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ARGUIDO
TIR
CONTUMÁCIA
RESIDENTE NO ESTRANGEIRO
NOTIFICAÇÃO
DIREITO DE DEFESA
Sumário
I - Não existe obstáculo legal à prestação de TIR por arguido contumaz, mediante a indicação de morada no estrangeiro para efeitos de receber as futuras notificações do tribunal. II - Com a prestação de TIR pretende-se assegurar o conhecimento efetivo pelo arguido das comunicações dirigidas pelo tribunal. III - A indicação obrigatória no TIR de uma morada em Portugal, quando a única conhecida e real se situa no estrangeiro, além da dificuldade prática que acarreta para quem nenhuma ligação tem com o território nacional, não assegura o efetivo conhecimento, pelo notificando, dos atos ou deveres processuais de que deva ser informado, de modo a garantir o exercício do seu direito de defesa, na ótica de um processo justo e equitativo, conforme dispõem os art.s 32º, nº1, e 20º, nº4, da C.R.P..
(Da responsabilidade do Relator)
Texto Integral
Processo: 223/19.9T9GDM-A.P1
Relator
João Pedro Pereira Cardoso Adjuntos
1 Isabel Matos Namora
2 Maria Deolinda Dionísio
Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
1. RELATÓRIO
No Processo 223/19.9T9GDM do Juízo Local Criminal ... - Juiz 1, os arguidos foram declarados contumazes por despacho de 10/2/2023 (ref.ª 445122539).
Mediante requerimento de 13/6/2024 (refª 39331304) vieram os arguidos, através do seu ilustre mandatário, informar que se encontram a residir na Suíça, indicando a respetiva morada nesse país, pretendendo prestar termo de identidade e residência junto das autoridades desse país e verem assim cessada a contumácia.
Sobre tal requerimento recaiu o despacho datado de 20/6/2024 (ref.ª 461267551). Nesse despacho, invocando o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 5/2014 (publicado no D.R. n.º 97, Série I, de 21/5/2014), a Meritíssima Juiz, advertiu que “a prestação de TIR com a indicação de uma morada de um país estrangeiro não faz cessar a declaração de contumácia”, entendendo que os arguidos devem prestar TIR, indicando uma morada em território português.
Não se conformando com tal despacho, vieram os arguidos, através de requerimento datado de 3/7/2024 (ref:º 49388325) reiterar aquela pretensão.
Sobre esse requerimento recaiu despacho judicial de 11/7/2024 (ref.ª 462128180), no qual a Meritíssima Juiz decidiu que nada mais haveria de ordenar, atento o já decidido no anterior despacho de 20/6/2024 (ref.ª461267551).
É sobre o despacho de 11/7/2024 (ref.ª 462128180) que os arguidos AA e BB recorrem, com as seguintes: CONCLUSÕES
A. Salvo o devido respeito, entendem os arguidos que no despacho datado de 10-07-2024 (ref.ª 462128180), o Tribunal ad quo não se pronunciou quanto à possibilidade destes prestarem TIR em território estrangeiro e assim fazerem cessar a contumácia.
B. Questões estas suscitadas pelos arguidos no requerimento de ref.ª 49388325 datado de 03-07-2024.
C. Limitando-se apenas a remeter para o anterior despacho de ref.ª 461428590, datado de 21-06-2024.
D. O que além de prejudicar o bom andamento processual, consubstancia uma verdadeira violação dos direitos dos arguidos.
E. Desde logo porque os arguidos não têm qualquer morada em Portugal, seja de familiares ou de pessoas da sua confiança.
F. Para além disso, o arguido AA não se consegue deslocar a Portugal, uma vez que, por se encontrar contumaz, não consegue renovar o seu cartão de cidadão.
G. Ora, se insiste o Tribunal ad quo que os arguidos têm de se deslocar ao território português para fazer cessar a contumácia, tendo por base o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 5/2014,
H. E uma vez que se encontram impossibilitados de o fazer, precisamente por se encontrarem contumazes, chegamos a uma situação de impossível resolução.
