança com a Sra. FF e falavam desses assuntos – minuto 02:59; 03:14; que ela costumava emprestar dinheiro – minuto 03:07; que lhe falou que o réu tinha deixado de lhe pagar juros – minuto 03:26.
Sem ter a certeza, referiu que a dívida total eram uns 80 mil euros, mas em contos, «na ocasião» – minuto 06:09 – «ela dizia-me em contos» - minuto 06:13.
Que a Sra. FF não era pessoa para se queixar sem ter emprestado o dinheiro, «nem pensar» - minuto 07:51.
● testemunha QQ (filho do Réu)
Referiu que o seu pai precisava de 30 mil euros e que a testemunha conhecia a testemunha MM o qual lidava com quantias elevadas de dinheiro por ter um negócio de importação de carros e podia emprestar essa quantia pelo prazo de meio ano, o que foi feito – minuto 03:48 –, isto pelo mês de junho de 2005 – minuto 04:13.
Ao fim de meio ano devolveu-lhe 15 mil euros em dinheiro e ficou a dever os outros 15 mil euros por mais meio ano, tendo pago nessa altura – minuto 03:156 – tendo isto sido feito através da testemunha como intermediário entre os dois, o seu pai e o MM – minuto 05:03.
O seu pai passou um cheque – minuto 05:35 –, na primeira vez de 30 mil euros e na segunda vez deixou um cheque de 15 mil euros – minuto 05:42 – e ele (MM) ficou de devolver o cheque de 30 mil euros, mas o tempo passou; ele disse que o entregava, mas o tempo passou sem o ter feito e a testemunha já nem se lembrava disso quando surgiu a questão em tribunal – minuto 06:03.
Não tem conhecimento de relações económicas entre o seu pai e a mãe da Autora – minuto 06:31.
Na altura do empréstimo o MM morava numa casa nova - minuto 19:30 – construída por ele.
● testemunha MM (irmão da Autora)
Que não há relacionamento com os irmãos porque a testemunha questionou a irmã a DD acerca do modo como estava a administrar o dinheiro dos pais – 01:57/02:40.
Que tinha dinheiro na altura do empréstimo porque lidava com 60 ou 70 carros – minuto 07:00.
Que a testemunha QQ lhe perguntou se podia «desenrascar» o pai; se tinha 30 mil euros para lhe emprestar e, algum tempo depois, disse-lhe que sim e emprestou-lhe o dinheiro – minuto 11:38. O QQ trouxe-lhe os cheques (os juntos com a petição). Na altura recebeu um cheque de 30 mil euros e depois foram-me pagos 15 mil euros e recebeu um cheque de 15 mil euros para garantir os 15 mil euros que ainda estavam em dívida – minuto 11:46; que nem queria receber o cheque de 15 mil euros porque tinha o de 30 mil, mas recebeu-o «para não haver confusão» – minuto 22:59.
Que tinha o escritório em casa dos pais, no seu quarto – minuto 12:14 –, onde tinha dezenas de cheques e «dezenas, senão centenas de letras, papel comercial» e que com a «chatice» deixou de frequentar a casa dos meus pais e ficou lá tudo, mas como era um «arquivo morto» nunca pediu a entrega desses papéis. Já não entra em casa dos seus pais desde 2012/2013 – minuto 18:39.
Que possivelmente estes dois cheques estavam lá nesse arquivo - minuto 12:53 –, não o pode afirmar com certeza, «mas de certeza que sim» - minuto 13:02.
Falou sempre com o QQ, não com o pai dele – minuto 13:23 – e tratou todos os movimentos com ele – minuto 13:23; foi tudo pago, não existindo qualquer dívida – minuto 14:55.
Pode ter acontecido que os seus pais tenham emprestado dinheiro ao seu pai AA, mas acha difícil ter acontecido sem a testemunha ter tido conhecimento – minuto 15:45.
Quando o MM emprestou o dinheiro não passou cheque, nem fez transferência, foi em dinheiro – minuto 22:36.
● testemunha PP
Referiu ser empregado bancário e ter trabalhado em ... na agência da Banco 2... – minuto 01:48. Conheceu o pai da Autora e conhece a mãe – minuto 02:17.
Quanto a empréstimos a particulares era a Sr. FF que os geria – minuto 03:13 –, sendo do conhecimento das pessoas da localidade que a Sra. FF emprestava dinheiro – minuto 03:20.
Em relação ao caso dos autos nada sabe, salvo pelo que ouvir dizer à Sra. FF – minuto 03:45. Ela falou-lhe de diversas pessoas a quem tinha emprestado dinheiro e uma delas foi o Sr. AA – minuto 04:12.
