1. - Tendo o recorrente interposto recurso de apelação autónoma com referência a despacho só recorrível no recurso da sentença (de acordo com o disposto no art.º 644.º, n.º 3, do NCPCiv.), só a si é imputável o erro na determinação do tempo e do regime do recurso.
2. - Admitido o recurso de apelação autónoma pelo Tribunal de 1.ª instância, não estava a Relação vinculada a essa admissão, podendo o relator rejeitar o recurso ou alterar o seu regime, ao abrigo do disposto nos art.ºs 652.º, n.º 1, al.ªs a), b) e h), e 655.º, n.º 1, ambos do NCPCiv., razão pela qual a parte recorrente não pode invocar, perante a rejeição pelo Tribunal superior, a proteção da confiança gerada pela errónea decisão de acolhimento da 1.ª instância.
3. - A decisão de rejeição do relator na Relação, não sendo objeto de reclamação/impugnação, torna-se definitiva, transitando em julgado, assim operando caso julgado formal, que se impõe às partes e ao Tribunal.
4. - Sendo o recurso da sentença interposto antes da prolação daquela decisão singular de rejeição, mas depois de o relator, observando o princípio do contraditório, ter notificado as partes da iminência de decisão de rejeição, cabia à parte recorrente, por elementar cautela, impugnar, subsidiariamente, a decisão objeto da apelação autónoma no (âmbito do) recurso da sentença, não sendo aproveitável, nesse quadro, o anterior recurso, sobre que recaiu decisão de rejeição transitada em julgado.
5. - Doutro modo, incidindo o recurso da sentença apenas sobre a matéria nesta decidida, improcede a reclamação que pretendia ver também admitido a final o (mesmo) recurso que havia sido rejeitado.
(Sumário elaborado pelo Relator)
I – Relatório
Resulta destes autos de reclamação (art.º 643.º do NCPCiv.),
em que figuram como reclamantes AA e mulher, BB, AA. na ação, com os sinais dos autos ([1]),
ter sido interposto (por tais AA.) recurso de decisão interlocutória (em separado), tendo por objeto um despacho que “lhes indeferiu um meio de prova – contradita, com base documento” (cfr. o teor da decisão sumária deste TRC, de “14.10.2024”, que não admitiu esse “recurso interposto pelos AA.”).
Rejeitado tal recurso – por decisão singular de 14/10/2024 ([2]) –, a respetiva decisão, embora sujeita a posterior retificação de lapso, não foi objeto de reclamação, pelo que transitou em julgado, constituindo caso julgado formal.
Em 28/10/2024, os AA., naqueles autos de recurso em separado, vieram dizer que a decisão de rejeição do recurso de apelação autónoma «só [foi] proferida após o termo do prazo para interposição do recurso da decisão final», informando «que já requereram ao Tribunal de primeira instância, que ainda não proferiu despacho a admitir o recurso da decisão final entretanto apresentado no último dia do prazo legal, a coberto do entendimento deste Tribunal da Relação, que seja ordenada a junção conjunta de ambos os recursos (da decisão interlocutória e decisão final) para que ambos os recursos sejam apreciados em simultâneo pelo Tribunal da Relação».
Na mesma data e no mesmo sentido, nos autos principais, os AA. invocaram o seguinte (“REFª: 50296490”): «(…) tendo sido notificados da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, no sentido de que o recurso da decisão interlocutória apresentado nestes autos não tinha subida autónoma mas sim deferida, (…), vem requerer que o despacho a admitir o recurso da decisão final faça constar a admissão daquele primeiro recurso da decisão interlocutória, por forma a que o mesmo seja apreciado pelo Tribunal Superior conjuntamente com o recurso interposto da decisão final, nos termos do disposto no artigo 660º do CPC».
É que, tendo prosseguido os autos principais, havia ali sido proferida sentença, datada de 04/07/2024 ([3]), de que recorreram os mesmos AA., em 03/10/2024.
Perante esse recurso, foi proferido despacho (em 1.ª instância) com o seguinte teor:
a) «Requerimento com a referência n.º 6803769 para interposição de recurso da sentença final pelos Autores:
Por ser legal e tempestivo admito o recurso interposto através do requerimento em epígrafe, que é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo2 - artigos 627º, n º 1, 629º, n º 1, 631º, n º 1, 633.º, n.º 1, 637º, n º 1 e 2, 638.º, n.º 1, parte final, 644.º, n.º 1 a), 645.º, n.º 1 a) e 647.º, n.º 1 todos do CPC.
Notifique.»;
b) «Requerimento ref. 6854323:
Os AA tendo sido notificados da decisão tomada pelo Tribunal da Relação de Coimbra – no sentido de que o recurso que interpuseram da decisão interlocutória tinha subida diferida – requerem que o despacho que admita o recurso da decisão final inclua a admissão daquele primeiro recurso, invocando para tanto o disposto no artigo 660.º do CPC.
Em resposta, os RR defendem que essa questão está subtraída ao poder jurisdicional deste tribunal.
Vejamos.
Pese embora o apenso relativo ao recurso interposto da decisão interlocutória ainda não tenha descido a este tribunal, constatamos, através do documento junto pelo recorrente, que o Tribunal superior não admitiu esse recurso, tendo deixado claro que essa decisão teria de ser impugnada juntamente com o recurso a interpor da sentença final, a coberto do n.º 3 do artigo 644.º do CPC.
Como bem salientam os RR/Recorridos, essa questão terá ficado definitivamente resolvida pelo tribunal superior, estando-nos vedado proferir qualquer decisão que a possa contrariar.
Por outro lado, o invocado artigo 660.º do CPC, relativo à utilidade prática da apreciação da impugnação da decisão interlocutória pelo tribunal superior, pressupõe que essa impugnação seja feita nos termos prescritos no artigo 644.º, n.º 3 do CPC, ou seja, que a questão suscitada seja envolvida no âmbito do recurso a interpor da sentença final, o que no caso não aconteceu.
Destarte, em face do estado dos autos, indefere-se, por falta de fundamento legal, a pretendida inclusão da admissão daquele primeiro recurso.
