PROVIDÊNCIA CAUTELAR
REQUISITOS
PEDIDO DE IMPEDIR SOCIEDADE DE TOMAR DECISÕES
Sumário

(da relatora) – artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil (CPC)
1. O decretamento de uma providência cautelar não especificada exige o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos processuais: a) probabilidade séria da existência do direito - fumus boni iuris, b) fundado receio da sua lesão (grave e irreparável ou de difícil reparação) - periculum in mora, c) interesse processual (necessidade da tutela cautelar por forma a salvaguardar o efeito útil da acção principal) e d) proporcionalidade da providência (o prejuízo resultante da providência não pode exceder o dano que se pretende evitar).
2. Em face do estatuído no n.º 1 do artigo 367.º do CPC, apenas deverão ser produzidas as provas que se assumam como indispensáveis, provas essas que o juiz poderá concluir serem desnecessárias desde que se encontrem já verificados, ou não verificados, os pressupostos de que depende o decretamento do procedimento cautelar, e desde que não se afigure possível destruir tal juízo conclusivo pela produção dos meios probatórios preteridos.
3. Nos termos previstos pelo artigo 405.º do CSC, a gestão (seja a gestão corrente, seja a gestão das actividades que constituem o objecto social) e a representação da sociedade anónima competem ao conselho de administração (e não aos accionistas), nessa gestão se incluindo a aquisição, alienação e oneração de bens imóveis – artigo 406.º, al. e) do mesmo código.
4. Inexiste qualquer direito de impedir a tomada de decisões/deliberações dos órgãos sociais ex ante, mas tão somente o direito a impugnar as que já tenham sido adoptadas, sob pena de se estar a inviabilizar o funcionamento da própria sociedade (medida que claramente se assumiria como excessiva e desproporcional ao fim visado).
5. Visando a requerente o decretamento de “providência cautelar destinada a impedir a ora Requerida de, através dos seus corpos sociais, tomar decisões”, até que seja determinado se a mesma detém ou não a qualidade de accionista da requerida (qualidade essa que, no caso, se mostra litigiosa), designadamente impedir o Conselho de Administração de tomar decisões envolvendo a negociação e a alienação de ativos imobiliários propriedade da Requerida e a Assembleia Geral de deliberar quanto à designação de membros do conselho de administração e à prestação de contas, não existe qualquer direito da primeira que justifique o decretamento das requeridas medidas cautelares.

Texto Integral

Acordam os juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
DB Real Estate Iberian Value Assed I, S.A., SICAR, sociedade com sede no Luxemburgo, intentou o presente procedimento cautelar não especificado contra SILCOGE – Sociedade Construtora de Obras Gerais, S.A., com sede em Lisboa, concluindo a final:
“1. Ordenar a citação da Requerida para, querendo, deduzir oposição, no prazo e sob cominação legais, seguindo-se os demais termos até final, decretando-se providência cautelar destinada a impedir a ora Requerida de, através dos seus corpos sociais, tomar decisões que, na sequência das que já vêm sendo tomadas, sejam passíveis de atingir os direitos da ora Requerente – pelo menos enquanto não for proferida decisão arbitral que, hipoteticamente, venha a determinar que a mesma já não é acionista da ora Requerida; em especial:
A) No que respeita ao Conselho de Administração da Requerida, com enfoque, designadamente, em decisões envolvendo a negociação e a alienação de ativos imobiliários propriedade da Requerida;
B) No que respeita a Assembleia-Geral da Requerida, a designação de membros do conselho de administração e a prestação de contas, decisões essas que, nos termos previstos nos Estatutos da Requerida, implicam a respetiva aprovação por maioria qualificada dos votos dos acionistas, o que sempre imporia votação favorável da ora Requerente enquanto acionista (atos, ademais, que impõe a sujeição a registo da presente providência, nos termos do disposto nos artigos 9.º, alínea h), e 3.º, n.º 1, alíneas m) e n), do Código do Registo Comercial.
2. A inversão do contencioso, nos termos do disposto no artigo 369.º, n.º 1, do CPC.”
Para tanto alegou factos tendentes a sustentar ser a legítima accionista minoritária da ora Requerida, sendo que esse direito tem sido severamente esbulhado, indistintamente, por AA ou pelo seu alter ego, a AA I, SA, que controlam a sociedade Requerida e que, nessa medida, têm privado a Requerente de intervir directamente nos seus destinos. É este administrador, e presidente do Conselho de Administração da Requerida, por si ou através da referida sociedade, por si totalmente participada, que tem tentado (e assim continua a) usurpar as acções da ora Requerente na sociedade Requerida, pretendendo culminar numa apropriação indevida que começou, como sinalizado pela empresa auditora “Kroll”, com o desvio de fundos da Requerida para algumas empresas exclusivamente detidas por si. A actuação da Requerida, desde, pelo menos, a nomeação irregular do novo Conselho de Administração, a 21/12/2023, tem sido no sentido de tomar as decisões fazendo completa tábua rasa da Requerente, enquanto sua accionista, o que, pelo menos, potencialmente, causa o receio de lesão grave e dificilmente reparável dos direitos da mesma. Destina-se o presente procedimento a acautelar decisões a tomar pelos órgãos sociais da Requerida (Conselho de Administração e Assembleia Geral), e não qualquer outra (eventual) decisão já tomada1.
Regularmente citada veio a requerida apresentar oposição, a qual concluiu nos seguintes termos: “(…) a) Deverá ser julgada procedente a exceção por incompetência absoluta do tribunal e, em consequência, ser a Silcoge absolvida da instância, ao abrigo do disposto nos artigos 96.º, alínea b), 97.º, 98.º, 99.º, 100.º, 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a), todos do CPC; // b) Caso assim não se entenda, deverá ser julgada procedente a exceção de ilegitimidade da DBRE e, em consequência, ser a Silcoge absolvida da instância nos termos dos artigos 30.º, n.º 1, 362.º, n.º 1, 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea e), todos do CPC; // c) Caso assim não se entenda, deverá a Silcoge ser totalmente absolvida do pedido por inexistência dos pressupostos processuais para o decretamento da respetiva providência cautelar, nomeadamente o fumus boni iuris, o periculum in mora e o princípio da proporcionalidade, ao abrigo do disposto nos artigos 362.º, n.º 1, 368.º, n.º 2 e 576.º, n.º 3, todos do CPC.
Em síntese, invocou: - ilegitimidade processual (e substantiva) da Requerente; - pendência de uma acção arbitral, o que determina a incompetência absoluta quanto ao pedido de inversão do contencioso; - falta de capacidade/representação da Requerente; - efectiva repetição de providências cautelares. Mais impugnou a concreta verificação dos requisitos fumus boni iuris e periculum in mora, argumentando, ainda, que o princípio da proporcionalidade acarreta o indeferimento do presente procedimento cautelar; tal como defendeu a impossibilidade de aplicação do regime da inversão do contencioso, por considerar que a Requerente carece do direito societário e processual a impedir o funcionamento dos órgãos sociais da aqui Requerida, sem prejuízo da incompetência absoluta do Tribunal por preterição de tribunal arbitral2.
Em 01/07/2024, o tribunal a quo proferiu decisão final com o seguinte dispositivo: “Atento o circunstancialismo factual assente e a fundamentação jurídica invocada, o Tribunal decide não decretar todas as medidas cautelares pretendidas pela Requerente (com manifesto prejuízo da apreciação do pedido formulado em 2.).”
*
Inconformada com tal decisão, a requerente dela interpôs RECURSO de apelação, tendo formulado as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:
“1. O Tribunal recorrido entendeu que a instância cautelar conhecia condições não obstativas a uma imediata apreciação de mérito, considerando desnecessária a produção de prova acrescida, dando conta de «razões e argumentos de direito que fulminam a pretensão» da ora Recorrente.
2. O recurso ora interposto tem por objeto a impugnação da matéria de facto incorretamente julgada por referência a prova documental, que, a ter sido corretamente apreciada, impunha decisão diversa da recorrida, versando, ainda, o recurso sobre matéria de direito.
3. A ora Recorrente requereu a decretação de providência cautelar destinada a impedir a ora Recorrida, através dos seus corpos sociais, de tomar decisões que, na sequência das que já vêm sendo tomadas, sejam passíveis de atingir os direitos da ora Recorrente, pelo menos, enquanto não for proferida decisão arbitral que possa vir a determinar que a mesma já não é acionista da Recorrida.
4. No que respeita ao Conselho de Administração da Recorrida, relativamente a decisões envolvendo a negociação e alienação de ativos imobiliários propriedade daquela.
5. No que respeita a Assembleia Geral da Recorrida, a designação de membros do Conselho de Administração e a prestação de contas, decisões essas que, nos termos previstos nos estatutos da Recorrida, implicam a respetiva aprovação por maioria qualificada dos votos dos acionistas, o que sempre imporia votação favorável da ora Recorrente enquanto acionista.
6. Este últimos atos impõem a sujeição a registo da providência requerida, nos termos do disposto nos artigos 9.º, alínea h), e 3.º, n.º 1, alíneas m) e n), do Código do Registo Comercial (“CRC”).
7. A Sentença em crise determinou que «o procedimento cautelar emerge como manifestamente improcedente, em face da objetiva inexistência de um suposto “direito” que esteja a ser verdadeiramente atingido, redundando na inverificação do pressuposto de fumus boni iuris, nos termos e ao abrigo do previsto no artigo 368.º, n.º 1, a contrario sensu, do Código de Processo Civil».
8. O Tribunal a quo apenas assim decidiu por incorreto julgamento de facto assente numa má apreciação da prova documental junta aos autos, que aquele, contudo, entendeu ser suficiente para decidir.
9. O Tribunal recorrido não fez qualquer análise crítica dos documentos juntos pela ora Recorrente sob os números 3, 7, 8, 9 – a respeito do direito da ora Recorrente –, e números 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 – a respeito do periculum in mora, obliterando, mesmo, qualquer referência aos documentos números 7, 8, 10 e 18, juntos pela ora Recorrente com o requerimento inicial.
10. Trata-se de documentos fundamentais, não só para firmar o direito da ora Recorrente, como o respetivo justo receio de lesão daquele direito que a levou a recorrer à instância cautelar.
11. Insurge-se, assim, o presente recurso contra a decisão relativa à matéria de facto, bem como contra aquela proferida sobre matéria de direito, que considerou que, in casu, a ora Recorrente não poderia ter lançado mão de procedimento cautelar inominado;
12. Que à ora Recorrente não assiste o direito (de ação cautelar) de prevenir decisões do Conselho de Administração que possam consubstanciar justo receio de lesão do seu direito de acionista da Recorrida.
13. Que considerou inexistir a possibilidade de atuar ex ante face a deliberações da Assembleia Geral que possam igualmente consubstanciar aquele justo receio.
14. A terem sido conhecidos pelo Tribunal recorrido, os factos demonstrados pelos documentos números 7, 8, 10 e 18, juntos pela ora Recorrente com o requerimento inicial, deveriam ter sido considerados na matéria de facto provada, e certamente teriam determinado diferente decisão quanto ao direito aplicável in casu.
15. Com sustento naqueles documentos, o Tribunal a quo devia ter considerado provado que a sociedade “AA I, SA” requereu a instauração de processo arbitral, através do qual pretende ver reconhecida a existência e a validade do antes referido direito de opção de compra das ações da Recorrida detidas pela ora Recorrente (por referência ao DOC. 7, junto com o requerimento inicial).
16. Mais devia ter dado por provado que no seguimento de um processo de auditoria (due diligence) levado a cabo pela empresa de auditoria Kroll Associates Iberia, S.L., relativamente à ora Recorrida, foi possível apurar que durante o período compreendido entre, pelo menos, 2017 e 2021, AA e empresas por si detidas – incluindo, entre outras, a sobredita “AA I, SA” – praticaram ações fraudulentas em detrimento da ora Recorrida e, em consequência, da ora Recorrente enquanto acionista daquela (por referência ao DOC. 8, junto com o requerimento inicial);
17. Mais ainda: que foi concretamente apurado pela empresa de auditoria Kroll Associates Iberia, S.L., que fundos e recursos foram desviados da ora Recorrida para sociedades ligadas ou mesmo totalmente detidas por AA; que este e aquelas sociedades têm utilizado recursos da Recorrida de forma injustificada ou sem respaldo documental; que foi identificada uma transação imobiliária, em virtude da qual uma empresa relacionada com AA obteve uma mais-valia superior a € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros), em 2021, sem que esta empresa tenha transferido a parte correspondente do lucro para a ora Recorrente; a cessão de uma operação de leasing a uma empresa relacionada com AA provocou um prejuízo na Recorrida no valor aproximado de € 500.000,00 (quinhentos mil euros) (ainda por referência ao DOC. 8, junto com o requerimento inicial);
18. Mais se deveria ter considerado provado que o Presidente do Conselho de Administração da ora Recorrida convocou, em 2 de novembro de 2023, uma assembleia-geral para aprovar contas de 2021 (por referência ao DOC. 10, junto com o requerimento inicial, em particular, os respetivos pontos 1. e 2., da ordem de trabalhos);
19. Dando-se, ainda, por provado que o aviso convocatório para a assembleia-geral da Recorrida destinou-se, tão só, a convocar uma alegada «acionista única» daquela, a sociedade “AA I, SA”, com intenção de não se convocar a ora Recorrente (ainda por referência ao antes referido DOC. 10, junto com o requerimento inicial);
20. Deveria o Tribunal recorrido ter, ainda, dado por provado que, no que diz respeito à troca de correspondência mantida entre a ora Recorrente e o Conselho de Administração da Recorrida, aquela foi expressamente excluída da qualidade de acionista, vedando-se-lhe o acesso à informação solicitada (por referência ao DOC. 18, junto com o requerimento inicial).
