PORNOGRAFIA DE MENORES
PROVA PROÍBIDA
Sumário

I - Estando em causa uma investigação de um crime de pornografia de menores, cometido por meio de um sistema informático e em relação ao qual é necessário proceder à recolha de prova em suporte eletrónico, podia e devia a autoridade judiciária solicitar à fornecedora do serviço respetivo a identificação do subscritor do IP, para prova do crime cometido pelo arguido, pois constitui um dado pouco invasivo da privacidade do seu titular (cinge-se meramente à identificação do cliente - do utilizador do IP -, com a morada associada).
II - A informação prestada pela empresa operadora de telecomunicações relativa à identificação do utilizador do IP que realizou os uploads, com indicação da morada associada, foi obtida de modo legalmente permitido, pelo que não constitui prova proibida.

Texto Integral



ACORDAM OS JUÍZES, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:


I. RELATÓRIO

A –
Nos presentes autos de Processo Comum Colectivo, que com o nº 158/22.8JGLSB, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo Central Criminal de Beja – Juiz 1, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido:
- B (………..)
- Imputando-lhe a prática, em autoria material e em concurso real e efectivo, de:
- Um crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176º, nº 1, alínea c), 177º, nºs 6, 7 e 8, e 69º-B, nº 2, do Código Penal;
- Um crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176º, nº 1, alínea d), 177º nºs 6, 7 e 8, e 69º-B, nº 2, do Código Penal e;
- Um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelos artigos 176º, nº 5, e 69º-B, nº 2, do Código Penal.

O arguido apresentou contestação e arrolou testemunhas.

Realizado o julgamento, veio a ser proferido pertinente Acórdão, no qual se decidiu:
- Absolver o arguido B da prática de um crime de pornografia infantil, previsto e punido pelo artigo 176º, nº 1, alínea c) e 177º, nºs 6, 7 e 8, do Código Penal e de um crime de pornografia infantil, previsto e punido pelo artigo 176º, nº 5, do Código Penal.
- Condenar o arguido B pela prática, em autoria material, de um crime de 1 (um) crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176º, nº 1, alínea d) e nº 4 e artigo 177º, nº 7 e nº 8, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão efectiva e na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 10 (dez) anos.
(…).

Inconformado com este Acórdão condenatório, o arguido B, interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