Notifique.».
É desta decisão [al.ª b), supra] que os mesmos AA./Recorrentes reclamam para este TRC, nos termos do disposto no art.º 643.º, n.º 1, do NCPCiv. (cfr. fls. 02 e segs.).
Neste âmbito de reclamação, concluem assim:
«(…) entende a primeira instância que os recorrentes deveriam ter impugnado aquela decisão inicial conjuntamente com a decisão final! Ora Excelências como tal seria possível se o recurso da decisão final já havia sido interposto quando o Tribunal da Relação decidiu que afinal o primeiro recurso da decisão interlocutória não poderia ter apelação autónoma?
Note-se que foi a mesma primeira instância que admitiu o recurso da decisão interlocutória como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
O decidido configura assim uma verdadeira violação das expetativas dos interessados/recorrentes que confiando na decisão proferida pela primeira instância, de admitir o recurso de forma imediata e separada, se absteram de fazer constar da decisão final uma repetição do que haviam alegado.
E quando este Tribunal da Relação decidiu que o recurso apresentado não poderia ter aquela forma de subida e que deveria ser remetido novamente à primeira instância requereram os recorrentes a este Tribunal que acoplasse o recurso da decisão interlocutória ao recurso da decisão final, a coberto do disposto no artigo 660º do CPC por ser a única solução plausível de direito, por naquela faze processual os recorrentes já não poderem incorporar nas alegações de recurso da decisão final a questão levantada no recurso interlocutório por ambos já terem sido apresentados em seu devido tempo e antes que o Tribunal da Relação decidisse como decidiu.
Inopinadamente a primeira instância, fazendo tábua rasa ao que havia decidido (de ordenar a subida imediata do recurso interlocutório) e assim sendo de ter causado toda a situação jurídica considerou o seguinte. “ o Tribunal superior não admitiu esse recurso, tendo deixado claro que essa decisão teria de ser impugnada juntamente com o recurso a interpor da sentença final, a coberto do n.º 3 do artigo 644.º do CPC…Por outro lado, o invocado artigo 660.º do CPC, relativo à utilidade prática da apreciação da impugnação da decisão interlocutória pelo tribunal superior, pressupõe que essa impugnação seja feita nos termos prescritos no artigo 644.º, n.º 3 do CPC, ou seja, que a questão suscitada seja envolvida no âmbito do recurso a interpor da sentença final, o que no caso não aconteceu.
Ora Excelências como poderia a primeira instância considerar que os recorrentes deveriam suscitar a questão no recurso da decisão final quando esta foi interposta antes do Tribunal da Relação decidir que afinal do recurso da decisão interlocutória não deveria ter tido subida imediata?
A única solução plausível de direito que se afigurava era a primeira instância acoplar o recurso da decisão interlocutória ao recurso da decisão final e ordenar a subida imediata e simultânea de ambos, o que não fez, manchando assim de ilegalidade o decidido.
A decisão objecto desta reclamação, que claramente não admitiu o recurso interposto pelos recorrentes da decisão interlocutória que deveria ser margem para dúvidas ser acoplado ao recurso da decisão final, tendo este sido admitido, é uma decisão ilegal que não se pode manter.
TERMOS EM QUE, deve ser julgada procedente esta RECLAMAÇAO e nessa medida reconhecendo-se justa e legal a pretensão aos recorrentes ordenando-se ao Tribunal recorrido que julgue admitidos ambos os recursos, acoplando-os nos termos e com os fundamentos acima alegados por outra decisão não caber ao presente processo e o contrário configurar uma verdadeira denegação da justiça incomportável, tanto mais que foi o próprio Tribunal de primeira instância a dar azo à presente situação.».
Por sua vez, nas suas conclusões recursivas (apelação da sentença), expendem os Recorrentes:
«1-A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, salvo devido respeito, decidiu erradamente;
2-Existe notório erro de apreciação da prova produzida, quer da testemunhal, quer da documental, para além de errada subsunção dos factos ao direito o que torna a decisão ilegal;
3-A Meritíssima Juiz acabou por julgar improcedente, inexplicavelmente, o pedido formulado pelos Autores, pese embora e em abono da verdade, a prova produzida haja sido em sentido bem diverso;
4-Os Autores, intentaram a presente ação declarativa de condenação, contra os Réus, na qual peticionam a condenação dos Réus a reconhecerem a existência do contrato de mútuo celebrado entre as partes em 31 de Dezembro de 2003, e ainda a restituição da quantia de 135.000,00€, uma vez que apenas haviam sido pagos a quantia de 5.000,00€, e ainda dos juros devidos;
5-Os Réus contestaram alegando, em suma, o seguinte: impugnaram os factos, alegaram a falsidade do documento, do seu teor e assinaturas, sem mais;
6-Foi realizada a audiência de julgamento, onde no seu decurso, foi requerido pelo mandatário dos Autores a contradita da parte quando prestava as declarações de parte e com base num documento, tendo a mesma sido indeferida, e da qual já se apresentou recurso que se encontra pendente;
7-A primeira questão prende-se com a gravação da prova produzida, que conforme poderão constatar está deficiente, sendo grande parte dos depoimentos completamente impercetíveis, o que dificulta em grande parte a apreciação da prova produzida, porquanto se as perguntas feitas pela Meritíssima Juiz ou pelos Mandatários são completamente audíveis, o mesmo não se passa com as respostas dadas pelas partes ou pelas testemunhas arroladas, o que gera uma nulidade insanável, cuja sanação passa apenas pela repetição do julgamento, onde sejam novamente inquiridas as pessoas e se faça nova gravação audível, o que não se verifica nos presentes autos;
8-Assim, e verificando-se uma nulidade insanável de deficiente gravação da prova produzida, deve ser proferida decisão que remeta os autos para a primeira instância para repetição do julgamento;
9-A segunda questão a avançar neste recurso, prende-se com a nulidade de que enferma a referida decisão, nulidade esta que deve ser apreciada, na medida em que se entende que a mesma é parca quanto à especificação dos fundamentos de facto (violando assim o disposto no art. 615.º n.º 1 al. b) do CPC);
10-Desde logo se entende que a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo não fundamentou com clareza e precisão a sentença recorrida limitando-se a dar como provados alguns factos e a concluir pela improcedência da ação, julgando improcedente o pedido formulado pelos Autores, por considerar, erradamente como infra se explanará que os Autores tinham o ónus da prova de demonstrar e provar a existência do contrato de mútuo e veracidade do documento pelos mesmos apresentados;
11-Pese embora exista matéria de facto dada como provada, impõe-se que o julgador explicite o raciocínio lógico que lhe permitiu apurar a referida matéria de facto e não absolver em termos genéricos como fez, por entender que nem Autores nem Réus fizeram qualquer prova, e que em caso de dúvida deveria absolver as partes, porque erradamente considerou que os Autores tinham um ónus da prova, que de facto não tinham, pois quem tinha o ónus da prova eram os Réus
12-Por forma a justificar esta apontada nulidade referem desde já os recorrentes que a verdade é que apesar de julgar como provado que os Réus fizeram vários pagamentos aos Autores, a verdade é que acaba por decidir que não consegue concluir pela existência de um contrato de mútuo, ora sempre teria de explicitar o Tribunal de forma conveniente de onde surgiram esses pagamentos e para que efeitos;
13-Da factualidade dada como provada resulta, o seguinte:
“E. Em 15-12-2004 o 1.º Réu CC pagou ao 1.º Autor € 8.400,00 através do cheque n.º ...2.1, sacado pela sociedade A... Lda. sobre o extinto Banco 1... à ordem de AA, que o recebeu em 05/03/2005.