21. A indicada matéria que deveria ter sido dada por provada pelo Tribunal a quo, não foi, em rigor, especificadamente impugnada pela aqui Recorrida.
22. Com efeito, refere a Sentença recorrida que «relevou, de igual sorte, o posicionamento expresso no artigo 68.º da oposição (súmula da impugnação especificada – cfr. artigo 574.º, n.º 2, segmento inicial, do Código de Processo Civil)», sem que, no entanto, a ora Recorrida tenha tomado posição definida perante os factos que, no apontado artigo da Oposição, deu por impugnados, ou sequer impugnado os documentos aí juntos.
23. O que sucedeu com os artigos 18.º a 20.º do requerimento inicial, que se referem ao processo arbitral, questionando-se, em face do artigo 68.º da Oposição da ora Recorrida – e considerando o facto provado 9. da Sentença sob recurso –, o que é, afinal, falso, de natureza conclusiva, ou desconhecido pela ora Recorrida.
24. O que sucedeu, ainda, com os artigos 22.º a 27.º do requerimento inicial, que se referem ao relatório de auditoria da autoria da empresa Kroll Associates Iberia, S.L., junto como DOC. 8 com o requerimento inicial, não impugnado, questionando-se, mais uma vez, em face do artigo 68.º da Oposição da ora Recorrida, o que é, afinal, falso, de natureza conclusiva, ou desconhecido pela ora Recorrida, que, repete-se, tão pouco impugnou o referido documento.
25. Entre os artigos impugnados do requerimento inicial, encontra-se (artigo 42.º) a convocatória junta como DOC. 10, sendo que, logicamente, este documento não foi impugnado.
26. Tão pouco foi considerado pelo Tribunal a quo, questionando-se, outra vez, em face do artigo 68.º da Oposição da ora Recorrida, o que é, afinal, falso, de natureza conclusiva, ou desconhecido pela ora Recorrida.
27. O Tribunal a quo julgou incorretamente o ponto 9. («A sociedade anónima AA I, SA, requereu ao tribunal arbitral que seja reconhecida como legítima titular de 100% do capital social da Requerida, requerendo para o efeito que o tribunal arbitral declare que tinha o direito de exercer a sobredita opção de compra nos termos do disposto no artigo 14.7.1 do acordo parassocial (cfr. documento n.º 3) celebrado entre a Requerente e AA»), bem como a parte inicial do consequente ponto 10. («A Requerente considera-se como legítima acionista minoritária da Requerida») [destaque da ora Recorrente].
28. Factos que deveriam ter sido apreciados em consonância com os concretos meios probatórios decorrentes dos documentos números 3, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18, e, entre aqueles e com especial enfoque, dos documentos números 7, 8, 10 e 18, todos juntos com o requerimento inicial.
29. Pelo que o Tribunal a quo, na conjugação entre o que considerou provado nos pontos 9. e 10., acima assinalados, deveria ter dado por provado que a ora Recorrente é (e não «considera-se») acionista da ora Recorrida.
30. O Tribunal recorrido deveria ter considerado provado que a Recorrida, não obstante o procedimento arbitral assinalado no ponto 9., da matéria de facto dada por provada, não pretendeu convocar a ora Recorrente para a sua Assembleia-Geral realizada em 21.12.2023 (cf. Ata junta como DOC. 11 com o requerimento inicial), como claramente o demonstra a respetiva convocatória ali junta como DOC. 10.
31. Documento este totalmente esquecido pela decisão recorrida, e que, a ter sido corretamente apreciado, teria determinado decisão diversa da recorrida, designadamente, quanto ao direito da ora Recorrente, e, principalmente, quanto ao sustento do periculum in mora.
32. No que à decisão de não proceder à inquirição do legal representante da ora Recorrente diz respeito, errou o Tribunal a quo ao determinar que isso «redundaria em ato inútil (cfr. artigo 130.º do Código de Processo Civil)» [sublinhado da Recorrente], carecendo a decisão em crise de qualquer fundamento no que diz respeito à configuração da inquirição do legal representante da ora Recorrida como um ato inútil, numa incorreta aplicação do artigo 130.º, do CPC.
33. Ao fazer coincidir tal decisão com a da desnecessidade de audiência final, a Sentença recorrida embate contra o disposto no artigo 367.º, n.º 1, do CPC.
34. Neste sentido, o Acórdão da Relação de Évora, de 24.03.20221 , ao referir que «as testemunhas da requerente da providência servem para provar a matéria de facto alegada no requerimento inicial, mas também para fazer contraprova dos factos que a requerida alegou no seu requerimento de oposição, quer se tenha defendido por impugnação quer por exceção. Só por esta circunstância, as testemunhas da requerente da providência não poderiam deixar de ser ouvidas, sob pena de ser coartar o direito de defesa da requerente e ser violado o princípio do contraditório.
35. Não obstante o citado aresto se referir expressamente à prova testemunhal, a verdade é que, in casu, o Tribunal recorrido, ao não fundamentar a inutilidade do ato de proceder à inquirição do legal representante da ora Recorrente, está, pura e simplesmente, a atentar contra o respetivo direito de defesa, pois não se alcança em que medida aquela inquirição não seria idónea para contraprova dos factos alegados pela ora Recorrida na oposição que deduziu.
36. Lê-se na decisão recorrida: «Está visto que a Requerente lançou mão do procedimento cautelar inominado ou comum, com a sua previsão decorrente do artigo 362.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, nos termos do qual, “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”.».
37. Refere, ainda, a decisão recorrida que «para o decretamento das providências cautelares não especificadas é mister que, perfunctoriamente, se conclua pela séria probabilidade do direito invocado (aparência do direito) e pelo justificado receio de que a natural demora na resolução definitiva do litígio possa causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação (perigo de insatisfação desse direito).» [sublinhados da Recorrente].
38. E, ainda, refere a decisão recorrida que «apenas se recorrerá ao procedimento cautelar comum quando não seja aplicável nenhum dos procedimentos cautelares especificados na lei processual.» [sublinhado da Recorrente].
39. Insurge-se a decisão recorrida contra a decisão da ora Recorrente de «impetra[r] uma providência cautelar que obste a que o Conselho de Administração da Requerida decida sobre a negociação e alienação de ativos imobiliários (cfr. pedido 1.A) do requerimento inicial)», porque, «segundo o preceituado no artigo 406.º, al. e), do Código das Sociedades Comerciais, compete ao órgão social executivo – o conselho de administração – deliberar sobre a “Aquisição, alienação e oneração de bens imóveis”.
40. Entendendo o Tribunal recorrido que «a Requerida dedica-se, entre o mais, à “compra e venda, promoção, exploração, arrendamento e administração de imóveis (…)”» e que «em qualquer sociedade anónima, a venda de imóveis é tida como matéria de gestão corrente, que é da competência exclusiva do conselho de administração, mas jamais da competência dos sócios acionistas».
41. Firmando depois, com caráter de regra absoluta e inelutável: «resulta muito claro do exposto que aos acionistas da sociedade anónima, aqui Requerida – e sejam eles quem forem –, não assiste o direito de impedir o Conselho de Administração da referida pessoa coletiva de vender imóveis. O mesmo é dizer que, ao impetrar o presente procedimento cautelar e as suas medidas solicitadas, a Requerente tenciona – basicamente – subtrair do Conselho de Administração da aqui Requerida a competência exclusiva para decidir sobre a venda de imóveis – o que não será de acolher.».
42. Determinando, em consequência, e com especial impacto na decisão a proferir, que «o procedimento cautelar emerge como manifestamente improcedente, em face da objetiva inexistência de um suposto “direito” que esteja a ser verdadeiramente atingido, redundando na inverificação do pressuposto de fumus boni iuris, nos termos e ao abrigo do previsto no artigo 368.º, n.º 1, a contrario sensu, do Código de Processo Civil.».
43. O Tribunal recorrido incorreu na incorreta aplicação do artigo 130.º, do CPC, considerando, infundadamente, como ato inútil a tomada de declarações de parte ao legal representante da ora Recorrente.
44. O Tribunal recorrido incorreu na incorreta interpretação do artigo 412º, n.º 1, do Código das Sociedades Comercias (“CSC”) em face dos factos sub iudice, ao desconsiderar, em concreto, a exclusão de sócia da ora Recorrente e a consequente impossibilidade de presença nas assembleias gerais da Recorrida, onde, em tese, poderia vir a impugnar diretamente as deliberações do conselho de administração daquela;
45. O Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 362.º, n.º 1, do CPC, ao não permitir que a Recorrente, considerada a matéria dada por provada nos autos, e, bem assim, aquela que resulta da respetiva impugnação, supra, lance mão de procedimento cautelar inominado, destinado a prevenir ex ante atos lesivos do seu direito enquanto acionista da ora Recorrida;
46. O Tribunal incorrido desconsiderou as disposições conjugadas dos artigos 9.º, alínea g), por referência à alínea b), com remissão para o artigo 3.º, n.º 1, alíneas m) e n), do Código do Registo Comercial (“CRC”), que, ao determinarem o registo de «providências cautelares não especificadas» relativamente à designação de membros do conselho de administração e a prestação de contas (competência da assembleia geral), ferem de morte o segmento da decisão recorrida que considerou que «os acionistas [assiste apenas] o direito de instaurar um procedimento cautelar, nominado, de suspensão de deliberações sociais».
47. Se o Tribunal recorrido tivesse procedido à correta apreciação da prova produzida, muito em concreto, do DOC. 10 junto com o requerimento inicial, sempre teria concluído – o que certamente teria determinado decisão de sentido diametralmente diferente daquela recorrida – que o Presidente do Conselho de Administração da ora Recorrida convocou, em 2 de novembro de 2023, uma assembleia-geral para, designadamente, aprovar contas de 2021, para a qual não se pretendeu assumidamente convocar a ora Recorrente.
48. Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, de 28-06-20171 , «em regra, não são susceptíveis de impugnação judicial directa as deliberações do conselho de administração duma sociedade anónima, devendo a sua eventual nulidade ou anulabilidade ser submetida à apreciação da assembleia geral (art.º 412º, n.º 1, do CSC), e só da deliberação desta cabendo acção judicial.».
49. Ou seja, preconizando a tese decisória levada por diante pelo Tribunal recorrido, a Relação de Coimbra, não deixando de referir que, em regra, não são suscetíveis de impugnação judicial as deliberações do conselho de administração de uma sociedade anónima, não vai ao limite absoluto de vedar qualquer tipo de reação – como o faz a decisão em crise –, antes sustentando que a eventual nulidade ou anulabilidade deve ser submetida a apreciação prévia da assembleia geral de acionistas.
50. No caso sub iudice, e conforme deveria ter resultado provado com assento na prova documental produzida – em concreto o antes referido DOC. 10 junto com o requerimento inicial, não impugnado pela ora Recorrida, a Recorrente jamais teria assento na assembleia geral daquela primeira considerando a vontade expressa de a excluir daquela reunião social.
51. E jamais poderia exercer qualquer direito impugnatório nessa sede com relação a qualquer decisão que viesse ou venha a ser adotada pelo conselho de administração da ora Recorrida.
52. À ora Recorrente, por força da pretendida sua exclusão como acionista da Recorrida, é vedado o exercício dos seus direitos, em concreto, o de estar presente nas assembleias gerais da Recorrida e, assim, de lançar mão dos direitos impugnatórios de decisões que venham a ser proferidas pelo respetivo conselho de administração.
53. Refere a decisão recorrida, que «não é previsto, nem tal faria sentido em termos práticos na vida de uma sociedade anónima, o direito de impedir a adoção de deliberações sociais a montante».
