RECURSO
INDEFERIMENTO
RECLAMAÇÃO
HONORÁRIOS
PATRONO
IRRECORRIBILIDADE
Sumário

(art.º 663º, n.º 7, do CPC):
- O recurso da decisão que indeferiu a reclamação, apresentada por Patrono Oficioso, com vista ao pagamento de honorários que considera devidos pela sua intervenção em procedimento e que liquida no montante de € 213,84, é inadmissível por força do disposto no art.º 629º do CPC.

Texto Integral

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I – RELATÓRIO.
“A”, Advogado nomeado patrono oficioso à requerente “B” no âmbito da proteção jurídica de apoio judiciário que foi concedida a esta, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono, intentou o presente recurso.
O Recorrente assegurou o patrocínio da requerente no âmbito do Apenso A aos autos de Regulação das Responsabilidades Parentais com n.º (…), sendo tal apenso atinente a Incidente de Incumprimento das Responsabilidades Parentais, o qual, por sentença proferida a 06-05-2024, foi julgado procedente.
A 12-06-2024, o Ilustre Patrono nomeado recebeu o valor devido a título de honorários pelo patrocínio que exerceu a favor da requerente.
Por requerimento junto em tal apenso a 28-05-2024, subscrito pelo Recorrente, a requerente pediu a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores para se substituir ao requerido na prestação de alimentos cujo incumprimento havia sido reconhecido na sentença aí proferida, o que foi deferido por decisão proferida a 11-07-2024.
O Ilustre Patrono nomeado submeteu na Plataforma informática SINOA (Sistema de Informação Nacional da Ordem dos Advogados), com vista ao seu pagamento, o que entendeu serem os seus honorários devidos pela intervenção no procedimento de  activação do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores com o número de AJ 230362/2022, considerando aplicável o ponto 5 da Tabela de Honorários para a Protecção Jurídica anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro, que indica como espécie de processo “Incidentes processuais, procedimentos cautelares, meios processuais acessórios e pedidos de suspensão de eficácia do acto”, estabelecendo o valor de 8 UR’s.
A 16-10-2024, foi rejeitado pela secretaria o pedido de pagamento de honorários apresentado pelo Ilustre Patrono, com fundamento em que os mesmos haviam sido pagos em 12-06-2024.
Não se conformando com tal decisão, que rejeitou o seu pedido de honorários referente à intervenção no procedimento de activação do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, dela reclamou para o Juiz do processo em 22-10-2024.
Em cumprimento do despacho proferido a 23-10-2024, a 24-10-2024 foi emitida cota, lavrada pela Senhora Escrivã de Direito, informando do motivo da rejeição do pagamento nos termos acima mencionados (os honorários já haviam sido pagos em 12-06-2024).
A 24-10-2024, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da sua concordância integral com a posição assumida pela Senhora Escrivã de Direito.
Por despacho proferido a 25-10-2024, a reclamação apresentada pelo Ilustre Patrono foi indeferida, por falta de fundamento legal, entendendo-se que os honorários reclamados estavam abrangidos pelos pagos na sequência da sentença que julgou verificado o incumprimento das responsabilidades parentais.
Por não se conformar com esta decisão, que indeferiu a reclamação por si apresentada com vista ao pagamento de honorários que considera devidos pela sua intervenção na Atribuição da Intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, que liquida no montante de 8 UR’s, veio o Ilustre Advogado interpor recurso da mesma.
Recebidos os autos nesta Relação, por via da admissão do recurso no Tribunal de 1ª instância, por despacho de 13-12-2024, foi determinada a notificação do Recorrente para, querendo, se pronunciar sobre a questão do valor da sucumbência não permitir o conhecimento do objeto do recurso.
O Recorrente, a 18-12-2024, veio manifestar-se admitindo que o valor de honorários que reclama não atinge o valor da sucumbência estabelecido no art.º 629º, n.º 1, do CPC, como critério de admissibilidade de recurso, pugnando, não obstante, pela sua admissão, sob pena de inconstitucionalidade por violação do art.º 20º, n.º 1 e n.º 2, da CRP, que a todos confere o acesso ao direito e aos tribunais, invocando ainda o princípio da igualdade previsto no art.º 13º, n.º3, da CRP, por já terem sido proferidas sobre a questão outras decisões.