Disse saber que os empréstimos foram anteriores a 2008 porque neste ano regressou a ... e a senhora já os tinha concedido – minuto 05:12 – não sabendo o valor ao certo – minuto 05:50.
Referiu que ela normalmente ficava com um cheque dos devedores, mas não sabe se neste caso isso ocorreu – minuto 06.16.
● autora DD
Disse que na altura em que a sua mãe ficou incapacidade de gerir a sua vida fizeram uma reunião entre os seis irmãos e todos ficaram a saber as contas que havia e respetivo dinheiro, mas que a desavença surgiu porque o seu irmão MM queria ser ele a gerir as contas contra a vontade dos restantes irmãos – minuto 07:44.
Que o seu irmão MM nessa altura não tinha dinheiro para emprestar e que, ao invés, eram os irmãos que lhe emprestavam dinheiro – minuto 08:17. Ele dizia que tinha um stand com 70 ou 80 carros, mas o espaço de que dispunha só tinha espaço para uns 8 carros – minuto 15:07.
Quanto ao dinheiro emprestado ao réu disse que foram feitas três prestações – minuto 10:47 –, uma de 30 mil euros, mas tive(ram) que ir procurar no banco porque já não se recordava – minuto 12:20; que na Banco 2... foi-lhe dito que tinha sido feita uma transferência para a conta do Sr. AA – minuto 12:31. Outra foi em cheque, passei por 35 mil euros – minuto 21:51 – e outra foi em dinheiro, mas já não se recordava ao certo, por terem passado muitos anos – minutos 13:14; que como às vezes o Sr. AA vinha com o Sr. RR e ambos levavam dinheiro – minuto 13:18 – admite que se possa confundir sobre os factos – minuto 38:45.
Sabia dos valores pelo exame dos cheques entregues em garantia – minuto 13:50 – e também porque sabia que o Sr. AA deve, ao todo, 80 mil euros – minuto 14:10.
Os cheques estão na sua posse há uns 12 anos porque a sua mãe – minuto 15:15 – pediu para os guardar com medo que o seu irmão MM os «roubasse».
Disse que o Sr. AA nunca negou, mas nunca pagou; a desculpa era sempre a mesma, com o Sr. RR era igual, que estavam à espera de resolver uns conflitos com a «Quinta ...…» (?) - minuto 16:02.
Disse que o Sr. RR já lhes havia pago – minuto 17:00; que o empréstimo de 15 mil euros foi feito através de um cheque que a depoente passou, está lá a sua assinatura – minuto 19:09; que tinha a dúvida sobre se lhe tinha entregado o cheque ou levantado o dinheiro, possivelmente levantou dinheiro, mas terá sido para o Sr. RR – minuto 19:19.
Os 35 mil euros terão sido pagos e dinheiro porque procuraram no banco e não encontraram outro registo – minuto 19:47.
Tem toda a certeza que o Sr. AA levou o cheque de 15 mil euros – minuto 39:11/22 – por si assinado.
● Réu AA
Disse que precisou de dinheiro para o supermercado - minuto 19:20 – e o seu filho QQ, que geria o supermercado, foi ter com um amigo MM – minuto 21:27 – que podia «desenrascar» na hora.
Foi o filho que tratou do assunto, ele levou o cheque e trouxe o dinheiro; o depoente só assinou os cheques – minutos 05:42, 23:37 –, os quais não lhe foram devolvidos – minuto 05:48.
Disse que foram pedidos 30 mil, em 10 de junho de 2005 – minuto 24:45. Em 10 de dezembro de 2005 entregou 15 em dinheiro e um cheque de 15 mil euros; «no mês 6 de 2006» entregou os 15 mil que faltavam – minuto 25:10 – em dinheiro.
A devolução foi sempre em dinheiro – minuto 25:24 – porque o depoente não trabalhava com cartões, só com dinheiro. Fazia o pagamento de frangos às vezes de 2000 contos em dinheiro – minuto 25:58.
A Sra. FF chegou a emprestar-lhe dinheiro – minuto 08:13 –, mas no âmbito de relações comerciais entre eles (vendia-lhe ovos, açucar e farinha) e depois acertavam contas.
A Sra. FF não lhe fez a transferência de 30 mil euros, foi sempre em dinheiro – minuto 09:58.
Que uma vez pagou 1500 euros de juros, de um ano, à Sr. FF – minuto 11:10 – não se recorda do valor, «…eu precisava de cinco, ela…, emprestou-me dez, trinta…» – minuto 12:16/30.