54. Ora, do CSC igualmente não resulta, em sentido contrário, qualquer norma que impeça os acionistas de reagir, a montante, contra a adoção de deliberações sociais pela assembleia geral e pelo conselho de administração – a ser assim, isso consubstanciaria uma violação clara do artigo 362.º, n.º 1, do CPC, e ainda, do artigo 412.º, n.º 1, do CSC.
55. Ao não decidir assim, a Sentença recorrida viola ostensivamente aquele normativo impondo unicamente como meio judicial ao dispor dos acionistas «um procedimento cautelar, nominado, de suspensão de deliberações sociais».
56. Ao ter decidido como decidiu, no sentido de cilindrar o direito da ora Recorrente materializado numa pretensa ilegitimidade de reagir ex ante contra decisões do conselho de administração e da assembleia geral da Recorrida desde que essas sejam passíveis de fundar um justo receio de lesão do direto, o Tribunal a quo determinou que «o procedimento cautelar emerge como manifestamente improcedente, em face da objetiva inexistência de um suposto “direito” que esteja a ser verdadeiramente atingido, redundando na inverificação do pressuposto de fumus boni iuris, nos termos e ao abrigo do previsto no artigo 368.º, n.º 1, a contrario sensu, do Código de Processo Civil».
57. A decisão recorrida, ao obliterar o direito da ora Recorrente enquanto acionista da sociedade Recorrida, nem sequer apreciou a matéria constante dos artigos 36.º a 66.º do requerimento inicial onde se alegam factos demonstrativos do justo receio de lesão do direito (periculum in mora), em violação clara do disposto no artigo 368.º, n.º 1, do CPC.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE DOUTAMENTE SE SUPRIRÃO, REQUER-SE A V. EXAS., ILUSTRES DESEMBARGADORES:
1. A ampliação da matéria de facto dada por provada, em resultado dos concretos meios probatórios que impunham decisão diferente da recorrida, conforme os pontos 15. a 20. das Conclusões, supra;
2. Por força dos pontos de facto incorretamente julgados, dos concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, e da impugnação de direito, supra, a revogação da Decisão recorrida, substituindo-a por outra que reconheça o direito da ora Recorrente, enquanto acionista da Recorrida, de requerer providência cautelar inominada nos termos do petitório constante do requerimento inicial, determinando-se o prosseguimento dos autos para apreciação do justo receio de lesão daquele direito, em consonância com a factualidade constante dos artigos 36.º a 66.º do requerimento inicial.
Assim fazendo V. Exas., Ilustres Desembargadores, a costumada JUSTIÇA!”
A requerida apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
Deduziu como CONCLUSÕES:
i. A Recorrente iniciou este procedimento cautelar contra a sociedade Recorrida ao mesmo tempo que o fez contra uma outra sociedade, a Alrio – sociedades que fazem parte da mesma joint venture –, com um procedimento cautelar idêntico, em mais uma tentativa de bombardeamento com processos judiciais das duas sociedades das quais a Recorrente foi acionista até meados de 2023.
ii. A Recorrente pediu que, por um lado, se impeça o Conselho de Administração da Recorrida de decidir sobre a negociação e a alienação de ativos imobiliários (pedido A do Requerimento Inicial) e, por outro, se proíba a Assembleia Geral de deliberar sobre a designação de membros do conselho de administração e a prestação de contas (pedido B) do Requerimento Inicial).
iii. A decisão de primeira instância foi perentória quanto à improcedência dos dois pedidos deduzidos pela Recorrente, tendo assentado a sua decisão de não verificação do requisito fumus boni iuris, na inexistência, por um lado, da possibilidade de um acionista impedir deliberações do conselho de administração e, por outro, da possibilidade daquele acionista impedir ex ante a tomada de deliberações em sede de assembleia geral.
iv. Como se disse em sede de Oposição, e veio validado pela Sentença recorrida, nos termos do artigo 406.º, alínea e) do CSC, a deliberação sobre a “aquisição, alienação e oneração de bens imóveis” é uma matéria de competência exclusiva do Conselho de Administração e não da competência dos acionistas.
v. Além disso, a venda de imóveis é considerada uma matéria de gestão corrente, que até pode ser delegada numa comissão executiva, como resulta do artigo 407.º, n.º 3 e n.º 4, do CSC. O que reforça a conclusão que não é uma matéria da competência dos acionistas.
vi. A Recorrente, no entanto, arroga-se da qualidade de acionista para, sob esse pretexto, tentar imiscuir-se em matérias da competência exclusiva do Conselho de Administração.
vii. Conforme foi também validado pela Sentença recorrida, o CSC não confere aos acionistas o direito de impedir a adoção de deliberações sociais pela assembleia geral e pelo conselho de administração ex ante – isto é, os acionistas não têm o direito de paralisar o funcionamento interno da sociedade.
viii. O CSC não permite, em caso algum, que os acionistas paralisem, por antecipação (ex ante), a possibilidade de a Assembleia Geral deliberar no futuro sobre matérias que, nos termos dos estatutos e da lei, integram o âmbito das suas competências deliberativas.
ix. O CPC também não prevê que os acionistas possam pedir uma providência que impeça os órgãos sociais de deliberar, paralisando o funcionamento da sociedade.
x. A aprovação de contas é um dever legal. A designação de administradores é também um imperativo legal (nomeadamente quando terminam os mandatos ou há lugares por preencher). A alienação de imóveis é um dever funcional dos administradores (para mais numa sociedade que se dedica à compra e venda de imóveis).
xi. Ou seja, inexiste um “direito” que esteja a ser lesado (fumus boni iuris) – artigo 362.º, n.º 1, do CPC.
xii. A Recorrente entende que a matéria de facto terá sido incorretamente julgada e por isso pretende a ampliação da matéria de facto considerada sumariamente provada.
xiii. Sucede que, em face do disposto no artigo 367.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o Tribunal está vinculado a um poder-dever de não determinação de diligências de prova que entenda desnecessárias, na medida em que o processo já disponha dos elementos essenciais à tomada da decisão.
xiv. No caso concreto, resulta com clareza da fundamentação da Sentença recorrida que os factos carreados para os autos são manifestamente suficientes para que se possa concluir pela inexistência de um qualquer direito da Recorrente que mereça uma tutela – falecendo a pretensão da Recorrente logo no primeiro requisito (fumus boni iuris).
xv. No que concerne a uma insuficiência de análise crítica dos documentos juntos pela Recorrente, confrontadas as exigências legais decorrentes do disposto no artigo 607.º, do CPC, com o teor da Sentença recorrida, em especial se considerado que, (i) foram elencados os factos sumariamente provados, com a respetiva identificação do elemento de prova de onde emergem; (ii) apenas foram considerados sumariamente provados factos com interesse para a decisão, e (iii) apenas foram considerados factos admitidos por acordo e/ou por via documental, facilmente se conclui que a Sentença recorrida cumpre escrupulosamente com todos os elementos exigidos.
xvi. Nem ignora a sentença que, não tendo sido suscitado o incidente de falsidade de documentos, operam as regras do Código Civil (cfr. Respetivos artigos 369.º e 371.º, n.º 1).
xvii. Ainda que assim não se entendesse, o que apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, facto é que quando se lê as alegações da Recorrente se fica com a sensação de que a Recorrente ou não leu a Sentença ou ignorou a sua fundamentação.
xviii. Ao passo que a Sentença recorrida centra a decisão na não verificação do requisito fumus boni iuris, das Alegações de Recurso da Recorrente parece resultar um confronto com o periculum in mora.
xix. A Recorrente, ao longo das suas alegações, não concretiza um único facto que permita uma conclusão diversa da não verificação do fumus boni iuris, e não ultrapassa, por isso, a fundamentação arrazoada pelo Tribunal a quo.
xx. Nos artigos 8.º, 9.º, 11.º, 13.º, e 14.º das suas Alegações, a Recorrente alega que o Tribunal não fez qualquer análise crítica da prova documental junta com os números 3, 7, 8 e 9 sobre direito da Recorrente, e prova documental junta com os números 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17 e 18 por referência ao periculum in mora.
xxi. No entanto, a Recorrente não apresenta nenhuma conclusão quanto ao seu putativo “direito”, limitando-se a referir que estes documentos se reportam ao seu direito, ficando por apurar em que medida podia operar esse reporte.
xxii. A Sentença recorrida é inequívoca ao servir-se dos documentos com os números 3, 9, 11, 12, 13, 14, 16, 17 para dar como sumariamente provados os factos com os números 1. a 14., que é o mesmo que mencionar respetiva a conclusão quanto a factos subsumíveis a estes documentos, resultando claro que os restantes elementos se reportam a factos não essenciais ou controvertidos.
xxiii. Mesmo que se considerasse que a pretensão da Recorrente quanto à menção dos documentos 3, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17 e 18 na Sentença recorrida, seria merecedora de algum provimento, o que não se concede, a verdade é que estes documentos não seriam, em qualquer caso, idóneos a uma qualquer alteração da decisão de fundo.
xxiv. Nenhum dos documentos em causa é sequer virtualmente suscetível de alterar esta base decisória, nem tampouco a Recorrente o alega.
xxv. Alega a Recorrente no artigo 19.º das suas Alegações, que os factos emergentes dos artigos 18.º a 20, 22.º a 27.º, e 42.º, do seu Requerimento Inicial, não foram especificadamente impugnados, nem tampouco os documentos aí mencionados, e por isso deveriam ser considerados provados.
xxvi. No entanto esta alegação é incompreensível em face do artigo 68.º da Oposição apresentada pela ora Recorrida, donde resulta claramente o contrário da alegação da Recorrente.
xxvii. Acresce que não foi só neste momento que a Recorrida impugnou os referidos factos. Pelo contrário, nos artigos 35.º a 40.º da sua Oposição, a Recorrida pronunciou-se especificamente sobre o referido Documento número 8, tendo inclusivamente juntado como Documento número 2, o Relatório da Mazars, que o contradiz.
xxviii. Em qualquer caso, a suposta ausência de pronúncia específica sobre o conteúdo material de determinados documentos não tem como consequência desfazer a impugnação especificada dos factos – e a Recorrida procedeu quer a uma súmula de impugnação especificada, quer a uma impugnação motivada dos factos alegados no requerimento inicial.
xxix. Nenhum dos documentos que a Recorrente considera que deviam ter sido mencionados na Sentença são suscetíveis de alterar a matéria de facto sumariamente provada. Aliás, em larga medida não evidenciam, sequer, os factos de que a Recorrente se pretende fazer valer.
xxx. São, no entanto, essas as premissas que sustêm o pedido n.º 1 da Recorrente quanto à ampliação da matéria de facto, nomeadamente conforme resulta das suas Conclusões 15 a 20.
xxxi. Porém, nenhum destes factos é pacifico entre as partes, integrando, outrossim, e no melhor dos cenários, o elenco de factos controvertidos e por isso sujeitos a prova adicional.
xxxii. Sucede que tais atos são manifestamente inúteis em face do objeto do litígio – a verificação dos pressupostos para o decretamento da providência cautelar.
xxxiii. Nos artigos 20.º a 23.º das suas Alegações de recurso, a Recorrente pugna pela alteração da matéria de facto dada como sumariamente provada nos pontos 9. e 10. da Sentença recorrida.
xxxiv. O facto provado com o número 9. é praticamente igual ao artigo 17.º do Requerimento Inicial.
xxxv. E quanto ao facto 10., este é, naturalmente, uma decorrência da alegação do artigo 17.º do Requerimento Inicial da Recorrente, na sua parte inicial em que dita que “A Requerente considera-se como legítima acionista minoritária da Requerida”; na restante refletindo a alegação do artigo 18.º das mesmas alegações.
xxxvi. Ou seja, ambos os factos são admitidos por acordo.
xxxvii. Devendo, portanto, improceder o pedido de ampliação da matéria de facto.
xxxviii. Em sede de impugnação de matéria de direito, a Recorrente insurge-se contra a decisão do Tribunal a quo de determinar que a inquirição do seu legal representante seria um ato inútil, nos termos do artigo 130.º CPC, alegando que se trata de um erro.
xxxix. No entanto, conforme afirma o Tribunal a quo, e com razão, a decisão final proferida baseia-se essencialmente em “razões e argumentos de direito que fulminam a pretensão da aqui Recorrente”.
xl. Ao determinar a dispensa de produção de prova adicional, ao abrigo do artigo 367.º, do CPC, o Tribunal faz um bom uso do seu poder-dever de gestão processual (artigo 6.º do CPC) e de adequação formal (artigo 547.º do CPC), e evita a prática de um ato que seria considerado ilícito ao abrigo do artigo 130.º, porque inútil, à luz a matéria de facto que se deu por sumariamente provada e correspondente subsunção jurídica.