F. Em Agosto de 2008 o 1.º Réu CC pagou ao 1.º Autor € 5.200,00 através do cheque n.º ...08 sacado pela sociedade A... Lda. sobre o Banco 2... SA à ordem do 1.º Autor AA.
G. Em 06-11-2015 o 1.º Réu pagou em numerário €500,00 à 2.ª A. BB;
H. Em 12-03-2016, o 1.º Réu pagou em numerário €500,00 à 2.º Autora BB;
I. Em 5-12-2016 o 1.º Réu pagou em numerário €500,00 à 2.º Autora BB (22.º Cont).
M. A 4 de Outubro de 2022, após interpelação dos Autores, por intermédio do seu filho e com a “ameaça” de interposição de acção judicial, o 1.ª Réu pagou aos AA a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros) o que fez através de transferência bancária da sua própria conta, para ingresso na conta do Banco 3... com o IBAN ...38, titulada pela Autora BB (7.º PI e 5.º Cont).” (negrito nosso);
14-Logo, se a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, considerou como provado que os Réus foram fazendo pagamentos aos Autores, deveria ter apresentado a razão ou fundamentação da origem desses pagamentos, limitando-se no entanto a dizer que nem Autores nem Réus conseguiram fazer prova do por si alegado; Isto é uma não decisão, que é proibida no nosso sistema jurídico.
O Juiz não pode deixar de decidir porque tem dúvidas, há regras para definir o que decidir;
15-Entendem os recorrentes que da referida factualidade resulta demonstrada a relação jurídica entre as partes necessária para que o Tribunal pudesse concluir que existiu entres os Autores e os Réus, algum empréstimo, caso contrário não existiriam pagamentos, até porque não foi alegada qualquer situação que implique pagamentos dos Réus aos Autores, que não fossem o contrato de mútuo, pois a compra e venda de castanhas, nunca implicariam transações com esses montantes, nem de perto, nem de longe;
16-Considerando o Tribunal que os Réus efetuaram vários pagamentos aos Autores, – não constando dos factos provados devidos a quê – teria o Tribunal obrigatoriamente de discriminar e fazer constar da factualidade dada como provada a que se deviam tais pagamentos;
17-Tal especificação era absolutamente necessária para que a decisão pudesse ser sustentada de facto e entendível;
18-Inexistindo a mesma, ou pelo menos sendo parca, insuficiente e exígua, há que concluir pela nulidade da sentença por manifesta falta de fundamentação;
19-Acresce ainda que a mesma decisão é nula à luz do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, na medida em que, entendem os recorrentes que se verificam factos dados como provados que estão em contradição com a decisão e impunham decisão diferente;
20-Efetivamente foram dados como provados, vários pagamentos que os Réus fizeram aos Autores, em diversas datas, contudo a decisão proferida foi no sentido de julgar improcedente o pedido formulado pelos Autores, por ter sido entendimento da Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, de que não se provou o contrato de mútuo;
21-Se existem pagamentos dos Réus aos Autores, se os Réus até confirmaram em declarações a existência de um contrato de mútuo antigo, nos anos de 1997/1998, resulta das regras de experiência comum que quem empresta uma vez, empresta mais vezes e quem paga é porque deve. E de facto os Réus confirmaram a existência de um contrato de mútuo, alegando que o mesmo foi pago, porem, como se denota da matéria de facto dada como provado, o não provem;
22-Excelências se o primeiro contrato de mútuo foi pago, e se os Réus continuaram a fazer pagamentos aos Autores, é claro e evidente que tais pagamentos foram por conta de outro contrato de mútuo, pois não foi apresentada qualquer relação que justificasse tais pagamentos;
23-Mais, a única relação apresentada era que compravam e vendiam castanhas, sucede que tais valores nunca poderiam ser pela compra e venda de castanhas;
24-Logo nunca poderia a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, decidir pela inexistência da dívida, quando os Réus confessam ter feito pagamentos, logo assumem a existência da dívida, confissão esta que além de tácita, porque resulta dos pagamentos que os mesmos assumem ter feito, e ainda da contestação apresentada e documentos juntos;
25-Esiste pois, clara contradição entre os factos dados como provados e a decisão proferida;
26-Acresce ainda, que dos factos dados como provados resultam apenas alguns pagamentos, ou seja, foram considerados provados apenas alguns dos pagamentos alegados pelos Réus, o que por si só demonstra, que eles tinham conhecimento e perfeita consciência do valor em dívida ser superior aos pagamentos feitos e portanto, existe dívida pro pagar;
27-Ora, se resultam como provado vários pagamentos, não deveria resultar a origem desses pagamentos, quando resulta da prova produzida a sua origem? Deveria, mas não resulta da sentença proferida qualquer menção à origem desses pagamentos;
28-Verificando-se tal contradição a sentença é assim igualmente nula;
29-Entendeu a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, que pelo facto dos Réus terem impugnado o documento junto pelos Autores, titulado de “Declaração”, onde é declarado que os Autores emprestaram 140.000,00€ aos Réus, que se inverteu imediatamente o ónus da prova, e que a prova deveria ter sido feita pelos Autores, apresentantes do documento em questão;
