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CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
COMUNICAÇÃO
NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA
CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO
DEVOLUÇÃO
Sumário
I.Resulta do art. 9º nº7 al a) do RAU que a notificação avulsa é um dos meios legalmente previstos para operar a comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil. II. Nos termos do nº5 al b) do art. 10º do RAU, se não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio. III. Existe, pois, um regime especifico para os termos subsequentes à frustração da comunicação da resolução do contrato por notificação avulsa por o arrendatário não ter sido localizado, regime esse que prevê o envio de uma (e só uma) carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, considerando-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio. Ou seja, ainda que esta carta seja devolvida, a comunicação considera-se recebida (e, portanto, eficaz), no 10º dia subsequente ao do seu envio.
Texto Integral
Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:
I -Relatório:
A, com domicílio em Montijo, intentou procedimento especial de despejo contra EIXO OPERÁRIO, LDA., com sede em Loures.
Para tanto, alegou a celebração de contrato de arrendamento destinado a fins não habitacionais com o requerido e a sua Resolução pelo senhorio (Nos termos do nº3 do Artº1083 do Código Civil).
A requerida não deduziu oposição.
Distribuído o procedimento ao Juízo Local Cível, em face da autorização de entrada no arrendado que foi peticionada pelo Sr. Agente de Execução, foi proferido em 07.10.2024 o seguinte despacho: “Compulsados os autos, verifica-se que, no contrato de arrendamento, não foi convencionado domicílio para efeitos de citação. Constata-se que a notificação avulsa se frustrou e que a carta registada com aviso de receção enviada ao requerido destinada a pôr fim ao contrato foi devolvida com a menção de “não reclamado”. Em face disso, em conformidade com a interpretação conjugada das normas estipuladas pelos artºs 9º, nºs 1 e 7, 10º, nºs 2, 3 e 4, do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com as alterações introduzidas na pela Lei n.º 56/2023 - Diário da República n.º 194/2023, Série I, de 2023-10-06, (NRAU) o requerente teria que juntar aos autos a 2.ª carta a que se refere o artº 10º, nº 3, do mesmo regime, o que não ocorreu. Constituindo esta carta em falta condição de procedibilidade do procedimento especial de despejo, nos termos do estatuído no artº 15º- H, nº 3, do NRAU, convida-se o requerente a, em 10 dias, juntar aos autos a referida 2.ª carta pela qual fez operar a resolução do contrato objeto dos presentes autos. * Caso o requerente não proceda à junção da mencionada carta no prazo supra fixado, as partes poderão, em 10 dias, exercer o seu direito ao contraditório relativamente a eventual exceção dilatório inominada fundada em falta de condição de procedibilidade.
*
Nesse seguimento, o requerente em 07.10.2024 veio apresentar a única carta que já se encontrava junta aos autos, datada de 23 novembro de 2024, não pronunciando quando a uma eventual exceção dilatória inominada fundada em falta de condição de procedibilidade.
