ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
PAGAMENTO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário

Sumário:
1. Nos termos do artigo 342.º do Código Civil compete ao credor demonstrar a existência de um direito de crédito (n.º 1) e ao devedor demonstrar os factos que têm efeito impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado pelo credor (n.º 2).
2. Se a R. alega a exceção perentória extintiva do pagamento e a A. reconhece a realização de pagamentos, mas nega que estes se tenham destinado a saldar a dívida em discussão nos autos, justificando-os com a satisfação de outras dívidas, esta resposta da A. não converte o pagamento em facto constitutivo do seu direito de crédito.

3. Assim, não é à A. que compete demonstrar a afetação a outras dívidas dos pagamentos realizados, mas é antes à R. que compete demonstrar que os referidos pagamentos se destinaram a saldar a dívida cujo pagamento é peticionado nos autos.

4. O instituto da litigância de má fé visa assegurar uma lide ética, pautada pelos princípios da lealdade e da verdade, estabelecendo um enquadramento sancionatório para o dever geral de boa fé inscrito no artigo 8.º do Código de Processo Civil, que cumpre, além do mais, uma função de prevenção geral e especial.

5. Incorre em litigância de má fé a R. que na contestação a uma ação de honorários reconheceu que nos autos principais foi paga taxa de justiça no valor de € 718,00 e complemento de taxa de justiça no valor de € 918,00, e no recurso interposto da sentença alegou que a A. não demonstrou o pagamento dessas verbas, atendendo a que a R. interveio nos autos principais na qualidade de legal representante da sua mãe, tendo nesse âmbito reunido com o advogado que patrocinou a sua mãe e sido a destinatária de todas as comunicações atinentes à tramitação da ação e pagamento dos respetivos encargos, para além de que o pagamento da taxa de justiça é um facto demonstrado de forma ostensiva pelo teor dos autos principais, aos quais a ação de honorários é apensada.

6. No que tange à indemnização peticionada pela A. com fundamento na litigância de má fé da R., deve a mesma ponderar o regime legal das custas de parte, em ordem a evitar duplicações, pelo que não deve ser fixada qualquer compensação pela taxa de justiça e na compensação pelos honorários deve descontar-se o valor correspondente a metade da soma das taxas de justiça com respeito ao recurso.

(Sumário da responsabilidade da Relatora, nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil)

Texto Integral

Apelação n.º 985/22.6T8EVR.E1

(1ª Secção)


***


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


I – Relatório


1. "AA - Sociedade de Advogados, SP, RL"", intentou ação declarativa contra BB e CC, pedindo a condenação dos RR. no pagamento da quantia de € 6.047,38, sendo € 5.937,64 de capital e € 109,74 de juros moratórios legais vencidos desde 15.04.2017, a que acrescem juros moratórios vincendos, à taxa legal e até integral pagamento.


Alegou a A. que prestou serviços profissionais de advocacia à falecida DD, no Processo n.º 2699/13.9..., do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, que não lhe foram pagos.


Mais alegou que os aqui RR. são filhos da falecida DD e seus únicos herdeiros.


2. Citados os RR., apenas a R. BB contestou, apresentando defesa por impugnação e invocando a exceção do pagamento, nos termos da qual conclui que nada deve à A..


3. Na sequência de requerimento da A. de ampliação do valor da ação, foi ordenada a notificação da R. para se pronunciar sobre o mesmo, considerando-se aí que a situação em causa configura uma retificação do valor da ação.


A R. nada disse, tendo sido então proferido despacho a 21.01.2019, no qual foi admitida a retificação do valor da ação para € 9.537,64.


4. Em 17.05.2021 foi proferido despacho onde se decidiu:


a) declarar o R. CC parte ilegítima e, em consequência, absolver o mesmo da instância;


b) admitir a intervenção principal passiva de EE, FF e GG, descendentes do R. CC, com fundamento no facto deste R. haver repudiado a herança de sua mãe.


5. Os chamados, devidamente citados, não deduziram oposição.


6. Procedeu-se ao saneamento e condensação da causa, tendo sido realizada audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:


“Face ao exposto, julgando a ação parcialmente procedente, decide-se:


a) condenar os réus BB, EE, FF e GG, todos na qualidade de herdeiros da falecida DD, a pagarem à autora a quantia de € 9.537,64, acrescida dos juros de mora à taxa legal, vencidos desde 24-05-2018 e vincendos até integral pagamento”.


7. Inconformada com a sentença, a R. BB interpôs recurso da mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:


“(…) 2. A Recorrente, porém, de forma alguma se pode conformar com a citada decisão, por entender que o Tribunal a quo incorreu em erro (em erros, melhor dizendo) na interpretação e aplicação da lei, bem como no julgamento dos factos subjacentes ao pedido.