Não sabe como estes cheques que passou foram parar às mãos da Autora – minuto – minuto 26:40.
À pergunta sobre se sabe a razão por que a Autora (e irmãos) lhe está a pedir as quantias, ou se ela inventou a dívida, disse que tal procedimento será por falta de conhecimento, porque era a mãe que sabia das coisas, e ela não dizia aos filhos – minuto 27:00; 46:18 –, não vislumbrando outra razão para fazerem tal pedido no tribunal – minuto 48:20.
Não sabe se o Sr. RR pediu dinheiro à Sra. FF – minuto 29:05.
Que lhe foi dito pelo filho que o Sr. MM deixou ficar os cheques aqui em causa na casa dele quando se divorciou, estando a falar da casa dele, não da casa da Sra. FF – minuto 48:45/49:20.
4. Apreciação crítica.
Cumpre começar por dizer que se afigura correta a formação da convicção explanada em 1.ª instância.
Vejamos.
(I) Sabendo-se que só uma das versões factuais pode ter ocorrido, verifica-se que a versão do réu não tem quaisquer apoios documentais e, no que respeita à prova testemunhal, limita-se ao depoimento do seu filho e ao depoimento da testemunha MM, irmão da Autora, o qual, como resultou com evidência dos autos, vive uma relação litigiosa com os restantes irmãos (entenda-se recíproca).
Que capacidade têm estes depoimentos, mesmo sem atender a outros meios de prova que os infirmem, para formar a convicção do juiz?
O testemunho é meio de prova porque os homens reconhecem aos outros homens a capacidade de percecionarem, guardarem e transmitirem, com relativa fidelidade, uma representação daquilo que observaram no passado.
Porém, o juiz tem de colocar sempre a hipótese da representação comunicada pelo testemunho não corresponder ao que efetivamente ocorreu.
Por um lado, porque o homem tem a capacidade de ficcionar a realidade, ou seja, de a falsear, seja mentindo deliberadamente, por ação ou omissão, o que ocorre quando uma testemunha narra em tribunal factos que sabe serem inexistentes, no todo ou em parte, ou omite propositadamente factos relevantes que percecionou.
Por outro, porque, mesmo nos casos em que a testemunha depõe com sinceridade, pode ocorrer que a testemunha não tenha percecionado ela própria os factos e os tenha ouvido narrar a outrem, caso em que não é sequer testemunha deles, ou, então, percecionou-os de forma deficiente ou tem dificuldade em evocá-los e ao fazê-lo descreve o que não ocorreu ou omite inconscientemente aspetos relevantes.
Uma circunstância importante na apreciação de um testemunho reside na probabilidade do facto ter ocorrido e da testemunha o ter guardado na sua memória.
Ora, no caso dos autos, as regras de experiência acerca da ação humana dizem-nos que, em matéria de quantias monetárias relevantes para as pessoas que estiverem em causa, como são as quantias referidas nos autos (30 mil e 15 mil euros), não as transportam, nem entregam a terceiros em notas/moedas metálicas se o puderem fazer de modo mais cómodo, através de cheque ou transferência bancária, pois tais quantias pelo valor elevado demoram, desde logo, tempo a contar, nota a nota, certamente mais do que uma vez, para detetar algum erro que possa ter sido cometido numa primeira contagem.
Depois, as pessoas sabem que caso façam habitualmente pagamentos de milhares de euros em dinheiro, isso é falado e chegará aos ouvidos de muita gente e sabem que correm sempre um risco de serem assaltadas, os próprios ou as respetivas habitações.
No caso dos autos, as testemunhas dizem que quer na entrega, quer a receção foi em dinheiro, em papel.
Estas são ações humanas inusuais, sendo apenas praticadas se houver uma justificação devidamente adequada para um procedimento deste tipo e no caso não há.
O Réu disse que a devolução foi sempre em dinheiro – minuto 25:24 – porque não trabalhava com cartões, só com dinheiro. Fazia o pagamento de frangos às vezes de 2000 contos em dinheiro – minuto 25:58.
Não é convincente porque na altura dos empréstimos entregou cheques, o que significa que também lidava com cheques e podia tê-los usado para pagar o empréstimo.
Por outro lado, a entrega em cheque ou transferência bancária serve também de meio de prova das deslocações em dinheiro e isso dá segurança a quem empresta.
Por estas razões, os factos alegados pelas testemunhas QQ, MM e Réu, devido à improbabilidade de terem ocorrido, não têm capacidade para formar a convicção, no sentido de que aquilo que disseram corresponde à realidade.