30-Esta interpretação é errada e contra a Lei;
31-Não basta por si só impugnar sem mais o documento, para que se verifique a inversão do ónus da prova, pelo que houve errada interpretação dos arts. 374.º do CC e ainda violação do previsto nos arts. 444.º e 445.º do CPC;
32-Os Réus limitaram-se a impugnar o documento, o seu teor e a falsidade das assinaturas nele constantes, sem deduzirem o competente incidente processual de impugnação (que obedece a regras processuais próprias e específicas) sem fazerem qualquer tipo de prova quanto ao referido documento, nem demonstraram a sua falsidade, nem falta de autenticidade;
33-Acresce ainda que os Réus tinham meios para provar a falta de autenticidade e falsidade do documento, como a prova pericial, e não recorreram à mesma. Pois, para além de impugnar o documento, a sua autenticidade e falsidade, deveriam ter deduzido incidente de falsidade, e aí sim verificava-se uma situação de inversão do ónus da prova, o que não aconteceu, uma vez que não foi deduzido qualquer incidente;
34-Ora, se uma parte arguiu a falta de autenticidade do documento ou a sua falsidade, cabe ao arguente a prova de uma coisa ou de outra, ou seja, cabe a quem alega a falsidade a prova dessa falsidade, e não há no caso em questão inversão do ónus da prova;
35-Alegam os Réus na sua contestação o seguinte: “O Doc. n.º 1 junto à petição inicial não foi escrito nem assinado, nem pelo 1º R., nem pela 2ª R, sendo também o seu conteúdo totalmente falso.
Tal documento apresenta sinais notórios de ter sido forjado…
Tal documento falso titulado “Declaração” foi forjado em papel timbrado dos 1.º e 3.º RR….” – negrito nosso) vide arts. 15.º, 16.º e 17.º da Contestação apresentada pelos Réus.
36-Os Réus alegam a falsidade do documento apresentado pelos Autores com a sua petição inicial, ora ao alegarem a sua falsidade, cabia-lhes a prova de tal falsidade, com os vários meios de prova á disposição, como por exemplo a prova pericial;
37-Limitaram-se os Réus a alegar a falsidade do documento, alegando que os Autores forjaram tal documento, sem fazerem prova em juízo das suas alegações;
36-A jurisprudência tem sido clara no sentido de que quem alega a falsidade do documento tem de fazer prova do por si alegado, não se verificando qualquer situação de inversão do ónus da prova, como erradamente foi interpretado pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo; Veja-se a título de exemplo os acórdão já atrás referidos;
37-Mais, os Réus assumiram perante o Tribunal, e juntaram documentos para demonstrar que tinham feito alguns pagamentos aos Autores, reconhecendo assim tacitamente serem devedores dos mesmos;
38-Salvo o devido respeito, não estamos perante uma situação de inversão do ónus da prova, pelo que a prova da falsidade do documento cabia aos Réus, que não lograram fazê-lo, pelo que sempre deveria ter sido dado como provado a veracidade do documento junto pelos Autores, e nessa medida ser dado como provado a celebração do contrato de mútuo, dando assim ganho de causa aos Autores, o que se espera ver decidido neste Tribunal por Vªs Excelências;
39-Entendem os recorrentes que a sentença recorrida apresenta uma errada apreciação da factualidade dada como provada;
40-Resulta claramente da prova produzida, que os Autores celebraram com os Réus um contrato de mútuo, no valor de 140.000,00€, e que este não foi o primeiro contrato de mútuo celebrado entre as partes, uma vez que os Autores já tinham emprestado dinheiro aos Réus, como aliás os mesmos assumem quer na sua contestação, quer com os depoimentos de parte;
41-Os próprios Réus assumem que houve empréstimos e que fizeram pagamentos aos Autores, contudo tentam confundir o Tribunal dizendo que os pagamentos eram de outra dívida. Sucede que, não existia mais nenhuma dívida, nem nenhum negócio que envolvesse pagamentos dessas quantias que os Réus entregaram aos Autores e os Réus não provaram essa alegação;
42-Ora, são os próprios Réus que admitem a existência do contrato de mútuo ao assumem pagamentos, e ainda o último pagamento feito em Outubro de 2022, para abatimento da dívida, como aliás é descrito na própria transferência junto sob o Doc. n.º 1 pelos Réus na contestação com “Referência ordenante: Pag. Parte Dívida”:
43-São os Réus que acabam por assumir a existência de uma dívida e de pagamentos para a saldar, não sabendo os mesmos fazer uma destrinça sobre o capital em dívida e os juros acordados; Confissão que não pode ser ignorada;
44-Contrariamente ao considerado pelo Tribunal a quo deveria este ter feito constar da factualidade dada como provada que os Autores emprestaram aos 1.º e 2.º Réus a quantia de 140.000,00 em 31 de Dezembro de 2003, pois não fizeram prova da falsidade do documento, e ainda por admitirem pagamentos;
45-Provou-se ainda que os Autores já tinham emprestado quantias aos Réus, e que os mesmos eram feitos também com documentos assinados, conforme resulta do depoimento do Réu A..., bem como que os empréstimos que os Autores faziam venciam juros; Assim, foram dados como provados os seguintes factos:
“E. Em 15-12-2004 o 1.º Réu CC pagou ao 1.º Autor € 8.400,00 através do cheque n.º ...2.1, sacado pela sociedade A... Lda. sobre o extinto Banco 1... à ordem de AA, que o recebeu em 05/03/2005.