3. Tais erros na interpretação e aplicação da lei, de resto surgem, desde logo, e em 1.º lugar, em segmento dos Despachos datados de 06 de novembro de2018 e de 21 de janeiro de 2019, com as referências n.º 28116898 e n.º 28325680 respetivamente, os quais a Recorrente impugna nestas Alegações de Recurso.


4. Erros que, naturalmente, têm respaldo e repercussões na Sentença e aos quais acresce, em 2.º lugar, um conjunto de outros erros e problemas intrínsecos à mesma, concretamente na consideração e imputação dos valores pagos pela Recorrente, o que origina o erro no valor no qual o Tribunal a quo condena a Recorrente: “€ 9.537,64, acrescida dos juros de mora à taxa legal, vencidos desde 24-05-2018 e vincendos até integral pagamento”.


5. Em concreto, a Recorrente considera que os erros e problemas de que padece a Sentença (e os sobreditos Despachos de datados de 06 de novembro de2018 e de 21 de janeiro de2019) se precipita em três macro eixos (chamemos-lhes assim) fundamentais, nomeadamente: (i) Erro na decisão de deferimento de retificação requerida pela Autora, no qual procedeu-se à correção do valor da ação indicado de € 6.047,38 (seis mil e quarenta e sete euros e trinta e oito cêntimos) para o montante de € 9.537,64 (nove mil quinhentos e trinta e sete euros e sessenta e quatro cêntimos); (ii) Erro de julgamento do Tribunal a quo quanto à não consideração na decisão proferida na Sentença do facto dado como provado no ponto 76 da própria sentença; e, (iii) Erro de julgamento do Tribunal a quo quanto ao facto no ponto 77 dado como provado, bem como, na respetiva secção de fundamentação de Facto da Sentença. (…)


7. A Autora, aqui Recorrida, apresentou em 24.01.2018 a Petição Inicial que deu origem nos presentes autos a um pedido com o valor da causa de € 6.047,38, “sendo € 5.937,64 de capital e € 109,74 de juros vencidos”.


8. A Autora, aqui Recorrida, no requerimento datado de 04.09.2018, requereu a ampliação do pedido com fundamento em lapso.


9. O Tribunal a quo nos Despachos datados de 06.11.2018 e de 21.01.2019 considerou que a «ampliação» do pedido se tratava de uma retificação da petição inicial, ao abrigo do disposto no artigo 146.º do Código de Processo Civil.


10. O Tribunal a quo por Despacho datado de 25.10.2021 ordenou a notificação da Autora para “no prazo de 10 (dez) dias, aperfeiçoar o seu articulado no que concerne à alegação de factos”.


11. No entanto, notificada para aperfeiçoar a petição inicial, a Autora apresentou nos autos requerimentos datados de 04.11.2021 e de 13.12.2021, nos termos dos quais retornou no artigo 98º de ambos os requerimentos, a indicar como valor em dívida o montante de € 6.047,38 (seis mil e quarenta e sete euros e trinta e oito cêntimos).


12. Ora, é evidente a enorme confusão que a própria Autora, aqui Recorrida, transparece na indicação dos valores em dívida, criando uma dicotomia entre o valor que indica como estando em dívida e o valor que indica no seu pedido a exigir a condenação da aqui Recorrente, mais não é do que pura evidência da confusão gerada pela própria no que respeita à cobrança de honorários.


13. É que não se aceita que (i) tendo cessado a representação da mãe da ora Recorrente em 05.09.2016 a nota de honorários seja emitida apenas em 10.03.2017, cerca de 7 (sete) meses após tal data; (ii) a ação de honorários apenas dê entrada quase 2 (dois) anos depois da data de referência do término do mandato, (iii) e mesmo assim a própria Autora ora Recorrida não se tenha dignado a clarificar devidamente a sua pretensão em sede de Petição Inicial datada de 24.01.2018, (iv) nem tampouco – pasme-se, por duas vezes! – em sede de aperfeiçoamento quando notificada para o efeito.


14. Se não é a própria Recorrida capaz de saber e identificar de forma clara a sua pretensão, como será possível à ora Recorrente compreendê-la, e, bem assim contradizê-la? Mais, como é possível o Douto Tribunal a quo permitir e – de forma totalmente infundada sem recurso a qualquer prova documental idónea – dar como provados praticamente a totalidade dos factos alegados pela Autora quando a mesma baseia toda a sua prova em documentação produzida pela própria, e, pelo menos duas (2) das três (3) faturas que supostamente corroboram os montantes em dívida – devidamente impugnadas em sede de Contestação – são emitidas posteriormente ao término do mandato.