Acresce que que os depoimentos prestados descrevem uma factualidade que se encontra blindada em termos de refutação por meios de prova da mesma índole, isto é, testemunhais, pois tal factualidade é narrada como tendo ocorrido apenas perante as pessoas que a testemunharam.
Ora, depoimentos que descrevem situações que, na prática, se furtam à refutação por elementos probatórios da mesma natureza e não são apoiados pelas regras de experiência, não têm, em regra, capacidade para a formação da convicção do juiz, no sentido dos factos afirmados terem existido, salvo se existir corroboração por outros elementos probatórios, incluindo, como se disse, as regras de experiência.
(Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de dezembro de 2018, no processo 2947/15.0T8VIS-A.C1, relatado pelo ora relator: «Os depoimentos que descrevem situações factuais não corroboradas por outros elementos de prova ou pelas regras da experiência e que são praticamente impossíveis de refutar, por terem ocorrido, segundo os depoentes, no interior de espaços domésticos, apenas perante as pessoas que os marram, carecem, em regra, de capacidade para a formação da convicção do juiz – n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil –, no sentido dos factos afirmados terem existido.» - consultável em https://trc.pt/principio-da-livre-conviccao-prova-testemunhas/).
Acresce que as explicações dadas pela testemunha MM para o facto dos dois cheques de 30 e 15 mil euros se encontrarem na posse da Autora, embora não sejam explicações fisicamente impossíveis, pois se o fossem não seriam alegadas, também não se mostram apoiadas pelas regras de experiência inerentes à explicação da ação humana.
A testemunha disse que tinha o escritório na casa dos pais, no seu quarto – minuto 12:14 –, onde tinha dezenas de cheques e «dezenas, senão centenas de letras, papel comercial» e que, com a «chatice», deixou de frequentar a casa dos pais e ficou lá tudo; mas como era um «arquivo morto» nunca pediu a entrega desses papéis. Mais referiu que já não entra em casa dos seus pais desde 2012/2013 – minuto 18:39.
Que possivelmente estes dois cheques estavam lá nesse arquivo - minuto 12:53 –, não o podendo afirmar com certeza, «mas de certeza que sim» - minuto 13:02.
Ora, se a testemunha tinha o escritório em casa dos pais, então tinha lá não só o «arquivo morto», como tinha também o «arquivo vivo» e, ao sair, ou não levou nada e ficou lá também o «arquivo vivo» ou se levou este «arquivo vivo» não se vê razão para não ter levado também o «arquivo morto» porque não havia razão para deixar lá o «arquivo morto». Por outro lado, um comerciante sabe que a qualquer momento pode ter que revisitar situações passadas, sendo essa uma das razões pelas quais se guarda o «arquivo morto».
Concluindo, as declarações das mencionadas testemunhas, desacompanhadas de corroboração por outros elementos probatórios, ou por regras da experiência, não têm capacidade para formar a convicção do juiz no sentido de que aquilo que elas afirmaram existiu historicamente.
Conclui-se, por conseguinte, que a prova produzida pelo Réu não tem capacidade para formar a convicção do tribunal no sentido da versão factual por si afirmada ter ocorrido.
(II) Ao invés, a versão factual alegada pela Autora mostra ter capacidade para formar a convicção do tribunal nesse sentido.
Por um lado, porque a Autora tem em seu poder os dois cheques emitidos pelo Réu, cheques que este confessa serem seus.
Em segundo lugar, porque diversas testemunhas referiram que a mãe da Autora emprestava dinheiro a juros e sem juros a diversas pessoas, como se vê pela leitura da súmula dos depoimentos acima referidos.
O próprio Réu admitiu isso, referindo que uma vez até pagou 1500 euros de juros (Que uma vez pagou 1500 euros de juros, de um ano, à Sr. FF – minuto 11:10 – não se recorda do valor, «…eu precisava de cinco, ela…, emprestou-me dez, trinta…» – minuto 12:16/30.
Ou seja, o depoente até se referiu a um empréstimo de 30 mil euros.
Além da Autora ter em seu poder os dois cheques emitidos pelo Réu, mostrou também uma transferência contemporânea de 30 mil euros.
Os recorrentes alegam nas conclusões 6.ª a 9.ª que a Autora apresentou duas versões dos factos. Inicialmente referiu que foi efetuado um empréstimo de €30.000,00, em dinheiro, na residência dos pais, em 10 de junho de 2005, mas depois veio dizer que, afinal, o empréstimo foi efetuado por transferência bancária feita para conta do Réu em 17 de junho de 2005.
E em relação ao empréstimo de €15.000,00, disse inicialmente ter sido feito pelo falecido autor da herança e viúva dele, na residência destes, em 10 de dezembro de 2005, mas depois veio dizer que o empréstimo foi feito em março de 2004, em dinheiro levantado no banco através de um cheque emitido pela viúva.