F. Em Agosto de 2008 o 1.º Réu CC pagou ao 1.º Autor € 5.200,00 através do cheque n.º ...08 sacado pela sociedade A... Lda. sobre o Banco 2... SA à ordem do 1.º Autor AA.
G. Em 06-11-2015 o 1.º Réu pagou em numerário €500,00 à 2.ª A. BB;
H. Em 12-03-2016, o 1.º Réu pagou em numerário €500,00 à 2.º Autora BB;
I. Em 5-12-2016 o 1.º Réu pagou em numerário €500,00 à 2.º Autora BB (22.º Cont).
M. A 4 de Outubro de 2022, após interpelação dos Autores, por intermédio do seu filho e com a “ameaça” de interposição de acção judicial, o 1.ª Réu pagou aos AA a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros) o que fez através de transferência bancária da sua própria conta, para ingresso na conta do Banco 3... com o IBAN ...38, titulada pela Autora BB (7.º PI e 5.º Cont).” (negrito nosso)
46-Dos referidos factos dados como provados, resulta assim que os Réus fizeram pagamentos aos Autores;
47-Entendem os recorrentes que a decisão recorrida configura uma decisão clara e inequivocamente errada, existindo notório erro de apreciação da prova produzida, quer testemunhal, quer documental;
48- Importa por isso e nesta sede proceder-se à reapreciação da matéria de facto e prova gravada;
49-Considerando-se procedente o ora alegado, deve considerar-se que nos autos em causa, ocorreu erro de apreciação da prova por parte do Tribunal recorrido, considerando-se, a final, que ficou demonstrado que os Autores celebraram com os Réus um contrato de mútuo, e que nessa sequência lhe entregaram 140.000,00€, e ainda que foi acordado pagamento de juros, como aliás já tinha sido em situações anteriores.;
50-À cautela de se assim não se considerar sempre entendem os Autores que devem ser aditados factos à matéria de facto dada como provada uma vez que resultou da prova produzida que os Autores emprestaram dinheiro ao 1.º e 2.º Réus e que o pagamento foi assumido pelo 3.º Réu, uma vez que o dinheiro seria para este;
51-Ora e após tais considerandos, por forma a dar-se procedência ao que se vem alegando, cumpre efetuar a REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA;
52-Por razões de economia deixamos aqui por inteiramente reproduzidas as alegações supra quanto a esta reapreciação e que conduzem, in fine, à seguinte alteração, com a adição dos seguintes factos aos factos dados como provados:
a. O 1.º Réu CC pediu emprestada ao 1.º Autor AA, em 1997, a quantia de 5.000 contos (isto é, € 24.939,89) que aquele lhe entregou nesse ano dizendo-lhe que venceria juros de 30% ao ano (12.º Cont.)
b. No ano de 1998, o 1.º Réu CC voltou a pedir emprestada ao 1.º Autor AA, a quantia de 1.500 contos (isto é, € 7.481 ,97) e ainda lhe pediu emprestada no ano seguinte (1999) a mesma quantia (1.500 contos ou €7.481 ,97) que aquele lhe entregou dizendo-lhe que estas venceriam juros de 27% ao ano (13.º Cont).
c. O Autor marido, em 31 de Dezembro de 2003, emprestou aos 1.º e 2.º Réus, a quantia de 140.000,00€ (cento e quarenta mil euros) (1.º PI).
d. A declaração junta como documento 1 da petição inicial foi elaborada pelo punho do primeiro Réu e assinado pelo primeiro e segunda Réus (1.º PI).
e. Na referida data, o Autor marido entregou, em numerário, a quantia de 140.000,00€ (cento e quarenta mil euros) aos primeiros e segunda Réus, que o aceitaram e receberam, tendo referido, nessa data, que seria para emprestar ao filho A..., ora terceiro Réu, que conjuntamente com aqueles garantiu ao Autor o bom pagamento e o reembolso desse débito (3.º PI).
f. Mais acordaram que o referido empréstimo seria amortizado/pago até ao prazo máximo de dez anos (4.º PI).
g. Acordaram ainda que o empréstimo venceria juros remuneratórios de 4% ao ano e que deveriam ser pagos no final de cada ano após a data do empréstimo (5.º PI)
j. O terceiro Réu garantiu junto dos Autores o pagamento integral do empréstimo que o Autor marido celebrou com os seus pais, primeiro e segunda Réus (18.º PI).
53-Pois, produzida tal prova testemunhal, o caminho a seguir pelo Tribunal a quo, teria de ser indubitavelmente diferente do que foi seguido;
54-A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo ficou com dúvidas da existência do empréstimo, quando dos depoimentos prestados deste se infere desde logo uma realidade diferente, ou seja, que foram emprestadas quantias em dinheiro, tanto assim é, que os Réus foram efetuando pagamentos, o último dos quais em Outubro de 2022, após interpelação do filho dos Autores para os Réus fazerem o pagamento do valor em dívida;
55-Se não existisse qualquer empréstimo/contrato de mútuo, os Réus não fariam pagamentos aos Autores, até porque dos depoimentos não resulta qualquer fundamento para os pagamentos feitos, que não fosse empréstimo de quantias monetárias;
56-Acrescente-se que a decisão é ainda errada e merece reparo através da alteração da matéria de facto dada como provada na medida em que resulta dos depoimentos que houve empréstimo e pagamentos para abatimento de dívida, assim como resulta de prova documental;
57-Todas as testemunhas e partes falaram em entregas de dinheiro pelos Réus aos Autores, o que por si demonstra a existência de um empréstimo, uma vez que não foi apresentada mais qualquer razão para as entregas dessas quantias;
58-Sucede que, apesar disso, não foi dada como provado a existência de um contrato de mútuo, quando resulta claramente da prova a sua existência, devendo ter-se por assente o documento junto pelos Autores, uma vez que os Réus não lograram fazer prova cabal da sua falsidade como lhes competia;
59-Assim, dos depoimentos prestados em audiência, coadunados com a prova documental não poderiam ter sido dados como não provados os factos nos termos em que o foram e por isso deve a factualidade ser alterada nos termos atrás sobreditos;
60-Da falta de matéria de facto subjacente só podem os Autores recorrentes concluir que houve uma errada aplicação do Direito aos factos dados como não provados e isso importa verificar nesta sede por forma a que, como de direito se afigura devido, os Réus sejam condenados ao pagamento dos valores em falta;
61-Pelo que, merece assim a decisão recorrida douto reparo de Vªs Exªs, declarando-se ilegal e errada a decisão que decidiu julgar a acção improcedente, pela errada interpretação da lei aplicável à questão controvertida;
62-O Tribunal a quo ao proferir a decisão recorrida em contradição com a prova produzida quer testemunhal quer documental e com a Lei aplicável aos presentes autos, proferiu uma decisão errada e violadora da Lei, esperando o recorrente por isso mesmo, que Vªs Exªs profiram uma sábia decisão no sentido de revogar a decisão recorrida.