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Em 21.10. 2024 foi proferida a seguinte decisão: “REFª: 50106665 A carta ora apresentada efetivamente corresponde à única que já se encontrava junta aos autos e que foi devolvida com a menção “não reclamado” Tal demonstra que, efetivamente, não foi enviada a segunda carta a que nos reportamos no despacho que antecede. Notifique. * Relatório A , com domicílio em Montijo, intentou procedimento especial de despejo contra EIXO OPERÁRIO, LDA., com sede em Loures. Para tanto, alegou a celebração de contrato de arrendamento destinado a fins não habitacionais com o requerido e a sua Resolução pelo senhorio (Nos termos do nº3 do Artº 1083 do Código Civil). A requerida não deduziu oposição. Distribuído o procedimento a este Juízo Local Cível, para autorização de entrada no arrendado pelo Sr. Agente de Execução, proferiu-se o seguinte despacho: Compulsados os autos, verifica-se que, no contrato de arrendamento, não foi convencionado domicílio para efeitos de citação. Constata-se que a notificação avulsa se frustrou e que a carta registada com aviso de receção enviada ao requerido destinada a pôr fim ao contrato foi devolvida com a menção de “não reclamado”. Em face disso, em conformidade com a interpretação conjugada das normas estipuladas pelos artºs 9º, nºs 1 e 7, 10º, nºs 2, 3 e 4, do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com as alterações introduzidas na pela Lei n.º 56/2023 - Diário da República n.º 194/2023, Série I, de 2023-10-06, (NRAU) o requerente teria que juntar aos autos a 2.ª carta a que se refere o artº 10º, nº 3, do mesmo regime, o que não ocorreu. Constituindo esta carta em falta condição de procedibilidade do procedimento especial de despejo, nos termos do estatuído no artº 15º- H, nº 3, do NRAU, convida-se o requerente a, em 10 dias, juntar aos autos a referida 2.ª carta pela qual fez operar a resolução do contrato objeto dos presentes autos. * Caso o requerente não proceda à junção da mencionada carta no prazo supra fixado, as partes poderão, em 10 dias, exercer o seu direito ao contraditório relativamente a eventual exceção dilatório inominada fundada em falta de condição de procedibilidade. Nesse seguimento, o requerente, além do mais, apresentou a única carta que já se encontrava junta aos autos, datada de 23 novembro de 2024. Não exerceu o direito ao contraditório que lhe tinha sido concedido. Pressupostos Processuais O Tribunal é competente em razão de nacionalidade, da matéria, da hierarquia, do valor e do território. O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem de todo. As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias. As partes são legítimas e estão devidamente patrocinadas. * Importa apreciar e decidir se o requerente poderia socorrer-se do presente procedimento especial de despejo sem ter junto aos autos a 2.ª carta a que alude o artº 10º, nº 3, Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com as alterações introduzidas na pela Lei n.º 56/2023 - Diário da República n.º 194/2023, Série I, de 2023-10-06, (NRAU). * Fundamentação Sob a epígrafe Procedimento especial de despejo, dispõe o artº 15º do NRAU dispõe o seguinte: 1 - O procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes. 2 - Apenas podem servir de base ao procedimento especial de despejo, independentemente do fim a que se destina o arrendamento: (…) e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, (…); No que respeita a essa comunicação o NRAU estabelece o seguinte: Artº 9º Forma da comunicação 1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes, relativas a cessação do contrato de arrendamento, actualização da renda e obras, são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção. 7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante: a) Notificação avulsa; b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original; c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação. Artº 10º Vicissitudes 1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que: a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la; b) O aviso de recepção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário. 2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que: (…) c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais. 3 - Nas situações previstas no número anterior, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta. (negrito nosso). No caso concreto, uma vez que, no contrato não foi convencionado domicílio para efeitos judiciais, designadamente, de citação e considerando o fundamento da resolução invocado pelo requerente/senhorio, conforme se referiu no despacho que antecede, no caso de devolução da carta pela qual comunica a resolução contratual ter sido devolvida, a Lei não se basta com o envio de dessa carta ao arrendatário, exigindo, nos termos do citado artº 10º, nº 3, o envio de segunda carta. E, assim sendo, o requerente, no momento em que intenta o procedimento espacial de despejo, tem que apresentar as duas cartas, sob pena de falta de condição de procedibilidade. Constatando-se, então, que o requerente não tinha cumprido os requisitos legais necessários para fazer operar a resolução contratual fundada no estatuído no artº 1083º, nº 3, do CC, é de entender que, aquando da propositura do presente procedimento especial de despejo, o contrato não tinha sido cessado por resolução contratual. E, deste modo, é de concluir pela omissão dessa obrigação que constitui uma verdadeira falta de condição objetiva de procedibilidade, que não se pode deixar de enquadrar no regime jurídico das exceções dilatórias. Estamos, assim, perante uma exceção dilatória inominada insuprível de conhecimento oficioso que impede o conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância do requerido (cfr. 15º- H, nº 4, e artºs 576º, nºs 1 e 2, 577º e 578º do CPC, ex vi artº 549º, nº 1,do CPC). As custas serão suportadas pelo requerente (cfr. artº 527º, nºs 1 e 2, do CPC). Decisão Pelo exposto, decide-se: a) julgar verificada exceção dilatória inominada e, por consequência, absolver o requerido supra identificado da instância; e b) condenar o requerente no pagamento das custas. Fixa-se o valor à causa no valor indicado pelo requerente. Registe e notifique. Comunique ao BAS.”