Os Réus objetam que não se prova que a transferência bancária foi feita para a conta do Réu marido e além disso foi feita em data posterior àquela que consta do cheque sacado pelo réu marido como prova do empréstimo.
Que tendo a quantia sido entregue em 17 de junho de 2005 e tendo o réu marido, como garantia desse empréstimo, entregue ao autor da herança um cheque de igual valor, mas no dia 10 de junho de 2005, esta factualidade contraria a experiência comum da vida, porquanto, à falta de uma explicação cabal para que a garantia (o cheque) tenha sido entregue pelo devedor ao credor antes do empréstimo que criaria o crédito, a experiência da vida permite concluir que ninguém entrega uma garantia sem ter recebido a coisa que aquela garante, o que torna o raciocínio aduzido na motivação da decisão de facto, nesta parte provada, manifestamente deficiente.
Não procede esta objeção.
Verifica-se que foi feita uma transferência bancária em 17 de junho de 2005, de 30.000,00 euros, como se alcança pelo teor do documento 1, apresentado em 11 de janeiro de 2022, pela Autora, transferência esta feita a partir da conta ...00 (Banco 2... – ...), que é a conta referida no cheque junto na mesma data aos autos.
É verdade que não se identifica nesse documento a conta para onde foi realizada a transferência, mas isso não implica que o tribunal não possa dar como provado que esta quantia foi emprestada ao Réu, se porventura outros elementos probatórios levarem a essa conclusão.
Aliás, para existir uma deslocação de dinheiro de uma pessoa para outra não tem de se mostrar que o dinheiro passou diretamente de uma conta bancária para outra, pois o comércio jurídico permite outras situações.
Pode dar-se o caso, por exemplo, e é só um exemplo entre outros possíveis, que A solicite a B um empréstimo de 1.000,00 euros e, ao mesmo tempo, lhe peça para transferir de imediato esse dinheiro para C, porque lhe deve essa quantia e já está em mora com C.
Continuando.
O facto da garantia (o cheque) ter sido entregue pelo Réu marido ao credor, antes do empréstimo que criaria o crédito, não viola, pelo menos de modo claro, qualquer regra de experiência.
Com efeito, entre a ordem dada ao banco para fazer uma transferência bancária e a realização dessa transferência podem decorrer vários dias.
Tudo dependeria do modo como a ordem se realizava em 2005 e da diligência dos funcionários bancários nesse tempo e no caso concreto.
No caso concreto não se sabe como a ordem foi realizada, há 20 anos atrás, em 2005, e que grau de diligência foi utilizada no seu cumprimento.
Por outro lado, nada tem de inabitual que um devedor entregue ao credor uma garantia sem ter ainda recebido a coisa que aquela garante; tudo depende da confiança entre as partes, da necessidade e urgência do devedor e da complexidade das operações e no caso é sabido que havia confiança.
No caso dos autos, se o réu marido tinha confiança no falecido Sr. CC e esposa FF, nada obstava a que, falando com esta última, que era quem lidava com estes assuntos, lhe tivesse deixado o cheque/garantia no dia 10 de junho, uma 6.ª feira, contra a promessa de que ela, na 2.ª feira seguinte, «o mais tardar, 3.ª feira», iria ao banco, ou comunicaria ao banco a ordem para fazer a transferência.
Repare-se que quem está em estado de necessidade, como é o caso de uma pessoa carecida de um empréstimo, muitas vezes ou desiste ou sujeita-se às exigências ou modos de proceder adotados pela pessoa que lhe concede o empréstimo, que é quem afinal tem o domínio do facto.
O inverso seria mais inverosímil, ou seja, que o falecido Sr. CC ou a Sra. FF tivessem feito a transferência sem que o Réu marido tivesse antecipadamente dado a garantia.
É que, neste caso, não era viável fazer ambas as operações em simultâneo, pois o mutuante não tem domínio factual sobre a execução da transferência bancária após dar a ordem de transferência.
Por conseguinte, esta objeção do Recorrente não tem o valor que ele lhe atribui.
Diz o Recorrente que não se prova que o cheque da quantia de 15.000,00 euros se tenha destinado/dirigido a uma conta bancária dos Réus.