63-E por todos os fundamentos supra elencados, temos que a decisão proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, não convenceu a recorrente, sendo uma decisão errada por violação entre outros do disposto nos arts. 155.º, 615.º, 444.º e 445.º do CPC e art. 374.º do Código Civil, sendo assim uma decisão errada e desconforme à jurisprudência dominante nos nossos Tribunais, esperando ter a douta retificação de Vªs Exªs nos termos supra sugeridos.
Nestes termos, decidindo-se como se requer, devem Vªs Exªs decidir pela procedência da apelação ordenando-se a revogação da decisão recorrida, por outra que declare improcedente a pretensão do Autor pelos fundamentos supra elencados e assim,
FARÃO VªS EXªS, A DEVIDA JUSTIÇA» (destaques retirados).
A contraparte respondeu, pugnando pela inadmissibilidade e, em qualquer caso, improcedência da reclamação.
*
Sendo este o objeto da reclamação, cabe agora apreciar e decidir, âmbito em que é questão essencial a resolver a da (in)admissibilidade/(im)procedência da reclamação.
*
II – Fundamentação
1. - Do que pode retirar-se destes autos, trata-se de processo em que se discute um invocado contrato de mútuo oneroso – com garante e fiador –, sua nulidade por vício de forma e obrigação de restituição por efeito dessa invalidade contratual.
No decurso da produção de prova em audiência final, no quadro da inquirição de testemunhas, insurgiram-se os AA. contra despacho que “lhes indeferiu um meio de prova – contradita”.
Por isso, logo interpuseram recurso de apelação autónoma – para subida imediata e em separado –, recurso esse admitido pela 1.ª instância (Ap. n.º 1185/23.3T8LRA-A.C1), mas depois rejeitado pelo Relator no TRC, em cuja decisão sumária se fundamentou assim:
«É de considerar que:
Os AA (…) recorreram de despacho que, dizem, lhes indeferiu um meio de prova – contradita, com base documento. E assim delimitaram o objecto do recurso.
(…).
Temos por certo que o recurso de decisão que não admite contradita, não é susceptível de integrar a previsão da dita alínea, por a contradita não ser um meio de prova, mas sim uma vicissitude processual que se desencadeia no âmbito de produção de meio de prova. Meios de prova são a documental, a por confissão/declarações de parte, a pericial, inspecção judicial e testemunhal (…).
Mantém-se a posição inicialmente tomada, pelo que o recurso não é admissível, por enquanto. Se foi proferida sentença final e os ora recorrentes vão recorrer devem impugnar a decisão de que discordam nesse recurso (…).
Pelo exposto, nos termos dos arts. 652º, nº 1, b), e 655º, nº 1, do NCPC, não se admite o recurso interposto pelos AA.» (destaques aditados).
2. - Ora, apreciando, cabe dizer que as conclusões recursórias da apelação da sentença não dão guarida, salvo o devido respeito, à questão da rejeição/indeferimento da dita “contradita”, vista pelos Recorrentes como “um meio de prova”. Com efeito, o recurso da sentença é inexpressivo sobre essa matéria, confinando-se à estrita matéria da sentença, e não ao modo de produção da prova testemunhal em audiência final, mormente quanto àquela “contradita”.
Perante tal manifesta omissão é que se ajuizou na decisão sob reclamação no sentido de indeferir «(…), por falta de fundamento legal, a pretendida inclusão da admissão daquele primeiro recurso».
Ora, voltando atrás, se não foi admitido – na anterior decisão singular do TRC – aqueloutro recurso de decisão interlocutória (a intentada apelação autónoma), então trata-se de recurso rejeitado.
Por isso, rejeitado o primeiro recurso, teria de ser interposto, a final, um segundo, embora voltando a versar sobre a (mesma) decisão interlocutória (ou seja, a matéria da “contradita”).
Se os AA./Recorrentes não interpuseram nova impugnação/recurso da decisão interlocutória, apenas tendo recorrido da sentença (sem mais), então terá, salvo o devido respeito, de conferir-se razão à 1.ª instância, na sua decisão aqui reclamada.
Não pode aproveitar-se, a final, um anterior recurso (de decisão interlocutória) que foi rejeitado, com trânsito em julgado (a decisão sumária do TRC, por não ter sido impugnada/reclamada, assumiu caso julgado formal, que não pode ser violado).
Ou seja, nos termos do disposto nos art.ºs 652.º, n.º 1, al.ª b), e 655.º, n.º 1, do NCPC, não foi admitido o anterior recurso interposto pelos AA., rejeição coberta pelo trânsito em julgado formal, que impede a repristinação desse pretérito recurso (a pretendida apelação autónoma).
Por isso, os AA. teriam de formular nova impugnação da decisão intercalar ao interpor (novo) recurso, o da decisão final, ou seja, “no recurso” a que alude o n.º 3 do art.º 644.º do NCPCiv. ([4]).
Perguntar-se-á: E formularam?
Como visto, a resposta tem de ser negativa (não formularam).