I. Assim, não parece razoável que, em primeiro lugar não tenha sido concedida a possibilidade aos arguidos de prestarem TIR na Suíça e assim fazerem cessar a contumácia,
J. E em segundo lugar, que o Tribunal tenha simplesmente remetido a decisão do despacho de ref.ª 462128180, datado de 11-07-2024 para a decisão antecedente (despacho de ref.ª 461428590 datado de 21-06-2024), sem ter sequer tido em consideração o pedido dos arguidos no requerimento de ref.ª 49388325 datado a 03-07-2024.
K. Assim, e porque sempre estiveram os arguidos disponíveis para colaborar com o Tribunal.
L. Entendem, salvo melhor opinião, que a omissão de decisão por parte do Tribunal ad quo no despacho supra referenciado coloca em causa os direitos dos arguidos e in extremis, impede-os de cumprirem os seus deveres.
M. Desta forma, e porque estão reunidas todas as condições para a prestação de TIR na Suíça, ainda que perante autoridades portuguesas ou mesmo perante autoridades suíças,
N. E que deve nesta sequência ser cessada a contumácia.
O. Deve o Tribunal ad quem revogar o despacho proferido a 11 de Julho de 2024 e admitir a possibilidade de os arguidos prestarem TIR, e cessarem a situação de contumácia, na Suíça, mediante cooperação internacional, não sendo obrigados a indicar uma morada Portuguesa de que não dispõem.
P. Nesta conformidade e invocando o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, Venerados Desembargadores, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho proferido e notificado aos arguidos a 11 de julho de 2024, e, em consequência, conceder aos Arguidos a possibilidade de prestarem TIR na Suíça e assim fazerem cessar a contumácia.”
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O recurso apresentado foi regularmente admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito não suspensivo.
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Respondeu o Ministério Público às motivações de recurso vindas de aludir, entendendo que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
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Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no qual pugna pela improcedência do recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Cumprida a notificação a que se refere o art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, foi efetuado o exame preliminar e, após colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior - artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) [1].
Posto isto, as questões submetidas ao conhecimentodeste tribunal: 1ª Da prestação de TIR no estrangeiro; 2ª Da indicação de morada estrangeira no TIR e subsequente cessação da contumácia
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Cumpre apreciar 1ª Da prestação de TIR no estrangeiro
Com relevo para a resolução das questões objeto do recurso importa antes de mais recordar que, após a prolação do despacho recorrido, ao arrepio do AUJ (STJ) n.º 5/2014 (publicado no D.R. n.º 97, Série I, de 21/5/2014) [2], o tribunal a quo proferiu novo despacho datado de 20-09-2024, sob Referência: 463422751, ordenando a expedição de carta rogatória às autoridades judiciais suíças competentes, solicitando a sujeição dos arguidos, com residência em ... ..., Suíça, a termo de identidade e residência, devendo os arguidos, para o efeito, indicar obrigatoriamente uma morada portuguesa.
Posto isto, ficou prejudicada a questão suscitada pelos recorrentes quanto à possibilidade de prestação de TIR no estrangeiro e alegada omissão de pronúncia a esse respeito, já que a mesma foi posteriormente deferida ao abrigo dos mecanismos de cooperação internacional.
De qualquer modo sempre se dirá que o requerimento de 3/7/2024 foi devidamente apreciado pela Meritíssima Juiz, ao remeter para o despacho de 21/6/2024, porquanto tal requerimento traduz-se numa repetição do requerimento de 20/6/2024, no qual o tribunal recorrido tomara posição devidamente fundamentada quanto à pretensão dos arguidos, louvando-se no referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência.
Por conseguinte, não se verificando a apontada omissão de pronúncia, ocorreu, isso sim, uma inutilidade superveniente do recurso nesta parte, razão pela qual não se conhece do mesmo.