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A 09-01-2025, foi proferido despacho pelo relator que não admitiu o recurso interposto pelo recorrente, por se reportar a uma decisão que lhe é desfavorável em valor inferior a metade da alçada do tribunal recorrido, nos termos do art.º 629.º n.º 1 do CPC a contrario.
Por não se conformar com a decisão referida, a 21-01-2025, veio o Recorrente dela reclamar para a conferência, nos termos previstos no art.º 652.º n.º 3 do CPC.
Além de manter os fundamentos apresentados no requerimento junto a 18-12-2024, o Recorrente alegou, para sustento da admissão do recurso, que:
a) Não é parte no processo, pelo que o recurso é admissível independentemente do valor das quantias que estão em causa, não fazendo sentido aplicar-se a regra do valor da causa e/ou da sucumbência;
b) O pedido por si formulado não tem em vista a atribuição de nenhum valor por si estipulado, mas sim a confirmação e validação de honorários que, imperativa e preceptivamente, decorrem da lei, máxime da Lei n.º 34/2004, de 29-07, da Portaria n.º 1386/2004, de 10-11, e da Portaria n.º 10/2008, de 03-01, o que se traduz num valor imaterial decorrente do seu direito ao pagamento de honorários.
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II – FUNDAMENTAÇÃO.
Considerando o teor da reclamação apresentada, a questão que se coloca consiste em saber se o recurso interposto pelo Reclamante deve ser admitido.
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Na resposta à questão enunciada, há que considerar a factualidade descrita em sede de relatório do presente acórdão.
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Importa mencionar que, na presente decisão, não cumpre emitir posição sobre a questão de saber se são ou não devidos honorários ao Recorrente pela intervenção que teve para desencadear a Intervenção do FGDAM no âmbito dos autos de incumprimento das responsabilidades parentais e para além do que lhe é devido por força da intervenção que teve em tal processo.
A questão que importa decidir nesta sede é prévia, atinente à admissibilidade do recurso.
O art.º 629º do CPC estabelece sobre as decisões que admitem recurso nos seguintes termos:
“1 - O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.
2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:
a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado;
b) Das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;
c) Das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça;
d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.
3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação: 
                                          
a) Nas ações em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento, com exceção dos arrendamentos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios;
b) Das decisões respeitantes ao valor da causa nos procedimentos cautelares, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;
c) Das decisões de indeferimento liminar da petição de ação ou do requerimento inicial de procedimento cautelar.”
O artigo transcrito define os pressupostos necessários para que possa ser submetido um recurso ao tribunal superior.
Pode-se afirmar que o número 1 enuncia a regra geral, pela qual o vencido apenas pode recorrer da decisão quando o valor do processo é superior ao valor da alçada do tribunal que a emite e o seu decaimento se situa, pelo menos, em metade do valor dessa alçada, tendo o Legislador estabelecido um valor limite até ao qual o tribunal julga sem recurso ordinário.
As exceções estão previstas nos n.ºs 2 e 3, em que são contempladas as decisões que admitem recurso, em razão da sua natureza ou da matéria a que respeitam, independentemente do valor da ação ou da medida da sucumbência pela parte.
Fora dos casos excecionais previstos no n.º 2 e no n.º 3 deste artigo, ou de algum que venha a ser contemplado em legislação especial, exige-se para a admissibilidade do recurso a verificação simultânea de duas condições: que o valor da ação seja superior ao valor da alçada do tribunal de que se recorre e que a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade dessa alçada, o que corresponde atualmente a € 2.500 (dois mil e quinhentos euros).
O valor da alçada dos tribunais vem contemplado no art.º 44.º da Lei 62/2013 de 26 de agosto – Lei Orgânica do Sistema Judiciário, que nos diz: “Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30.000 e a dos tribunais de 1ª instância é de € 5.000.”
Na situação em presença, o valor do vencimento ou da sucumbência por parte do Recorrente é o de € 213,84 (atinente a 8 UR’S), que corresponde ao valor dos honorários cujo pagamento o mesmo reclama.