Verifica-se que existiu um levantamento de 15.000,000 euros em 3 de março de 2004 (Doc. 2 apresentado em 11 de janeiro de 2022 pela Autora), sobre a conta ...00 (Banco 2... – ...), através de um cheque atinente a essa conta identificado nesse documento como «CH TC LIS ...70»
Verifica-se que existe um cheque com o n.º ...70, com data de 1 de março de 2004, da Banco 2..., (Doc. 3 apresentado em 11 de janeiro de 2022 pela Autora) de uma conta pertencente a «FF», emitido em ... por DD (porque a Sra. FF não sabia ler, nem escrever), o qual foi descontado em 3 de março de 2004, como se vê pelo seu verso onde consta «Pague-se à orem do Banco 1... ou à sua ordem – 2 de Mar. 2004» e do extrato da Banco 2... (Doc. 2 apresentado em 11 de janeiro de 2022 pela Autora).
Muito embora não se sabia que percurso seguiu este dinheiro, isso não significa que o tribunal, como já se disse, não possa dar como provado que esta quantia foi emprestada ao Réu se outros elementos probatórios levarem a essa conclusão
Veremos isso mais abaixo.
Os Réus argumentam que é inexistente prova de efetiva entrega das quantias pela A. aos Réus.
Não assiste razão aos Réus.
Sabe-se que o dinheiro (30 e 15 mil euros) saiu da conta dos pais da Autora e se saiu foi transferido para alguém, o que já constitui um começo indispensável para provar os factos em causa.
Com se vem referindo, o tribunal poderá dar como provado que estas quantias foram emprestadas ao Réu se outros elementos probatórios levarem a essa conclusão.
Ora, tudo ponderado, estando os cheques de 30 e 15 mil euros na posse da Autora, existindo aquela transferência bancária e o cheque de 15.000,00 euros depositado numa conta do Banco 1..., em datas compatíveis com os ditos empréstimos, a melhor explicação para a existência conjunta destes factos é a dada na petição, isto é, que se trata de empréstimos feitos ao Réu pelos pais da Autora.
Factualidade esta que é corroborada pelos depoimentos das testemunhas que afirmaram a existência dos ditos empréstimos e que acima ficaram indicados.
Por último, também não se encontra explicação para o facto da Autora e irmãos terem instaurada a ação se não existisse qualquer dívida.
À pergunta sobre se sabe a razão por que a Autora (e irmãos) lhe estavam a pedir as quantias, ou se eles inventaram a dívida, o Réu não afirmou que a dívida era ficcionada, como seria natural se fosse uma tentativa de lhe extorquir esse dinheiro, limitando-se a dizer que eles estavam a proceder assim porque estavam equivocados (que tal procedimento será por falta de conhecimento, porque era a mãe que sabia das coisas, e ela não dizia aos filhos – minuto 27:00; 46:18 –, não vislumbrando outra razão para fazerem tal pedido no tribunal – minuto 48:20).
Esta conclusão não é afastada pelas objeções do Réu.
Objeta que inicialmente a cabeça de casal referiu que a herança dispunha de «apontamentos» que lhe permitem descrever os empréstimos, mas depois viu-se obrigada a modificação os factos o que leva a um enfraquecimento da respetiva credibilidade histórica.
Aparentemente sim, mas ponderando a situação, não é exigível que existam provas minuciosas relativas a ações humanas ocorridas há 20 anos atrás e em relação aos quais, na altura em que ocorreram, não era previsível que viessem a ser objeto de futura ação judicial e da necessidade de as provar no respetivo âmbito.
Por esta mesma razão, não é exigível que alguém, neste caso a cabeça de casal, tenha um conhecimento circunstanciado dos factos imune a equívocos.
A própria o admitiu quando disse que como às vezes o Sr. AA vinha com o Sr. RR e ambos levavam dinheiro – minuto 13:18 – admite que se possa ter confundido sobre os factos – minuto 38:45.
Daí que não seja motivo de valoração negativa o facto da cabeça de casal ter alegado um certo circunstancialismo e depois ter verificado, face a documentos que lhe chegaram às mãos, que, afinal, o circunstancialismo inicial não correspondia exatamente à realidade.
Por isso, a alegação inicial da cabeça de casal no sentido de que a herança dispunha de apontamentos que lhe permitiam descrever os empréstimos ou foi feita sem fundamento para tanto ou, se havia alguns «apontamentos», estavam desfasados da realidade.
(III) Concluindo, verifica-se que estamos, como é habitual, face a duas versões factuais que se excluem mutuamente. Só podendo uma delas corresponder à realidade, sendo certo que não se vislumbra uma terceira hipótese, a versão factual do Réu não é verosímil e, ao invés, a versão factual apresentada pela Autora é corroborada por elementos documentais e testemunhais e apresenta-se como a melhor explicação para a existência dos cheques do Réu na posse da Autora; acresce a existência de movimentos de iguais quantias saídas da conta dos pais da Autora, sendo todos estes elementos contemporâneos.