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2ª Da indicação de morada estrangeira no TIR para efeitos de cessação de contumácia
Dispõe o artigo 336.º, n.º1 do C.P.P. que “ a declaração de contumácia caduca logo que o arguido se apresentar ou for detido…”, sendo que nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, “logo que se apresente ou for detido, o arguido é sujeito a termo de identidade e residência..:”
A prestação de TIR assume-se, no enquadramento legal atualmente vigente, como o elemento fulcral de ligação do arguido ao processo, permitindo a sua tramitação até final, e simultaneamente facultando ao arguido o exercício efetivo dos seus direitos de defesa.
Do disposto no artigo 196.º do Código de Processo Penal resulta inequívoca a co-responsabilização do arguido que presta termo de identidade e residência pela indicação correta e atualizada da sua residência para o efeito de ser notificado por via postal simples.
E que o incumprimento de tal obrigação legitima a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º [alínea d) do n.º 3 do artigo 196.º referido].
Defendem os arguidos que não são obrigados a indicar nesse TIR uma morada portuguesa de que não dispõem, nada obstando à indicação daquela conhecida na Suíça.
Contrapõe o Ministério Público que os arguidos não poderão prestar termo de identidade e residência, indicando a sua morada na Suíça, como pretendem, porque não existindo no estrangeiro as notificações postais com prova de depósito, torna-se inviável o funcionamento de tal medida de coação, citando nesse sentido o ac RG 3/3/2014 (proc. nº 23/12.7TAVCT.G1) www.dgsi.pt, segundo o qual: “Não é viável a notificação do arguido por via postal simples em morada situada no estrangeiro, ainda que constante do TIR, porque tal forma de notificação implica que se observem os procedimentos previstos no nº 3 do art. 113º do CPP, nomeadamente que o distribuidor do serviço postal lavre uma declaração indicando a data e confirmando o local exato do depósito, enviando-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.”.
Mas, em resultado da inviabilidade da notificação por via postal simples, através da morada no estrangeiro, não pode ser considerado válido o TIR ?
Como se pode ler no AUJ (STJ) n.º 5/2014 (publicado no D.R. n.º 97, Série I, de 21/5/2014, “é o contacto pessoal do arguido com o tribunal (por meio da apresentação ou da detenção) que permite considerar caducada a contumácia, que é caracterizada precisamente pela impossibilidade de efetuar esse contacto. É o contacto pessoal que viabiliza, por meio da prestação de TIR, a manutenção de uma ligação do arguido ao processo até ao seu termo. O TIR é o instrumento dessa ligação subsequente à caducidade da contumácia, não a causa dessa caducidade.”
É certo que, após a prestação de TIR, o arguido só pode ser julgado na sua ausência, desde que regularmente notificado (art. 333.º, n.º 1, do CPP).
Nesse desiderato, a notificação por via postal simples [3]é apenas uma das formas de contacto com o arguido, prevista no art.113º, nº1, do Código Processo Penal.
Daí que, ao invés do citado AUJ (STJ) n.º 5/2014, não se veja obstáculo legal à prestação de TIR por arguido contumaz, mediante a indicação de morada no estrangeiro para efeitos de receber as futuras notificações do tribunal.
A circunstância de o arguido residir no estrangeiro não impede, nesses casos, a notificação pessoal do arguido, por outros meios, de acordo com as normas que regulam o serviço postal internacional, embora obste à aplicação da via postal simples estabelecida nos arts 196.º nºs 2 e 3, al. c) 313.º n.º 3 e 113.º n.º 1 c), todos do CPP, como forma de obter as notificações subsequentes ao TIR.
Para proceder às notificações no estrangeiro, que possam operar em Portugal, nada obsta à aplicação da carta registada com aviso de receção [4] ou à carta rogatória e à Lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal (v. art. 172.º a 185.º do C.P.C. e Lei 144/99 de 31.08 – arts. 145.º-2-a) e 151.º a).
Contudo, nada impede a indicação de morada no estrangeiro no respetivo TIR, pois como defendido no ac RC 24-05-2017, processo 857/13.5TACVL.C1, RG 25-03-2019, processo 24/18.1GBGMR-A.G1, RC 30-06-2021, processo 343/15.9JALRA-A.C1, RL 27-05-2020, processo 12/15.0PAVFC-A.L1-3, www.dgsi.pt, a lei não exige que a morada indicada tenha que ser obrigatoriamente em Portugal e menos ainda um qualquer lugar ficcionado para o arguido receber as notificações.