15. É, pois, totalmente incompreensível quer o desleixo quer a displicência da Autora ora Recorrida na alegação que legalmente se lhe impunha aquando da propositura da ação e bem assim no cumprimento dos Despachos do Douto Tribunal a quo. Os quais só aumentaram o número (desnecessário) de peças processuais, criando uma complexidade desnecessária, e, a final, lamentavelmente, criando confusão no decisor.


16. Nestes termos, a ora Recorrente impugna os Despachos datados de 06.11.2018 e de 21.01.2019, requerendo aos Venerandos Juízes do Tribunal ad quem que os revoguem na parte que referem “analisado o fundamento da referida «ampliação» verifico que trata-se verdadeiramente de um pedido de correção da petição inicial, ao abrigo do disposto no artigo 146.º do Código de Processo Civil” e “em face do exposto, e sem necessidade de mais extensas considerações, ao abrigo do artigo 146.º do Código de Processo Civil, defiro a retificação requerida pela autora, devendo proceder-se à correção do valor da ação indicado” respetivamente, na medida em que, nestas circunstâncias, a admissão de que se trata de um erro de escrita/lapso de escrita/lapso manifesto implica a assunção de que o pedido formulado na Petição Inicial e na Petição Inicial aperfeiçoada é corroborado pela alegação ali feita, o que manifestamente não é o caso. Como de resto melhor se adensará de seguida.


17. Na Sentença proferida aqui em crise consta na factualidade provada o ponto 76, que reza o seguinte:


a. “Do montante de honorários (€ 10.500,00+IVA) só foi liquidado à ora autora o valor de € 4.305,00 (€ 3.500,00+IVA).”


18. Se não há dúvidas de que o montante de honorários se fixa no valor de € 10.500,00+IVA tal como confirmado pelo Laudo da Ordem dos Advogados, o mesmo não se pode dizer quanto a “só [ter sido] liquidado à ora autora o valor de € 4.305,00 (€ 3.500,00+IVA)”.


19. Na verdade, em face da prova documental carreada para os presentes autos outra conclusão se impunha ao Douto Tribunal a quo.


20. Ora, a Recorrente não se conforma com factualidade dada como provada no ponto 76 uma vez que a Recorrente fez outros pagamentos que deveriam ter sido considerados nos presentes autos, porquanto foi feita prova documental idónea dos respetivos pagamentos, através de comprovativo bancário.


21. Nos termos já alegados em sede de contestação, a Recorrente alegou e demonstrou através de prova documental idónea que a título de provisão por conta de despesas de honorários e no período de pendência da ação declarativa, que deu origem ao pedido de honorários nos presentes autos, realizou os seguintes pagamentos:


• € 714,00 em 28 de fevereiro de 2014;


• € 4.305,00 em 07 de março de 2014;


• € 1.076,00 em 15 de janeiro de 2014;


• € 4.172,40 em 30 de outubro de 2015;


22. A Recorrente apresentou os respetivos documentos, comprovativo bancário de confirmação da realização das respetivas transferências bancárias, que fazem prova dos pagamentos através de requerimento 29.06.2018.


23. E neste ponto, entramos na consideração errada que o Tribunal a quo efetuou no ponto 77 da matéria de facto nas suas várias alíneas.


24. Em 1.º lugar, tratando-se de um pagamento de despesa o qual alegadamente consubstancia um direito de crédito da Recorrida, é “[à]quele que invocar um direito [no caso, a Autora ora Recorrida que] cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 1 do CC.


25. Donde, era à Autora ora Recorrida que obrigatoriamente competia o ónus de provar o pagamento da(s) alegada(s) despesa(s) cujo reembolso peticiona. Da mesma forma que era à Autora ora Recorrida que competia provar de que forma foi feita a imputação dos valores pagos pela Recorrente durante o período de referência do mandato e a que título.


Não o fez, contudo, nos presentes autos.


26. Em 2.º lugar, é importante não perder de vista que não é uma qualquer prova documental suscetível e/ou idónea a provar o facto que a parte se arroga fazer prova por via do mesmo. É, pois, fundamental atentar nas características intrínsecas de cada documento e perceber se o mesmo é capaz e serve a pretensão de prova da parte que o apresenta.


27. É sintomático do total desleixo da Recorrida nos presentes autos, o facto de, não obstante os sucessivos aperfeiçoamentos e oportunidades que lhe foram concedidos pelo Tribunal a quo, a mesma não se ter dignado juntar um único documento que demonstre de forma inequívoca que a Recorrida efetuou os pagamentos cujo reembolso pretende através da emissão de sucessivas faturas, e, bem assim, de que forma foi feita a imputação desses valores pela Recorrida.