1. É tempo de concluir, dando cumprimento ao disposto no art. 412º do C.P.P.
2. O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido nos autos que condenou o Recorrente, pela prática, em autoria material, de um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts. 176º nºs 1 al. d) e 4 e art. 177º nsº 7 e 8 do C. Penal na pena de 4 (quatro) anos de prisão efectiva e na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 10 (dez) anos, bem como foi condenado nas custas criminais e foi declarado perdido a favor do Estado o telefone apreendido nos autos e ordenada a sua destruição.
3. O Tribunal recorrido efetuou uma errada e deficiente valoração da prova produzida nos autos, tendo a final proferido uma decisão injusta e ao arrepio da prova produzida, motivo pelo qual se impugna a matéria de facto constante dos pontos 1 a 13 dos factos provados, por assentar em prova proibida.
4. Assim, pretende-se uma reapreciação da matéria de facto, por forma a concluir-se pela absolvição do arguido, ora recorrente tendo por base a validade/legalidade da prova obtida através dos dados facultados pela operadora de telecomunicações MEO, relativas à identificação e à morada do utilizador e ora recorrente, B, num concreto lapso temporal, com a indicação das datas e horas de inicio e termo da ligação, ao abrigo do disposto nos artigos 11º nº 1, al. a) e art. 14º, nº 1 a 4 da Lei 109/2009, de 15 de Setembro.
5. Na verdade, os presentes autos iniciaram-se com o relatório nº 105069997, remetido pela Nacional Center for missing exploided Children e no âmbito do qual se dá conta do carregamento (upload) de dois ficheiros multimédia, apresentando conteúdos de abuso sexual de menores, tendo sido carregados através da aplicação TWITTER, associado ao nome do utilizador “Dombru Taboo” e endereço de correio electrónico tugatopsexy@gmail.com.
6. Os ficheiros em questão foram carregados entre os dias 18-09-2021 e 18-10-2021, a partir dos IP’s supra identificados, do ISP MEO.
7. E por esse via, utilizando o IP fornecido, a Polícia Judiciária requereu ao Juiz de Instrução Criminal - fls. 19 e 20 dos autos – a quebra de sigilo das comunicações electrónicas, solicitando lhe fossem fornecidas as seguintes informações:
a) Identificação completa do utilizador que utilizou o endereço IP identificado a fls. 2 verso dos autos, observando-se escrupulosamente o fuso horário efectuando as devidas conversões;
b) A data/hora de início e a hora do fim de cada ligação
c) A morada de instalação do equipamento
d) A morada de facturação
e) A descrição dos serviços contratados e dos equipamentos fornecidos para tal efeito;
8. Informações que foram fornecidas pela Altice/MEO, em 16-03-2022 e encontram-se insertas a fls. 29 dos autos.
9. Nessa sequência foi emitido, pelo Juiz de Instrução Criminal, o mandado de busca e apreensão, inserto a fls. 75 e 76 dos autos, o que determinou a realização de buscas à habitação, sita na (…..), e designadamente ao quarto do arguido;
10. Assim, no dia 13-07-2022 foi concretizada a busca domiciliária e na sua residência foi apreendido 1 telemóvel do tipo smartphone de cor preta, marca “Iphone”, modelo “SE” – MXDO2QL/A, com o IMEI 1 “35648710446473 9” e IMEI 2 “356487104264147”, que posteriormente foi sujeito a exame e a perícia forense, a qual consta de fls. 211 a 235 dos autos.
11. O arguido foi sujeito a interrogatório judicial de arguido detido no dia 14-07-2022, onde admitiu e explicitou a existência daqueles ficheiros no seu telemóvel, tendo o mesmo, após a confrontação das suspeitas que sobre si impendiam, e no âmbito da busca à sua residência, autorizado a recolha dos elementos, incluindo o registo de chamadas e de mensagens, dados de imagem, áudio e vídeo e outros dados, e o acesso às contas do correio electrónico e outra sediadas em ambiente virtual e quaisquer dados armazenados em serviços de internet, conforme consta de fls. 77 e 78 dos autos.
12. Refere o douto Acórdão, na sua motivação sobre a matéria de facto, que a convicção do Tribunal a quo resultou assim da conjugação das declarações produzidas em audiência com a prova pericial/documental carreada para os autos, analisada de uma forma crítica e à luz das regras da experiência comum.
13. Concretamente, o Tribunal recorrido fundamentou a sua decisão no teor dos seguintes elementos:
- Perícia forense de fls. 211 a 235;
- Auto de notícia de fls. 5 e 6;
- CD de fls. 7;
- Relatório remetidos pelo “Nacional Center For Missing Exploit Children (NCMEC) de fls. 8 a 12;
- Informação de fls. 29;
- Fls. 38 a 41;
- Auto de visionamento de conteúdo digital de fls. 42 a 52;
- Auto de busca e apreensão de fls. 75 e 76;
- Termo de consentimento de fls. 77;
- Autorização de fls. 78;
- Relatório de perícia preliminar de fls. 79 a 96 e CD de fls. 97;
- Auto de notícia e de detenção em flagrante delito de fls. 98 a 100;
- Auto de diligência de fls. 104 a 107;
- Fls. 166 a 168;
- Fls. 242 a 244;
- Auto de visualização e análise de exame digital de fls. 245 a 259.
14. Considera-se assim que o Tribunal recorrido condenou o recorrente tendo por base prova proibida, pois os seus elementos identificativos foram obtidos a partir do seu IP e com a comunicação utilizada e não a partir de uma relação contratual, o que determina que estejamos perante dados conservados pela operadora nos termos do artigo 4º, nº 1, al. a), e nº 2, al. b), da Lei nº 32/2008, de 17/07 (normativo que foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Ac. do TC nº 268/2022).
15. A informação solicitada à operadora MEO, foi efectuada por referência às comunicações estabelecidas por um determinado IP e respetivos grupos de data/hora, tudo conforme melhor consta de fls. 8 a 12 dos autos.
16. Em resposta à solicitação formulada, a operadora MEO veio dar a conhecer, as comunicações estabelecidas por referência às horas e datas indicadas a fls. 15 e seguintes dos autos, bem como a identificação do titular do contrato e respectiva morada.
17. Pelo que dúvidas não podem existir, de que se tratam de dados conservados pela operadora MEO, nos termos e para os efeitos do art. 4º, nº 1 al. a), nº 2 al. b) da Lei 32/2008, de 17 de Julho, os quais por efeito do Acórdão do Tribunal Constitucional com o nº 268/2022, interferem com o direito de acesso aos dados pessoais informatizados e à proibição de acesso por terceiros e com o direito à reserva da vida privada e ao livre desenvolvimento da personalidade, sem que tenha existido a notificação ao visado, na parte em que não prevê a notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja susceptível de comprometer as investigações nem a vida ou a integridade física de terceiros.
18. Tais dados devem ser considerados metadados conservados pela operadora MEO, pois tratam-se de dados, que por efeito da declaração de inconstitucionalidade dos artigos 4º, conjugado com o artigo 6º e 9º da Lei 32/2008, só podem referir-se, e no que à conservação de dados diz respeito, à Lei 41/2004, diploma que no entanto afasta do seu âmbito de aplicação a prevenção, investigação e repressão de infracções penais, conforme preceitua expressamente o seu nº 4 nº 1.
19. Mas ainda se dirá, em abono da tese que se defende, que este diploma, sequer foi referido no pedido formulado pelo JIC à Operadora MEO, conforme se pode retirar do seu teor.
20. Motivo pelo qual não podemos concordar com a fundamentação jurídica plasmada no Acórdão sob censura, onde o Tribunal recorrido sustenta a aplicação da Lei 41/2004, de 18 de Agosto, para considerar que estes dados foram obtidos de forma legítima, quando este diploma apenas regula o armazenamento das informações dos assinantes das comunicações electrónicas e dos dados de tráfego necessários à facturação detalhada dos assinantes e ao pagamento das comunicações.
21. Este diploma, conforme se referiu, afasta expressamente do seu âmbito de aplicação, a prevenção, investigação repressão das infrações penais, aplicando-se apenas às relações contratuais e para esses efeitos.
22. Ora conforme é exemplarmente referido no Ac. da Relação de Évora, proferido no âmbito do processo 355/22.6 JGSB.E1, “A questão que ao caso interessa é a de saber a que título estavam os dados fornecidos pela operadora conservados. E, no caso, em face do já supra exposto, não temos dúvidas tratarem-se de dados conservados ao abrigo da Lei 32/2008. Ora, por força da declaração, com força obrigatória geral, de inconstitucionalidade, foram expurgadas do ordenamento jurídico as normas constantes do artigo 4º, conjugado com o artigo 6º e o artigo 9º, todos da Lei 32/2008, de 17-07, ou seja, tais normas foram eliminadas, com efeito retroativo, do sistema jurídico português, como se nunca tivessem existido. E, pelos fundamentos já invocados – a exceção à regra da eliminação dos dados é ditada apenas por razões de cobrança e não de prevenção, investigação e repressão de infrações penais - fica igualmente excluído (até porque a ele não se faz qualquer referência no pedido de dados à operadora), no caso concreto, o recurso ao artigo 6º, nº 1 e 3 da Lei (conjugado com o artigo 10º, nº 1 da Lei 23/96, de 26-07), ainda que no caso não se mostrasse ultrapassado o prazo.
Por conseguinte, a conservação dos dados em causa deixou de ter suporte legal e, consequentemente, de permitir, por via dela, a restrição dos direitos fundamentais previstos nos artigos 26º e 35º da Constituição da República Portuguesa, nos termos do nº 2 do mesmo diploma.
O que, desde logo, convoca o regime estabelecido no artigo 126º, nº 3 do Código de Processo Penal, segundo o qual “ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular”.
Dispõe o artigo 32º, nº 8 da Constituição da República Portuguesa que “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”. Subjacente à regra do nº 8, do artigo 32º da C.R.P., que unanimemente se entende que consagra o princípio das proibições de prova, está a ideia de que sendo a eficácia da justiça, também, um valor que deve ser perseguido, mas porque numa sociedade livre os fins nunca justificam os meios, aquela eficácia só é aceitável quando alcançada lealmente, pelo engenho e arte, nunca pela força bruta, pelo artifício ou pela mentira, que degradam quem os sofre, mas não menos quem os usa. Por isso o repúdio absoluto pela obtenção de provas mediante tortura, coação, e ofensa da integridade física ou moral da pessoa, cuja inviolabilidade é primariamente garantida nos artigos 24º e 25º da Constituição, e a limitação aos casos expressamente previstos na lei, em conformidade com a Constituição (artigos 26º e 34º), da obtenção de provas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
O que está em causa não é a proibição do uso de meios proibidos na obtenção de elementos de prova, mas essencialmente a utilização das provas obtidas por tais meios. Há uma proibição absoluta de utilizar essas provas no processo pois seria intolerável que para realizar a justiça fossem utilizados elementos de prova obtidos por meios vedados pela Constituição e incriminados pela lei.
A realização da justiça do caso é um valor constitucional, mas não é um valor absoluto, que possa ser perseguido por qualquer forma. Quando os meios utilizados para a obtenção das provas forem proibidos ou condicionados pela Constituição para salvaguarda de outros valores, os elementos probatórios por essa forma obtidos não podem ser utilizados em circunstância alguma; ficam radicalmente inquinados do vício de inconstitucionalidade e o sistema não pode tolerar que a Justiça seja prosseguida por meios inconstitucionais» - vide Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, págs. 736 e 737. O que aliás, desde logo decorreria do artigo 32º, nº 1 da Constituição, onde se estabelece que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, sendo que entre esses direitos de defesa se considera incluído o de ver excluídas do processo (tornadas ineficazes, inválidas ou nulas) as próprias provas ilegais reportadas a valores constitucionalmente relevantes”.
23. No entanto não se pode olvidar o efeito da prova derivada, a qual assentou em prova proibida, e nos conduz à discussão doutrinária sobre a “doutrina dos frutos proibidos”, já que a proibição de obtenção da prova através do acesso indevido aos metadados do recorrente, se deve transmitir às provas derivadas obtidas com base na prova proibida, nos termos do nº 1 do artigo 122º do CPP.
24. Por força do “efeito à distância” daquela proibição de prova (prova primária), a apreensão do equipamento/material informático, que teve lugar no âmbito da busca domiciliária realizada, mostra-se “contaminada”, não podendo ser utilizada a prova obtida por esse meio (prova sequencial ou secundária), sendo que, no caso concreto, não ocorre qualquer exceção ou limitação do “efeito à distância” decorrente da assinalada proibição de prova, designadamente a existência de prova sequencial obtida através de uma fonte independente e autónoma da prova inquinada ou a ocorrência da situação de “mácula dissipada”.
25. Trata-se, por isso, de prova proibida, sendo que o consentimento posterior dado pelo arguido para a recolha de todos os elementos constantes no referido aparelho, conforme o fez e consta de fls. 77 e 78 dos autos, e que poderia validar essa prova nos termos do nº 3 do artigo 126º do CPP, não deve, no caso dos autos, ser considerada como forma autónoma e independente de acesso aos factos, sem conexão estreita com a prova proibida, na medida em que é motivada pela busca à sua residência e posterior apreensão e exame aos equipamentos informáticos onde é descoberta matéria com relevância criminal (que é prova proibida contaminada pela prova proibida original).
26. Sem prescindir, e ainda que assim não se entenda, o que se admite apenas por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que ainda que se considere que a prova obtida é uma prova válida, não poderá, de igual forma, o recorrente aceitar a medida concreta da pena que lhe foi aplicada e o facto da mesma não ter sido suspensa na sua execução.
27. Entendemos e pugnamos que o acórdão recorrido violou o disposto nos art.s 71º e 40º do Código Penal, pelo que deve ser substituída por Decisão que condene o ora Recorrente numa pena de prisão próxima dos seus limites mínimos, que consideramos bastante para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, e consideramos ser adequada à medida da culpa do recorrente.
28. O arguido e aqui recorrente foi condenado na pena de 4 anos de prisão efetiva, pela prática de 1 crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts. 176º nºs 1 al. d) e art. 177º nº 8 do C. Penal, pena que se considera bastante excessiva face ao contexto factual apurado e às demais considerações atinentes aos critérios de aplicação da pena.
29. Este crime é punido com uma pena de prisão entre 1 ano e 6 meses de prisão a 7 anos e 6 meses de prisão, sendo que a sua condenação resultou numa pena de prisão acima da média da pena, que seria de 45 meses, e não foi determinada a sua suspensão.
30. Ora, partindo do pressuposto legal de que a medida da pena é construída nos termos do binómio culpa e prevenção, na medida concreta das penas a aplicar, sempre deverá relevar o princípio contido no nº 1 do art. 71º do Código Penal.
31. A exigência legal de que a medida da pena seja encontrada pelo Tribunal em função da culpa e da prevenção, tendo sempre como limite máximo a medida da culpa, é absolutamente compreensível, justificável e desejável.
32. Da matéria de facto provada e que brevitatis causa, se considera reproduzida resulta que a atuação do arguido e ora recorrente se cingiu apenas a um período temporal muito diminuto, ou seja, durante cerca de 30 dias – compreendido entre o dia 18-09-2021 e o dia 18-10-2021- período em que efetuou o upload de 2 ficheiros para um perfil por si utilizado.
33. Não resultou provado que o arguido e aqui recorrente tenha praticado qualquer ato de partilha ou divulgação dos ficheiros com terceiros, como foi considerado pelo Acórdão do Tribunal a quo, e que teve sustentação probatório no relatório pericial e nas declarações das testemunhas de acusação.
34. Os factos praticados pelo arguido duraram um curto período de tempo, entre setembro e outubro de 2021, tendo o inquérito sido aberto em Fevereiro de 2022.
35. Desde a data do upload dos 2 ficheiros de multimédia (em 18-09-2021 e 18-10-2021) não se verificou qualquer outra recolha, acesso ou armazenamento, para além daqueles que já constavam do telemóvel.
36. Tratou-se de uma conduta pontual, exercida num período de tempo muito limitado – cerca de 30 dias – e onde existiu apenas um upload de 2 ficheiros de multimédia.
37. No seu telemóvel foram localizados 3 ficheiros de imagem e 15 ficheiros de vídeo envolvendo crianças com idade inferior a 14 anos.
38. O tribunal a quo entendeu que existem fortes exigências de prevenção geral, e que o grau de ilicitude é médio-elevado, considerando ainda que o arguido atuou com dolo na sua forma directa.
39. No entanto, não consideramos existir, in casu, e face aos factos concretos praticados pelo arguido e recorrente, uma necessidade de prevenção especial de tal forma intensa que justifique a aplicação de uma pena de 4 anos de prisão efetiva.
40. Pese embora concordemos com as necessidades que se fazem sentir de prevenção geral e especial neste tipo de ilícito, é crucial e imperioso visar a reintegração do agente.
41. A prevenção especial, no sentido positivo de reintegração do agente na sociedade, deve determinar a fixação da medida concreta da pena, num quantum situado entre o limite mínimo exigido pela prevenção geral e o máximo ainda adequado à culpa.
42. No modesto entendimento do Recorrente, tal limite foi claramente e grosseiramente ultrapassado, na medida da pena que concretamente foi aplicada, incluindo a opção do tribunal em não ter determinado a suspensão da pena de prisão aplicada.
43. Desde logo porque o recorrente não tem antecedentes criminais e encontra-se perfeitamente inserido no meio familiar, social e profissional, tendo esta situação constituído um desvio na sua vida de retidão e cumprimento das normas legais a que se encontra adstrito.
44. Entendemos que o Tribunal a quo deveria ter atendido “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele” (artigo 71º, nº 2, do Código Penal).
45. E desde logo consideramos que o Tribunal não teve em consideração as especiais condições do arguido, que se mostram plasmadas na matéria provada, nomeadamente a conduta posterior do arguido, pois o seu comportamento, além de pontual, teve uma curta duração, não se provaram atos de partilha dos ficheiros existentes no seu telemóvel, nem existiu qualquer busca, pesquisa ou qualquer outro factor de divulgação de tais imagens e ficheiros, que pudessem indiciar que o comportamento do recorrente requer uma especial severidade da pena, tal como o Tribunal recorrido o entendeu.
46. Ao recorrente apenas pode ser imputada a posse de tais ficheiros no seu telemóvel.
47. Nada mais se tendo provado, pelo que, não podemos aceitar a severidade da pena de prisão de 4 anos, de cumprimento efetivo a que foi condenado, sendo de elementar Justiça que esse Venerando Tribunal reavalie a pena aplicada, em consonância com os factos praticados pelo arguido, e os critérios aplicáveis à medida da pena.
48. Importa ainda salientar que o recorrente, para além de não possuir qualquer registo criminal e de este ter sido o único contacto que manteve com o sistema penal, é tetraplégico.
49. Está completamente dependente de terceiros para a realização das suas actividades de vida diárias, apresentando um grau de incapacidade de 91%, o que não lhe permite a realização das actividades da sua vida diária.
50. Para as elementares atividades da vida diária, carece e conta com o apoio dos seus familiares, assim como de assistência pessoal, nomeadamente, no apoio nos domínios da higiene, alimentação, manutenção da saúde e de cuidados pessoais e no apoio em assistência doméstica; no apoio em deslocações, uma vez que o arguido embora tenha um carro adaptado, não possui habilitação legal para conduzir, necessitando assim, do apoio de terceiros para deslocações de maior distância.
51. Para as deslocações diárias, o arguido desloca-se em cadeira de rodas eléctrica.
52. Ao nível da ocupação dos tempos livres, o arguido e ora recorrente apresenta uma ocupação estruturada dos mesmos, com a frequência de aulas de equitação terapêutica e hipoterapia no Centro de Paralisia Cerebral de Beja, assim como frequenta o ginásio Fit4you, em Beja.
53. Pelo que se entende, por todo o exposto, que a Douta Sentença recorrida violou gravemente o disposto nos artigo 71º e o artigo 40º do Código Penal, devendo ser revogada, e ser substituída por outra, que optando pela condenação do recorrente, opte por uma pena mais próximo dos limites mínimos e determine a sua suspensão, que consideramos bastante para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, e consideramos ser adequada à medida da culpa do recorrente e à sua débil e frágil situação física.
54. At last but not the least entende-se ainda que a pena de prisão aplicada ao arguido e ora recorrente, deveria ter sido suspensa na sua execução.
55. Os pressupostos da suspensão da execução da pena vêm enunciados no art.º 50º, nº1 do Código Penal.
56. Nos termos deste preceito legal, «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».
57. O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos, o que foi o caso.
58. O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
59. No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir).
60. A prognose exige a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, pois a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da pena é o afastamento da prática pelo arguido, no futuro, de novos crimes.
61. A suspensão da execução da pena é, sem dúvidas um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos.
62. No presente caso, tendo em conta que o recorrente foi condenado numa pena de 4 anos de prisão, portanto não superior a 5 anos de prisão, o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão encontra-se verificado.
63. Entendemos também que se mostram verificados os pressupostos materiais de aplicação da suspensão da execução da pena, tendo em conta a factualidade dada como provada no acórdão recorrido.
64. Da factualidade dada como provada resulta, e que brevitatis causa se consideram reproduzidas, o arguido encontra-se plenamente inserido na sociedade, tendo sido este o seu primeiro contacto com a justiça penal, não apresentando qualquer antecedente criminal.
65. Infere-se do teor do acórdão recorrido, que a única justificação para não ter aplicado a suspensão da Pena de prisão, foi o facto do Tribunal recorrido ter considerado que as exigências de prevenção geral e especial o impendem, tendo ainda concluído pela falta de interiorização da censura à sua conduta, quando o recorrente não pretendeu prestar declarações nos autos, em sede de audiência de discussão e julgamento, ao abrigo de um direito legal que lhe assiste.
66. O Tribunal recorrido não teve em conta na sua decisão de todos os demais elementos constantes dos autos, e que podem consubstanciar um juízo de prognose positiva quanto à conduta anterior e posterior do arguido, pois conforme se referiu e se provou nos autos, o seu comportamento delituoso, foi pontual, teve uma curta duração, não se provaram atos de partilha dos ficheiros existentes no seu telemóvel, nem se logrou provar qualquer busca, pesquisa ou qualquer outro factor de divulgação de tais imagens e ficheiros, que pudessem indiciar que o comportamento do recorrente requer uma especial severidade da pena, tal como o Tribunal recorrido o entendeu.
67. Ao recorrente apenas foi imputado a posse de tais ficheiros no seu telemóvel, inexistindo qualquer partilha dos mesmos e inexistindo ainda qualquer outro facto indiciador de que existe uma elevada necessidade de prevenção especial.
68. Conforme já sobejamente se alegou, ao nível de saúde, o arguido apresenta uma situação clínica frágil, devido a um acidente de mergulho, que ocorreu em Maio de 2003, quando este tinha 19 anos de idade, tendo sofrido uma lesão/fractura na cervical, na vértebra C5, situação que lhe provocou um quadro de tetraplegia.
69. Após este acidente, o arguido está completamente dependente de terceiros para a realização das suas actividades de vida diárias, apresentando um grau de incapacidade de 91%, o que não lhe permite a realização das actividades da sua vida diária.
70. Para as elementares atividades da vida diária, infelizmente carece e conta com o apoio dos seus familiares, assim como de assistência pessoal, nomeadamente, no apoio nos domínios da higiene, alimentação, manutenção da saúde e de cuidados pessoais e no apoio em assistência doméstica; no apoio em deslocações, uma vez que o arguido embora tenha um carro adaptado, não possui habilitação legal para conduzir, necessitando assim, do apoio de terceiros para deslocações de maior distância.
71. Para as suas deslocações diárias, o arguido desloca-se em cadeira de rodas eléctrica.
72. É tido como uma pessoa respeitadora e educada, mantendo, durante o seu percurso profissional no município, relacionamento normativo e cordato com todos os elementos.
73. Possui uma licenciatura em Solicitadoria e Pós-Graduação em Gestão de Recursos Humanos e encontra-se laboralmente activo, como Director Administrativo, na empresa A, negócio de materiais de construção, mármores, granitos e pedras naturais, da qual o progenitor é proprietário, auferindo 1100€ mensais, com contrato de trabalho no âmbito do Emprego Apoiado em Mercado de Trabalho, através do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).
74. Por tudo quanto se alegou, considera-se que o Tribunal recorrido deveria ter determinado a suspensão da execução da pena de prisão, o que se requer a esse Venerando Tribunal.
Termos em que, e nos demais de Direito, deverá ser dado provimento ao presente recurso e por via dele, ser alterada a matéria de facto provada nos termos supra referidos e a decisão recorrida substituída por outra que absolva o arguido e ora recorrente da prática do crime pelo qual vem condenado, atento o método proibido de prova.
Caso assim se não entenda ser a pena a que o mesmo foi condenado substancialmente reduzida para os seus limites mínimos, e ser determinado a sua suspensão, fazendo-se assim a tão acostumada e necessária Justiça.