xli. Não houve, portanto, incorreta aplicação do artigo 130.º, do CPC.
xlii. Atenta a proibição da prática de atos inúteis, pode (e deve) o Tribunal determinar a não realização de uma diligência requerida por uma parte, sem que tal consubstancie uma violação dos direitos de defesa e contraditório, quando entenda que já possui todos elementos necessários à prolação de uma decisão final, deste modo promovendo “um acolhimento efetivo aos princípios da celeridade e da economia processuais”.
xliii. Recaía sobre a Recorrente, enquanto interessada, o ónus de demonstrar a utilidade da prestação de declarações por parte do seu representante, mas não o fez.
xliv. Esteve, por isso, bem o Tribunal a quo ao dispensar a prática de um ato ilícito, porque desnecessário, porquanto a decisão correta seria sempre o indeferimento da providência cautelar, por inexistência do direito que a Recorrente pretende acautelar.
xlv. O artigo 368.º, do CPC, faz o decretamento de medidas cautelares depender do preenchimento dos pressupostos cumulativos.
xlvi. Conforme mencionado na Sentença recorrida, e é de unânime entendimento, “a sucumbência de um dos requisitos [do artigo 368.º do CPC basta] para determinar o indeferimento de fundo.”
xlvii. No entanto, as suas Alegações de Recurso, limita-se a, durante sete artigos (32.º-38.º), citar a decisão do Tribunal, simplesmente para concluir, no seu artigo 39.º que “[…] de uma assentada, a decisão recorrida mata o direito da ora Recorrente, o que igualmente serve para ferir de morte o fumus boni iuris.”, não dedicando nenhum momento a tentar demonstrar a existência do fumus boni iuris aqui exigido.
xlviii. A Recorrente enumera também quatro grupos de disposições que considera violadas pela referida decisão, sem que, contudo, se descortine a relevância de tais disposições para a demonstração do requisito ora em análise.
xlix. Além disso, importa notar que o Tribunal a quo não desconsiderou a exclusão de sócia da ora Recorrente. E não desconsiderou porque tal facto é totalmente irrelevante para decisão tomada pelo Tribunal.
l. A qualidade de acionista, bem como a presença na assembleia geral onde poderia impugnar as deliberações do conselho de administração, em nada influencia a decisão de improcedência da presente providência cautelar, uma vez que a Recorrente visa impedir a tomada de deliberações que ainda não ocorreram.
li. Conclui-se, portanto, no sentido de não ter existido uma incorreta interpretação do artigo 412.º, n.º 1, do CSC, uma vez que resulta deste artigo a possibilidade de impugnação de deliberações sociais ex post, não podendo estas ser impugnadas, como bem refere o Tribunal a quo, ex ante.
lii. Não existe tampouco qualquer violação do artigo 362.º com base neste fundamento, dado que, simplesmente, não se encontra previsto o direito ou a possibilidade de, a título principal, uma deliberação ser paralisada por antecipação.
liii. Na ausência de um direito que exija proteção conservatória ou antecipatória, torna-se desprovido sentido a solicitação de impedimento de uma decisão futura e hipotética baseando-se na suposta violação iminente desse mesmo "direito".
liv. Estando previsto no artigo 412.º, do CSC, o procedimento a seguir para a impugnação de deliberações dos órgãos sociais, a falta de previsão de outros procedimentos sobre o mesmo objeto só pode significar que esses outros não são admissíveis.
lv. A Recorrente cita um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra em que se conclui justamente no sentido que acaba de se expor, isto é, que as deliberações apenas são impugnáveis com base no procedimento previsto no artigo 412.º, o que, naturalmente, depende da pré-existência/aprovação da deliberação em crise.
lvi. Não houve igualmente violação das disposições conjugadas dos artigos 9.º, alínea g), por referência à alínea b), com remissão para o artigo 3.º, n.º 1, alíneas m) e n), do Código do Registo Comercial, dado que, se bem se percebeu a alegação da Recorrente, a afirmação do Tribunal visava, acolhendo a Oposição da Recorrida, clarificar o direito que aos acionistas assiste de instaurar procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, ex post, e não outra equivalente, mas ex ante.
lvii. Quanto ao à demonstração do periculum in mora, sempre dependeria da prova, por parte da Recorrente, da existência de um justificado receio de que a demora na resolução do litígio pudesse causar um prejuízo irreparável ou de difícil reparação ao direito que se pretende ver acautelado, nos termos do n.º 2 do artigo 368.º CPC.
lviii. No entanto, inexistindo qualquer direito na esfera da Recorrente que legitime a procedência da ação sub judice, consequentemente, fica prejudicada a averiguação de um eventual prejuízo irreparável desse direito.
lix. Assim, não se justifica que o Recorrente pretenda uma decisão diferente da já proferida, pois frente à clara ausência de fumus boni iuris, seria manifestamente desnecessário proceder a uma análise mais aprofundada com vista a averiguação do periculum.
lx. Em suma, e atento todo o supra exposto, está demonstrado que ambos os pedidos da Recorrente são manifestamente improcedentes.
E. PEDIDO
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se que seja proferida Decisão que:
a) Rejeite ampliação da matéria de facto.
b) Indefira o recurso de apelação interposto e, nessa sequência, confirme a decisão proferida em Primeira Instância.”
O recurso foi admitido na 1.ª instância e recebido nesta Relação, e foram colhidos os vistos legais, pelo que cumpre decidir.
*
II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões no mesmo formuladas, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando estejam em causa questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado - artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
- Impugnação do julgamento da matéria de facto;
- Verificação dos pressupostos necessários ao decretamento do procedimento cautelar não especificado.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A 1.ª instância considerou indiciariamente provados os seguintes factos:
1. A Requerente é uma sociedade anónima de direito luxemburguês, constituída no ano de 2005 (cfr. documento n.º 1 do requerimento inicial, aqui dado como integrado);
2. A Requerida, sociedade anónima de cujo Conselho de Administração faz parte integrante AA (eleito para o triénio de 2023/2025, em assembleia geral realizada no dia 21 de dezembro de 2023), “(…) tem por objecto a compra e venda, promoção, exploração, arrendamento e administração de imóveis, por ela construídos ou adquiridos, a revenda dos adquiridos para esse fim, a realização de empreendimentos imobiliários, a prestação de serviços de consultoria, a elaboração de estudos e projectos técnicos e económicos, sua execução, administração e coordenação e a prestação de serviços e a realização de operações necessárias ou adequadas aos referidos fins. Gestão e exploração de estabelecimentos hoteleiros e similares” (cfr. documento n.ºs 2, 9 e 11 do requerimento inicial);
3. Em 30 de março de 2007, a Requerente e a Requerida celebraram um contrato-promessa de compra e venda de ações, por força do qual a Requerente se comprometeu a adquirir 49,90% do capital social da Requerida, sob o cumprimento de certas condições;
4. Na mesma data, ou seja, a 30 de março de 2007, AA e a ora Requerente celebraram um acordo parassocial (Shareholders Agreement), com o objetivo de regular a sua relação como acionistas da Requerida e de definir as respetivas diretrizes e regras de governança corporativa para a sua gestão (cfr. documento n.º 3 do requerimento inicial);
5. Em 20 de novembro de 2007, e após o cumprimento das condições previstas na promessa referida no precedente ponto 2, AA e a Requerente celebraram um contrato de compra e venda de ações por força do qual, entre outras, a Requerente adquiriu, efetivamente, 49,90% do capital social da Requerida (cfr. documento n.º 4 do requerimento inicial);
6. Em 4 de abril de 2017, o referido AA e a Requerente celebraram um acordo (designado por Framework Agreement) por força do qual, entre outros, foram estabelecidos os principais termos e condições para a venda de uma carteira imobiliária detida pela Requerida (cfr. documento n.º 5 do requerimento inicial, cingindo-se ao seu anexo II);
7. O acima referido acordo veio a ser alterado posteriormente, em 2 de maio de 2018, e em 26 de dezembro de 2018, esta a última alteração (cfr. documento n.º 6 do requerimento inicial);
8. A ora Requerente foi constituída e gerida pelo Grupo Deutsche Bank como um veículo de investimento coletivo para participar no mercado imobiliário, sendo que a cláusula 14.7 do antes referido acordo parassocial continha uma cláusula de rescisão que estabelecia, entre outros, que, caso o Grupo Deutsche Bank deixasse de gerir a entidade detentora das ações da Requerida, o acionista AA teria o direito de resolver o acordo parassocial e de exercer uma opção de compra sobre essas ações (o que sempre estaria sujeito aos termos, prazos e condições estabelecidos no documento n.º 3 já citado);
9. A sociedade anónima AA I, SA, requereu ao tribunal arbitral que seja reconhecida como legítima titular de 100% do capital social da Requerida, requerendo para o efeito que o tribunal arbitral declare que tinha o direito de exercer a sobredita opção de compra nos termos do disposto no artigo 14.7.1 do acordo parassocial (cfr. documento n.º 3) celebrado entre a Requerente e AA;
10. A Requerente considera-se como legítima acionista minoritária da Requerida; e aquele que, no entender da ora Requerente é, ainda, o acionista maioritário da Requerida, AA, é o presidente do Conselho de Administração daquela sociedade anónima demandada (conforme indiciado no ponto 2 supra);
11. Num esforço último de tentar prevenir, e até de estancar, a tomada de decisões que vêm sendo adotadas pela Requerida, a Requerente endereçou uma série de cartas, no passado dia 11 de dezembro de 2023, à sociedade de revisores oficiais de contas, “BDO & Associados” (Fiscal Único da Requerida), e também à própria Requerida, a última das quais em 4 de março de 2024,
12. (…) E, outrossim, a uma série de players do ramo imobiliário e a entidades financeiras várias, entre as quais, as entidades bancárias Caixa Geral de Depósitos, S.A., e Novo Banco, S.A. (cfr. documentos n.ºs 12 a 17 do requerimento inicial);
13. O objetivo das referidas missivas foi, no respeitante concretamente ao Revisor Oficial de Contas da Requerida, alertar para a – suposta – ilegalidade da pretensão da sociedade AA I, SA, em emitir novas ações representativas do capital social daquela no seguimento da transmissão daqueles títulos;
14. No caso dos demais destinatários, o seu objetivo foi o de prevenir a potencial celebração de negócio/s passível/eis de afetar a invocada “posição acionista da Requerente”, em face de uma possível transmissão ou oneração de ativos patrimoniais da Requerida.
Com interesse para a decisão da causa e com exclusão da matéria conclusiva e/ou de direito, não se indiciou qualquer outro facto concreto – com enfoque para os factos, impugnados (cfr. artigo 68.º da oposição), dos artigos 2.º, 3.º, 7.º, 10.º, 12.º a 16.º, 18.º a 20.º, 22.º a 27.º, 29.º a 60.º, 64.º e 66.º constantes do requerimento inicial (a restante factualidade vertida divisa-se como conclusiva, de direito, argumentativa ou factualmente irrelevante).
Em sede de motivação consignou-se:
“A convicção do Tribunal assentou na análise conjugada e crítica de alguma da prova documental junta aos presentes autos (acima correspondentemente sinalizada para melhor facilidade na sua identificação). Trata-se de elementos que são pacíficos ao longo dos articulados, sendo ainda de salientar que ninguém suscitou o incidente de falsidade quanto à documentação em si (cfr. artigo 374.º, n.º 2, do Código Civil). // Relevou, de igual sorte, o posicionamento expresso no artigo 68.º da oposição (súmula da impugnação especificada – cfr. artigo 574.º, n.º 2, segmento inicial, do Código de Processo Civil), com enfoque para a ausência de impugnação em relação aos artigos 1.º, 4.º a 6.º, 8.º, 9.º, 11.º, 17.º, 28.º, e 61.º a 63.º, todos alegados no requerimento inicial, e sem prejuízo de pontuais oposições com a defesa considerada no seu conjunto, ali expurgadas. // Considera o Tribunal que os restantes factos alegados (de parte a parte), tendo em linha de conta a solução jurídica abaixo delineada, não são indispensáveis para o desfecho final do presente procedimento cautelar. Como tal, basta a enunciação a que se procedeu.”
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Da impugnação da matéria de facto:
Considerando que a apelante deu cumprimento às exigências previstas pelo artigo 640.º, n.º 1, do CPC, nada obsta à apreciação da requerida impugnação da matéria de facto.3
Importa, contudo, realçar que vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da livre apreciação da prova (artigo 607.º, n.º 5 do CPC4), pelo que o tribunal sustentará a sua decisão (relativamente às provas produzidas), na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (força probatória plena dos documentos autênticos – artigo 371.º do CCivil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o citado princípio.