28. Tal prova seria simples e cabal mediante a mera junção de DUC e respetivo comprovativo de pagamento. Todavia, tal prova não é feita uma única vez! Não seria, por isso, possível ao Tribunal a quo proceder (como errada e equivocadamente faz) à imputação dos vários montantes pagos pela Recorrente à Recorrida a outro título que não de honorários tendo por referência a Nota de Honorários junta aos presentes autos.


29. Quanto à alínea a) do ponto 77 da factualidade dada como provada o Tribunal a quo considerou que o montante pago de € 714,00, foi pago a título de taxa de justiça inicial e que fora solicitada pela fatura n.º 5/16 de 21.02.2014 pela Recorrida.


30. No entanto, em momento algum a Recorrida fez prova nos autos do pagamento efetivo da alegada taxa de justiça que supostamente justificou a emissão daquela fatura.


31. Nunca poderia, portanto, ter sido dado como provado o facto que consta da alínea a) do ponto 77 da factualidade dada como provada, já que (i) não basta a simples alegação da realização de despesas que a Recorrida supostamente terá efetuado, sem ter a Recorrida feito prova de que efetivamente efetuou essa despesa, e, (ii) nunca poderia ser considerada a forma de imputação do montante efetiva e comprovadamente pago pela Recorrente à Recorrida sem que tivesse sido feita prova documental da respetiva imputação.


32. Deste modo, a simples alegação de pagamento de taxa de justiça com a emissão de uma fatura de suporte, Fatura n.º FT 5/16 de 21.02.2014, emitida pela própria Autora, é manifestamente insuficiente para dar como provado que a Recorrida efetuou o pagamento de alguma quantia a título de taxa de justiça.


33. Tendo sido dado como provado que a Recorrente efetuou o pagamento do montante de € 714,00, e não tendo sido efetuada nenhuma prova nos autos por parte da Recorrida do pagamento efetivo da taxa de justiça a que alude, deverá o montante de € 714,00 ser imputado como tendo sido pago a título de honorários, devendo ser considerado no valor em dívida a esse título.


34. Quanto à alínea c) do ponto 77 da factualidade dada como provada o Tribunal a quo considerou que o montante de € 1.076,00 pago pela Recorrente em 15.01.2014, teve por base a fatura n.º 5/145 de 31.12.2014 e a fatura n.º 5/146 de 31.12.2014.


35. Mais uma vez, indevidamente, o Tribunal a quo deu como provado que fora paga pela Recorrente uma taxa de justiça no valor de € 918,00. O que não se pode aceitar, porquanto inexiste prova cabal nesse sentido!


36. Note-se que não foi junto aos autos um qualquer DUC e/ou comprovativo de pagamento efetuado por parte da Recorrida que evidencie o efetivo pagamento de taxa de justiça.


37. Ademais, é no mínimo estranho que a fatura e correspondente recibo de pagamento daquele montante de € 1.076,00 pago pela Recorrente em 15.01.2014 apenas tenham sido emitidos quase 1 (um) ano depois do respetivo pagamento.


38. Tanto mais quanto essa não é a prática evidenciada no histórico de pagamentos efetuados pela Recorrente – como bem evidencia o caso da emissão da fatura referente à provisão por conta de honorários, a qual é emitida previamente ao recebimento do montante pela ora Recorrida e o respetivo pagamento pela ora Recorrente ocorre logo no dia seguinte.


39. Mais, o decurso de tão longo período de tempo após o pagamento (coadjuvado pela ausência de documentação idónea à prova dos factos alegados pela Recorrida) exacerba a maior e legitima dificuldade de identificação da finalidade e/ou imputação que foi feita àquele montante pela Recorrida.


40. E, na inexistência (manifesta) dessa prova, não poderá a Recorrida ver provado o direito de crédito de que se arroga credora.


41. Prova que sempre seria sobremaneira necessária, tanto mais considerando que como a Recorrida admite, existiam vários processos judiciais e contas cliente em aberto no escritório tendo por referência a mãe da Recorrente e da própria Recorrente.


42. Não bastando a mera alegação e junção de faturas emitidas pela própria Recorrida, antes se exigindo concretamente a apresentação do comprovativo em como realizou esse pagamento.


43. Por esse motivo, conforme já tinha sido acima alegado, deverá o valor pago pela Recorrente ser imputado ao valor de honorários.


44. Quanto ao valor remanescente de € 158,00, alegou a Recorrida que essa quantia serviu para pagamento da Fatura n.º 5/146 de 31.12.2014 e que deu origem ao recibo n.º 8 de 14.01.2015.


45. Na origem da referida fatura a Recorrida alega de forma vaga e genérica que a mesma é “respeitante a certidões obtidas para outros processos em curso no escritório da ora autora”.