Notificado nos termos do disposto no artigo 411º, nº 6, do Código de Processo Penal, para os efeitos do disposto no artigo 413º, do mesmo diploma legal, o Ministério Público, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido concluindo por seu turno respectivamente (transcrição):
1. O arguido ora recorrente foi condenado, pela prática, em autoria material, de um crime de pornografia de menores agravado, previsto e punível pelos artigos 176º/1 al. d) e 4 e artigo 177º/7 e 8 do Código Penal na pena de 04 anos de prisão efetiva e na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 10 anos.
2. Inconformado com a decisão final condenatória, dela interpôs recurso o arguido, pugnando pela revogação da decisão condenatória, devendo ser substituída por decisão absolutória, alegando que o Tribunal a quo efetuou uma errada e deficiente valoração da prova porque assentou em prova proibida.
3. Para tal, o recorrente apoia-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022, e alega que o Tribunal a quo o condenou com base em prova proibida porque os elementos identificativos do ora recorrente foram obtidos a partir do seu IP e com a comunicação utilizada e não a partir da relação contratual, e, foi essa prova proibida, que desencadeou e permitiu as buscas domiciliárias efetuadas em casa do recorrente.
4. Todavia, por mero exercício de raciocínio, caso se entenda que o recorrente praticou o crime em apreço, o recorrente refere que a medida concreta da pena é excessiva e que a mesma devia ter sido suspensa na sua execução, atento a sua situação pessoal.
5. Cremos, salvo o devido respeito, que não assiste razão ao recorrente, não merecendo censura o Douto Acórdão e, consequentemente, o recurso está condenado à improcedência.
6. Os presentes autos tiveram a sua génese no auto de notícia elaborado pela Polícia Judiciária que deu conhecimento que a NCEMEC deu conta de terem sido reportadas pela plataforma Twitter, Inc/Vine.co àquele serviço, ações suscetíveis de configurarem em abstrato a prática de um crime de pornografia de menores perpetrado pelo utilizador com o nome de utilizador Drombrutaboo e o endereço eletrónico: tugatupsexy@gmail.com.
Juntamente com essa informação, foram fornecidos os endereços de IP, com base nos quais foi solicitado à operadora de telecomunicações MEO a identificação do utilizador daquele IP, bem como, a morada de instalação do equipamento, dados esses que a referida operadora dispunha com base no contrato celebrado com aquele cliente.
Posteriormente, obtida a morada do contraente, foi realizada busca à referida morada, incluindo aos equipamentos informáticos e de telecomunicações, com base no correspondente mandado emitido para o efeito.
7. No que concerne à identificação e morada do titular do referido IP, o que sucedeu foi uma injunção dirigida à operadora de telecomunicações para vir aos autos identificar o titular do contrato correspondente ao IP utilizado na prática do crime.
8. O que não tem qualquer relação com comunicações, nem com a lei cujas normas foram declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional - Lei 32/2008, de 17-07.
9. Foi ao abrigo do disposto no artigo 14º/1 e 4, al. b) da Lei do Cibercrime – Lei 109/2009, de 15-09, que os dados foram solicitados.
10. Deste modo, o artigo 14º/1 e 4, da Lei do Cibercrime - Lei 109/2009, constitui o fundamento normativo para a obtenção desses dados, não tendo de modo algum sido afetado pelo Ac. TC 268/2022.
11. Tais dados são assim admissíveis para a prova em relação a todos os crimes que se incluam na previsão do artigo 11º/1, dessa lei neste caso concreto, ao abrigo, quer da alínea b), quer da alínea c) da referida norma - sem qualquer limitação de âmbito subjetivo.
12. No caso dos autos, estando em causa uma investigação de um crime de pornografia de menores, cometido por meio de um sistema informático ou em relação aos quais seja necessário proceder à recolha de prova em suporte eletrónico, podia e devia a autoridade judiciária solicitar à fornecedora de serviço a identificação do subscritor do IP, para prova do crime cometido pelo arguido.
13. É um dado de base pouco invasivo da privacidade do seu titular – cinge-se meramente à identificação do cliente, do utilizador do IP, com a morada associada.
14. Bem andou ainda o tribunal coletivo a quo quando subsumiu os factos provados ao crime previsto e punível pelo artigo 176º/1 al d) e 177º/8 do Código Penal.
15. O tipo legal de crime pelo qual o recorrente foi condenado contém uma intenção (“com o propósito”) de realização de atos que não integram aquele tipo (distribuição, importação, exportação, divulgação, exibição ou cedência dos materiais previstos na alínea b) também do nº 1 da disposição em causa), a serem praticados por uma ação futura do agente, ou seja, trata-se de um crime de intenção, de crime de ato cortado, ou crime cortado em dois atos.
16. No caso dos autos, apesar de ter ficado assente que não houve evidências de partilha dos ficheiros armazenados, a verdade é que se verificou que a obtenção e detenção destes conteúdos por parte do recorrente e a sua posterior importação para as aplicações “Photo Vault” e “Mega”, as quais permitem a encriptação desses ficheiros tornando-os ocultos, possibilita que estes possam ser divulgados, exibidos ou cedidos com terceiros, através do sistema informático, assim que o acesso a estes lhes seja a estes lhes seja disponibilizado.
17. Pelo que, também entendemos que se provou o aludido “propósito legalmente definido”, ou seja, que a obtenção, detenção e visionamento, pelo recorrente, dos ficheiros de imagem e vídeo de conteúdo pornográfico envolvendo menores, tivesse a intenção de os divulgar e partilhar, ou seja, ficou assim provado o especial elemento subjetivo do tipo de crime em apreço, caso contrário, que justificação para proceder à importação dos mesmos para as aplicações “Photo Vault” e “Mega”.
18. Assim, entendemos que está preenchido o tipo de crime da alínea d) do nº 1 do art. 176º do Código Penal.
19. Concluímos então, que o Tribunal Coletivo a quo apreciou toda a prova apresentada, julgou-a toda válida, e, bem andou condenando o recorrente pela prática do crime de pornografia de menores agravado, previsto e punível pelos artigos 176º/1 al. d) e 177º/8 do Código Penal.
20. O Recorrente considera que a pena de 04 anos de prisão efetiva é excessiva, face ao contexto fatual apurado e às demais considerações atinentes aos critérios de aplicação da pena.
21. No que respeita à apreciação das penas fixadas pela 1ª Instância, a intervenção dos Tribunais de 2ª Instância deve ser moderada e seguir a jurisprudência enunciada, quanto à intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão daquele Tribunal Superior de 27-05-2004, no qual se considerou: "... A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que "no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efetuada". (No mesmo sentido, Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 197, § 255).
22. Assim, só em caso de desproporcionalidade na sua fixação ou necessidade de correção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, deverá intervir o Tribunal de 2ª Instância alterando o quantum da pena concreta.
23. Caso contrário, isto é, mostrando-se respeitados todos os princípios e normas legais aplicáveis e respeitado o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª Instância intervir corrigindo/alterando o que não padece de qualquer vício.
24. De tal resulta que, se a pena fixada na decisão recorrida, em todas as suas componentes, ainda se revelar proporcionada e se mostrar determinada no quadro dos princípios e normas legais e constitucionais aplicáveis, não deverá ser objeto de qualquer correção por parte do Tribunal de Recurso.
25. O crime de pornografia de menores agravado nos termos do artigo 177º/8 do Código Penal é punível com pena de 01 ano e 06 meses de prisão e 07 anos e 06 meses de prisão.
26. Na determinação da pena, o Tribunal Coletivo a quo ponderou em que circunstâncias ocorreu o crime, o grau de ilicitude dos factos, a natureza do culpa, o motivo determinante da conduta, a situação pessoal do recorrente, as suas condições de vida, bem como a necessidade de garantir a reprovação e a prevenção de crime – que tem uma grande incidência com efeitos tão perversos e a ausência de antecedentes criminais.
27. O Tribunal a quo salientou as fortes exigências em termos de prevenção geral, uma vez que este tipo de crime atinge um dos bens que qualquer sociedade civilizada considera de mais sagrado, a inocência própria das crianças. Mais referiu que in casu, como resulta dos factos provados quanto às condições sociais do recorrente e atenta a postura dos próprios familiares e amigos não existia até agora uma perceção por parte da comunidade em que o arguido se insere da dimensão e gravidade da sua atuação, ou seja, só a partir deste julgamento e da condenação proferida pelo Tribunal Coletivo a quo que a reprovação social mais se fará sentir,
28. No respeitante ao grau de ilicitude, foi considerado pelo Tribunal Coletivo a quo médio elevado no que respeita à detenção de material pornográfico atento à considerável quantidade, ao teor dessas mesmas imagens, várias delas envolvendo crianças de tenra idade,
29. Quanto ao dolo, o Tribunal Coletivo a quo referiu que o dolo do recorrente era direto, e, ainda ponderou a personalidade do arguido, o seu nível de inserção económica bem como as suas limitações decorrentes da sua condição física, a ausência de antecedentes criminais e a falta de interiorização da censura que a sua conduta merece, não demonstrando qualquer arrependimento.
30. Ainda se dirá que a falta de interiorização apontada pelo Tribunal Coletivo a quo encontra-se ainda reforçada pelo facto que, no decurso da investigação, e após o primeiro interrogatório judicial do recorrente, foi necessário, por despacho judicial proferido em 12-10-2022 – vide documento com refª. 32987281, especificar que, uma vez que só o arguido podia estar limitado ao acesso à internet e aos aparelhos informáticos e eletrónicos na sua residência, no que concerne à “proibição de aceder e utilizar, por qualquer meio, a internet” ficava o arguido impedido de aceder ao serviço de internet disponível na sua residência, bem como o acesso a dados móveis, disponível nesse local.
Por isto, se vê que o recorrente não alcançou a gravidade da sua conduta.
31. As considerações tecidas na decisão recorrida não revelam qualquer incoerência ou desproporcionalidade na fixação da medida concreta da pena, não suscitando a necessidade de correção da decisão, visto que nela se observaram os critérios de determinação da pena concreta, foram adequadamente atendidos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
Assim, bem decidiu o Tribunal Coletivo a quo em fixar ao recorrente a pena de 04 anos de prisão.
32. A operatividade do instituto da suspensão da pena de prisão, consagrado no artigo 50º depende, da verificação de pressupostos formais e materiais.
33. O pressuposto formal é de a pena ser inferior a 05 anos de risão, o que se verifica in casu,
34. “O pressuposto material da suspensão da execução da pena é o da adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas do caso, sejam elas de prevenção geral, sejam de prevenção especial” - Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 4ª edição, 2021, pág. 332, e,
35. Atentas as circunstâncias concretas do caso, concorda-se com o determinado pelo Tribunal Coletivo a quo, de afastar a suspensão da pena de prisão do recorrente porque a ameaça da execução da mesma não será suficiente para que o recorrente toma consciência da gravidade do seu comportamento e das consequências irreparáveis que este tipo de criminalidade provoca nas indefesas vítimas.
36. As exigências de prevenção geral e as de prevenção especial o impedem.
37. Os atos sexuais que envolvem menores são hediondos, constituem violações graves dos direitos fundamentais, em especial do direito da criança à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar.
38. O número de crimes de pornografia infantil e de exploração sexual de crianças está a aumentar e a propagar-se mediante o recurso às novas tecnologias e à internet.
39. As decisões dos tribunais assumem um papel preponderante na dissuasão da procura deste tipo de conteúdos e também na cessação voluntária daqueles que neste preciso momento a eles estão a aceder, assim, se procurando diminuir a procura, com o correspondente reflexo na oferta.
Ora, tendo a conta a facilidade de acesso, as dificuldades sentidas na investigação e na identificação dos infratores, esse efeito, só pode ser alcançado através de penas de prisão efetivas.
40. Mais se dirá que, apesar da inexistência de passado criminal do recorrente, as razões de prevenção especial são elevadas, pois, como já referido por nós, o recorrente não demonstrou qualquer arrependimento, e existe nos autos, a evidência de que o recorrente tentou “contornar” as medidas de coação de proibição de uso/posse de internet na sua residência.
41. Pelo que, bem andou o Tribunal Coletivo a quo ao decidir não suspender a pena de prisão de 04 anos aplicada ao recorrente.
Termos em que, em nosso entender, deverá ser negado provimento ao recurso e confirmado o Douto Acórdão recorrido nos seus precisos termos.
V. Exas., porém, melhor decidirão e farão, como sempre, a costumada Justiça.