A decisão impugnada é, face ao referido, uma decisão que é desfavorável ao Recorrente em valor que é manifestamente inferior a metade da alçada do tribunal recorrido, como, aliás, o mesmo reconhece.
Não se verificando também nenhuma das exceções previstas no art.629º, n.º 2 e n.º 3, do CPC, nem em legislação especial, importa considerar a regra do n.º 1 do mesmo artigo, não sendo, por isso, o recurso admissível em razão da sucumbência, por a decisão recorrida não ser desfavorável ao Recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância.
E não se diga que isso representa uma qualquer violação de princípio ou norma constitucional, designadamente dos art.º 20º, n.ºs 1 e 2, da CRP, que rege sobre o acesso ao direito e aos tribunais, ou do art.º 13º da CRP, que se reporta ao princípio da igualdade, uma vez que o próprio Tribunal Constitucional repetidamente se tem pronunciado sobre esta questão, nomeadamente considerando não ser inconstitucional o art.678º, n.º 1, do anterior CPC, na parte em que considera só ser admissível o recurso ordinário em ações cujo valor seja superior à alçada do tribunal recorrido, ao qual corresponde o atual art.º 629.º n.º 1 do CPC, do que é exemplo o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 84/2005. Também neste sentido, diz-nos a dada altura o Acórdão do Tribunal Constitucional 328/12 de 27 de Junho de 2012 in www.tribunalconstitucional.pt: “O Tribunal Constitucional tem uma vasta e uniforme jurisprudência no sentido de que o legislador ordinário goza de ampla margem de conformação do direito ao recurso em processo civil, domínio em que a Constituição não consagra o direito a um duplo grau de jurisdição (salvo, segundo algumas opiniões, em matéria de direitos, liberdades e garantias; cf., por todos, Acórdão n.º 44/2008, disponível, como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt). Todavia, com um primeiro limite decorrente da própria previsão constitucional de tribunais superiores: não é constitucionalmente tolerável que o legislador ordinário elimine pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso. Mais especificamente, no que toca à irrecorribilidade em função da relação entre o valor da acção e a alçada dos tribunais, o Tribunal sempre entendeu que desse critério não resulta violação da Constituição, maxime, do direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição).”
O direito ao recurso em matéria cível não é um direito ilimitado de recorrer de toda e qualquer decisão do tribunal, não podendo dizer-se que o direito de acesso aos tribunais constitucionalmente consagrado no art.º 20.º da CRP envolva obrigatoriamente e em todos os casos o direito a um duplo grau de jurisdição.
Como se assume no Acórdão do STJ de 19 de Maio de 2016 no processo 122702/13.5YIPRT.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt: “Atenta a natural escassez dos meios disponibilizados para administrar a Justiça, a necessidade da sua racionalização contende com a admissibilidade ilimitada de recursos que, aliás, não encontra sustentação no texto constitucional. Por isso a jurisprudência constitucional vem expressando o entendimento de que, em matéria cível, o direito de acesso aos tribunais não integra forçosamente o direito ao recurso ou o chamado duplo grau de jurisdição. Também tem sido assumido que tal direito não é necessariamente decorrente do que se dispõe na Declaração Universal dos Direitos do Homem ou na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Em suma, o direito ao recurso, como na generalidade dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, não se apresenta com natureza absoluta, convivendo sempre com preceitos que fazem depender a multiplicidade de graus de jurisdição de determinadas condições objectivas ou subjectivas. (…) Sendo permitido afirmar que está vedado ao legislador suprimir em bloco a recorribilidade ou fazê-la depender de circunstâncias que traduzam a violação do princípio da proporcionalidade, tal não determina, porém, que toda e qualquer restrição a um ou mais graus de jurisdição traduza violação de regras ou de princípios constitucionais.”
Também a circunstância referida pelo Recorrente, de que já houve casos anteriores em que os Tribunais da Relação aceitaram o recurso que incidiu sobre esta matéria, não vincula naturalmente este tribunal a admitir o presente recurso, não tendo o princípio da igualdade previsto no art.º 13.º da CRP a virtualidade de impor aos vários tribunais que decidam uma questão, todos no mesmo sentido.