46. Ora, a Recorrida mais uma vez limitou-se a apresentar nos autos uma fatura que a própria emitiu, não demonstrando que efetuou os pagamentos de certidões que alega que realizou, mas cujo pagamento não é possível confirmar, pois não juntou aos presentes autos nenhum documento comprovativo de pagamento.


47. Sendo de salientar que a emissão de fatura em nada comprova a (i) nem a realização dos alegados pagamentos efetuados pela Recorrida em representação da Recorrente, (ii) nem a finalidade indicada na respetiva fatura emitida, (iii) e menos ainda que os mesmos têm por referência a ação judicial em que foram prestados os serviços jurídicos cujos honorários de advogado são peticionados nos presentes autos.


48. Pelo que, a conclusão a retirar sempre terá de ser que quanto ao valor de € 1.076,00 cujo pagamento foi realizado pela Recorrente à Recorrida, conforme oportunamente comprovado pela Recorrente através de prova documental inequívoca, deveria ser imputado também a título de honorários que sejam devidos à Recorrida.


49. Quanto à alínea d) do ponto 77 da factualidade dada como provada o Tribunal a quo considerou que a Recorrente fez prova do pagamento do montante de € 4.172,40 em 30.10.2015.


50. É que o Tribunal a quo deu como provado, ipsis verbis, uma vez mais o que fora alegado pela Recorrida, em concreto, que o valor pago fora imputado “ao pagamento de encargos com outro processo, devidamente identificado com o n.º 5067.0014 na fatura n.º FT 5/293 de 20-10-2015 (…)”.


51. Não obstante, a total inexistência de prova, mais uma vez, erradamente, foi dado como provado pelo Tribunal a quo que o valor pago pela Recorrente no montante de € 4.172,40, correspondeu ao “pagamento de encargos com outro processo”.


52. Repare-se que a alegação da ora Recorrida é tão parca que nem permite a identificação daqueloutro processo, e, como é seu apanágio nestes autos, nem sequer são minimamente identificados em sede de alegação pela ora Recorrida os concretos “encargos” a que se refere.


53. Por outras palavras, a Recorrida tampouco alega elementos suficientes para que o Tribunal a quo pudesse fazer a imputação que fez, menos ainda face à total inexistência de prova…


54. Novamente, a Recorrida limitou-se a juntar a fatura n.º FT 5/146, emitida pela própria, com a descrição genérica de serviços de “Pagamento antecipado de Encargos”, sem haver qualquer referência ao processo judicial ou não judicial a que diz respeito.


55. A referida fatura, como a Recorrida menciona, apenas faz menção a um código de organização interna da Recorrida, que é livremente identificado pela mesma, não tendo a Recorrente (nem tampouco o Tribunal a quo) forma de confirmar a que diz respeito esse número, pois não é – como devia ter sido – feita qualquer alegação e prova nesse sentido pela Recorrida.


56. Em suma, a Recorrente exige que os montantes comprovadamente pagos, no valor de € 714,00, € 1.076,00, e € 4.172,40, pela ora Recorrente à ora Recorrida, sejam deduzidos no valor de € 9.537,64 no qual foi a ora Recorrente condenada no pagamento, devendo o valor de condenação ser reduzido ao montante de € 3.575,24 (três mil quinhentos e setenta e cinco euros e vinte e quatro cêntimos).(…)”


8. A A. apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, tendo ainda requerido a condenação da R. por litigância de má fé, em multa e indemnização de montante não inferior a € 1.500,00, com fundamento no disposto no artigo 542.º, n.º 2, alíneas a), b) e d) do Código de Processo Civil.


9. A R. pronunciou-se sobre o pedido da A. de condenação por litigância de má fé, pugnando pela sua improcedência.


10. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Questões a Decidir


O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).


Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).


No caso em apreço o recurso foi admitido, porém, tendo a R. apresentado duas alegações de recurso distintas em datas sucessivas, declarando que as segundas substituíam as primeiras, foi entendido admitir apenas as primeiras alegações, por não ser admissível a substituição de peças processuais, entendimento que se mostra inteiramente correto.


Assim, cumpre apreciar:


a) se deve ser revogado o despacho que admitiu a retificação do valor da causa;


b) se devem ser julgados não provados os factos constantes sob 76. e 77.;


c) se deve ser alterada a decisão final, em consequência da alteração da decisão da matéria de facto enunciada sob b);


d) se a R. incorreu em litigância de má fé.


III – Fundamentação


1. Dos despachos datados de 06 de novembro de 2018 e de 21 de janeiro de 2019


a) Insurge-se a R. contra os despachos enunciados, por entender que o teor da petição inicial não consente que se considere existir um lapso na indicação do valor da causa, pelo que deve ser revogado o despacho que admitiu a alteração do valor da causa.