Neste Tribunal da Relação de Évora, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto, conforme melhor resulta dos autos.

Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo o arguido/recorrente apresentado qualquer resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -

No Acórdão recorrido consta o seguinte (transcrição):
Com relevância para a decisão a proferir, resultou provado que:
1. No período compreendido entre os dias 18-09-2021 e 18-10-2021, o arguido B efectuou o “upload” ou carregamento na internet de 2 (dois) ficheiros de multimédia, um dos quais uma pasta zipada contendo 28 ficheiros com imagens e vídeos, com crianças de idades inferiores a 14 e 16 anos, nuas e em posições eróticas e/ou exibição lasciva dos órgãos genitais, alvos de condutas de natureza sexual sobre si infligidas por adultos ou por outros menores, e que incluem a prática de sexo oral e vaginal.
2. O arguido efectuou os “uploads” dos referidos ficheiros de multimédia utilizando a aplicação TWITTER, no perfil por si criado nessa rede social, associado ao nome do utilizador “Dombru Taboo” e ao endereço de correio electrónico tugatopsexy@gmail.com.
3. No dia 13 de Julho de 2022, foi apreendido no interior da residência do arguido, sita na (…..), o seguinte equipamento:
A) Um (1) telemóvel do tipo smartphone de cor cinzenta, marca “Apple”, modelo "iPhone SE (MXDO2QL/A), com os IMEI “356487104464739” e “35648710426 4147", com cartão SIM da operadora NOS, associado ao nº (…..), com capa de proteção de cor cinza/azul do tipo backcover, pertença do arguido e por si utilizado.
4. No telemóvel do arguido foram localizados 3 (três) ficheiros de imagem e 15 (quinze) ficheiros de vídeo envolvendo crianças com idades inferiores a 14 anos, apresentando nudez total ou exibição lasciva dos órgãos genitais, alvos de condutas de natureza sexual sobre si infligidas por adultos ou por outros menores, e que incluem a prática a de sexo oral, anal e vaginal.
5. Na aplicação “Photo Vault”, acedida através do telemóvel utilizando o código de acesso 1234, o arguido detinha 36 (trinta e seis) vídeos ocultos e encriptados, com conteúdo pornográfico envolvendo menores de 14 anos de idade, envolvidos em condutas sexualmente explícitas, alvos de condutas de natureza sexual sobre si infligidas por adultos ou por outros menores, e que incluem a prática de sexo oral, anal, vaginal e actos de masturbação.
6. Alguns destes vídeos contém imagens de crianças com idades compreendidas entre os 2 e os 8 anos a serem alvo de abusos sexuais por adultos.
7. Em 27 de Novembro de 2021, através da aplicação WHATSAPP, o arguido manteve uma conversação com um indivíduo não identificado, com o contacto (……), o qual partilhou conteúdos e imagens de cariz sexual referentes a uma menina de idade inferior a 16 anos, alegadamente sua enteada, e manifestou a possibilidade de a mesma se deslocar para Portugal com vista à prostituição, tendo o arguido, após se informar quanto às práticas sexuais realizadas pela mesma, manifestado interesse em acolhê-la.
8. As imagens e vídeos compilados pelo arguido não se encontram manipulados e representam crianças reais, a maior parte das quais com idade inferior a 14 anos.
9. A obtenção e detenção destes conteúdos por parte do arguido e a sua posterior importação para as aplicações “Photo Vault” e “Mega”, as quais permitem a encriptação desses ficheiros tornando-os ocultos, possibilita que estes possam ser divulgados ou exibidos ou cedidos com terceiros, através do sistema informático, assim que o acesso a estes lhes seja disponibilizado.
10. O arguido quis obter, deter, visionar, divulgar e partilhar com terceiros ficheiros de imagem e vídeo de conteúdo pornográfico envolvendo menores, a maior parte dos quais com idades inferiores 14 anos, com o intuito concretizado de satisfazer os seus instintos libidinosos, ignorando e desprezando a liberdade e autodeterminação sexuallibidinosos, ignorando e desprezando a liberdade e autodeterminação sexual das crianças retratadas naqueles ficheiros.
11. Tinha conhecimento que as referidas imagens e vídeos com conteúdo pornográfico propiciam a exploração efectiva de crianças, usadas, algures, para a realização das imagens em causa, não obstante, não se inibiu de obter, importar, visionar, para sua satisfação.
12. Sabia o arguido que não podia produzir, divulgar ou ceder imagens de menores a praticar actos sexualmente explícitos ou, por qualquer meio, partilhar com terceiros suportes sexualmente explícitos ou, por qualquer meio, partilhar com terceiros suportes pornográficos relativos a menores, no entanto, quis e pretendeu partilhar vários ficheiros de pornográficos relativos a menores, no entanto, quis e pretendeu partilhar vários ficheiros de conteúdo pornográfico infantil, alguns dos quais envolvendo menores de 14 anos.
13. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Mais resultou provado que:
14. À data dos factos o arguido residia com os progenitores, D e M, de 67 e 62 anos, respectivamente, e um irmão germano, T, de 33 anos. Possui ainda uma outra irmã germana (gémea com o irmão T), E, de 33 anos, que à data dos factos, não integrava o agregado, sendo autónoma e independente e que residia em Lisboa. Actualmente, o arguido reside na mesma morada, com os progenitores e com os irmãos, uma vez que a irmã ficou desempregada e veio residir juntamente com a família. O agregado reside em casa própria, do arguido, com condições de habitabilidade e conforto. As relações familiares são muito próximas e baseadas no afecto, na interajuda e no respeito mútuo, sendo a família organizada, trabalhadora e sem problemáticas associadas, existindo bom relacionamento intrafamiliar. A nível afectivo, o arguido é solteiro e não possui nenhum relacionamento de namoro. Possui Licenciatura em Solicitadoria e Pós Graduação em Gestão de Recursos, Humanos e encontra se laboralmente activo, como Director Administrativo, na empresa A, negócio de materiais de construção, mármores, granitos e pedras naturais, da qual o progenitor é proprietário, auferindo 1.100€ mensais, com contrato de trabalho no âmbito do Emprego Apoiado em Mercado de Trabalho, através do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).
Este apoio foi financiado à entidade patronal, na adaptação do local de trabalho e com comparticipação de uma parte do salário, pelo IEFP.
À data dos factos, o arguido desempenhava funções de Assistente Técnico, no Balcão de Inclusão, na Câmara Municipal de Beja, actividade profissional que desenvolveu até Junho de 2022.
A situação económica do agregado assenta nos rendimentos provenientes do trabalho do arguido e da Prestação Social para a Inclusão (PSI), que este beneficia, dos rendimentos da pensão de velhice do progenitor do arguido, com um valor de 809,67 €, assim como dos rendimentos provenientes da empresa da qual é proprietário e dos rendimentos do trabalho do irmão, que também desenvolve actividade profissional, na mesma empresa familiar, como director de o perações, com um vencimento de 800 € mensais.
A progenitora é doméstica e a irmã encontra-se desempregada, sem beneficiar de subsídio de desemprego.
A situação económica é confortável e assegura as respetivas necessidades, assim como o provimento das necessidades básicas.
A nível de saúde, o arguido apresenta uma situação clínica frágil, devido a um acidente de mergulho, que ocorreu em Maio de 2003, quando este tinha 19 anos de idade, tendo sofrido uma lesão/fractura na cervical, na vértebra C5, situação que lhe provocou um quadro de tetraplegia.
Realizou várias terapias e fisioterapia intensiva, no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão e no Centro de Reabilitação de São Brás de Alportel.
Após este acidente, o arguido perdeu a sensibilidade abaixo dos ombros e a autonomia, ficando completamente dependente de terceiros para a realização das suas actividades de vida diárias.
Apresenta um grau de incapacidade de 91%.
Para a realização das actividades de vida diária, para além do apoio dos familiares, o arguido tem o apoio do Centro de Apoio à Vida Independente (CAVI) do Centro de Paralisia de Beja, usufruindo o arguido deste serviço especializado de Apoio à Vida Independente através de Assistência Pessoal, nomeadamente, no apoio nos domínios da higiene, alimentação, manutenção da saúde e de cuidados pessoais, no apoio em assistência doméstica; no apoio em deslocações, uma vez que o arguido embora tenha um carro adaptado, não possui habilitação legal para conduzir, necessitando assim, do apoio de terceiros para deslocações de maior distância.
Para as deslocações diárias, o arguido desloca se em cadeira de rodas eléctrica.
Já consumiu haxixe de forma esporádica e consome bebidas alcoólicas, em contexto social.
A nível da ocupação dos tempos livres, o arguido apresenta uma ocupação estruturada dos mesmos, com a frequência de aulas de equitação terapêutica e hipoterapia no Centro de Paralisia Cerebral de Beja, assim como frequenta o ginásio Fit4you, em Beja.
Para além destas actividades, o arguido gosta de ler e ver televisão, assim como, conviver e socializar com os amigos, passear e viajar.
O arguido manteve ainda funções como coordenador da delegação distrital de Beja do “Centro de Vida Independente”, encontrando-se actualmente, com esta actividade suspensa, por iniciativa própria.
É tido como uma pessoa respeitadora e educada, mantendo, durante o seu percurso profissional no município, relacionamento normativo e cordato com todos os elementos.
Realizou consulta de psiquiatria no dia 26 de Maio de 2023, no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental de Beja, da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, EPE, no Hospital José Joaquim Fernandes, não tendo sido apurada nenhuma psicopatologia.
15. O arguido não tem antecedentes criminais.


Factos não provados:
- Que o arguido tivesse divulgado/partilhado fotografias e vídeos de teor pornográfico infantil, maioritariamente com menores de idade inferior a 14 anos, muitos dos quais ainda crianças de tenra idade, para sua satisfação e de milhares de outros indivíduos com quem as partilhou através da internet, mas apenas o que resulta dos factos provados.


Motivação:

A convicção d o Tribunal resultou assim d a conjugação d as d e c l a r a ç õ e s produzid as em audiência com a prova pericial/d ocumental carread a para os autos, analisad a de uma forma crítica e à luz das regras d a experiência comum.

Concretamente, considerou-se desde logo o teor:

- Perícia forense de fls. 211 a 235;

- Auto de notícia de fls. 5 e 6;

- CD de fls. 7;

- Relatório remetido pelo Nacional Center For Missing Exploit Children (NCMEC) de fls. 8 a 12;

- Informação de fls. 29;

- Fls. 38 a 41;

- Auto de visionamento de conteúdo digital de fls. 42 a 52;

- Auto de busca e apreensão de fls. 75 e 76;

- Termo de consentimento de fls. 77;

- Autorização de fls. 78;

- Relatório de perícia preliminar de fls. 79 a 96 e CD de fls. 97;

- Auto de notícia e de detenção em flagrante delito de fls. 98 a 100;

- Auto de diligência de fls. 104 a 107;

- Fls. 166 a 168;

- Fls. 242 a 244;

- Auto de visualização e análise de exame digital de fls. 245 a 259.

O arguido recusou-se a prestar declarações, ao abrigo de um direito que lhe é concedido por lei.

Assim a convicção do Tribunal resultou da conjugação dos referidos meios de prova, com as declarações das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento.

Aqui chegados importa apreciar a questão da invalidade da prova suscitada pela defesa nas suas alegações finais, escudando-se no decidido no Acórdão da Relação de Évora de 05-03-2024, sumariado da seguinte forma:

“I - Pese embora o formulário utilizado pelo Ministério Público (invocando como fundamento legal para o pedido o artigo 14º da Lei nº 109/2009 e os artigos 267º, 262º e 164º do C. P. Penal), se os dados solicitados são obtidos a partir de um concreto IP em conexão com uma certa comunicação realizada (e não a partir de uma relação contratual), estamos perante dados conservados pela operadora nos termos do artigo 4º, nº 1, al. a), e nº 2, al. b), da Lei nº 32/2008, de 17/07 (normativo que foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Ac. do TC nº 268/2022).