Mais se dirá que resulta do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC ser admissível que, através do recurso, seja alterada a decisão da matéria de facto, considerando-se provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, ou procedendo inversamente (o que poderá suceder a partir da reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa).
A pretendida alteração da matéria de facto sustenta-se na prova documental que foi junta aos autos pela requerente e que a mesma entende não ter sido devidamente valorada pela 1.ª instância, designadamente: a) Documentos 3, 7, 8 e 9, a respeito do direito da requerente; b) Documentos 10 a 18, a respeito do periculum in mora.
Mais acrescenta que sequer foi feita referência aos documentos 7, 8, 10 e 18 e que, com relação àqueles que terão sido considerados, consta da decisão que a mesma se sustentou “na análise conjugada e crítica de alguma das prova documental junta”, sem que, no entanto, tal análise tenha sido demonstrada e sem que tenha sido identificada a concreta documentação valorada.
Desde já se dirá que esta última alegação carece de qualquer razão de ser porquanto, como decorre expressamente da motivação da decisão, a prova que foi valorada foi aquela que se mostra identificada na factualidade considerada indiciariamente provada e que sequer foi impugnada – “(…) (acima correspondentemente sinalizada para melhor facilidade na sua identificação). Trata-se de elementos que são pacíficos ao longo dos articulados, sendo ainda de salientar que ninguém suscitou o incidente de falsidade quanto à documentação em si (…)”. Concretizando, tratam-se dos documentos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 9 e 11 a 17.
Vejamos, de seguida, se os documentos 7, 8, 10 e 18 deveriam ter tido tratamento diferente pelo tribunal a quo (designadamente para efeitos de fundamentação de facto) e se os mesmos acarretam alteração da matéria de facto nos moldes agora pretendidos – cfr. Conclusões 15, 16/17, 18/19 e 20.
Pretende a recorrente que sejam aditados os seguintes factos:
(i.) A referida sociedade “AA I, SA” requereu a instauração de processo arbitral, através do qual pretende ver reconhecida a existência e a validade do antes referido direito de opção de compra das ações da Recorrida detidas pela ora Recorrente (por referência ao DOC. 7, junto com o requerimento inicial);
(ii.) No seguimento de um processo de auditoria (due diligence) levado a cabo pela empresa de auditoria Kroll Associates Iberia, S.L., relativamente à ora Recorrida, foi possível apurar que durante o período compreendido entre, pelo menos, 2017 e 2021, AA e empresas por si detidas – incluindo, entre outras, a sobredita “AA I, SA” – praticaram ações fraudulentas em detrimento da ora Recorrida e, em consequência, da ora Recorrente enquanto acionista daquela (por referência ao DOC. 8, junto com o requerimento inicial);
(iii.) Foi concretamente apurado pela empresa de auditoria Kroll Associates Iberia, S.L., que fundos e recursos foram desviados da ora Recorrida para sociedades ligadas ou mesmo totalmente detidas por AA; que este e aquelas sociedades têm utilizado recursos da Recorrida de forma injustificada ou sem respaldo documental; que foi identificada uma transação imobiliária, em virtude da qual uma empresa relacionada com AA obteve uma mais-valia superior a € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros), em 2021, sem que esta empresa tenha transferido a parte correspondente do lucro para a ora Recorrente; a cessão de uma operação de leasing a uma empresa relacionada com AA provocou um prejuízo na Recorrida no valor aproximado de € 500.000,00 (quinhentos mil euros) (ainda por referência ao DOC. 8, junto com o requerimento inicial);
(iv.) O Presidente do Conselho de Administração da ora Recorrida convocou, em 2 de novembro de 2023, uma assembleia-geral para aprovar contas de 2021 (por referência ao DOC. 10, junto com o requerimento inicial, em particular, os respetivos pontos 1. e 2., da ordem de trabalhos);
(v.) O aviso convocatório para a assembleia-geral da Recorrida a que antes se destinou-se, tão só, a convocar uma alegada «acionista única» daquela, a já referida sociedade “AA I, SA”, com intenção de não se convocar a ora Recorrente (ainda por referência ao antes referido DOC. 10, junto com o requerimento inicial);
(vi.) No que diz respeito à troca de correspondência mantida entre a ora Recorrente e o Conselho de Administração da Recorrida, aquela foi expressamente excluída da qualidade de acionista da Recorrida, vedando-se-lhe o acesso à informação solicitada (por referência ao DOC. 18, junto com o requerimento inicial).
Contrapõe a recorrida não dever a pretensão da recorrente proceder porquanto, como resulta da fundamentação da sentença, “os factos carreados para os autos são manifestamente suficientes para que se possa concluir pela inexistência de um qualquer direito da Recorrente que mereça tutela – falecendo a pretensão da recorrente logo no primeiro requisito (fumus boni iuris)”. Mais acrescenta que “A prova documental junta aos autos, designadamente os Documentos 7, 8, 10 e 18, não evidencia os factos que a Recorrente alega deverem constar da matéria de facto”, sendo que “Nenhum dos documentos que a Recorrente considera que deviam ter sido mencionados na Sentença são suscetíveis de alterar a matéria de facto sumariamente provada (…) não evidenciam, sequer, os factos de que a Recorrente se pretende fazer valer”.
Isto posto,
Começar-se-á por referir que, na decisão recorrida, consignou-se expressamente que mais nenhum dos factos alegados por ambas as partes seriam valorados com o seguinte fundamento: “tendo em linha de conta a solução jurídica abaixo delineada, não são indispensáveis para o desfecho final do presente procedimento cautelar”.
Com efeito, entendeu a 1.ª instância que o procedimento cautelar é manifestamente improcedente por “objectiva inexistência de um suposto “direito” que esteja a ser verdadeiramente atingido, redundando na inverificação do pressuposto de fumus boni iuris”, assim como concluiu não ser legalmente possível aos accionistas impedir a tomada de deliberações sociais ou pretender impugnar as que tenham sido tomadas para além do prazo legalmente previsto para esse efeito.
Independentemente de estar ou não correcta a conclusão a que chegou o tribunal a quo (o que será apreciado no âmbito de um possível erro de julgamento), dúvidas inexistem quanto a apenas terem que ser valorados os factos que, segundo a 1.ª instância, assumiam relevância para a decisão.
Ora, no caso, como se demonstrará, nenhum dos itens que a recorrente pretende que sejam aditados à fundamentação de facto se justifica.
Quanto ao primeiro – (i) -, há a referir que a matéria em causa encontra-se já reflectida no facto provado n.º 9, o qual tem uma redacção em todo idêntica ao art. 17.º do requerimento inicial.
Note-se que não cumpre nestes autos conhecer da matéria em discussão na referida acção arbitral, nem assume pertinência carrear para os mesmos as vicissitudes processuais que na segunda possam ter ocorrido (como o alegado nos arts. 18.º a 20.º do requerimento inicial - cfr. Conclusões n.º 23 e 27), mais a mais quando está em causa um procedimento cautelar que nenhuma dependência tem para com tal acção (como a própria requerente o afirma).
Quantos aos dois itens seguintes – (ii) e (iii) -, não se poderá deixar de referir que apenas seria possível transpor para a factualidade provada a existência/elaboração do relatório em apreço e nada mais, o que não assume qualquer pertinência (sendo que se impõe, também, salientar que, nem à 1.ª instância, nem a esta Relação, compete extrair factualidade de qualquer documento particular que tenha sido junto, antes tendo que ser as partes a alega-la e prova-la).
Com efeito, a redacção proposta pela requerente para tais itens mais não traduz do que juízos conclusivos, nenhum facto concreto dos mesmos resultando, nem assim o tendo indicado a recorrente – a qual invoca terem existido “acções fraudulentas” (sem concretizar quais sejam e quais os prejuízos que dessas supostas acções teriam resultado para a requerida e para a requerente), “desvio de fundos ou de recursos”, “venda de determinados activos imobiliários” ou “cessão de uma operação de leasing” com benefício de sociedades ligadas ou detidas por AA (sem que concretize/identifique), prosseguindo-se um “claro objetivo de apropriação fraudulenta de ativos imobiliários” – cfr. arts. 23.º, 24.º, 26.º, 29.º, 37.º do requerimento inicial. Acresce que, mesmo que assim se não entendesse, sempre estariam em causa alegadas condutas ocorridas entre 2017 e 2021 (ou seja, muito anteriores à data da instauração deste procedimento cautelar) – cfr. Conclusões 16, 17 e 24.
Quanto aos itens (iv) e (v) – Cfr. Conclusões 18, 19, 25, 30, 31 – reportam-se os mesmos a uma convocatória efectuada no dia 02/11/2023 para a assembleia geral que se realizou no dia 21/12/2023, no âmbito da qual, para além do mais, foram eleitos os órgãos sociais da requerida para o mandato correspondente ao triénio 2023/2025 e aprovadas as contas referentes ao exercício do ano de 2021.
Para além de, tal documento, por si só, não permitir extrair as conclusões pretendidas pela recorrente (desde logo, a invocada declaração de intenção da requerida, em excluir a requerente da assembleia geral5), não se poderá deixar de referir que o presente procedimento cautelar deu entrada em juízo no dia 08/05/2024, ou seja, muito para além do prazo legal previsto para que qualquer deliberação aí tomada pudesse vir a ser impugnada – cfr. artigo 59.º, n.º 2 do CSC -, pelo que, de tal facto não resulta qualquer pertinência, tanto mais em face dos pedidos tutelares que foram deduzidos.
Por fim, o item (VI) corresponde a uma carta enviada pela requerida à requerente (datada de 06/02/2024) que, não obstante estar desacompanhada da respectiva tradução (como sucede para a maioria dos documentos juntos pela requerente), revela efectivamente que a primeira transmite não ter de prestar informações à segunda, em virtude de esta já não ser accionista – cfr. Conclusões 20 e 21.
Contudo, para além de não ter sido junta a carta à qual aquela visou responder (que datará de 23/01/2024, segundo se afere do Doc. n.º 18), o certo é que, através do presente processo, não é a prestação de informações que se pretende.
Como tal, também este item carece de interesse, não sendo de aditar à factualidade.
Pretende, ainda, a recorrente que seja parcialmente alterada a redacção do facto n.º 10, no sentido de no mesmo passar a ficar consignado que a mesma “é acionista” (ao invés de, como foi fixado, “considera-se como legítima acionista minoritária”) – Conclusões 27, parte final, 28 e 29.
No seu entender assim deverá ser considerado em face do que resulta dos documentos 3 e 7 a 18.
Porém, para além de ser inquestionável que a qualidade de accionista da recorrente se mostra, por ora, litigiosa (o que a própria não nega, tanto mais que refere estar impedida de intervir na vida da sociedade por ter sido “excluída” da mesma), também é verdade que, para o caso, assume-se como irrelevante a qualidade em que a recorrente interpôs o presente procedimento cautelar (diferente seria se se estivesse perante um procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais), não sendo questão a apreciar no seu âmbito (matéria que será decidida em sede arbitral).
Sem prejuízo de assim ser, sempre se terá de entender que a redacção conferida a este facto pela 1.ª instância não se mostra isenta de censura, porquanto as expressões considerar-se legítima accionista minoritária e considerar um terceiro accionista maioritário, nunca poderão ser valoradas como factualidade.
Com efeito, tais afirmações traduzem meras percepções internas das partes (sendo que o que interessa transpor para a fundamentação de facto é a realidade demonstrada – factos concretos - e não aquela que possa ser percepcionada pelas partes).
Nessa medida, considera esta Relação ser de eliminar tais segmentos do referido facto n.º 10, cuja redacção passará a ser a seguinte:
AA é o presidente do Conselho de Administração da requerida”.
Em face do exposto, julga-se improcedente a impugnação da matéria de facto, sem prejuízo da alteração oficiosa efectuada com relação ao facto n.º 10.
Cumpre, então, conhecer das questões suscitadas em termos de Direito.
Do mérito do recurso (erro de julgamento):
Os procedimentos cautelares constituem instrumentos jurídicos destinados a acautelar o efeito útil das acções de que dependem – cfr. artigos 2.º, n.º 2 e 364.º, n.º 1 do CPC -, mediante a composição provisória dos interesses conflituantes, mantendo/restaurando a situação de facto necessária à eventual realização efectiva do direito.6
Não são, pois, aptos à resolução ou composição em definitivo de interesses, antes se destinando a antecipar determinados efeitos das decisões judiciais, a prevenir prejuízos ou a manter determinado statu quo, enquanto tardar a decisão definitiva do conflito. Não efectivam, assim, direitos, mas apenas os asseguram, realizando, por conseguinte, uma função instrumental face à tutela declarativa.