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Inconformado, o requerente intentou recurso de apelação, apresentando alegações com as seguintes conclusões: “A) O Recorrente apresentou requerimento de despejo contra o aqui Recorrido a 15.05.2024 no Balcão Nacional de Arrendamento e juntou a notificação judicial avulsa, bem como a certidão negativa emitida pelo Agente de Execução no âmbito do processo n.º 1283/23.3T8MTJ e ainda a carta que foi remetida posteriormente pelo aqui Recorrente ao Recorrido, conforme preceitua o artigo 10.º, n.º 5, alínea b) do NRAU. B) Dentro do prazo legal de que dispunha para o efeito, o aqui Recorrido não apresentou qualquer oposição, pelo que o requerimento de despejo apresentado foi convertido em título para desocupação do locado. C) Com base naquele título, a aqui Recorrente instaurou a respectiva execução quer para o pagamento de rendas, quer para a desocupação efectiva do locado e, nesse âmbito, o Exmo. Senhor Agente de Execução requereu a intervenção das forças policiais ao Tribunal a quo. D) Contudo, entendeu o Tribunal a quo que: “Artº 9º Forma da comunicação 1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes, relativas a cessação do contrato de arrendamento, actualização da renda e obras, são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção. 7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante: a) Notificação avulsa; (…) Artº 10º Vicissitudes 1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que: a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la; b) O aviso de recepção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário. 2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que: (…) c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais. 3 - Nas situações previstas no número anterior, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta. (negrito nosso). No caso concreto, uma vez que, no contrato não foi convencionado domicílio para efeitos judiciais, designadamente, de citação e considerando o fundamento da resolução invocado pelo requerente/senhorio, conforme se referiu no despacho que antecede, no caso de devolução da carta pela qual comunica a resolução contratual ter sido devolvida, a Lei não se basta com o envio de dessa carta ao arrendatário, exigindo, nos termos do citado artº 10º, nº 3, o envio de segunda carta. E, assim sendo, o requerente, no momento em que intenta o procedimento espacial de despejo, tem que apresentar as duas cartas, sob pena de falta de condição de procedibilidade. Constatando-se, então, que o requerente não tinha cumprido os requisitos legais necessários para fazer operar a resolução contratual fundada no estatuído no artº 1083º, nº 3, do CC, é de entender que, aquando da propositura do presente procedimento especial de despejo, o contrato não tinha sido cessado por resolução contratual. E, deste modo, é de concluir pela omissão dessa obrigação que constitui uma verdadeira falta de condição objetiva de procedibilidade, que não se pode deixar de enquadrar no regime jurídico das exceções dilatórias. Estamos, assim, perante uma exceção dilatória inominada insuprível de conhecimento oficioso que impede o conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância do requerido (cfr. 15º- H, nº 4, e artºs 576º, nºs 1 e 2, 577º e 578º do CPC, ex vi artº 549º, nº 1, do CPC).” E) A decisão de que se recorre peca por erro de aplicação e de interpretação dos normativos legalmente aplicáveis. F) O artigo 9.º, n.º 7 do NRAU estabelece que a comunicação da resolução do contrato de arrendamento com fundamento no artigo 1083.º, n.º 3 do Código Civil – falta de pagamento de rendas –, deverá ser feita, entre outros, por notificação judicial avulsa, conforme preceitua o artigo 1084.º, n.º 3. G) A vicissitude prevista no artigo 10.º, n.º 1 do NRAU refere-se às comunicações previstas no n.º 1 do artigo 9.