II - Trata-se, por isso, de prova proibida, sendo que a admissão parcial dos factos pelo arguido, não deve, no caso dos autos, ser considerada como forma autónoma e independente de acesso aos factos, sem conexão estreita com a prova proibida, na medida em que é motivada pela apreensão e exame aos equipamentos informáticos onde é descoberta matéria com relevância criminal (que é prova proibida contaminada pela prova proibida original).

III - Por força do “efeito à distância” daquela proibição de prova (prova primária), a apreensão do equipamento/material informático, que teve lugar no âmbito da busca domiciliária realizada, mostra-se “contaminada”, não podendo ser utilizada a prova obtida por esse meio (prova sequencial ou secundária), sendo que, no caso concreto, não ocorre qualquer exceção ou limitação do “efeito à distância” decorrente da assinalada proibição de prova, designadamente a existência de prova sequencial obtida através de uma fonte independente e autónoma da prova inquinada ou a ocorrência da situação de “mácula dissipada”.”

Avançamos desde logo que não sufragamos tal entendimento.

Com efeito, resulta dos autos e foi confirmado pelo depoimento isento e objectivo de I, inspectora da PJ, que tiveram conhecimento dos factos através de uma comunicação (CyberTipline Report 105069997) remetida pela Nacional Center for Missing & Exploited Children por terem sido reportadas através da plataforma Twitter.Inc./VNE.co, acções susceptíveis de configurar a prática do crime em análise, tendo desde logo sido identificado o nome de utilizador – DombruTaboo -, o endereço electrónico – tugatopsexy@gmail.com – e ainda os endereços IP, datas e horas em que foram efectuados os carregamentos de conteúdos e acessos ao perfil/conta.

Com base nessa informação e por despacho judicial, foi solicitado à operadora a identificação do titular do contrato associado a tal endereço de IP, no grupo data/hora, tendo esta informado que o utilizador era o ora arguido – cfr. Fls. 9.

Nessa sequência, por despacho proferido em 30-06-2022, foi autorizada a busca domiciliária à residência do ora arguido, bem como a apreensão de quaisquer objectos relacionados com a investigação em curso – cfr. Fls. 64.

Realizada tal busca, para além dos demais aparelhos electrónicos, foi encontrado um telemóvel, tendo-se localizado no mesmo diversos ficheiros de pornografia de menores [após ter sido autorizada pelo próprio arguido a recolha de todos os elementos, incluindo registo de chamadas e de mensagens, dados de imagem, áudio e vídeo e outros dados (fls. 77) e o acesso às contas de correio electrónico e outras sediadas em ambiente virtual e quaisquer dados armazenados em serviços de internet (fls. 78)].

As informações que foram solicitadas à operadora e que levaram à identificação do arguido, independentemente da fundamentação legal utilizada no pedido de informação, dizem respeito a dados que não se reportam a comunicações efectuadas, tratadas e armazenadas ao abrigo da Lei nº 32/2008, de 17/07, tratando-se de dados de base, que se consubstanciam em elementos de identificação constantes dos contratos celebrados com os operadores e/ou ligados ao reconhecimento da posse de equipamentos móveis.

Conforme se refere no Ac. RE de 23-01-2024, disponível in www.gde.mj.pt:

“Pelo Acórdão nº 268/2022, publicado no Diário da República nº 108, Série I, de 03-06-2022, veio o Tribunal Constitucional:

“a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4º da Lei nº 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6º da mesma Lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35º e do nº 1 do artigo 26º, em conjugação com o nº 2 do artigo 18º, todos da Constituição;

b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9º da Lei nº 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no nº 1 do artigo 35º e do nº 1 do artigo 20º, em conjugação com o nº 2 do artigo 18º, todos da Constituição.”

A Lei nº 32/2008, de 17/07, transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15-03, concernente à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações.

É manifesto que o referido Acórdão concerne a dados anteriores armazenados, conservados e arquivados no âmbito da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, a que se aplica o regime da Lei nº 32/2008, de 17-07.

Só que, as informações solicitadas e obtidas nestes autos dizem respeito a dados que não se reportam a comunicações efetuadas, tratadas e armazenadas ao abrigo da Lei nº 32/2008, de 17-07, tratando-se de dados de base, que se consubstanciam em elementos de identificação constantes dos contratos celebrados com os operadores e/ou ligados ao reconhecimento da posse de equipamentos móveis, os quais constituem “caracteres permanentes, pelo que a identificação do sujeito a que pertencem pode ser obtida independentemente de qualquer comunicação” e “o grau de agressão ao direito à intimidade da vida privada (…) é menos gravoso do que os demais metadados elencados no artigo 4º da Lei nº 32/2008, de 17 de Julho (pois apenas identificam o utilizador do meio de comunicação em causa)”, como se salienta no mesmo Acórdão do Tribunal Constitucional – neste sentido, vd., por todos, Acs. do STJ de 06-09-2022, Proc. nº 4243/17.0T9PRT-K.S1 e de 08-11-2022, Proc. nº 107/13.4P6PRT-D.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.”

No mesmo sentido se pronunciou o Ac. do STJ de 21-06-2023, disponível in www.gde.mj.pt:

“Mas mesmo dando por assente os pedidos de IP às operadoras NOS e Vodafone, de acordo com a jurisprudência citada tal pedido a uma e a outra não está abrangido no âmbito das normas dos artigos 4º, 6º ou 9º da L. 32/2008. O número de telefone ou o nº de IP assumem um carácter permanente que resultam da celebração de um contrato entre o cliente e a prestadora de serviços de telecomunicações, pelo que nada têm que ver com dados relativos às comunicações eletrónicas em si mesmo consideradas e podem ser obtidos independentemente de qualquer comunicação. (cfr também ac. do STJ de 06-09-2022, proc. nº 4243/17.0T9PRT-K.S1, Teresa Almeida).

Esses dados, integrados nos chamados dados de base, continuam a estar disponíveis para utilização quer no regime de aplicação das escutas telefónicas ao abrigo dos artigos 187º a 189º do CPP, por lhe serem instrumentais, quer nos termos do disposto na Lei 41/2004, de 18/08, e na Lei 23/96, de 26/07, armazenados por seis meses por necessários à fracturação e pagamento dos serviços, quer segundo a Lei nº 109/2009, de 15/09, denominada de Lei do Cibercrime, concretamente do seu artigo 14º que permite a obtenção, pelas autoridades judiciárias, dos dados de subscritor e de acesso, elencados nas diferentes alíneas do nº 4, incluindo o IP, para prova de todos os crimes incluídos na previsão do art. 11º, nº 1, ou seja, dos crimes previstos na Lei do Cibercrime, dos cometidos por meio de um sistema informático ou, em relação aos quais seja necessário proceder à recolha de prova em suporte eletrónico.”

Igual entendimento se encontra plasmado no Ac. do STJ de 02-02-2023, disponível in www.gde.mj.pt:

“Como acima foi referido, a 1ª questão colocada pelo recorrente prende-se com a alegação da nulidade da prova constante dos autos por, na sua perspetiva, assentar nos chamados “metadados”, tendo sido recolhida com base nos artigos 4º, 6º e 9º da Lei nº 32/2008, de 17 de julho, que foram declarados inconstitucionais no acórdão do TC nº 268/2022, com força obrigatória geral, para todos os casos, o que também inclui o presente processo.

(…)

Como resulta claro da decisão recorrida, nomeadamente quando decidiu a referida questão prévia colocada pelo arguido na audiência, foi com base em comunicação das autoridades alemãs, através do Gabinete Interpol, dando conta da partilha de ficheiro com conteúdos de pornografia de menores através da rede "...", que logo referiu a lista dos endereços IP's pertencentes a ISP portugueses que partilharam ficheiros com imagens de abuso sexual de menor, que permitiu à Polícia Judiciária, “com recurso a ferramentas livremente disponíveis na internet”, a identificação do utilizador, isto é, do sujeito que utilizou o IP, identificação que foi obtida, através da autoridade judiciária competente, ainda articuladamente com a operadora, ao abrigo do disposto nos arts. 187º, nº 1, al. a), 189º, nº 2, do CPP e 14º, da Lei nº 109/2009, de 15-09 (Lei do Cibercrime), normas estas que não foram declaradas inconstitucionais pelo referido ac. do TC n.º 268/2022.

Ora, estando o arguido a ser investigado por crime de pornografia de menores, p. e p. no artigos 176º, nº1, alíneas b), c) e d) do CP, com a moldura abstrata de 1 ano a 5 anos de prisão (sendo até condenado pelo crime p. e p. no artigo 176º, nº1, alíneas c) e d), com a agravação prevista artigo 177º, nº 7, ambos do Código Penal, com moldura abstrata entre 1 ano e 6 meses de prisão e 7 anos e 6 meses de prisão), os elementos relativos à identificação do utilizador do IP podiam ser requeridos à operadora pela autoridade judiciária nos termos dos referidos arts. 187º, nº 1, al. a), 189º, nº 2, do CPP e do citado art. 14º, da Lei nº 109/2009, de 15-09.

Por isso, tem razão o Sr. PGA no seu Parecer, quando apela ao Acórdão do STJ de 08-11-2022, no segmento em que chama à atenção que «[…] o art. 189º, nº 2, do Código de Processo Penal permite aceder a dados de tráfego, neste caso, dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações e, por maioria de razão [in eo quod plus est, sempre inest et minus (no que é mais está sempre compreendido o que é menos)], a dados de base relacionados, neste caso, com a identificação dos titulares dos cartões de telemóvel [nos quais, como salienta o acórdão do TC 268/2022, «o grau de agressão ao direito à intimidade da vida privada (…) é menos gravoso do que os demais metadados elencados no artigo 4º da Lei nº 32/2008, de 17 de Julho (pois apenas identificam o utilizador do meio de comunicação em causa)»], aos quais o MP sempre poderia aceder por via do disposto no art. 14º, nºs 1 e 4, al. b), da Lei 109/2009, de 15-09 (Lei do Cibercrime), quando se investiguem os crimes previstos no nº 1 do artigo 187º, nomeadamente, crimes puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos.»

Aliás, o que sucedeu no caso em apreciação no acórdão sob recurso, foi o acesso à operadora para identificar o titular do contrato correspondente ao IP utilizado na prática do crime, o que (no caso concreto em apreciação) não tem a ver com comunicação efetuada, nem se relaciona com a Lei 32/2008, de 17-07, mesmo que essa lei ou normas a ela pertencentes tivessem sido mal invocadas, entre as normas que eram aplicáveis ao caso, acima indicadas.

De resto, no Acórdão deste STJ de 06-09-2022 (igualmente citado pelo Sr. PGA no seu douto parecer) também se esclarece o seguinte:

«[…] d. Não assiste razão ao arguido quando pretende considerar o acesso à identificação do nº de telefone e da IMEI, para a execução de interceções telefónicas, abrangido pela declaração de inconstitucionalidade invocada – trata-se de acesso a dados que não respeitam a comunicações efetuadas, tratadas e armazenadas ao abrigo da Lei nº 32/2008, de 17 de julho e constituem “caracteres permanentes, pelo que a identificação do sujeito a que pertencem pode ser obtida independentemente de qualquer comunicação” (Ac. 268/2022, TC).

e. Por outro lado, tratando-se de elementos de identificação constantes dos contratos celebrados com os operadores e/ou ligados ao reconhecimento da posse de equipamentos móveis, os respetivos registo e fornecimento à autoridade judiciária competente não importam desproporcionalidade ou desadequação face ao fim em vista, nem a afetação do direito fundamental à autodeterminação informativa (…).”

E ainda no Ac. do STJ de 13-04-2023:

“O Supremo Tribunal de Justiça tem decidido que os dados identificativos do titular de IP assumem um caráter permanente, que resultam dos elementos contratuais celebrados pelo cliente com a fornecedora de serviço de telecomunicações, pelo que nada têm que ver com dados relativos às comunicações eletrónicas em si mesmo consideradas.

Não respeitando estes dados a comunicações efetuadas, tratadas e armazenadas ao abrigo da Lei nº 32/2008, de 17 de julho, mas a elementos contratuais com carácter permanente que podem ser obtidos independentemente de qualquer comunicação, a sua obtenção pelas autoridades judiciárias cai fora do âmbito deste diploma e da declaração de inconstitucionalidade do acórdão do Tribunal Constitucional (…)

Ainda que assim se possa considerar, no caso, apesar da declaração de inconstitucionalidade do acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022, seria sempre permitida às autoridades judiciárias, a obtenção do endereço do titular do contrato correspondente ao IP utilizado na prática do crime em investigação.

Com a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do art. 4º da Lei nº 32/2008, de 17 de julho, a conservação e armazenamento de dados de base, designadamente, de dados de subscritor do IP pelos fornecedores de serviço, não passou a ser proibida.

Mercê da transposição da Diretiva nº 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa ao tratamento de dados pessoais e proteção da privacidade no sector das comunicações eletrónicas, o legislador nacional, pela Lei nº 41/2004, de 18 de agosto, passou a regular o armazenamento das informações dos assinantes das comunicações eletrónicas e dos dados de ‘tráfego necessários à faturação detalhada dos assinantes e pagamento das comunicações.