Nas contra-alegações advoga a A. que em virtude da R. nada ter dito quando foi notificada para se pronunciar sobre a retificação do valor da ação, se deve concluir que a R. aceitou a referida retificação.


b) Ora, em requerimento de 04.09.2018 veio a A. requerer a ampliação do pedido, alegando que indicou o valor da ação de € 6.047,38, porém, “tal ficou a dever-se a um mero lapso no artº 21º da p.i.”, porquanto dos artigos 16º, 17º e 20º da petição inicial decorre que o valor da ação é de € 9.537,64.


É o seguinte o teor dos referidos artigos da petição inicial:


“16º


Os referidos serviços prestados e as despesas realizadas totalizam o montante de € 9537,64, que está em dívida e que corresponde às facturas ns.º 6/1393 de 10.03.2017 e nºs 5/542 de 09.032017 e 5/54 de 24.04.2014 de 24.04.2014 que juntam (Docs. ns.º 5 a 7).


17º


Tal montante nunca foi liquidado à A., não se presumindo tal pagamento.(…)


20º


Assim, são os RR devedores do montante de € 9.537,64, bem como dos juros legais desde 15.04.2017, no montante de € 109,74, pelo que


21º


O montante total em dívida é de € 6.047,38 que se peticiona.”


Sobre este requerimento foram produzidos os seguintes despachos:


- Despacho de 06 de novembro de 2018


“Requerimento de 04/09/2018:


Veio a Autora requerer a ampliação do pedido com fundamento em lapso.


No entanto, analisado o fundamento da referida «ampliação» verifico que trata-se verdadeiramente de um pedido de correcção da petição inicial, ao abrigo do disposto no artigo 146.º do Código de Processo Civil.


Assim, antes do mais, notifique a Ré para, no prazo de dez dias, pronunciar-se, querendo, sobre o ora requerido.”


- Despacho de 21 de janeiro de 2019


“Veio a autora requerer a rectificação do pedido, devendo ficar a constar o valor de € 9.537,64.


Notificada, a Ré nada disse.


Cumpre apreciar e decidir.


É jurisprudencialmente aceite que o princípio contido no artigo 249º do Código Civil - rectificação de lapso manifesto - é aplicável a todos os actos processuais e das partes.


É pacifico que « (…) tal erro só pode ser rectificado (ao abrigo do cit. art. 249º do Código Civil) se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto: é preciso que, ao ler o texto logo se veja que há erro e logo se entenda o que o interessado queria dizer. (…) Por isso, os lapsos materiais cometidos nos articulados que a lei permite corrigir devem resultar do teor dos próprios articulados, não se podendo alegar a existência de lapso quando se pretende provar o mesmo através de elementos de prova que nem sequer constavam do processo.(…)» (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15/01/2013, disponível em www.dgsi.pt).


In casu, a autora no pedido faz constar um valor que se mostra em oposição com o exposto nos artigos 16.º e 20.º da petição, resultando assim à saciedade que a mesma incorreu em lapso na indicação que efectuou.


Em face do exposto, e sem necessidade de mais extensas considerações, ao abrigo do artigo 146.º do Código de Processo Civil., defiro a rectificação requerida pela autora, devendo proceder-se à correcção do valor da acção indicado.”


A leitura dos artigos da petição inicial acima transcritos revela, com total evidência, a existência de um lapso de escrita, pelo que muito bem andou o Tribunal a quo quando, usando da faculdade de qualificação jurídica que lhe assistia (artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil), reconduziu a pretensão da A. à norma adequada para o efeito, o artigo 146.º do Código de Processo Civil, em cujo n.º 1 se prescreve que:


É admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada.”


c) Importa adicionalmente ponderar se a ausência de resposta da R. ao requerimento da A., após notificação do Tribunal a quo para esse efeito, implica aceitação do valor da ação indicado pela A. naquele requerimento.


Para tal desiderato deve ser chamado à colação o regime do incidente do valor da ação, do qual se extraem as seguintes regras basilares:


- a impugnação do valor da ação pelo réu obriga ao oferecimento de outro valor em substituição do indicado na petição inicial (artigo 305.º, n.º 1 do Código de Processo Civil);


- “a falta de impugnação por parte do réu significa que aceita o valor atribuído à causa pelo autor” (artigo 305.º, n.º 4 do Código de Processo Civil);


- “compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes” (artigo 306.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).


Salvador da Costa (Os Incidentes da Instância, 6ª ed., Coimbra, 2013, p. 55 e 56) explica que “A referida estatuição de aceitação configura, ao que parece, uma situação de presunção iure et de iure, mas o acordo que assim se forme quanto ao valor processual da causa não obsta a que o juiz decida, nos termos do artigo 306º, em sentido diverso.