Essa total dependência com relação à acção principal apenas se altera nas situações nas quais ocorra inversão do contencioso, hipótese em que o tribunal pode decidir, desde logo, sobre a existência do direito acautelado, ficando o requerente dispensado de instaurar acção principal (para reconhecimento do mesmo).
A situação de perigo da qual o requerente se pretenda defender deverá ser actual e não estar ainda consumada, sem prejuízo de poderem estar em causa situações nas quais as lesões não estejam ainda inteiramente consumadas ou de lesões continuadas e repetidas.
Representando os procedimentos cautelares uma “antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao resultado do processo principal”, assentam os mesmos “numa análise sumária (summaria cognitio) da situação de facto que permita afirmar a provável existência do direito (fumus boni juris) e o receio justificado de que o mesmo seja seriamente afetado ou inutilizado se não for decretada uma determinada medida cautelar (periculum in mora).7
Para que seja concedida uma providência cautelar exige-se, assim, uma probabilidade séria da existência do direito (já existente ou emergente, na esfera jurídica do requerente e que é o objecto da acção declarativa conexionada com o procedimento instaurado) e que esteja suficientemente fundado o receio da sua lesão, como expressamente referido pelo n.º 1 do artigo 368.º do CPC.
Ou seja, para além da formulação de um juízo de probabilidade de existência do direito (sendo suficiente um juízo de mera aparência desse direito, da sua verosimilhança), terá de existir uma situação de perigo que exija tutela provisória e imediata (perigo que ameace, de forma grave e irreparável ou de difícil reparação, a satisfação desse direito).
E essa tutela cautelar visará acautelar o efeito útil da acção principal (isto é, que a sentença que no âmbito da mesma venha a ser proferida, não venha a perder a sua eficácia). Visa, na verdade, garantir ou antecipar o efeito útil do reconhecimento do direito em face do tempo que poderá demandar o desfecho da acção principal .
Ter-se-á, também, que ter em consideração que a providência cautelar apenas poderá ser concedida se inexistir qualquer outro meio processual menos gravoso do qual o requerente se possa socorrer.
Nos termos previstos pelo artigo 362.º do CPC, “1 – Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado. 2 – O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor. 3 – Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte. 4 -(…)”.
Como sintetiza Marco Gonçalves8, o decretamento de uma providência cautelar não especificada exige o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos processuais: a) fumus boni iuris, b) periculum in mora (perigo decorrente da demora da acção principal), c) interesse processual e d) proporcionalidade da providência.
Quanto a este último requisito, há que ter sempre presente que o prejuízo resultante da providência não pode exceder o dano que se pretende evitar – cfr. artigo 368.º, n.º 2 do CPC, segundo o qual “A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar”.9
Sendo que, claro está, para que se recorra a um procedimento cautelar não especificado, necessário é que não seja aplicável ao caso qualquer uma das outras providências tipificadas pelo legislador nos artigos 377.º a 409.º do CPC.
A não verificação de algum destes requisitos (cumulativos) implica que o procedimento cautelar requerido não seja decretado.
A primeira questão que se impõe conhecer é se a recorrente beneficia ou não de algum direito que cumpra acautelar – cfr. artigos 365.º, n.º 1, e 368.º, n.º 1, ambos do CPC.
Não obstante estar já delimitada a factualidade indiciariamente demonstrada (para tanto se considerando o que resultou da apreciação da impugnação que à mesma foi deduzida), importa não esquecer que a recorrente se insurge contra o facto de a 1.ª instância não ter tomado declarações de parte ao seu legal representante (como havia sido requerido).
No seu entender, errou o tribunal a quo ao concluir tratar-se de um acto inútil, mais acrescentando que “[a]o fazer coincidir tal decisão com a da desnecessidade de audiência final, a Sentença recorrida embate contra o disposto no artigo 367.º, n.º 1, do CPC”.
Como decorre das conclusões de recurso, defende a recorrente que a 1.ª instância não fundamentou o porquê de o meio probatório em causa se revelar inútil, argumentando que o mesmo seria idóneo para contraprova dos factos alegados na oposição. Conclui que, ao assim ter sucedido, atentou-se contra o seu direito de defesa.
Sem razão, como se demonstrará.
Como estatui o n.º 1 do artigo 367.º do CPC, “Findo o prazo da oposição, quando o requerido haja sido ouvido, procede-se, quando necessário, à produção das provas requeridas ou oficiosamente determinadas pelo juiz.”
Daqui decorre que apenas deverão ser produzidas as provas que se assumam como indispensáveis, sendo que está na disponibilidade do juiz considerar desnecessária a produção de meios de prova constituenda propostos pelas partes10.
Para que assim se proceda, basta que se encontrem desde logo verificados, ou não verificados, os pressupostos de que depende o decretamento do procedimento cautelar, bem como que tal conclusão não se afigure possível de ser destruída pela produção dos meios probatórios preteridos (sem esquecer que, para além do direito a apresentar prova quanto aos factos alegados, existe o direito à contraprova dos alegados pela parte contrária – artigo 413.º do CPC).11
Considera a recorrente que apenas em face da dispensa de audição do seu legal representante, por um lado, e da indevida valoração (ou falta dela) da prova documental carreada para os autos, por outro lado, foi o procedimento julgado improcedente (caso a prova tivesse sido produzida e devidamente valorada a decisão teria já sido diferente).
Nessa medida entende que a decisão deverá ser revogada, substituindo-se por outra que reconheça o direito da ora Recorrente, enquanto acionista da Recorrida, de requerer providência cautelar inominada nos termos do petitório constante do requerimento inicial, determinando-se o prosseguimento dos autos para apreciação do justo receio de lesão daquele direito.
No caso, tendo presente o que já se defendeu em sede de apreciação da impugnação da matéria de facto (e das alterações que para esta poderiam ou não resultar em face da documentação junta aos autos), há que realçar que nada alega a recorrente no sentido de ser possível concluir que a tomada de declarações ao seu legal representante pudesse levar a que o tribunal proferisse decisão contrária à agora recorrida (designadamente quanto ao juízo referente ao preenchimento do requisito atinente ao fumus boni iuris). Por outras palavras, e como se comprovará, a tomadas de declarações ao legal representante da requerente não alteraria o enquadramento jurídico efectuado e o desfecho que teve o procedimento cautelar.12
E, ao contrário do defendido, na decisão recorrida foi devidamente justificado o porquê de não ser relevante tomar declarações ao legal representante da requerente – como aí se consignou: “Tal como redundaria em ato inútil (cfr. artigo 130.º do Código de Processo Civil), no âmbito dos presentes autos de natureza cautelar, proceder à tomada de declarações de parte vindas do legal representante da Requerente (a única prova constituenda requerida por esta, posto que nenhuma prova testemunhal arrolou para a indiciação do alegado), tendo em conta toda a defesa impugnativa que, no seu contraponto, a Requerida esgrimiu (na certeza de que a Requerente não pode vir utilizar, enviesadamente, o procedimento cautelar comum para impugnar deliberações sociais, uma vez ultrapassado o prazo legal de 30 dias, previsto no artigo 59.º, n.º 2, proémio, do Código das Sociedades Comerciais); e tendo em consideração a valência jurídica dos fundamentos acabados de desenvolver.”
Por assim ser, não merece censura a posição assumida pela 1.ª instância, a qual entendeu estar já devidamente habilitada para que pudesse proferir uma decisão de mérito13.
E tal posição mostra-se acertada.
Senão vejamos.
Alega a recorrente que pretende acautelar o seu direito de accionista da requerida, o qual tem vindo a ser esbulhado, impedindo-se que a mesma intervenha directamente nos destinos da requerida. E que a tutela cautelar pretendida visa impedir esta última de tomar decisões que sejam passíveis de atingir os direitos da requerente, pelo menos, até que seja decidido se a mesma mantém ou não a qualidade de accionista - o que será apreciado e decidido no âmbito da acção arbitral que está pendente no ICC (International Court of Arbitration of the International Chamber of Commerce).
Com o presente procedimento visa a recorrente obstar à tomada de deliberações pelos corpos sociais da requerida, a saber: pelo Conselho de Administração (designadamente aquelas que envolvam “a negociação e a alienação de ativos imobiliários propriedade da Requerida”) e pela Assembleia Geral (designação de membros do conselho de administração e prestação de contas).
Na sentença recorrida pode ler-se:
“(…) vejamos se está preenchido logo o primeiro dos pressupostos legais - ou seja, o pressuposto fundamental da probabilidade séria da existência do direito invocado – fumus boni iuris.
Afirmou a Requerida, em sede de oposição/defesa impugnativa, que a venda de imóveis é uma competência exclusiva do Conselho de Administração, não incumbindo aos acionistas (de sociedade anónima). E com inteira razão, a nosso ver.
Com efeito, a Requerente impetra uma providência cautelar que obste a que o Conselho de Administração da Requerida decida sobre a negociação e alienação de ativos imobiliários (cfr. pedido 1.A) do requerimento inicial). // Contudo, segundo o preceituado no artigo 406.º, al. e), do Código das Sociedades Comerciais, compete ao órgão social executivo – o conselho de administração – deliberar sobre a “Aquisição, alienação e oneração de bens imóveis”. (…) a venda de imóveis é uma matéria da competência exclusiva do conselho de administração, não se tratando de matéria da competência dos acionistas (a menos que o contrato de sociedade determine de uma forma diferente, atribuindo essa mesma faculdade de alienação aos acionistas, o que não sucede na situação da Requerida).”
Nos termos previstos pelo artigo 405.º do CSC, a gestão e representação da sociedade anónima compete ao seu conselho de administração – “1 - Compete ao conselho de administração gerir as actividades da sociedade, devendo subordinar-se às deliberações dos accionistas ou às intervenções do conselho fiscal ou da comissão de auditoria apenas nos casos em que a lei ou o contrato de sociedade o determinarem. 2 - O conselho de administração tem exclusivos e plenos poderes de representação da sociedade.” -, sendo que o artigo seguinte elenca, a título exemplificativo, quais os poderes de gestão que estão afectos ao Conselho de Administração - “Compete ao conselho de administração deliberar sobre qualquer assunto de administração da sociedade, nomeadamente sobre: a) Escolha do seu presidente, sem prejuízo do disposto no artigo 395.º; b) Cooptação de administradores; c) Pedido de convocação de assembleias gerais; d) Relatórios e contas anuais; e) Aquisição, alienação e oneração de bens imóveis; f) Prestação de cauções e garantias pessoais ou reais pela sociedade; g) Abertura ou encerramento de estabelecimentos ou de partes importantes destes; h) Extensões ou reduções importantes da actividade da sociedade; i) Modificações importantes na organização da empresa; j) Estabelecimento ou cessação de cooperação duradoura e importante com outras empresas; l) Mudança de sede e aumentos de capital, nos termos previstos no contrato de sociedade; m) Projectos de fusão, de cisão e de transformação da sociedade; n) Qualquer outro assunto sobre o qual algum administrador requeira deliberação do conselho.” Alguns desses poderes podem, inclusive, ser delegados, dessa delegação não sendo excluída a matéria referente à aquisição, alienação e oneração de bens imóveis – cfr. artigo 407.º, n.ºs 3 e 4 do CSC14.
Já segundo o n.º 2 do artigo 373.º do CSC, “Os acionistas deliberam sobre as matérias que lhes são especialmente atribuídas por lei ou pelo contrato e sobre as que não estejam compreendidas nas atribuições de outros órgãos da sociedade”, acrescentando o número seguinte que “Sobre matérias de gestão da sociedade, os acionistas só podem deliberar a pedido do órgão de administração.”
Segundo Coutinho de Abreu15, “O moderno direito das sociedades anónimas consagra a concentração dos poderes de gestão no órgão administrativo (…) // A concentração dos poderes de gestão no conselho de administração está presente igualmente no CSC. (…) // As normas em questão são, principalmente, as do art.º 373.º, 2 (os acionistas deliberam também sobre matérias que lhes são atribuídas pelos estatutos) e 3 («Sobre matérias de gestão da sociedade, os acionistas só podem deliberar a pedido do órgão de administração»), e do art.º 405.º, 1 (…). // Ressalvados os casos de atribuição legal aos sócios de poderes de administração, e do “pedido” referido no preceito – n.º 3 do artigo 373.º -, compete exclusivamente ao conselho de administração gerir a sociedade.” Já Soveral Martins16, defende que “o contrato de sociedade só pode subordinar os poderes de gestão do conselho de administração a deliberações dos acionistas, dentro do quadro de competências que a lei reconhece aos próprios acionistas. // E, quanto a essas competências, o art.º 373º, 3, mostra que o contrato de sociedade não pode atribuir aos acionistas competência para deliberarem sobre matérias de gestão. Isto porque aquele preceito tem carácter imperativo (…) // Em regra, o conselho de administração não terá que solicitar aos acionistas uma deliberação sobre matérias de gestão. Ao conselho de administração compete tomas essas deliberações, nos termos do art.º 406º. (…) // o contrato de sociedade só pode aí estabelecer que o órgão de administração fica subordinado ao que os acionistas deliberarem se aquele mesmo órgão tiver solicitado a deliberação.