Não se vislumbra, pelo exposto, que haja alguma violação dos princípios constitucionais, designadamente dos constantes do art.º 20º da CRP, na consagração do direito de acesso aos tribunais, ou do art.º 13º da CRP, relativo ao princípio da igualdade.
No mesmo sentido, veja-se o acórdão desta Secção de 02-12-2021, processo n.º 692/16.9T8AMD-B.L1, relatado pela, aqui, primeira adjunta, que aqui se segue de perto.
A alegação de que o reclamante não é parte no processo, pelo que não se podem aplicar as regras dos recursos acima invocadas, designadamente o artigo 629 do CPC, sendo  o recurso admissível independentemente do valor das quantias que estão em causa, não fazendo sentido aplicar-se a regra do valor da causa e/ou da sucumbência, não pode merecer acolhimento, salvo o devido respeito.
Na verdade, o preceito em referência mostra-se aplicável a todos os recursos, sejam ou não interpostos por quem tem a posição de parte no processo onde a decisão impugnada foi proferida, não resultando qualquer distinção da sua previsão.
Por outro lado, como referido no acórdão desta Secção de 26-09-2024, processo n.º 1180/16.9T8AMD-C.L1 (acessível em dgsi.pt), onde se aprecia situação idêntica à dos presentes autos, a solução defendida pelo reclamante conduz a um resultado violador do princípio da igualdade, claramente inadmissível, que se traduziria, por exemplo, em um advogado, na situação do recorrente, não concordando com a decisão que impugna, poder recorrer, ao passo que, numa acção de honorários, intentada por outro advogado, em que estivesse em causa o seu decaimento em valor igual ou superior ao que aquele pretende, mas inferior ao definido no art.º 629º do CPC para a admissibilidade do recurso, não poderia recorrer.
Também se entende que a alegação de que o reclamante, com o recurso, apenas pretende a confirmação de honorários que, imperativa e preceptivamente, decorrem da lei, maxime da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, da Portaria n.º 1386/2004 de 10 de Novembro e da Portaria n.º 10/2008 de 3 de Janeiro, o que se traduz num valor imaterial decorrente do seu direito ao pagamento de honorários, não pode merecer acolhimento.
Na verdade, o reclamante, com o recurso que interpôs, pretende a atribuição de um valor pecuniário pelo serviço que prestou no âmbito do incidente de atribuição do benefício do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores, com sustento nas normas referidas que, segundo o seu entendimento, lhe confere tal direito, sendo esse valor pecuniário que deve ser atendido para aferir da admissibilidade do recurso.
Entende-se, pois, que, no recurso, está em causa um valor material, preciso, respeitante ao valor reclamado a título de honorários e não, como pretende o reclamante, um valor imaterial. Não se discute no recurso o direito, em abstracto, ao pagamento de honorários pelo reclamante nomeado oficiosamente como Patrono, mas antes o direito deste a que lhe seja liquidada a quantia pelo mesmo peticionada.
No mesmo sentido do ora assumido, veja-se o acórdão do STJ de 21-04-2022, processo n.º 2912/16.0T8STS-E.E1.S1, acessível em dgsi.pt.
Em conclusão, não se admite o recurso interposto pela Recorrente, por se reportar a uma decisão que lhe é desfavorável em € 213,84 (duzentos e treze euros e oitenta e quatro cêntimos), valor inferior a metade da alçada do tribunal recorrido, nos termos do art.º 629º, n.º 1, do CPC, a contrario, tendo presente que a decisão de admissão do recurso proferida na 1ª instância não vincula este tribunal, nos termos do art.º 641.º n.º 5 do CPC.
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III – DECISÃO.
Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o Colectivo desta 2ª Secção em manter o despacho reclamado que não admitiu o recurso em razão do valor da sucumbência, indeferindo-se a reclamação apresentada.
Custas pelo Reclamante.
Notifique.
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Lisboa, 30-01-2025,
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Alberto Caetano Besteiro
Inês Moura
Rute Sobral