Não faria sentido exigir a um arguido estrangeiro, que não tem qualquer afinidade com Portugal, que venha a ter a qualidade de arguido, que indique, no processo, em consequência da prestação de TIR, uma morada em Portugal.
Da mesma forma que tal exigência não é feita a um cidadão nacional (Português), por exemplo, um sem abrigo, que não tem qualquer morada ou lugar para receber as notificações em Portugal.
A indicação obrigatória no TIR de uma morada em Portugal, quando a única conhecida e real se situa no estrangeiro, seria um ato ilógico, inconsequente, algo absurdo.
Não visaria os efeitos pretendidos com a prestação de TIR, ao assegurar o conhecimento efetivo pelo arguido das comunicações dirigidas pelo tribunal de modo a garantir o exercício do seu direito de defesa, na ótica de um processo justo e equitativo, conforme dispõem os art.s 32º, nº1, e 20º, nº4, da C.R.P..
A menção de uma morada ou lugar em Portugal, além da dificuldade prática que acarreta para quem nenhuma ligação tem com o território nacional, não assegura o efetivo conhecimento, pelo notificando, dos atos ou deveres processuais de que deva ser informado.
Se o art.196º, do Código Processo Penal, não exclui da prestação de Termo de Identidade e Residência os cidadãos residentes no estrangeiro, também a residência noutro país, de um cidadão nacional ou estrangeiro, não pode fundamentar uma discriminação negativa no que tange aos direitos e deveres de arguido, constituído como tal, e que tenha validamente prestado TIR.
Consequentemente, a forma de assegurar a regularidade da notificação, no caso a que se reportam os autos, passa necessariamente pela expedição de carta registada com aviso de receção ou “carta rogatória com acionamento dos mecanismos da cooperação judiciária internacional, tanto mais que para além da efetivação da notificação está também em causa o respeito pela soberania do Estado onde a notificação se deve efetuar. Essa notificação deverá efetuar-se prevendo uma dilação para a realização do julgamento que seja compatível com a previsível demora na efetivação do ato rogado à justiça francesa, de modo a evitar atos e deslocações inúteis, com os consequentes custos associados e desprestígio da justiça e dos tribunais” – cfr- RC 30-06-2021, processo 343/15.9JALRA-A.C1, www.dgsi.pt[5].
Assim, procede o recurso nesta parte.
Por fim, quanto à caducidade da declaração de contumácia, é questão que apenas se colocará ao tribunal a quo nos ulteriores trâmites deste processo, se e quando os arguidos se apresentem ou forem detidos nos termos do art.336º, nº1, do Código Processo Penal, com as consequências previstas no seu nº2, estando neste momento prejudicado o conhecimento da consequência jurídica de um ato processual inexistente.
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3. DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
a) em conceder provimento ao recurso interposto pelos arguidos e consequentemente revogar a decisão recorrida, determinando-se a sua substituição por outra que admita a indicação no respetivo TIR, a prestar mediante carta rogatória, da morada destes na Suíça;
b) no mais, não conhecer do recurso quanto às questões da (não) expedição de carta rogatória para TIR e declaração de caducidade da contumácia.
Sem custas.
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DECLARAÇÃO DE VOTO
A Desembargadora 1ª Adjunta
[Isabel Matos Namora] Voto a decisão, com discordância apenas quanto à fundamentação nos seguintes termos: A notificação do arguido residente no estrangeiro deverá ser sempre efetuada no quadro de cooperação judiciária internacional em matéria penal (ac. TRP de 28-02-2024 – Des. Francisco Mota Ribeiro e ac. TRL de 23-4-2024 – Des. Ramos da Fonseca), não podendo ser efetuado através de carta registada com aviso de receção (ac. TRG de 25-03-2019 – Des. Mário Silva).