A Lei nº 41/2004, de 18 de agosto, permite a conservação e tratamento das informações dos assinantes das comunicações eletrónicas e mesmo dos dados tráfego necessários à faturação detalhada dos assinantes e pagamento das comunicações.

O art. 4º, nº 2, estabelece, como princípio geral, a proibição de armazenamento de dados de tráfego, salvaguardando apenas as exceções determinadas na própria lei.

Tal proibição é corroborada pelo art. 6º, nº 1, da mesma Lei, que estipula que «sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os dados de tráfego relativos aos assinantes e utilizadores tratados e armazenados pelas empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações eletrónicas devem ser eliminados e tornados anónimos quando deixem de ser necessários para efeitos da transmissão da comunicação.». Os nºs 2 e 3 desta norma, introduzem exceções a esta proibição do nº 1, estipulando que os dados de tráfego necessários à faturação dos assinantes e ao pagamento de interligações podem ser guardados e tratados até ao final do período durante o qual a fatura pode ser legalmente contestada ou o pagamento reclamado.

A Lei nº 41/2004 não fixa este período legal, durante o qual o pagamento pode ser reclamado, mas a Lei nº 23/96, de 26 de julho, diploma legal que define regras respeitantes à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo os serviços de comunicações eletrónicas, fixa no seu art. 10º, nº 1, que «o direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação» e o seu nº 4 fixa, igualmente, em 6 meses, o prazo para eventual propositura da ação pelo prestador de serviços. Uma vez decorridos esses seis meses, tem efetiva aplicação a obrigação de eliminação dos dados de tráfego, fixada pelo art. 6º, nº 1 da Lei nº 41/2004. É também apenas nessa altura que se torna efetiva a proibição genérica de guarda de dados de tráfego, consagrada no art. 4º, nº 2, da mesma Lei.

A Lei nº 41/2004, de 18 de agosto, estabelece no art. 1º, nº 4, que a aplicação do diploma não prejudica a possibilidade de existência de legislação especial que restrinja a sua aplicação no que respeita à proteção de atividades relacionadas com a segurança pública, a defesa, a segurança do Estado e à «prevenção, investigação e repressão de infrações penais».

Esta Lei nº 41/2004, que permite, além do mais, a conservação de dados de identificação dos clientes das operadoras de telecomunicações, não foi abrangida pela declaração de inconstitucionalidade do acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022.

A Lei nº 41/2004, de 18 de agosto, não só permite a conservação dos dados de identificação do cliente, como permite a conservação e tratamento dos dados de tráfego do utilizador, pelo fornecedor de serviço de telecomunicações, no âmbito do direito privado, para efeitos contratuais, designadamente para informação ao cliente e cobrança dos serviços prestados.

Este diploma embora não regulando o acesso a esses dados pelas autoridades judiciárias, também não lhes veda o acesso aos dados de caráter permanente, como são os dados do titular do contrato correspondente ao IP utilizado na prática de um crime, para fins de investigação criminal, em que estão em causa interesses públicos, como o da realização da justiça.

O acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022, tendo declarado inconstitucional o art. 6º da Lei nº 32/2008, de 17 de julho, não deixa de reconhecer a indispensabilidade da obtenção de metadados, para fins de investigação de crimes graves, de criminalidade grave, violenta ou altamente organizada.

A Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, chamada de Lei do Cibercrime, embora não regule a conservação de dados, regula a sua obtenção.

Também esta Lei não foi objeto de declaração de inconstitucionalidade pelo acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022.

O art. 14º, da Lei do Cibercrime, permite a obtenção, pelas autoridades judiciárias, dos dados de subscritor e de acesso, elencados nas diferentes alíneas do nº 4, incluindo o IP, para prova de todos os crimes incluídos na previsão do art. 11º, nº 1, ou seja, dos crimes previstos na Lei do Cibercrime, dos cometidos por meio de um sistema informático ou, em relação aos quais seja necessário proceder à recolha de prova em suporte eletrónico.

No caso em apreciação, estando em causa a investigação de um crime de pornografia de menores, cometido por meio de um sistema informático e em relação ao qual se mostrava necessário proceder à recolha de prova em suporte eletrónico, podia a autoridade judiciária, ao abrigo do art. 14º daquele diploma, requerer à fornecedora de serviço, a identificação do subscritor do IP, para prova do crime pela pessoa visada.

Estamos perante um dado de base pouco invasivo da privacidade do seu titular, pois cinge-se à simples identificação de cliente, do utilizador do IP, com a morada associada, que assume um caráter permanente, pelo que se nos afigura que a sua obtenção não se mostra sujeita ao prazo de 6 meses a que alude Lei nº 41/2004, de 18 de agosto, em conjugação com Lei nº 23/96, de 26 de julho.

Ainda que assim não fosse, a obtenção através da fornecedora de serviços de telecomunicações, dos dados de identificação do utilizador do IP com a morada associada, que realizara o dito upload, foi obtida no prazo de 6 meses, desde a sua realização.”

Em face do que supra ficou exposto, entendemos que a informação prestada pela MEO relativa à identificação do utilizador do IP que realizou o dito upload, com indicação de morada associada, foi obtida de modo legalmente permitido, pelo que não constitui prova proibida, nos termos do nº 3 do art. 126º do Código de Processo Penal.

Da conjugação da prova já referida nos autos e considerada válida com as declarações da já aludida testemunha I, que descreveu a forma como tiveram conhecimento dos autos, as diligências efectuadas posteriormente e o resultado dessas mesmas diligências e ainda da testemunha C, especialista da PJ, que examinou o telemóvel onde se encontravam os ficheiros, dúvidas não restaram ao Tribunal de que, embora não tenha ficado demonstrado qualquer acto de partilha, o arguido detinha o material pornográfico indicado com a intenção de o divulgar e/ou ceder, para satisfação dos seus instintos libidinosos e de terceiros. Tal resulta manifesto desde logo porque os autos se iniciaram com a realização de uploads pelo arguido, actividade essa que exige que seja o próprio a dar a ordem para o efeito e não decorre do surgimento de uma janela de “pop-up” no ecrã. Acresce que o arguido obteve e importou os conteúdos referidos para as aplicações “Photo Vault” e “Mega,”, aplicações essas que permitem a encriptação de tais conteúdos, tornando-os ocultos e possibilitando que possam ser divulgados, exibidos ou cedidos a terceiros, assim que o acesso seja disponibilizado, o que é demonstrativo da intenção de partilha. Acresce o teor da conversação mantida entre o arguido e o outro indivíduo, que não deixa margem para dúvidas quanto às suas intenções.

As testemunhas L, S e V depuseram sobre as condições de vida e personalidade do arguido, nada mais acrescentando ao que já resultava do relatório social.

O Tribunal teve ainda em consideração o CRC junto aos autos.

Quanto aos factos não provados, foram os mesmos assim considerados porque a prova produzida não permitiu concluir que efectivamente o arguido já teria procedido à partilha dos ficheiros com terceiros.


Da medida da pena:
A determinação da medida concreta da pena faz-se em função da culpa do agente e das exigências da prevenção, tendo em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido (art. 71º do CP). Sendo que, em caso algum, a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, n. 2, do CP).
Dispõe, ainda, o art. 40º, do CP, que “a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (nº 1). Acrescenta o art. 71º, nº 1: «A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».
Em suma, a culpa e a prevenção constituem os dois termos do binómio que importa ter em conta para encontrar a medida correcta da pena (neste sentido, acórdão do STJ de 17-03-1999, Proc. nº 1135/98 - 3ª Secção).
No caso concreto, o crime de pornografia de menores agravado nos termos do disposto no nº 8 do art. 177º é punido com pena de 1 ano e 6 meses de prisão a 7 anos e 6 meses de prisão.
Na determinação da medida da pena, haverá que ponderar as circunstâncias em que ocorreu o crime, o grau de ilicitude dos factos, a natureza da culpa, o motivo determinantes da conduta, a situação pessoal do arguido e condições de vida, a ausência de qualquer acto demonstrativo de arrependimento, as suas condições de vida e as necessidades de garantir a reprovação e a prevenção de crime com tão ampla incidência e com efeitos tão perversos, ao nível da alteração de comportamentos a que pode dar origem e a ausência de antecedentes criminais.
Assim temos de considerar:
- as fortes exigências em termos de prevenção geral uma vez que este tipo de crime atinge um dos bens que qualquer sociedade civilizada considera de mais sagrado, a inocência própria das crianças. No caso concreto, como resulta dos factos provados quanto às condições sociais do arguido, e atenta a postura dos próprios familiares e amigos, não existe até agora uma percepção por parte da comunidade em que o arguido se insere da dimensão e gravidade da sua actuação. Ou seja, será a partir deste julgamento e desta decisão que a reprovação social mais se fará sentir;
- No que respeita ao grau de ilicitude terá o mesmo de se considerar médio-elevado no que respeita à detenção de material pornográfico atenta a considerável quantidade, o teor dessas mesmas imagens, várias delas envolvendo crianças de tenra idade;
- O dolo na modalidade mais gravosa, o arguido agiu sempre com dolo directo;
- A personalidade do arguido e o seu nível de inserção socioeconómico, reflectidos nos factos provados, bem como as limitações decorrentes da sua condição física,
- A ausência de antecedentes criminais,
- A falta de interiorização da censura que a sua conduta merece, não demonstrando qualquer arrependimento.
Tudo visto e ponderado, considera-se adequada a condenação do arguido na pena de 4 anos de prisão.
Aqui chegados importa determinar se a execução desta pena de prisão deve ser suspensa na sua execução nos termos dos arts. 50º e segs. do Cód.Penal.
Entendemos que as exigências de prevenção geral, bem como as de prevenção especial o impedem.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-12-2015 (proferido no Proc. 3147/08.JFLSB.L1-5, disponível in www.dgsi.pt), «Para qualquer homem médio, os atos sexuais que envolvam menores são repugnantes e proibidos. Estamos face a um tipo de comportamentos que “antes de o ser já o eram”, ou seja, a proibição e censura desses comportamentos é inata ao ser humano, mesmo que nenhuma lei o afirmasse».
Da Directiva 2011/92/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, a que supra se aludiu, consta nos seus considerandos gerais, além do mais, o seguinte:
«O abuso sexual e a exploração sexual de crianças, incluindo a pornografia infantil, constituem violações graves dos direitos fundamentais, em especial do direito das crianças à protecção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar, tal como estabelecido na Convenção das Nações Unidas de 1989 sobre os Direitos da Criança e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. (…) o Programa de Estocolmo – Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos, atribui uma clara prioridade ao combate contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil.
A pornografia infantil, que consiste em imagens de abuso sexual de crianças e em outras formas particularmente graves de abuso sexual e exploração sexual de crianças, está a aumentar e a propagar-se mediante o recurso às novas tecnologias e à Internet. (…)
Crimes graves, como a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, deverão ser tratados de forma abrangente, abarcando a repressão dos autores dos crimes, a protecção das crianças vítimas dos crimes e a prevenção do fenómeno. O superior interesse da criança deve prevalecer sobre qualquer outra consideração quando se adoptam medidas para combater estes crimes, em conformidade com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. (…)»
Mais recentemente, no RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO, de 16 de Dezembro de 2016, que avalia a execução das medidas referidas no artigo 25º da Directiva 2011/93/UE, de 13 de Dezembro de 2011, relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52016DC0872&from=PT, consta:
«A Internet fez aumentar drasticamente os abusos sexuais de crianças na medida em que:
• facilita a partilha de material com imagens de abusos sexuais de crianças, ao oferecer uma variedade de canais de distribuição, tais como a Web, as redes de entidades homólogas (peer-to-peer), as redes sociais, os serviços de anúncios, os grupos de debate, o protocolo de comunicação «Internet Relay Chat», as plataformas de partilha de fotografias, entre muitos outros. A partilha também é facilitada pelo acesso a uma comunidade de indivíduos que partilha as mesmas ideias à escala mundial, que é uma fonte de grande procura e de apoio mútuo;
• disponibiliza os meios técnicos e as medidas de segurança que podem facilitar o anonimato;
• como consequência da forte procura de material com imagens de abusos sexuais de crianças, as crianças continuam em risco de se tornarem vítimas, enquanto o anonimato pode dificultar muito a investigação e a ação penal relativas a estes crimes; e
• os novos materiais com imagens de abusos sexuais de crianças se tornaram uma moeda de troca. Para conseguirem aceder e manter o acesso aos fóruns, é frequente os participantes terem de entregar periodicamente novos materiais, o que incentiva a prática de abusos sexuais de crianças.
O abuso sexual de crianças em linha é um crime abominável, com consequências a longo prazo para as vítimas. Os danos são causados não apenas quando o abuso é efetivamente gravado ou fotografado, mas também todas as vezes que as imagens ou vídeos são carregados, colocados em circulação ou visualizados. Para as vítimas, o facto de saberem que as imagens e os vídeos onde aparecem a ser abusadas estão a circular, e que até podem encontrar alguém que tenha visto o material, acaba por constituir um trauma ainda maior e ser uma fonte de sofrimento adicional.
Existem indicações que sugerem que a idade média das vítimas que aparecem em material com imagens de abusos sexuais de crianças está em constante diminuição: de acordo com a International Association of Internet Hotlines (INHOPE), cerca de 70 % das vítimas que constam das denúncias tratadas pelas linhas telefónicas de emergência INHOPE em 2014 pareciam ser pré-púberes. A Internet Watch Foundation (IWF) divulgou valores idênticos em 2015, acrescentando que 3 % das vítimas tinham aparentemente dois anos de idade ou menos, e que um terço das imagens mostravam crianças a serem violadas ou sexualmente torturadas».
Perante este fenómeno crescente em número e gravidade das suas consequências, as decisões dos tribunais assumem papel preponderante na dissuasão da procura deste tipo de conteúdos, e também na cessação voluntária daqueles que neste preciso momento a eles estão a aceder, assim se procurando estancar e preferencialmente diminuir a procura, com o correspondente reflexo na oferta.
Ora, esse efeito, tendo em conta a facilidade de acesso, as dificuldades na investigação e na identificação dos infractores, só pode ser alcançado através da aplicação de penas de prisão efectivas.
Mas como já se disse, são também as necessidades de prevenção especial que não permitem a suspensão da execução da pena, sendo necessário e fundamental acautelar o risco de reincidência que, no caso concreto, se considera existir já que, como se disse, o arguido não revela ter interiorizado a censurabilidade dos seus actos.
Em resumo, não se pode concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Donde não verá o arguido suspensa a execução da pena fixada.
Ponderando as circunstâncias supra referidas, mais será o arguido condenado na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 10 (dez) anos – cfr. art. 69º-B nº 2 do C. Penal.
(…)