A negociação e alienação de activos imobiliários da requerida compete, assim, ao Conselho de Administração17 (e não aos accionistas), sequer tendo sido previsto nos Estatutos da requerida que tais actos ficassem dependentes de deliberação dos accionistas, assim como o conselho de administração da mesma não solicitou qualquer deliberação no âmbito de tal matéria.
A isto acresce que, como também realçado pelo tribunal a quo, “a Requerida dedica-se, entre o mais, à “compra e venda, promoção, exploração, arrendamento e administração de imóveis (…)”. Se, em qualquer sociedade anónima, a venda de imóveis é tida como matéria de gestão corrente, que é da competência exclusiva do conselho de administração, mas jamais da competência dos sócios acionistas (salvo convenção em contrário no pacto societário), numa sociedade anónima que se dedica, precisamente, à compra e venda de imóveis, a aludida regra da competência exclusiva do conselho de administração ainda se reveste de maior relevância. // Assim, resulta muito claro do exposto que aos acionistas da sociedade anónima, aqui Requerida – e sejam eles quem forem –, não assiste o direito de impedir o Conselho de Administração da referida pessoa coletiva de vender imóveis. O mesmo é dizer que, ao impetrar o presente procedimento cautelar e as suas medidas solicitadas, a Requerente tenciona – basicamente – subtrair do Conselho de Administração da aqui Requerida a competência exclusiva para decidir sobre a venda de imóveis – o que não será de acolher.”
O conselho de administração tem, com efeito, amplas competências deliberativas sobre matérias de gestão (e não apenas de gestão corrente), nessas competências se incluindo a gestão das actividades que constituem o objecto social (objecto social esse que, no caso, inclui a compra e venda, promoção, exploração, arrendamento e administração de imóveis).18
Como escreve Ana Perestelo de Oliveira19, “no caso das sociedades anónimas, vigora (…) uma maior concentração de poderes na administração, que é independente dos sócios. Os acionistas, nas sociedades anónimas, não podem interferir em matéria de gestão (artigo 405.º) (…)”, mais acrescentando que o “primeiro dever dos administradores é, pois, o dever de gerir a sociedade”.
Também Paulo Olavo Cunha20 refere ser o conselho de administração o “órgão competente para gerir os negócios sociais, tendo a seu cargo a prática de todos os atos que se reconduzem à prossecução do objeto social e os atos de gestão da sociedade (arts. 405º, nº 1 e 406º; 431º). Estes, para além dos negócios que consubstanciem a atividade social, encontram-se exaustiva e exemplificativamente enumerados no art.º 406º do no Código.”
A isto acresce que inexiste qualquer concreta decisão do conselho de administração que tenha sido tomada quanto a tal matéria, sendo que apenas a existir, poderia a mesma ser impugnada nos termos previstos pelo artigo 412.º do CSC.
Diz a recorrente que não poderia fazer uso da faculdade prevista neste preceito, em face da sua “exclusão de sócia” e da “consequente impossibilidade de presença nas assembleias gerais da Recorrida”.
Sucede que nada consta dos autos (nem foi alegado) quanto a ter sido tomada alguma deliberação nessa matéria, pelo que o obstáculo invocado pela recorrente não assume qualquer pertinência.
Ora, como defendido pela recorrida e pela 1.ª instância, inexiste qualquer direito de impedir a tomada de decisões/deliberações dos órgãos sociais ex ante, ou seja, que ainda não ocorreram (mas tão somente de impugnar as que já tenham sido adoptadas).
Quanto ao mais, não obstante os accionistas deliberarem sobre a eleição dos administradores (artigo 391.º do CSC) e sobre a aprovação de contas (artigo 376.º, n.º 1 do CSC) – o que se mostra igualmente previsto do art.º 23.º dos Estatutos da requerida (doc. n.º 9) –, no caso, com relação à eleição dos órgão sociais para o mandato correspondente ao triénio 2023/2025 e à aprovação das contas referentes ao exercício de 2021, foram já tais matérias alvo de deliberação tomada no âmbito da assembleia geral realizada no dia 21/12/2023, não podendo ser agora questionadas21.
E se a requerente não esteve presente nessa assembleia geral, o certo é que, como a própria alegou no seu requerimento inicial, foi sujeito a registo “a aquisição de ações conducente ao domínio total da requerida”, registo esse que, não obstante a mesma refira não corresponder à realidade, se mantém (“até à presente data, a ora Requerente não conseguiu invalidar a referida inscrição na Conservatória do Registo Comercial”) – arts. 30.º e 34.º -, não sendo aqui o meio para que a sua validade possa ser questionada22.
É ao conselho de administração eleito e registado que compete gerir os negócios sociais, incumbindo-lhe praticar todos os actos tendentes à prossecução do seu objecto social – artigos 405.º, n.º 1, 406.º e 431.º do CSC e artigo 26.º, n.º 1 dos Estatutos da requerida.
Ora, as requeridas medidas tutelares, a serem decretadas, em nada interfeririam com o então deliberado em 21/12/2023 ou o constante do Registo Comercial. Assim como em nada acautelariam o invocado direito à informação pela requerente.
Inexiste, na verdade, qualquer pretenso direito da requerente (direitos sociais, enquanto putativa accionista) - ou mesmo qualquer interesse da requerida - que esteja a ser afectado e que cumpra ser acautelado.
Já com relação a futuras decisões que possam vir a ser tomadas no âmbito da actividade/gestão da requerida, apenas em face da concreta circunstância/decisão será possível reagir.
A assim não se entender, e caso se determinasse, ab inicio, a proibição de tomada de toda e qualquer decisão (mesmo que o fosse até à prolação da sentença arbitral, o que se desconhece quando ocorrerá), inviabilizar-se-ia o funcionamento da própria sociedade, com todas as consequências/prejuízos daí resultantes (inclusive para a requerente, caso a qualidade de accionista da mesma venha a ser “reconhecida” na sequência da referida acção arbitral), medida que claramente se assumiria como excessiva e desproporcional ao fim visado.
Transcrevendo, uma vez mais, o decidido pelo tribunal recorrido (por se subscrever integralmente):
Referiu a Requerida que aos acionistas também falece o direito a impedir a adoção de deliberações sociais; apenas têm o direito a impugnar as deliberações sociais, a jusante (ou seja, as deliberações já adotadas).
Resulta do peticionado que a Requerente solicita uma providência que impeça o Conselho de Administração – da Requerida – de decidir sobre a negociação e a alienação de ativos imobiliários (pedido 1.A)), mas insta, noutro passo, a que se proíba a Assembleia Geral da sociedade demandada de deliberar sobre a designação de membros do seu Conselho de Administração e a prestação de contas (pedido 1.B) do requerimento inicial).
Argumenta a Requerida que o Código das Sociedades Comerciais apenas atribui aos acionistas o direito de impugnar as deliberações sociais (cfr. artigos 55.º a 59.º do Código das Sociedades Comerciais, para as deliberações da assembleia geral; e artigo 412.º do Código das Sociedades Comerciais, para deliberações do conselho de administração). // E, realmente, é o que se passa. // O mencionado código societário em nenhum momento confere aos acionistas o direito de impedir a adoção de deliberações sociais pela assembleia geral e pelo conselho de administração, assim se obstando à possibilidade (sem guarida legal) de os mesmos acionistas paralisarem o funcionamento interno da sociedade anónima visada.
E, continua depois:
A doutrina é pacífica naquele domínio – os acionistas dispõem de um direito de “participação coletiva” que compreende o direito de impugnar as deliberações sociais; não é previsto, nem tal faria sentido em termos práticos na vida de uma sociedade anónima, o direito de impedir a adoção de deliberações sociais a montante (…). // A assembleia geral delibera sobre questões essenciais para a vida societária; e mal se andaria se, a cada passo ou previsão, pudesse ser cerceada (a montante) a sua atuação. // Como bem sinaliza a defesa, o Código das Sociedades Comerciais não consente, em caso algum, que os acionistas paralisem, por antecipação (ou ex ante), a possibilidade de a assembleia geral deliberar, no futuro, sobre matérias que, nos termos dos estatutos e da lei societária, integram o âmbito das suas competências deliberativas. E muito menos podem estancar – por antecipação – o funcionamento vital do conselho de administração. // Em coerência com o Código das Sociedades Comerciais, o Código de Processo Civil atribui aos acionistas o direito de instaurar um procedimento cautelar, nominado, de suspensão de deliberações sociais (cfr. artigos 380.º e seguintes do Código de Processo Civil); mas não contempla que os mesmos acionistas possam reclamar uma providência que impeça os órgãos sociais de deliberar, de decidir, literalmente estagnando a atividade e o funcionamento da sociedade anónima per se, ainda que sob o manto ou a égide de um procedimento cautelar não especificado.
Conforme se sublinha na oposição, com assertividade: // - A aprovação das contas, consabidamente, é um dever/imperativo legal; // - A designação de administradores também se traduz num dever/imperativo legal (seja quando terminam os mandatos, seja quando há lugares vagos por preencher); // - A alienação onerosa de bens imóveis é um dever funcional dos administradores (sobretudo, numa sociedade que se dedica à compra e venda de imóveis e que, como qualquer outra dentro do seu escopo social, almeja alcançar lucros com essa atividade).
Também por aqui o procedimento cautelar se evidencia como insubsistente, em face da inexistência de um pretenso “direito” que esteja a ser verdadeiramente afetado, redundando na inverificação do pressuposto legal de fumus boni iuris, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 368.º, n.º 1, a contrario sensu, do Código de Processo Civil.
Aqui chegados, e não obstante, em face da não verificação do requisito fumus boni iuris, não ter a 1.ª instância apreciado o preenchimento dos demais requisitos (no que bem andou, porquanto se trata de requisitos cumulativos), não deixaremos de referir o que se segue.
Há que ter presente que a providência requerida terá que ser adequada a remover o perigo de lesão existente, mas tendo sempre em vista a finalidade prosseguida na acção definitiva (da qual depende, pelo que sempre a tutela cautelar terá de ter por objecto um pedido que possa ser alcançado no âmbito do processo definitivo, não podendo ser mais abrangente do que o deste último).
Como já referido, a requerente peticionou o decretamento de “providência cautelar destinada a impedir a ora Requerida de, através dos seus corpos sociais, tomar decisões que, na sequência das que já vêm sendo tomadas, sejam passíveis de atingir os direitos da ora Requerente – pelo menos enquanto não for proferida decisão arbitral que, hipoteticamente, venha a determinar que a mesma já não é acionista da ora Requerida; em especial: // A) No que respeita ao Conselho de Administração da Requerida, com enfoque, designadamente, em decisões envolvendo a negociação e a alienação de ativos imobiliários propriedade da Requerida; // B) No que respeita a Assembleia-Geral da Requerida, a designação de membros do conselho de administração e a prestação de contas, (…)”.
E, no no art.º 68.º do seu requerimento inicial, referiu expressamente que a acção declarativa a intentar23 (acção principal) visará: “(i.) Reconhecer a ineficácia da deliberação tomada na Assembleia-Geral da Requerida de 21 de dezembro de 2023, porque decorrente de convocatória irregular, enganadoramente dirigida à suposta acionista única da Requerida (a já sobejamente referida sociedade “PS I”), fazendo absoluta tábua rasa da ora Requerente, e na qual foi deliberada e aprovada, sem verificação da maioria qualificada estatutariamente exigida, a nomeação de um novo Conselho de Administração da ora Requerida – o que nunca poderia ter sido alcançado sem o voto favorável da Requerente; e, // (ii.) Subsidiariamente, condenar a ora Requerida a abster-se, através dos seus corpos sociais – Conselho de Administração e Assembleia-Geral – de tomar decisões que, na senda das que já vêm sendo tomadas, sejam passíveis de atingir os direitos acionistas da ora Requerente – pelo menos enquanto não for proferida decisão arbitral que possa vir a determinar que a mesma já não é acionista da ora Requerida –, e que, muito especialmente, nos termos previstos nos Estatutos daquela, impliquem aprovação por maioria qualificada dos votos dos acionistas, o que sempre imporia votação favorável da ora Requerente enquanto acionista da Requerida, designadamente, a designação de membros do conselho de administração e a prestação de contas.” (sublinhados nossos).