º, ou seja, às comunicações que, por não existir disposição especial na lei, deverão ser efectuadas por carta registada com aviso de recepção. H) A comunicação de resolução operada pelo aqui Recorrente teria de ser realizada obrigatoriamente por um dos meios previstos no n.º 7 do artigo 9.º NRAU e não por carta registada com AR. I) Sendo aplicável aos casos em que não é possível localizar o destinatário da comunicação, como foi o caso da notificação judicial avulsa que visava a comunicação da resolução do contrato, a disposição prevista no artigo 10.º, n.º 5, alínea b) que preceitua que: “5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo anterior, se: (…) b) Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.” J) O Recorrente foi notificado da notificação negativa a 19.12.2023, remeteu uma nova missiva por carta registada com AR a 23.01.2024, devendo esta considerar-se recebida a 02.02.2024. K) Por este motivo, e contrariamente à fundamentação invocada na decisão de que se recorre, o Recorrente, no momento em que apresenta o requerimento especial de despejo tem de apresentar o comprovativo do requerimento para notificação judicial avulsa, a certidão – positiva ou negativa – de notificação e, em caso de verificação de algum dos condicionalismos previstos no artigo 10.º, n.º 5 do NRAU, algum dos comprovativos ali previstos, o que foi feito pelo Recorrente, não estando em falta qualquer elemento. L) Por tudo o exposto andou mal o Tribunal a quo ao decidir estar verificada uma excepção dilatória inominada aplicando erradamente os preceitos legais à situação concreta. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, E, EM CONSEQUÊNCIA: SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, SENDO SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DEFIRA O PEDIDO DE INTERVENÇÃO POLICIAL NA RESTITUIÇÃO DA POSSE DO IMÓVEL; CONDENAR A RECORRIDA NAS CUSTAS PROCESSUAIS; COMO É DA MAIS ELEMENTAR E ABSOLUTA JUSTIÇA.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II -OBJETO DO RECURSO:
Segundo as conclusões do recurso, as quais definem o respetivo objeto, as questões a apreciar nos presentes autos são as seguintes:
Aferir se o requerente poderia socorrer-se do procedimento especial de despejo sem ter junto aos autos a 2.ª carta a que alude o artº 10º, nº3, Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com as alterações introduzidas na pela Lei n.º 56/2023 - Diário da República n.º 194/2023, Série I, de 2023-10-06, (NRAU).
Aferir da possibilidade deste Tribunal da Relação conhecer do pedido de intervenção judicial apresentado pelo Agente de Execução.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Para além dos factos referidos no relatório que antecede e ora dados por reproduzidos, encontram-se ainda demonstrados com base nos documentos constantes do processo os seguintes:
1. O Recorrente apresentou requerimento de despejo contra a aqui recorrida a 15.05.2024 no Balcão Nacional de Arrendamento, ao qual foi atribuído o n.º de processo 1034/24.5YLPRT.
2. Aquando da apresentação do requerimento de despejo, o Recorrente juntou notificação avulsa com certidão negativa de 19.12.2023 emitida pelo Agente de Execução no âmbito do processo n.º 1283/23.3T8MTJ, ora dada por reproduzida, bem como carta com aviso de recepção que foi remetida em 23.01.2024 pelo aqui Recorrente à Recorrida, também aqui dada por reproduzida, devolvida por “não reclamada”.
3. Dentro do prazo legal de que dispunha para o efeito após a sua notificação, a aqui Recorrida não apresentou qualquer oposição, pelo que o requerimento de despejo apresentado foi convertido em título para desocupação do locado.
4. Em 02.10.2023 o Exmo. Senhor Agente de Execução requereu a entrada imediata no locado, com recurso às autoridades policiais e ao arrombamento de portas, se necessário, em virtude de aquele domicílio não ter sido voluntariamente desocupado (cf. req. de 02.10.2024).