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, as cominadas como nulidade da sentença, artigo 379º, nº 1 e, nº 2, do mesmo Código e, as nulidades que não devam considerar-se sanadas, artigos 410º, nº 3 e, 119º, nº 1, do mesmo diploma legal, a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28-12-1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-1998, B.M.J. nº 478, pág. 242 e de 03-02-1999, B.M.J. nº 484, pág. 271 e, bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).

No caso em apreço, atendendo às conclusões, as questões que se suscitam são as seguintes:
- Impugnação do Acórdão proferido relativamente à matéria de facto provada nos pontos 1 a 13, dos factos provados, por se fundamentar em prova proibida.
- Impugnação do Acórdão proferido relativamente à matéria de direito, quanto à medida concreta da pena a que o arguido foi condenado e da sua suspensão.

- Da impugnação do Acórdão relativamente à matéria de facto provada nos pontos 1 a 13, dos factos provados, por erro de julgamento, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, devendo ser considerado não provado por ter origem em prova proibida, nos termos do disposto no artigo 126º do Código de Processo Penal.

É sabido que constitui princípio geral que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, nos termos do estatuído no artigo 428º, do Código de Processo Penal, sendo que, no tocante à matéria de facto, é também sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem: primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada, incumbindo a quem recorre o ónus de impugnação especificada, previsto no artigo 412º, nº 3 e, nº 4, do citado diploma, condição para que a mesma seja apreciada e, depois e se for o caso, dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Apreciada a peça recursiva apresentada pelo arguido, constata-se que a mesma faz referência expressa ao artigo 412º, do Código de Processo Penal, visando a apreciação de eventuais erros de julgamento da matéria de facto, relativamente aos factos provados sob os pontos 1 a 13.
O erro de julgamento, ínsito no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Nesta situação, de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova existente nos autos e a gravada em 1ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelo nº 3 e, nº 4, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.
É que nestes casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
E, é exactamente porque o recurso em que se impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros “in judicando” (violação de normas de direito substantivo) ou “in procedendo” (violação de normas de direito processual), que o recorrente deverá expressamente indicar e se lhe impõe o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos constantes do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.
No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla da matéria de facto é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão revidenda, justificando em relação a cada facto alternativo que propõe porque deveria o tribunal ter decidido de forma diferente.
Ou, por outras palavras, como se afirma no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-03-2012, publicado no D.R., I Série, nº 77, de 18-04-2012, “Impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório.
A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas.
O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão (iam) uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto.
Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo”.
Na situação concreta o arguido invoca que a matéria de facto provada nos pontos indicados na peça recursiva por si apresentada, têm origem em prova proibida, que via deste vício originário ou primário determina que toda a prova secundária ou derivada se encontre contaminada e por tal constituir também prova proibida nos termos do disposto no artigo 126º, do Código de Processo Penal e ser insusceptível de fundamentar um juízo de censura da conduta do arguido e determinar a sua absolvição por falta de prova.
Alicerça esta sua convicção no entendimento que os autos tiveram origem em dados facultados pela operadora de telecomunicações MEO, relativas à identificação e à morada do utilizador, num concreto lapso temporal, com a indicação das datas e horas de início e termo da ligação, sendo estes elementos identificativos obtidos a partir do IP e com as comunicações efectuadas e não a partir da relação contratual, o que determina que sejam dados conservados pela operadora nos termos do artigo 4º, nº 1, alínea a), e nº 2, alínea b), da Lei nº 32/2008, de 17-07 (normativo que foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Ac. do Tribunal Constitucional nº 268/2022), porque interferem com o direito de acesso aos dados pessoais informatizados e à proibição de acesso por terceiros e com o direito à reserva da vida privada e ao livre desenvolvimento da personalidade, constituindo por tal metadados.
Contudo dos autos resulta inequivocamente, que tais dados informáticos, resultaram de uma injunção dirigida à operadora de telecomunicações MEO, para vir aos autos identificar o titular do contrato correspondente ao IP utilizado na prática do crime, não tendo qualquer relação com os conteúdos das comunicações, nem com a lei cujas normas foram declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional - Lei 32/2008, de 17-07, por interferirem com o direito de acesso aos dados pessoais informatizados e à proibição de acesso por terceiros e com o direito à reserva da vida privada e ao livre desenvolvimento da personalidade, não constituindo por tal metadados.
Foi ao abrigo do disposto no artigo 14º, nº 1 e nº 4, alínea b), da Lei do Cibercrime – Lei 109/2009, de 15-09, que os dados foram solicitados e sendo os mesmos legalmente admissíveis para a prova em relação a todos os crimes que se incluam na previsão do artigo 11º, nº1, da Lei do Cibercrime, neste caso concreto, ao abrigo, quer da alínea b), quer da alínea c) da referida norma - sem qualquer limitação de âmbito subjetivo.
Estando em causa uma investigação de um crime de pornografia de menores, cometido por meio de um sistema informático e em relação ao qual é necessário proceder à recolha de prova em suporte eletrónico, podia e devia a autoridade judiciária solicitar à fornecedora de serviço a identificação do subscritor do IP, para prova do crime cometido pelo arguido, pois constitui um dado pouco invasivo da privacidade do seu titular – cinge-se meramente à identificação do cliente, do utilizador do IP, com a morada associada.
Em face do exposto, entendemos que a informação prestada pela MEO relativa à identificação do utilizador do IP que realizou os uploads, com indicação de morada associada, foi obtida de modo legalmente permitido, pelo que não constitui prova proibida, nos termos do nº 3 do art. 126º do Código de Processo Penal.
Assim, face a este acervo de prova, terá de se concluir nos termos feitos pelo Tribunal “a quo”, pois nenhuma outra prova directa ou indirecta existe sobre a ocorrência de tais factos.
A prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada.
O julgador tem de apreciar e valorar a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou “hominis”, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção.
Ademais, ressalvado sempre o devido respeito pelo esforço argumentativo do recorrente, o mesmo olvida o princípio da livre apreciação da prova, ínsito no artigo 127º, do Código de Processo Penal, norma de acordo com a qual “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
É sabido que livre convicção não se confunde com convicção íntima, caprichosa e emotiva, dado que é o livre convencimento lógico, motivado, em obediência a critérios legais, passíveis de motivação e de controlo, na esteira de uma “liberdade de acordo com um dever”, no ensinamento do Professor Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, vol. I, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 201 a 206, que o processo penal moderno exige, dever esse que axiologicamente se impõe ao julgador por força do Estado de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana.
A livre convicção não pode ser vista em função de qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes deve perspectivar-se segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento.
Só assim não será, quando as provas produzidas impõem decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, o que sucederá, sem preocupação de enunciação exaustiva, designadamente, quando o julgador decidiu a apreciação dos meios de prova ou de obtenção de prova ao arrepio e contra a prova produzida (v.g. dá como provado determinado facto com fundamento no depoimento de determinada testemunha e ouvido tal depoimento ou lida a respectiva transcrição constata-se que a dita testemunha disse coisa diversa da afirmada na decisão recorrida ou nem se pronunciou sobre aquele facto), ou quando o tribunal valorou meios de prova ou de obtenção de prova proibidos, ou apreciou a prova produzida desrespeitando as regras sobre o valor da prova vinculada ou das “leges artis”, ou quando a apreciação da prova produzida contraria as regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, enfim, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência, ou, ainda, quando a apreciação se revela ilógica, arbitrária e violadora do “favor rei”.
Assim, em conclusão, decorre, necessariamente, que este Tribunal “ad quem” não pode deixar de julgar improcedente a invocada impugnação alargada da matéria de facto por parte do recorrente.
Este entendimento de forma alguma, viola qualquer garantia de defesa do arguido, nomeadamente as constantes do artigo 32º, nº 1 e nº 5, da Constituição da República Portuguesa, não sendo inconstitucional, porque contrário ao aí estabelecido.

Apreciada a peça recursiva apresentada pelo arguido, constata-se que a mesma não faz referência expressa à impugnação da sentença proferida relativamente à matéria de facto provada, nos termos do disposto no artigo 410º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal.
A alteração da factualidade assente na 1ª instância poderá também ocorrer pela verificação de algum dos vícios a que aludem as alíneas do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, a saber: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova – cfr. ainda artigo 431º, do citado diploma –, verificação que, como acima se deixou editado, se nos impõe oficiosamente.
Em comum aos três vícios, terá o vício que inquina a sentença ou o acórdão em crise que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum.
Quer isto significar que não é possível o apelo a elementos estranhos à decisão, como por exemplo quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, só sendo de ter em conta os vícios intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma – cfr. Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado”, Almedina, 16ª ed., pág. 871, Simas Santos e Leal-Henriques, “Recursos em Processo Penal”, local mencionado supra.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (vício a que alude a alínea a), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), ocorrerá, como ensina Simas Santos e Leal-Henriques, obra e local citados, quando exista “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher.
Porventura, melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final”.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (vício a que alude a alínea b), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), consiste na “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.”, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, obra e local mencionados.
O erro notório na apreciação da prova (vício a que alude a alínea c), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), constituiu uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.” – cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada.
Ora, do texto da decisão recorrida, como se vê da transcrição supra, decorre terem sido apreciados os factos aportados na acusação e bem assim aqueles que resultaram da discussão da causa em audiência de julgamento.
Então do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, não se perfila a existência de qualquer um dos vícios elencados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê, por isso, que a matéria de facto provada e não provada seja insuficiente para fundamentar a solução de direito atingida, não se vê que se haja deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, como não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos provados ou entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras de experiência, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário.
Por outro lado, a decisão recorrida, como já se afirmou, não deixa de expor, de forma clara e lógica, os motivos que fundamentaram a decisão sobre a matéria de facto, com exame criterioso, das provas que abonaram a decisão, tudo com respeito do disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.
A decisão recorrida está elaborada de forma equilibrada, lógica e fundamentada.
O Tribunal “a quo” decidiu segundo a sua livre convicção e explicou-a de forma objectiva e motivada e, portanto, capaz de se impor aos outros.
Em consequência, mantém-se e, sedimentada se mostra, a factualidade assente pelo Tribunal “a quo”, não se vislumbrando na decisão recorrida vício ou nulidade cujo conhecimento oficiosamente ou a requerimento se imponha a este Tribunal “ad quem”.
Não se verifica nenhuma violação do princípio da presunção da inocência, constante do artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, ou qualquer violação das garantias de defesa arguido, nos termos do disposto no artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, do disposto no artigo 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, do disposto no 14º, nº 2, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e, do disposto no artigo 6º, nº 2, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
Assim, em conclusão, decorre, necessariamente, que este Tribunal “ad quem”, não pode deixar de julgar improcedente a invocada impugnação da matéria de facto por parte do recorrente B.

- Da impugnação do Acórdão proferido relativamente à matéria de direito, quanto à medida concreta da pena a que o arguido foi condenado e da sua suspensão.