Este normativo não é, porém, aplicável na relação que se desenvolve entre o réu ou o requerido e o autor ou o requerente, quando a parte contrária haja impugnado o valor processual indicado pela contraparte com oferecimento de outro valor de substituição, porque o mero silêncio não assume o significado de aceitação a que o normativo em análise se reporta.


(…) o acordo tácito ou expresso das partes quanto ao valor processual da causa já não releva com vista à sua fixação, antes se impondo, sempre, ao juiz, a verificação da sua conformidade com os factos e a lei.”


Ora, no caso em apreço a R. pronunciou-se, na contestação, sobre o valor da ação, nos seguintes termos:


“27.


No artigo 20º da petição inicial alega a A. que a Ré é devedora de 9.537,64 € acrescida de juros no montante de 109,74 €.


28.


concluindo, não se alcançando como, que o montante total de dívida é de 6.047,38 €, que peticiona.


29.


Sempre sem conceder, no limite o crédito da A. será de 5.476,44 €.”


Ressalta da posição assumida pela R. na contestação que foi impugnado o valor da ação indicado pela A. e foi oferecido outro valor em substituição.


Assim, o silêncio da R. em face da posterior notificação do Tribunal a quo para se pronunciar sobre a retificação do valor da ação, quando o valor retificado já constava da petição inicial e foi objeto de dissentimento por parte da R., que propôs para a ação valor distinto deste, não pode ser qualificado como uma aceitação.


Sem prejuízo, é sempre ao juiz que incumbe fixar o valor da ação, independentemente da aceitação ou não do mesmo pela contraparte, para o que deve convocar as normas adequadas à apreciação dos factos.


Consequentemente, bem andou o Tribunal a quo quando admitiu a retificação do evidente lapso de escrita na indicação do valor da ação, pelo que improcede, nesta parte, o recurso.


2. Da Impugnação da decisão da matéria de facto


a) Prescreve-se no n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, norma atinente à “modificabilidade da decisão de facto”, que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”


E no artigo 640.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, estabelece-se que:


“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:


a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;


b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;


c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.


2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:


a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;


b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”


No caso em apreço constata-se que a Recorrente indicou os pontos de facto de cuja decisão discorda, bem como os meios de prova que, no seu entendimento, impõem decisão diversa, e que se reconduzem aos documentos juntos aos autos, apontando ainda a decisão que se lhe afigura que seria a mais correta em face desses meios de prova.


Deve, em consequência, passar a apreciar-se a impugnação da decisão da matéria de facto.


b) São os seguintes os factos julgados provados na sentença sindicada:


“1.- A ora autora é uma sociedade de advogados que tem por objeto a prestação de serviços profissionais de advocacia, sendo a sua atividade habitual e lucrativa.


2.- À data do falecimento de DD, ocorrido a ...-...-2016, a ré BB e o CC eram os únicos filhos e únicos herdeiros de DD, exercendo a ré BB as funções de cabeça de casal, cfr. cópia da habilitação de herdeiros junta com a p.i..


3.- O CC, por escritura pública de 09-06-2016, repudiou a herança da sua mãe DD, tendo-lhe sucedido nessa posição de beneficiário os filhos e ora réus EE, FF e GG, cfr. cópia da escritura pública de 09-06-2016 junta com o req. de 29-01-2021.


4.- Os serviços profissionais prestados pela autora ocorreram no processo n.º 2699/13.9... do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de ..., no qual foi autor CC e ré DD, tendo esta última falecido na pendência da respetiva ação.


5.- Tais serviços profissionais foram prestados à falecida DD nos termos da procuração outorgada em 21-01-2014 pela ora ré BB, na qualidade de representante legal de sua mãe DD, procuração essa junta com a contestação/reconvenção apresentada no identificado processo.


6.- Os referidos serviços profissionais foram prestados entre 21-01-2014 e 05-09-2016, tendo como finalidade obstar, através da referida contestação, ao eventual reconhecimento do invocado direito de usucapião do CC em relação à propriedade denominada ..., devidamente identificada na petição inicial do processo n.º 2699/13.9..., com todas as consequências daí resultantes.


7.- A ora autora, através dos seus advogados, teve de estudar o dossier, elaborar a contestação e reconvenção que deduziu e demais tramitação processual subsequente, a qual teve o apoio administrativo de outros empregados do escritório de advogados, assim como a obtenção de vários documentos junto de Repartições oficiais, nomeadamente, Conservatórias de Registo Predial e de Registo Comercial e ainda de Tribunais, onde foram obtidas certidões.


8.- A ora autora, através dos seus advogados e dos seus empregados, efetuou e recebeu vários telefonemas não descriminados na nota de despesas e honorários relacionados com o dossier e a cliente.