Por conseguinte, a convicção do tribunal tem de se formar em sentido concordante com a versão descrita na petição inicial.
Improcede, pelo exposto, a impugnação da matéria de facto, salvo quanto à alteração acrescentada sob o facto «1/A»
b) 1. Matéria de facto – Factos provados
1 - Em 21 de Fevereiro de 2016 faleceu CC no estado de casado sob o regime da comunhão geral de bens com FF.
1/A - 1 - CC, deixou como herdeiros, para além da sua viúva, DD, NIF ...12..., casada com GG; HH; II; JJ; KK, casado com LL, no regime de comunhão de bens adquiridos e MM.
2 - Em data que, em concreto não se logrou apurar, mas anterior ou coeva ao mês de março de 2004, a pedido do R. AA, CC e FF entregaram-lhe, por empréstimo com a duração de 5 anos, a quantia de 15.000,00€.
3 - Novamente, em data que em concreto não se logrou apurar, mas anterior ou coeva a 10/06/2005, a pedido do R. AA, CC e FF entregaram-lhe, por empréstimo com a duração de 5 anos, a quantia de 30.000,00€.
4 - Em ambas as ocasiões acordaram que o R. AA remuneraria o empréstimo através do pagamento de juros anuais a uma taxa que, em concreto, não se logrou apurar.
5 - Em nenhuma dessas alturas as partes reduziram a escrito os anteditos termos dos acordos a que chegaram, tendo o R. AA, em cada uma dessas ocasiões, como forma de reconhecimento das dívidas e como garantia destas, emitido os cheques nº ...30, do banco Banco 2..., no valor de €15.000,00 euros, e n.º ...91, do banco Banco 2... no valor de €30.000,00 euros, este datado de 2005/06/10.
6 - Nenhum dos Réus devolveu as quantias que foram entregues, nos anteditos termos, ao AA.
2. Matéria de facto – Factos não provados
– Dos factos alegados pela A.:
a) Que a taxa de juro contratada tenha sido de 4% ao ano;
b) Que o R. AA utilizou as quantias que lhe foram entregues para fazer face às suas despesas pessoais, do seu agregado familiar, nomeadamente de sustento, e da sua atividade comercial.
- Dos factos alegados pelos Réus:
c) Que, através de um dos seus filhos, o R. AA pediu a MM, filho de CC, a quantia de €30.000,00, pelo prazo de seis meses, com a obrigação de R. AA restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, findo tal prazo.
d) O que o mencionado MM fez, pelo que entregou ao reu a quantia de €30.000,00 contra a entrega pelo R. a ele do cheque nº...91 sacado sobre a Banco 2... de igual valor.
e) Que, em 10-12-2005, o R. restituiu ao mencionado MM a quantia de €15.000,00, e entregou-lhe um outro cheque com o nº...30, sacado sobre a Banco 2... no valor de €15.000,00, o que fez ainda através do seu filho.
f) Que, em 10-6-2006, o R restituiu ao mesmo MM a quantia de €15.000,00.
g) Que MM, porém, e até hoje, não devolveu os cheques ao R.
h) Que os Réus nunca receberam dinheiro de CC, com a obrigação de restituir.
c) Apreciação da restante questão objeto do recurso
1 – Vejamos se ocorre preterição do litisconsórcio necessário ativo, porquanto a Autora não prova que a cobrança da dívida esteja em perigo com a demora no pagamento – n.º 1, do artigo 2091.º do Código Civil.
Vejamos.
O cabeça de casal não tem poder para cobrar dívidas ativas da herança, salvo quando a demora na cobrança possa fazer perigar a cobrança efetiva ou haja pagamento espontâneo por parte do devedor.
É isto que resulta do disposto no artigo 2089.º do Código Civil, onde se determina que «O cabeça-de-casal pode cobrar as dívidas ativas da herança, quando a cobrança possa perigar com a demora ou o pagamento seja feito espontaneamente.»
Exceto neste caso, a cobrança de dívidas ativas tem de ser um ato coletivo de todos os herdeiros, nos termos do n.º 1 do artigo 2091.º do Código Civil, onde se prescreve que «Fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078.º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.»
Verifica-se, como se elucidará mais abaixo, que não há factos alegados de onde resulte, para efeitos do artigo 2089.º do Código Civil, que «a cobrança possa perigar com a demora».
Verificada esta ausência, a ação deverá improceder porquanto o cabeça de casal não mostrou estar numa situação que lhe confira o direito subjetivo previsto naquele artigo 2089.º do Código Civil.