DECLARAÇÃO DE VOTO DE VENCIDA
A Desembargadora 2ª Adjunta
[Maria Deolinda Gaudêncio Gomes Dionísio]
Reconhecendo o mérito da argumentação que fez vencimento, não posso, todavia, acompanhá-la por entender que viola lei expressa.
Com efeito, os arguidos AA e BB, cidadãos portugueses, naturais das freguesias de ... e ..., concelhos ... e ..., respectivamente, estão acusados da prática do crime de falsificação de documento, previsto e punível pelo art. 256º, n.º 1, als. c) e d), do Cód. Penal, praticado em território nacional, no ano de 2017.
Tendo sido impossível notificá-los para julgamento, feitas as diligências necessárias e cumpridos os legais trâmites foram declarados contumazes, por despacho datado de 10 de fevereiro de 2023, situação que se mantém.
Continuando “ausentes” para efeitos de julgamento estão, afinal, bem “presentes” em termos de litigância num processo que, nos termos da lei, se encontra suspenso, com advogado, com escritório em Portugal, constituído nos autos.
O Termo de Identidade e Residência, sendo a medida de coacção que menos restrições implica para os arguidos tem, ainda assim, requisitos específicos, entre eles o da obrigação de indicar uma morada onde possa ser notificada mediante via postal simples, como decorre da previsão do art. 196º, n.ºs 2, 3, al. c) e 5, al. c) [na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21/12], do Cód. Proc. Penal.
Na verdade, os termos de tal notificação envolvem determinados procedimentos a levar a efeito não só por funcionário judicial, mas também pelos serviços postais – v., art. 113º, n.ºs 1, al. c), 3 e 4, do mesmo diploma legal -, sendo, pois, óbvio que a morada indicada terá que situar-se em território nacional, já que não pode impor-se a países terceiros o cumprimento das regras que regem as comunicações postais portuguesas.
Tal não implica que os arguidos tenham residência em Portugal, podendo até indicar pessoa, com residência ou domicílio profissional situados na área de competência territorial do tribunal, para o efeito de receber as notificações, nos termos da previsão do n.º 9, do citado art. 113º.
Dando de barato que os arguidos não terão qualquer familiar ou amigo em Portugal, o que, todavia não está minimamente demonstrado nos autos e muito se estranharia, dispõem, pelo menos, do contacto do seu advogado, constituído sem qualquer problema, apesar de residirem no estrangeiro e na sequência do arguido ter constatado que não podia renovar o cartão de cidadão, conforme se vê dos autos principais, acedidos por meio da plataforma Citius.
Consequentemente, não me parece desproporcional, desadequada ou desnecessária a obrigação de indicar morada em Portugal, nem o quadro legal legitima critérios de oportunidade e/ou discricionariedade do julgador nessa matéria.
Tanto mais que essa disciplina resulta das alterações que foram sendo introduzidas não só ao normativo que rege as notificações mas, sobretudo, ao art. 196º, do Cód. Proc. Penal (v., entre o mais, as Leis n.ºs 59/98, de 25/08, 20/2013, de 21/02, 94/2021, de 21/12 e 13/2022, de 01/08), visando superar os obstáculos com que o tribunais se debatiam para conseguir notificar os arguidos e realizar o julgamento.
A emissão de carta rogatória para esse efeito, além de contrariar flagrantemente as regras legais de arguido devidamente submetido a TIR, pelas extensas burocracias e despesas envolvidas, será sempre um acto falhado à partida, considerando a impossibilidade de concertar o prazo do julgamento com o do cumprimento daquela e de bastar ao arguido ausentar-se da morada para nunca mais ser notificado já que, cessada a contumácia, nenhum interesse tem na realização do julgamento pelo que o resultado normal será a prescrição do procedimento.
Consequentemente, julgaria improcedente o recurso.
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Notifique.
Porto, 22 de janeiro 2025
(Elaborado, revisto e assinado digitalmente– art. 94º, nº 2, do CPP).