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Está em causa no presente recurso aferir se o requerente poderia socorrer-se do procedimento especial de despejo sem ter junto aos autos a 2.ª carta a que alude o art.º 10º, nº3, Novo Regime do Arrendamento Urbano-
Vejamos.
Dispõe o artº 15º nº1 do NRAU que: 1 - O procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes. 2 - Apenas podem servir de base ao procedimento especial de despejo, independentemente do fim a que se destina o arrendamento: (…) e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, (…);
Por sua vez, dispõe o art. 1084 nº2 do CC que: “A resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista nos n.os 3 e 4 do artigo anterior bem como a resolução pelo arrendatário operam por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida.”
Este preceito reporta-se, no que que respeita à resolução do contrato pelo senhorio, aos fundamentos previstos nos nºs 3 e 4 do art 1083º do CC, ou seja, mora no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública.
Da conjugação destes preceitos resulta que o senhorio que resolva o contrato de arrendamento com base na mora no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, e não obtenha a entrega do locado, pode recorrer, para efetivar a cessação do arrendamento, ao procedimento de despejo, apresentando o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário da resolução do contrato onde se fundamentadamente se identifique a obrigação que não foi cumprida, e quando aplicável, do comprovativo da oposição à realização à obra.
Para efeitos de identificação do comprovativo da comunicação ao arrendatário da resolução do contrato de arrendamento, impõe-se analisar o regime de comunicações previsto no RAU.
Dispõe o art. 9 do RAU (intitulado “Forma da Comunicação”) o seguinte:
“1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes, relativas a cessação do contrato de arrendamento, actualização da renda e obras, são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção. 2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado. 3 - As cartas dirigidas ao senhorio devem ser remetidas para o endereço constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior. 4 - Não existindo contrato escrito nem comunicação anterior do senhorio, as cartas dirigidas a este devem ser remetidas para o seu domicílio ou sede. 5 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele. 6 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de recepção. 7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante: a) Notificação avulsa; b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original; c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação.”
Acrescenta o art. 10º do RAU (intitulado “ Vicissitudes”) o seguinte: 1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que: a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la; b) O aviso de recepção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário. 2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que: a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º; ou b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior. c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais. 3 - Nas situações previstas no número anterior, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta. 4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio. 5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo anterior, se: a) O destinatário da comunicação recusar a assinatura do original ou a receção do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, o advogado, solicitador ou agente de execução lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efetuada no próprio dia face à certificação da ocorrência; b) Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.”
No caso dos autos, o senhorio juntou ao procedimento de despejo notificação avulsa com Certidão negativa de 19.12.2023 emitida pelo Agente de Execução no âmbito do processo n.º 1283/23.3T8MTJ, ora dada por reproduzida, bem como carta com aviso de recepção que foi remetida em 23.01.2024 pelo aqui Recorrente à Recorrida, também aqui dada por reproduzida, devolvida por “não reclamada”.
E efetivamente resulta do art. 9º nº7 al a) do RAU que a notificação avulsa é um dos meios legalmente previstos para operar acomunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil.
Todavia a mesma não foi lograda, conforme certidão negativa de 19.12.2023, por ninguém ter aberto a porta, tendo sido obtida informação junto de um terceiro de que ali não é vista qualquer pessoa a entrar ou sair há cerca de um ano.
Ora, nos termos do nº5 al b) do art. 10º do RAU, se não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
Existe, pois, um regime especifico para os termos subsequentes à frustração da comunicação da resolução do contrato por notificação avulsa por o arrendatário não ter sido localizado, regime esse que prevê o envio de uma (e só uma) carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, considerando-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio. Ou seja, ainda que esta carta seja devolvida, a comunicação considera-se recebida (e, portanto, eficaz), no 10º dia subsequente ao do seu envio.