Afigura-se que não se trata de uma questão de preterição de litisconsórcio ativo.
Com efeito, «Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.» - n.º 3 do artigo 30.º do Código de Processo Civil.
Ora, face ao modo como a Autora configura a ação nos articulados, ela é parte legítima.
Por conseguinte, se não existir nos factos provados matéria relativa à existência de uma situação de perigo quanto à cobrança da dívida, esta ausência de factos já não releva para efeitos de legitimidade plural, mas sim substantiva, isto é, a ação improcede porque a Autora não mostra ser titular do direito subjetivo que lhe permita exigir dos Réus o pagamento da dívida e que emergiria dessa situação de perigo quanto à cobrança da dívida.
2 - Verifica-se que não há factos de onde resulte, para efeitos do artigo 2089.º do Código Civil, que «a cobrança possa perigar com a demora».
É certo que vem alegado na petição inicial, no artigo 19.º, que «A cobrança da dívida aqui em questão está em risco de perigar, pois a Cabeça de Casal veio a ter conhecimento da diminuição do património dos RR. e das muitas hipotecas e penhoras, de avultados valores, estando por isso em risco de ficar sem o pagamento que lhe é devido.»
Esta factualidade não consta dos «factos provados», nem dos «factos não provados».
Esta omissão poderá ter-se ficado a dever ao facto de o juiz ter considerado que esta afirmação não é factual, ou seja, não corresponde a factos históricos situados no tempo e no espaço, levados a cabo por agentes humanos.
Efetivamente assim é.
Estamos perante uma afirmação de natureza factual, é certo, mas desprovida de concretização, de conteúdo factual, ou seja, estamos perante «factos conclusivos», o mesmo é dizer, sem conteúdo empírico.
Ora, como já concluiu o ora relator, «As afirmações factuais complexas exaradas na matéria de facto declarada provada, devem ter a mesma solução que as afirmações de direito, ou seja, devem ser desconsideradas, tudo se passando como se elas não existissem, …» - Processo Civil – Matéria de Facto: conceitos, juízos (factuais simples e complexos, de valor, de direito). Alegação dos factos e prova. Estudos em Comemoração dos 100 Anos do Tribunal da Relação de Coimbra. Almedina, 2018, pág. 35.
No caso dos autos, como se disse, a matéria alegada no artigo 19.º da petição foi omitida, mas se tivesse sido declarada provada a solução passaria pela sua desconsideração enquanto matéria de facto provada.
Coloca-se a questão de saber se é viável o tribunal da Relação determinar a ampliação da matéria de facto, ao abrigo do disposto na al. c), do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil.
A resposta é negativa, pelas seguintes razões:
Em primeiro lugar, não há matéria factual para efetuar essa ampliação. Como se disse, aquela afirmação, feita no artigo 19.º da petição, não possui conteúdo empírico. Se fosse, por hipóteses, declarada provada pelo tribunal, tinha de ser depois desvalorizada como facto; não podia valer como facto porque não se saberia a que realidade factual se estaria a referir; ou seja, não é facto.
Em segundo lugar, se se anulasse a sentença para se proceder à ampliação, teria de se ter a esperança que em audiência os factos pertinentes resultassem da instrução da causa.
Com efeito, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, «Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.» (sublinhado nosso).
Esta norma está dirigida ao ato processual da audiência de julgamento e esgota-se nele, ou seja, terminada a audiência de julgamento, esta norma não tem mais aplicação, salvo se por outras razões a sentença for anulada e se venha a retomar a audiência.
Daí que não se possa fazer reviver a audiência de julgamento com fundamento em que, procedendo de tal modo, sempre existe esperança de que possam surgir da instrução da causa factos suscetíveis de preencher a previsão do artigo 2089.º do Código Civil.
Cumpre, pelo exposto, julgar a ação improcedente.
2 – Quanto à questão de saber se o alegado empréstimo foi feito por marido e mulher e se, sendo esta última ainda viva e não sendo possível saber quanto dinheiro terá emprestado cada um dos cônjuges e se a omissão e prova desta factualidade é essencial e constitutiva do direito prosseguido pela autora.
Esta questão fica prejudicada pela solução dada à anterior questão.
3 – Quanto à questão de saber se o facto de não estar provada a obrigação de restituição da coisa é, só por si, fundamento para a improcedência da ação, verifica-se, igualmente, que esta questão fica prejudicada pela resposta dada à antepenúltima questão.
IV. Decisão
Considerando o exposto, julga-se o recurso procedente e absolvem-se os Réus do pedido.
Custas pela Autora.
Coimbra, …