Olhando para a peça recursiva interposta da sentença, nota-se que:
- os AA./Recorrentes afirmam pretender recorrer da sentença ([5]);
- aludindo a “ter sido indeferido meio de prova requerida pelos Autores, durante a audiência de julgamento – despacho do qual já foi apresentado recurso-.”;
- mas deixando claro que só impugnam, nesse recurso, a própria sentença;
- nas (atuais) conclusões do recurso, a parte recorrente incorreu, de algum modo, se não num equívoco, ao menos numa imprevisão, a de que o anterior recurso se encontra pendente ([6]), quando o mesmo agora está, indubitavelmente, findo (por não ter sido admitido, ou seja, foi rejeitada essa apelação autónoma, que, por isso, findou, extinguindo-se).
É certo que, quando foi interposto o recurso da sentença (em 03/10/2024), ainda não havia decisão singular do TRC (decisão singular esta de 14/10/2024).
Por isso, ao tempo da interposição do recurso da sentença, a apelação autónoma estava (ainda) pendente, mas foi, entretanto, objeto de decisão, termos em que ao tempo do despacho referente à admissão do recurso da sentença essa instância recursiva já estava extinta, o que não poderia ser ignorado pelo Tribunal recorrido.
No atual recurso, os Apelantes limitam-se a concluir pela «procedência da apelação ordenando-se a revogação da decisão recorrida», ou seja, a sentença.
Com o que não cumpriram o ónus de (nova) impugnação da decisão interlocutória, a que alude o art.º 644.º, n.º 3, do NCPCiv..
Assim, o novo recurso (da decisão final) não tem por objeto essa decisão interlocutória.
E o anterior recurso – que a tinha por objeto – está findo, por não ter sido admitido e essa decisão de não admissão ter formado caso julgado (intraprocessual), que se impõe no âmbito destes autos (às partes e ao Tribunal).
Em suma, a reclamação teria, nesta perspetiva, de improceder.
Porém, como chamam a atenção os Reclamantes, a sentença (de 04/07/2024) é anterior à decisão de rejeição da apelação autónoma, pelo que, quando foi interposto o recurso da sentença (03/10/2024), ainda não havia decisão singular do TRC (decisão singular somente de 14/10/2024).
Por isso, ao tempo do recurso da sentença (03/10) estava, de facto, pendente ainda a apelação autónoma.
Se estava pendente no TRC – depois de admitida pela 1.ª instância – poderia pensar-se, como terão pensado os AA./Recorrentes, que não se justificava, então, cumprir o disposto no n.º 3 do art.º 644.º do NCPCiv..
Os AA. sabiam que o recurso estava no TRC, que ainda nada tinha sido decidido e que tinham de recorrer da sentença.
Numa tal situação, poderiam colocar-se na posição confortável de apenas confiar que a apelação autónoma – se admissível – seria efetivamente admitida e substancialmente decidida pela Relação.
Mas assim não ocorreu: a apelação autónoma foi rejeitada no TRC, por razões imputáveis aos AA. – errado juízo destes –, posto ser caso claro em que não era legalmente admissível tal recurso de apelação autónoma (como evidenciado na decisão singular do TRC).
Deveriam eles, ainda assim, confiar e esperar?
Ou – à cautela – observar no recurso da sentença, subsidiariamente, o disposto no n.º 3 do art.º 644.º do NCPCiv.?
Os AA./Reclamantes invocam o princípio da confiança (por o originário recurso ter sido admitido em 1.ª instância).
Todavia, é consabido que a Relação – através do relator – pode alterar o regime recursivo ou mesmo não conhecer do objeto do recurso [cfr. art.ºs 652.º, n.º 1, al.ªs a), b) e h), e 655.º, n.º 1, ambos do NCPCiv.].
Assim, os Recorrentes deviam contar com tal regime legal, sendo neste que deveriam confiar.
Tanto mais que está claramente apurado que foram notificados a 23/09/2024 – antes, pois, da interposição do recurso da sentença (este apenas, como visto, de 03/10/2024) – do entendimento do relator no sentido da inadmissibilidade do recurso de apelação autónoma.
Por isso, ao tempo da interposição do recurso da sentença já não era surpreendente – muito pelo contrário – a possibilidade (séria, clara) de a apelação autónoma ser rejeitada, a muito curto prazo, rejeição essa com que viriam até a conformar-se.
Não se justifica, pois, qualquer proteção da confiança processual dos AA./Reclamantes, tanto mais que em contrário do regime legal vigente.
Ao invés, deveriam os Recorrentes assumir uma posição de cautela.
Desde logo, a lei é clara num tal caso e os AA. não deviam, por isso, ter interposto a apelação autónoma, que a lei não consente.
Nesse horizonte processual, notificados, pelo TRC, da possibilidade/probabilidade (séria) de rejeição do recurso interposto de apelação autónoma (entendimento vincado do respetivo relator), restava-lhes, por elementar cautela, colocar, subsidiariamente, a respetiva matéria/impugnação no âmbito do recurso da sentença, em obediência ao disposto no n.º 3 do art.º 644.º do NCPCiv. (impugnação no recurso da decisão final).
Ou seja, os AA./Recorrentes – salvo sempre o devido respeito – é que erraram: a) ao interpor apelação autónoma, que a lei não permitia; b) ao não impugnarem no recurso da sentença, à cautela e subsidiariamente, quando, embora nada estivesse ainda decidido sobre a matéria do anterior recurso, já lhes tinha sido sinalizado (em observância do princípio do contraditório) que este seria, com toda a probabilidade, objeto de decisão de rejeição pelo relator no TRC.
Assim sendo, não podem proceder os argumentos dos Reclamantes.
Se é certo que o recurso da sentença «foi interposto antes do Tribunal da Relação decidir que afinal o recurso da decisão interlocutória não deveria ter tido subida imediata», também é certo que (i) só por errada aferição foi interposta a apelação autónoma (que a lei não consente) e que, (ii) ao tempo da interposição do recuso da sentença, os AA./Recorrentes já conheciam o despacho do relator no TRC que sinalizava, em observância do contraditório, a iminente rejeição do recurso, o que tudo aconselharia, por elementar cautela/prudência, a subsidiária impugnação da decisão intercalar no recurso da sentença, de acordo com o disposto no art.º 644.º, n.º 3, do NCPCiv., o que se mostrava, ao tempo, manifestamente aconselhável e possível.