Sobre esta questão veja-se o Ac. do TRE de 25.02.2021 proferido no Proc. 2063/20.3T8FAR.E1, cujo sumário passamos a reproduzir: “Se não for possível concretizar a notificação judicial avulsa por impossibilidade de localização do destinatário da mesma, manda o artigo 10.º, n.º 5, al. b), da Lei n.º 6/2006 que o senhorio envie carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorrido o lapso temporal ali previsto sobre a data em que foi tentada a notificação judicial avulsa, considerando-se a declaração de resolução recebida no 10.º dia posterior ao seu envio. Por conseguinte, entende o legislador que a declaração, in casu, uma declaração de vontade de resolução do contrato, torna-se eficaz no 10.º dia posterior ao envio da carta registada com aviso de receção para o local arrendado porquanto, em circunstâncias normais, isto é, estando o locatário a usar o arrendado, podia tomar conhecimento da comunicação.”
Não tem, pois, fundamento legal a posição do Tribunal a quo de exigir o envio de mais uma carta, a alegadamente prevista no art. 10 nº 3 do RAU.
É que esse preceito, conforme resulta do seu introito (“ Nas situações previstas no número anterior(…)”) reporta-se aos casos previstos no art. 10º nº2 als. a) a c) do RAU, que pressupõem que tenha já sido expedida uma anterior carta registada com AR nos termos e para os efeitos do art 9º nº1 do RAU.
E, como tal, não tem aplicação à situação sub judice, que se reporta a uma comunicação por notificação avulsa nos termos do art 9º nº7 al a) do RAU, cuja frustração por não ter sido localizado o arrendatário, como já referimos, implica a aplicação do regime especifico previsto no nº 5 do referido art. 10º do RAU.
Inexiste, deste modo, a exceção dilatória de falta de condição objetiva de procedibilidade apontada pelo Tribunal a quo, o que implica que não se possa manter a sua decisão.
Impõe-se assim revogar a decisão recorrida, sem que contudo este Tribunal da Relação se substitua ao tribunal recorrido na apreciação do pedido formulado pelo Agente de Execução, por falta dos pressupostos previstos para o efeito no art. 665 nºs 1 e 2 do CPC, já que não foi declarada qualquer nulidade da decisão recorrida, nem esta considerou prejudicada a apreciação de tal requerimento.
Logo, a apreciação, por este Tribunal da Relação, do requerimento do AE, como pretende o recorrente, constituiria o conhecimento de questão nova, não analisada pelo Tribunal a quo.
O recurso é um meio de impugnação de uma decisão judicial, pelo que apenas pode incidir sobre as questões apreciadas nessa decisão, e não sobre questões que extravasam o âmbito da mesma, sem prejuízo do conhecimento daquelas que sejam de conhecimento oficioso.
Escreve a propósito Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, 7ª ed. Atualizada, Almedina, pag. 140, que: “Na verdade os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis.”
Assim sendo, como se refere no Ac. do STJ de 07.07.2016 proferido no Proc. 156/12.0TTCSC.L1.S1, “Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.”.
Deverá, pois, determinar-se a continuação da lide, o que constitui a consequência natural da revogação da decisão de absolvição da instância recorrida, cabendo ao Tribunal de 1ª instância apreciar o referido requerimento do AE.
O recurso procede parcialmente, com custas do recurso por recorrente e recorrida em função do decaimento, que se fixa em partes iguais (art 527 nº1 do CPC).
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V - Decisão:
Pelos fundamentos expostos, as Juízes desta 8ªsecção cível do Tribunal da Relação de Lisboa acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência revogam a decisão recorrida, determinando a continuação da lide com apreciação, pelo tribunal de 1ª instância, do pedido formulado pelo Agente de Execução para autorização judicial de entrada imediata no locado.
Custas da apelação pelo apelante e pela apelada, em partes iguais.
Notifique.
Lisboa, 30.01.2025
Carla Matos
Maria do Céu Silva
Cristina Pires Lourenço