Contudo, para além de afirmar que o procedimento cautelar não tem ligação à referida acção arbitral (pretendendo, no entanto, obter uma tutela cautelar que perdure até, pelo menos, à prolação da decisão arbitral que aí venha a ser proferida), também refere que o mesmo se destina “a acautelar decisões a tomar pelos antes referidos órgãos sociais da Requerida, e não qualquer outra decisão porventura já tomada”, o que se revela contraditório com o indicado objecto da acção (em sede de pedido principal) que refere que irá intentar.
Ora, em face de assim ser, não se alcança como poderia a procedência do presente procedimento acautelar o efeito útil da acção a propor.24
Em síntese, para além de a recorrente não ter demonstrado (mesmo que indiciariamente) ser titular de um direito que se mostre ameaçado, tão pouco conseguiu tal demonstração quanto à putativa lesão que o mesmo pudesse vir a sofrer25.
Os putativos prejuízos que poderiam advir para a recorrente apenas poderão resultar do que em futuras decisões/deliberações possa vir a ser determinado, sendo que, por ora, em face do alegado pela mesma, estamos confrontados com um quadro abstracto, de meros receios.
Ora, como se pode ler no acórdão desta Relação de lisboa de 20/09/2018 (Proc. n.º 11509/18.0T8LSB.L1-2, relator Jorge Leal), “A decretação da providência cautelar (não especificada) pressupõe a existência de fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito. Isto é, não basta que a delonga na efetivação do direito acarrete prejuízo. É necessário que este seja grave e dificilmente reparável. Só assim se justifica a urgente, provisória e por vezes não contraditada intromissão do tribunal na esfera jurídica do requerido, correndo-se o risco de se praticar um ato posteriormente qualificado de injustificado (artigos 363.º, 366.º, 374.º n.º 1 do Código de Processo Civil)”.
E, para além de nada ter a requerente demonstrado nesse sentido (prática de actos lesivos de um qualquer direito social, os quais, a terem existido, sempre teriam ocorrido em 2017 e 2021), segundo a mesma alega, para além da acção arbitral, estará, também, pendente um inquérito crime tendente a apurar as condutas que a mesma intentou imputar à requerida e ao presidente do seu conselho de administração (art.º 26.º do requerimento inicial).
Um última nota:
Ao contrário do referido pela recorrente, na decisão impugnada, não se afirma que a mesma não poderia lançar mão de um procedimento cautelar inominado, mas tão somente que não se encontravam verificados os pressupostos legais para que o pudesse fazer, designadamente a existência do seu pretenso direito (o que, como resulta deste acórdão, mereceu a concordância desta instância superior).
Termos em que terá a presente apelação de improceder, nenhuma censura merecendo o entendimento a que chegou a 1.ª instância.
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IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam os Juízes da Secção do Comércio deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
Custas do recurso pela apelante – artigo 539.º, n.º 1 do CPC.
Notifique.
Lisboa, 28 de Janeiro de 2025
Renata Linhares de Castro
Fátima Reis Silva
Nuno Teixeira
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1. Síntese que corresponde à efectuada na sentença recorrida.
2. Síntese que corresponde, no essencial, à efectuada na sentença recorrida.
3. Decorre desta norma que o recorrente que impugne a matéria de facto deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da requerida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
4. Segundo este preceito, “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
5. Sendo que, dir-se-á, a não ser accionista (como a recorrida defende), sempre a requerente não teria efectivamente direito a participar na assembleia geral (questão que, reitera-se, não cumpre aqui apreciar e decidir).
6. Como defendem ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2.ª edição, 2020, pág. 438, “Constituem meios jurisdicionalizados, expeditos e eficazes que permitem assegurar os resultados práticos da ação, evitar prejuízos graves ou antecipar a realização do direito (instrumentalidade hipotética), conciliando de forma razoável os interesses da celeridade e da segurança jurídica”.
7. Cfr. ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, obra citada, pág. 438.
8. Providências Cautelares, Almedina, 4.ª edição, 2021, pág. 180.
9. Citando MARCO CARVALHO GONÇALVES, obra citada, pág. 193, “O grau de probabilidade ou de verosimilhança em relação à existência do direito invocado pelo requerente da tutela cautelar é diretamente proporcional ao nível de ingerência na esfera jurídica do requerido em resultado do acolhimento de uma determinada pretensão cautelar. Podemos, por isso, concluir que, quanto maiores e mais relevantes forem os interesses do requerido suscetíveis de serem afetados pelo decretamento de uma determinada providência cautelar, maior deverá ser o cuidado e a cautela do julgador, ou seja, maiores serão as exigências quanto à demonstração da probabilidade ou da verosimilhança da existência do direito que se pretende tutelar.” E, a fls. 196/197, acrescenta: “o julgador deve ser igualmente cauteloso no que concerne à avaliação das consequências danosas que poderão advir para o requerido em consequência do decretamento da providência, designadamente aquelas que possam implicar a produção de um prejuízo grave, irreparável ou irreversível. (…) quanto maior for a gravidade decorrente da concessão da providência cautelar, maior deverá ser o rigor do julgador em relação à apreciação do requisito do fumus boni iuris.
10. Cfr. LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Almedina, 4.ª edição, 2022, pág. 35.
11. Como escrevem ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/PIRES DE SOUSA, obra citada, pág. 447, “A audiência destinada à produção de meios de prova apenas será agendada caso se justifique, devendo o juiz ponderar se os elementos já existentes nos autos permitem, sem mais, uma pronúncia segura sobre a procedência ou improcedência da providência.
12. Como bem refere a recorrida nas suas contra-alegações, “dada a factualidade dada por provada e aplicação do direito que o caso reclama: não se alcança em que medida aquela inquirição seria idónea para a contraprova dos factos alegados pela ora Recorrida, quando o Tribunal entende que o seu juízo “independe dessa especificada alegação de matéria de exceção” por serem os argumentos jurídicos, e não qualquer facto controvertido, que impedem a procedência da pretensão da ora Recorrente.”
13. Cfr. acórdão desta Relação de Lisboa de 12/07/2021 (Proc. n.º 3264/21.2T8LSB.L1-2, relator Carlos Castelo Branco), disponível in www.dgsi.pt (como os demais que vierem a ser citados) - “Pode ocorrer que não haja mais provas a produzir, seja porque não foram requeridas, seja porque o juiz fundadamente entende que as mesmas não são necessárias, por o processo já conter os elementos necessários e suficientes para a decisão final. Nesse caso, o tribunal poderá optar por proferir decisão imediata, sem necessidade de realização de audiência final, na linha das preocupações de celeridade que predominam nos procedimentos cautelares (cfr. artigo 363.º do CPC) e da regra geral da economia processual, que, desde logo, veda a prática de actos inúteis (artigos 6.º e 130.º do CPC). (…) O juízo do julgador sobre o “quando necessário” a que se refere o n.º 1 do artigo 367.º do CPC traduz um poder-dever do juiz, no sentido de que este tem a faculdade de determinar ou não a produção de prova, mas, simultaneamente, tem a obrigação de ordenar as diligências de prova quando tal se mostre necessário para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio.” – e acórdão da Relação de Évora de 27/10/2022 (Proc. n.º 878/18.1T8OLH.E1, relator Vítor Sequinho dos Santos), no qual, aludindo ao artigo 367.º, n.º 1 do CPC, se escreveu: “Esta norma estabelece que, findo o prazo da oposição, quando o requerido haja sido ouvido, se procede, quando necessário, à produção das provas requeridas ou oficiosamente determinadas pelo juiz. Quando necessário, sublinhamos. Se entender que o processo já contém todos os elementos necessários para a prolação de sentença, o tribunal deverá proferi-la imediatamente, nos termos do artigo 368.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, decretando ou recusando a providência cautelar solicitada. Nessas circunstâncias, a realização de uma audiência final para a produção de prova traduzir-se-ia num acto inútil, proibido pelo artigo 130.º do Código de Processo Civil.”
14. Prescreve o artigo 407.º do CSC: “1 - A não ser que o contrato de sociedade o proíba, pode o conselho encarregar especialmente algum ou alguns administradores de se ocuparem de certas matérias de administração. 2 - O encargo especial referido no número anterior não pode abranger as matérias previstas nas alíneas a) a m) do artigo 406.º e não exclui a competência normal dos outros administradores ou do conselho nem a responsabilidade daqueles nos termos da lei. 3 - O contrato de sociedade pode autorizar o conselho de administração a delegar num ou mais administradores ou numa comissão executiva a gestão corrente da sociedade. 4 - A deliberação do conselho deve fixar os limites da delegação, na qual não podem ser incluídas as matérias previstas nas alíneas a) a d), f), l) e m) do artigo 406.º e, no caso de criar uma comissão, deve estabelecer a composição e o modo de funcionamento desta. 5 – (…). 6 – (…). 7 – (…). 8 - A delegação prevista nos n.os 3 e 4 não exclui a competência do conselho para tomar resoluções sobre os mesmos assuntos; os outros administradores são responsáveis, nos termos da lei, pela vigilância geral da actuação do administrador ou administradores-delegados ou da comissão executiva e, bem assim, pelos prejuízos causados por actos ou omissões destes, quando, tendo conhecimento de tais actos ou omissões ou do propósito de os praticar, não provoquem a intervenção do conselho para tomar as medidas adequadas.
15. Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. VI, Almedina, 2.ª edição, 2019, págs. 20/21.
16. Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. VI, já citado, págs. 426-428.
17. Ao contrário do que sucede nas sociedades por quotas – cfr. artigo 246.º, n.º 2, al. c), do CSC.
18. Por pertinente, nesta matéria, veja-se o acórdão da Relação de Guimarães de 21/01/2020 (Proc. n.º 4387/19.3T8VNF.G1, relator José Alberto Moreira Dias).
19. Lições e casos de Direito das Sociedades, AAFDL Editora, 2024, págs. 392 e 411.
20. Deliberações Sociais, Formação e Impugnação, Almedina, 2020, págs. 160/161.
21. Pelo que, para o caso, não assume relevância o alegado no art. 57.º do requerimento inicial.
22. Cfr. certidão do registo comercial da requerida (doc. 2 junto com o requerimento inicial), da qual consta: “Menção Dep. 8249/2023-06-02 15:28:33 UTC – AQUISIÇÃO DE ACÇÕES TENDENTE AO DOMÓNIO TOTAL”, estando identificado com sujeito activo a sociedade AA I, SA. Mais consta de tal certidão: “Menção Dep. 18437/2023-07-06 09:03:41 UTC – PROCESSO DE RETIFICAÇÃO RELATIVAMENTE AO DEP 8249/2023-06-02” – INDEFERIDO LIMINARMENTE.
23. O facto de a recorrente não ter logrado demonstrar a existência do seu direito, associado ao facto de identificar a acção principal a intentar, afastaria desde logo qualquer possibilidade de haver lugar à inversão do contencioso.
24. Acresce que a recorrente pretende obter uma tutela cautelar que perdure até, pelo menos, à prolação da decisão arbitral que venha a ser proferida no âmbito do processo arbitral internacional, sendo que, insiste-se, o presente procedimento nenhuma dependência tem para com essa acção (como a própria expressamente afirma).
25. Aliás, a própria requerente, nos arts. 79.º a 82.º do requerimento inicial, nada concretiza para esse efeito, limitando-se a alegar: “a atuação da Requerida, desde, pelo menos, a nomeação irregular de um novo Conselho de Administração, em 21 de dezembro de 2023, tem sido no sentido de tomar decisões fazendo completa tábua rasa da ora Requerente enquanto sua acionista, o que, pelo menos potencialmente, causa o receio de uma lesão grave e dificilmente reparável dos direitos da Requerente”, “Também concorre para o acabado de referir o facto de esse novo Conselho de Administração ter aprovado a já sinalizada muito suspeita aprovação de contas da Requerida, demonstrativas da situação pelo menos muito irregular já antes referida neste requerimento”, “O que cristalinamente demonstra que estamos perante uma situação emergente, que não poderá esperar por uma decisão no âmbito de qualquer ação principal, já que, considerando o tempo necessário para o julgamento definitivo do mérito dessa causa, os direitos da Requerente que se pretendem fazer valer em juízo acabariam por ficar irremediavelmente comprometidos” e “Nesta mesmíssima linha de salvaguarda de uma Justiça célere e de tutela jurisdicional efetiva, tão pouco esse desiderato constitucional resultaria materializado in casu se, por cada deliberação que, de futuro, viesse a ser tomada pelos órgãos sociais da Requerida, a Requerente se visse obrigada, por cada uma, a lançar mão de ação especial de anulabilidade, nem tão pouco, no curtíssimo prazo legal para isso previsto, para propor, cautelarmente, a respetiva suspensão”.