Não se pode, por isso, concordar que a “única solução plausível de direito que se afigurava era a primeira instância acoplar o recurso da decisão interlocutória ao recurso da decisão final e ordenar a subida imediata e simultânea de ambos” ([7]).
Tal “acoplar”, no despacho sobre a admissão recursiva, violaria a decisão – então já proferida – do TRC de rejeição do recurso de apelação autónoma, que, como se reitera, transitou em julgado, devendo ser obedecida.
Em suma, nada a censurar à decisão reclamada, a dever ser mantida, termos em que tem de improceder a reclamação empreendida.
*
III – Concluindo:
1. - Tendo o recorrente interposto recurso de apelação autónoma com referência a despacho só recorrível no recurso da sentença (de acordo com o disposto no art.º 644.º, n.º 3, do NCPCiv.), só a si é imputável o erro na determinação do tempo e do regime do recurso.
2. - Admitido o recurso de apelação autónoma pelo Tribunal de 1.ª instância, não estava a Relação vinculada a essa admissão, podendo o relator rejeitar o recurso ou alterar o seu regime, ao abrigo do disposto nos art.ºs 652.º, n.º 1, al.ªs a), b) e h), e 655.º, n.º 1, ambos do NCPCiv., razão pela qual a parte recorrente não pode invocar, perante a rejeição pelo Tribunal superior, a proteção da confiança gerada pela errónea decisão de acolhimento da 1.ª instância.
3. - A decisão de rejeição do relator na Relação, não sendo objeto de reclamação/impugnação, torna-se definitiva, transitando em julgado, assim operando caso julgado formal, que se impõe às partes e ao Tribunal.
4. - Sendo o recurso da sentença interposto antes da prolação daquela decisão singular de rejeição, mas depois de o relator, observando o princípio do contraditório, ter notificado as partes da iminência de decisão de rejeição, cabia à parte recorrente, por elementar cautela, impugnar, subsidiariamente, a decisão objeto da apelação autónoma no (âmbito do) recurso da sentença, não sendo aproveitável, nesse quadro, o anterior recurso, sobre que recaiu decisão de rejeição transitada em julgado.
5. - Doutro modo, incidindo o recurso da sentença apenas sobre a matéria nesta decidida, improcede a reclamação que pretendia ver também admitido a final o (mesmo) recurso que havia sido rejeitado.
***
IV – Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada.
Custas pelos AA./Reclamantes.
Notifique.
04/02/2025
Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).
Assinatura eletrónica.
O Relator,
Vítor Amaral
([1]) Sendo RR. CC, DD e EE, todos também com os sinais dos autos.
([2]) Porém, antecedida de despacho do relator (de cumprimento do contraditório), datado de “16.9.2024”, e que se considera notificado a 23/09/2024, com o seguinte teor: «Os AA, ao abrigo do art. 647º, nº 2, d), do NCPC, recorrem de despacho que, dizem, lhes indeferiu um meio de prova – contradita, com base documento. E assim delimitam o objecto do recurso. // E o recurso assim foi admitido, à sombra da indicada alínea. // Temos por certo que o recurso de decisão que não admite contradita, não é susceptível de integrar a previsão da dita alínea, por a contradita não ser um meio de prova, mas sim uma vicissitude processual que se desencadeia no âmbito de produção de meio de prova. Meios de prova são a documental, a por confissão/declarações de parte, a pericial, inspecção judicial e testemunhal (vide os Capítulos I a VI do Título V, com a epígrafe Da Instrução do Processo, arts. 410º e segs. do NCPC). // Afigura-se, pois, que o recurso não tem subida autónoma, mas sim diferida, a coberto daquele supra indicado artigo, seu nº 3. // Assim, o recurso não será admissível, por enquanto. //- Cabe, por isso, ouvir as partes (arts. 652º, nº 1, b), e 655º, nº 1, do NCPC), em 10 dias.» (elementos retirados, com destaques aditados, do Processo n.º 1185/23.3T8LRA-A.C1, consultado no sistema CITIUS).
([3]) Com o seguinte dispositivo: «(…) julga-se totalmente improcedente a presente acção e, consequentemente, absolvem-se os RR/Reconvintes dos pedidos contra si formulados.// Julga-se totalmente improcedente a reconvenção e, consequentemente, absolvem-se os AA/Reconvindos dos pedidos contra si formulados. // Mais se absolvem as partes do pedido, recíproco, de condenação como litigantes de má-fé.».
([4]) Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 160, aludindo a impugnação “no âmbito do recurso que eventualmente venha a ser interposto (…) da decisão final do processo (…)”, bem como p. 218.
([5]) Mais afirmando, coerentemente: «II) DA DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
O presente recurso tem, assim, por base, a reformulação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, para que seja proferido Acórdão que a revogue e substitua por outra decisão que, julgando procedente o pedido formulado pelos Autores, condene os Réus ao pagamento do valor em dívida e faça a devida justiça.
Assim, serão evidenciadas nestas alegações, os vícios de que padece a sentença recorrida, bem como, o erro na apreciação da prova – cuja reapreciação se requer neste articulado – que mancha toda a sentença e obriga à sua reformulação e revogação.».
([6]) Concluiu assim: «6-Foi realizada a audiência de julgamento, onde no seu decurso, foi requerido pelo mandatário dos Autores a contradita da parte quando prestava as declarações de parte e com base num documento, tendo a mesma sido indeferida, e da qual já se apresentou recurso que se encontra pendente;».
([7]) A pretendida «junção conjunta de ambos os recursos (da decisão interlocutória e decisão final)» somente poderia ocorrer a coberto do disposto no citado n.º 3 do art.º 644.º do NCPCiv. (pelo modo ali mencionado, no recurso da sentença), norma que, porém, os Recorrentes não observaram.