João Pedro Pereira Cardoso
Isabel Matos Namora
Maria Deolinda Dionísio
____________________ [1] Diploma a que se referem os normativos legais adiante citados sem indicação da respetiva origem. [2] O AUJ (STJ) n.º 5/2014, uniformizou a seguinte jurisprudência: «Ainda que seja conhecida a morada de arguido contumaz residente em país estrangeiro, não deve ser expedida carta rogatória dirigida às justiças desse país para ele prestar termo de identidade e residência, porque essa prestação não faz caducar a contumácia.» [3] Contudo, a notificação por via postal simples segue o procedimento descrito nos nºs 3 e 4 do art. 113.º do CPP, procedimento esse que, embora agilizado, relativamente a outras modalidades de notificação como a pessoal, garante, se cumprido nos seus precisos termos (e só nessas circunstâncias), a fiabilidade da transmissão ao arguido da comunicação do tribunal.
O distribuidor do serviço postal tem o dever de, após depositar a carta na caixa do correio do notificando, exarar uma declaração indicando a data e confirmando o local exato do depósito, que depois envia ao tribunal remetente.
É essa declaração do distribuidor postal que certifica a entrega da carta na caixa de correio do arguido. É essa declaração que, nas palavras do citado AUJ (STJ) n.º 5/2014, “fiabiliza a via postal como meio de comunicação ao arguido do ato ou da convocação do tribunal.
Esse dever jurídico imposto aos distribuidores dos serviços postais nacionais não é evidentemente extensível aos serviços postais estrangeiros, pelo que a remessa por via postal simples da comunicação de qualquer ato ou convocação do tribunal ao arguido residente no estrangeiro para a sua morada não cumpriria os requisitos do art. 113.º, nºs 3 e 4, do CPP, não valendo, pois, como notificação.
Nem poderia «substituir-se» a notificação simples pela carta registada, prevista igualmente como meio de notificação na al. b) do n.º 1 do art. 113.º do CPP.
Na verdade, não é por acaso que o legislador estabeleceu a via postal simples para a notificação do arguido sujeito a TIR. É que a notificação por via postal simples para a morada indicada pelo arguido, ao impor a elaboração pelo carteiro da declaração de depósito, e ao responsabilizar simultaneamente o arguido pela recolha da correspondência recebida nessa morada, assegura a entrega da correspondência no domicílio do destino, o domicílio indicado pelo arguido.
É essa declaração que o legislador entendeu ser a prova mais fiável, ou melhor a única fiável, da efetivação da notificação ao arguido, por sua vez responsabilizado pela receção de qualquer comunicação do tribunal naquele endereço, que ele escolheu para esse fim”. Contudo, a observância destas formalidades não é expectável quando a notificação ocorra noutro país, por não haver uma obrigação de conhecimento e cumprimento das correspondentes disposições da lei portuguesa. Estas observações valem, mutatis mutantis, para a notificação por via postal registada, também ela a exigir a observância de formalidades previstas na lei portuguesa. [4] Tiago Caiado Milheiro, in Comentário Judiciário do Código Processo Penal, Tomo I, 2019, anot. art. 6, pg.127, e Tomo II, anot. art.196º, pg.134-5, posto que recebida a carta pelo arguido, com assinatura do aviso de receção, ou devolvido este com anotação de recusado pelo destinatário/arguido (art.113º, nº7. al.s a) e b), do Código Processo Penal), estando este ciente da morada indicada para efeitos de notificação, é inequívoco que a carta entrou na esfera do conhecimento do mesmo, valendo o ato como notificação. [5] No mesmo sentido, o ac RC 24-05-2017, processo 857/13.5TACVL.C1, www.dgsi.pt: “Residindo o arguido no estrangeiro e sendo a respectiva localização conhecida nos autos, a forma de assegurar a regularidade da notificação do despacho que designa dia para a audiência de discussão e julgamento quando por outro meio não tenha sido possível notificá-lo, passa necessariamente pela expedição de carta rogatória com accionamento dos mecanismos de cooperação judiciária internacional”.