Importa desde logo ter presente (faz doutrina e jurisprudência de há muito sedimentadas) que, em sede de medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico (na expressão de Cunha Rodrigues), no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e regularidade que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada na lei.
Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida na instância, suscitado pela via recursiva, deve aproximar-se desta, senão, quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado “quantum” em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal “a quo”) qualquer abusiva fixação de uma concreta pena.
Os critérios, que devem presidir à quantificação das penas concretamente aplicáveis, são os estabelecidos pelo artigo 71º, do Código Penal, sob a epígrafe “Determinação da medida da pena”, estatui:
“1 – A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 – Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 – Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.
O nº 1 do artigo 40º do Código Penal estabelece como finalidade da aplicação de penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e, o nº 2 do mesmo normativo prescreve que em caso algum a pena ultrapasse a medida da culpa.
O momento inicial, irrenunciável e decisivo da fundamentação da pena repousa numa ideia de prevenção geral, uma vez que ela (pena) só ganha justificação a partir da necessidade de protecção de bens jurídico-penais.
Por outro lado, há que ter presente que um dos princípios a que obedece o Código Penal é o princípio da culpa, segundo o qual não pode haver pena sem culpa, nem pena superior à medida da culpa.
Sobre as finalidades da punição consignadas no artigo 40º, do Código Penal e sobre os critérios concretos a observar no doseamento da pena, apenas se dirá de forma resumida, reproduzindo Figueiredo Dias, em “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª ed., pág. 84, que “a pena concreta é limitada no seu máximo inultrapassável pela medida da culpa; dentro desse limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais”.
Postas estas considerações gerais, que devem estar presentes no juízo conducente às penas concretas e adequadas, o artigo 71º, nº 1, do Código Penal preceitua, na senda do citado artigo 40º, que a determinação concreta da pena, dentro dos limites legalmente definidos, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o nº 2 do mesmo artigo determina que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando algumas a título exemplificativo, circunstâncias estas que nos darão a medida das exigências de prevenção em concreto a realizar porque indicadoras do grau de violação do valor em causa e da prognose de no futuro o agente se poder determinar com o respeito pelo valor penalmente protegido.
A moldura penal abstracta para o crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176º, nº 1, alínea d) e nº 4 e artigo 177º, nº 7 e nº 8, do Código Penal, é pena de 1 ano e 6 meses de prisão a 7 anos e 6 meses de prisão.
Resulta do Acórdão recorrido: “Na determinação da medida da pena, haverá que ponderar as circunstâncias em que ocorreu o crime, o grau de ilicitude dos factos, a natureza da culpa, o motivo determinantes da conduta, a situação pessoal do arguido e condições de vida, a ausência de qualquer acto demonstrativo de arrependimento, as suas condições de vida e as necessidades de garantir a reprovação e a prevenção de crime com tão ampla incidência e com efeitos tão perversos, ao nível da alteração de comportamentos a que pode dar origem e a ausência de antecedentes criminais.
Assim temos de considerar:
- as fortes exigências em termos de prevenção geral uma vez que este tipo de crime atinge um dos bens que qualquer sociedade civilizada considera de mais sagrado, a inocência própria das crianças. No caso concreto, como resulta dos factos provados quanto às condições sociais do arguido, e atenta a postura dos próprios familiares e amigos, não existe até agora uma percepção por parte da comunidade em que o arguido se insere da dimensão e gravidade da sua actuação. Ou seja, será a partir deste julgamento e desta decisão que a reprovação social mais se fará sentir;
- No que respeita ao grau de ilicitude terá o mesmo de se considerar médio-elevado no que respeita à detenção de material pornográfico atenta a considerável quantidade, o teor dessas mesmas imagens, várias delas envolvendo crianças de tenra idade;
- O dolo na modalidade mais gravosa, o arguido agiu sempre com dolo directo;
- A personalidade do arguido e o seu nível de inserção socioeconómico, reflectidos nos factos provados, bem como as limitações decorrentes da sua condição física,
- A ausência de antecedentes criminais,
- A falta de interiorização da censura que a sua conduta merece, não demonstrando qualquer arrependimento.
Tudo visto e ponderado, considera-se adequada a condenação do arguido na pena de 4 anos de prisão".
Ora, atentos os factos julgados provados, os bens jurídicos protegidos pela incriminação e as circunstâncias indicadas na decisão recorrida, não se vislumbra na matéria sedimentado no Tribunal “a quo”, qualquer margem que permita afirmar que a medida da culpa do arguido foi excedida, afigurando-se a pena fixada acima do limite médio abstratamente previsto, como doseada em medida adequada aos factos apurados e ademais fixada com equilibrado critério.
Nestes termos, é de manter a pena de 4 (quatro) anos de prisão aplicada ao arguido B, pela prática em autoria material de um crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 176º, nº 1, alínea d) e nº 4 e artigo 177º, nº 7 e nº 8, do Código Penal, posto que não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – cfr. artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa –, antes se mostra adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassa a medida da culpa do arguido, improcedendo também, nesta parte o recurso interposto.
Por fim, quanto à eventual suspensão da execução desta pena de prisão, a que se mostra condenado o arguido B.
Resulta do disposto no artigo 50º, do Código Penal:
“O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que da simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Como resulta deste preceito legal, a suspensão da execução da pena de prisão depende da verificação de dois pressupostos: um formal, que exige que a pena aplicada não seja superior a 5 anos de prisão; e um pressuposto material, relativo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
A este propósito, ensina Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, págs. 341 e sgs.: “pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente. (...). Para formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto – o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto”.
“A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanóia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime Zipf, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».
“Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime» (...). Já determinámos (...) que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.”.
Resulta com clareza do Acórdão recorrido, que por subscrevermos, reproduzimos: “Entendemos que as exigências de prevenção geral, bem como as de prevenção especial o impedem. Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-12-2015 (proferido no Proc. 3147/08.JFLSB.L1-5, disponível in www.dgsi.pt), «Para qualquer homem médio, os atos sexuais que envolvam menores são repugnantes e proibidos. Estamos face a um tipo de comportamentos que “antes de o ser já o eram”, ou seja, a proibição e censura desses comportamentos é inata ao ser humano, mesmo que nenhuma lei o afirmasse».
Da Directiva 2011/92/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, a que supra se aludiu, consta nos seus considerandos gerais, além do mais, o seguinte: «O abuso sexual e a exploração sexual de crianças, incluindo a pornografia infantil, constituem violações graves dos direitos fundamentais, em especial do direito das crianças à protecção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar, tal como estabelecido na Convenção das Nações Unidas de 1989 sobre os Direitos da Criança e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. (…) o Programa de Estocolmo – Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos, atribui uma clara prioridade ao combate contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil.
A pornografia infantil, que consiste em imagens de abuso sexual de crianças e em outras formas particularmente graves de abuso sexual e exploração sexual de crianças, está a aumentar e a propagar-se mediante o recurso às novas tecnologias e à Internet. (…)
Crimes graves, como a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, deverão ser tratados de forma abrangente, abarcando a repressão dos autores dos crimes, a protecção das crianças vítimas dos crimes e a prevenção do fenómeno. O superior interesse da criança deve prevalecer sobre qualquer outra consideração quando se adoptam medidas para combater estes crimes, em conformidade com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. (…)»
Mais recentemente, no RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO, de 16 de Dezembro de 2016, que avalia a execução das medidas referidas no artigo 25º da Directiva 2011/93/UE, de 13 de Dezembro de 2011, relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52016DC0872&from=PT, consta: «A Internet fez aumentar drasticamente os abusos sexuais de crianças na medida em que:
• facilita a partilha de material com imagens de abusos sexuais de crianças, ao oferecer uma variedade de canais de distribuição, tais como a Web, as redes de entidades homólogas (peer-to-peer), as redes sociais, os serviços de anúncios, os grupos de debate, o protocolo de comunicação «Internet Relay Chat», as plataformas de partilha de fotografias, entre muitos outros. A partilha também é facilitada pelo acesso a uma comunidade de indivíduos que partilha as mesmas ideias à escala mundial, que é uma fonte de grande procura e de apoio mútuo;
• disponibiliza os meios técnicos e as medidas de segurança que podem facilitar o anonimato;
• como consequência da forte procura de material com imagens de abusos sexuais de crianças, as crianças continuam em risco de se tornarem vítimas, enquanto o anonimato pode dificultar muito a investigação e a ação penal relativas a estes crimes; e
• os novos materiais com imagens de abusos sexuais de crianças se tornaram uma moeda de troca. Para conseguirem aceder e manter o acesso aos fóruns, é frequente os participantes terem de entregar periodicamente novos materiais, o que incentiva a prática de abusos sexuais de crianças.
O abuso sexual de crianças em linha é um crime abominável, com consequências a longo prazo para as vítimas. Os danos são causados não apenas quando o abuso é efetivamente gravado ou fotografado, mas também todas as vezes que as imagens ou vídeos são carregados, colocados em circulação ou visualizados. Para as vítimas, o facto de saberem que as imagens e os vídeos onde aparecem a ser abusadas estão a circular, e que até podem encontrar alguém que tenha visto o material, acaba por constituir um trauma ainda maior e ser uma fonte de sofrimento adicional.
Existem indicações que sugerem que a idade média das vítimas que aparecem em material com imagens de abusos sexuais de crianças está em constante diminuição: de acordo com a International Association of Internet Hotlines (INHOPE), cerca de 70 % das vítimas que constam das denúncias tratadas pelas linhas telefónicas de emergência INHOPE em 2014 pareciam ser pré-púberes. A Internet Watch Foundation (IWF) divulgou valores idênticos em 2015, acrescentando que 3 % das vítimas tinham aparentemente dois anos de idade ou menos, e que um terço das imagens mostravam crianças a serem violadas ou sexualmente torturadas.» Perante este fenómeno crescente em número e gravidade das suas consequências, as decisões dos tribunais assumem papel preponderante na dissuasão da procura deste tipo de conteúdos, e também na cessação voluntária daqueles que neste preciso momento a eles estão a aceder, assim se procurando estancar e preferencialmente diminuir a procura, com o correspondente reflexo na oferta. Ora, esse efeito, tendo em conta a facilidade de acesso, as dificuldades na investigação e na identificação dos infractores, só pode ser alcançado através da aplicação de penas de prisão efectivas. Mas como já se disse, são também as necessidades de prevenção especial que não permitem a suspensão da execução da pena, sendo necessário e fundamental acautelar o risco de reincidência que, no caso concreto, se considera existir já que, como se disse, o arguido não revela ter interiorizado a censurabilidade dos seus actos. Em resumo, não se pode concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Donde não verá o arguido suspensa a execução da pena fixada. Ponderando as circunstâncias supra referidas, mais será o arguido condenado na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 10 (dez) anos – cfr. art. 69º-B nº 2 do C. Penal”.

Efectivamente, desde logo relevam-nos os autos uma muito relevante ilicitude dos factos, atento o tipo de crime, as vítimas do mesmo e a repulsa social que o mesmo provoca, evidenciando o arguido total indiferença face às consequências da sua actuação, que revela a indiferença do arguido às regras estabelecidas e as necessidades pessoais de reinserção.
Tendo presentes estas necessidades de prevenção geral e a personalidade revelada pelo arguido em julgamento, contudo, e também ponderando, por outro lado, o arguido não ter antecedentes criminais e a sua situação pessoal, pensamos que existe a possibilidade de uma inflexão em termos de vida por banda do mesmo, designadamente renegando a prática de actos ilícitos.
Em conclusão, ponderando a circunstância de o arguido não ter antecedentes criminais e as suas condições pessoais, entendemos que a censura do facto e a ameaça da pena de prisão deverá evitar a repetição destes comportamentos delituosos no futuro e satisfazer as necessidades de prevenção geral e de socialização do arguido, realizando de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 50º, nº 1, do Código Penal.
Consequentemente e sem necessidade de outras considerações, por despiciendas, o recurso terá de proceder nesta parte.
Em face de tudo o que se deixa exposto, procede parcialmente o recurso apresentado pelo arguido B, revogando-se em parte o Acórdão recorrido, determinando-se a suspensão da execução da pena de 4 (quatro) anos de prisão, sujeita a regime de prova por igual período de 4 (quatro) anos, que deverá incidir na frequência de acções de consciencialização para a gravidade, a censura social, a sensibilização do repúdio social e o flagelo humano subjacente à exploração sexual de crianças, artigos 50º, nº 1 e 53º, nº 4, do Código Penal, mantendo-se inalterado o demais decidido.

Sem custas, atenta a procedência parcial do recurso interposto.

III - DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido B, revogando-se em parte o Acórdão recorrido, determinando-se a suspensão da execução da pena de 4 (quatro) anos de prisão, sujeita a regime de prova por igual período de 4 (quatro) anos, que deverá incidir na frequência de acções de consciencialização para a gravidade, a censura social, a sensibilização do repúdio social e o flagelo humano subjacente à exploração sexual de crianças, artigos 50º, nº 1, e 53º, nº 4, do Código Penal, mantendo-se inalterado o demais decidido.
Sem custas.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários.

Évora, 28-01-2025
Fernando Pina
Renato Barroso
Beatriz Marques Borges