9.- Assim, em 21-01-2014 a ré BB teve uma reunião no escritório da autora onde entregou a cópia da petição inicial do processo n.º 2699/13.9..., deu informações relacionadas com a mesma de forma ao estudo demorado da petição inicial que ainda ocorreu no referido dia, informando-se a ora ré BB das possibilidades de êxito do processo intentado pelo irmão.


10.- Em 24-01-2014 a autora elaborou requerimento solicitando certidão ao processo n.º 1102/13.9... do 2.º Juízo Cível de ..., cfr. doc. n.º 8 junto com a p.i.; em 10-02-2014 a autora promoveu deslocação para pagamento da mencionada certidão e elaborou carta registada para o Tribunal com comprovativo do pagamento daquela certidão, cfr. doc. n.º 9 junto com a p.i..


11.- Em 05-02-2014 a autora, por intermédio do seu advogado, procedeu ao estudo da petição inicial do processo n.º 2699/13.9... e da legislação relacionada com a mesma tendo, no dia seguinte - 06-02-2014 - procedido ao início do estudo e elaboração da referida contestação.


12.- A autora, por intermédio do seu advogado, procedeu à certificação de uma certidão do processo n.º ... do 2.º Juízo Cível de ..., a qual consta como documento n.º 3 da contestação apresentada no processo n.º 2699/13.9...


13.- Em 07-02-2014 a autora, por intermédio de um seu empregado, deslocou-se à Conservatória do Registo Predial de ... para solicitar certidão do prédio inscrito sob o n.º 453, conforme documento n.º 1 junto com a contestação apresentada no processo n.º 2699/13.9...


14.- Em 11-02-2014 a autora, por intermédio do seu advogado, procedeu ao levantamento e à análise dos documentos juntos com a contestação apresentada no processo n.º 2699/13.9...


15.- Em 12-02-2014 a autora, por intermédio do seu advogado, procedeu à elaboração de requerimentos para obtenção de certidões judiciais nos processos n.ºs ... e 2154/06.3..., ambos do 2.º Juízo Cível de ..., cfr. docs. n.ºs 10 e 11 juntos com a p.i..


16.- Em 12-02-2014 e 13-02-2014 a autora, por intermédio do seu advogado, continuou o estudo e elaboração da contestação e reconvenção.


17.- Em 13-02-2014 a autora, por intermédio do seu advogado, elaborou requerimento solicitando ao Tribunal certidão do processo n.º ... do 2.º Juízo Cível de ..., cfr. doc. n.º 12 junto com a p.i..


18.- Em 13-02-2014 a autora, por intermédio do seu advogado, despendeu tempo no estudo de jurisprudência e de doutrina relacionada com o dossier em causa e procedeu à análise e organização de documentos necessários para a apresentação da contestação/reconvenção no processo n.º 2699/13.9...


19.- Em 16-02-2014 a autora, por intermédio do seu advogado, continuou a elaboração da contestação/reconvenção, fazendo alterações à mesma, realizando em 17-02-2014 a revisão do articulado da referida contestação/reconvenção.


20.- Em 18-02-2014 a autora, por intermédio do seu advogado, elaborou um requerimento solicitando certidão judicial do processo n.º ...do 2.º Juízo cível de ... e elaborou uma carta registada para o Tribunal Judicial de ..., cfr. docs. n.ºs 13 e 14 juntos com a p.i..


21.- Em 18-02-2014 a autora, por intermédio do seu advogado, elaborou um requerimento para o Tribunal de ... solicitando certidão do processo n.º ... do 2.º Juízo Cível de ..., cfr. doc. n.º 15 junto com a p.i..


22.- Em 18-02-2014 a autora, por intermédio de um seu empregado, procedeu a deslocação ao Banco para pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da contestação.


23.- Em 18-02-2014 a autora, por intermédio do seu advogado, procedeu ao envio da contestação/reconvenção para o Tribunal Cível de ..., processo n.º 2699/13.9...


24.- Em 19-02-2014 a autora, por intermédio do seu advogado, procedeu à elaboração de carta registada enviando cópia da referida contestação à ora ré BB, cfr. doc. n.º 16 junto com a p.i..


25.- Em 21-02-2014 e 25-02-2014 deslocações ao Banco para pagamento de certidões judiciais e elaboração de cartas para o Tribunal de ... enviando o comprovativo, cfr. docs. n.ºs 18 e 19 juntos com a p.i..


26.- Em 21-02-2014 a autora elaborou e enviou carta à ora ré BB, cfr. doc. n.º 17 junto com a p.i..


27.- Em 25-02-2014 a autora, por intermédio do Dr. HH, certificou a cópia de uma escritura de habilitação de herdeiros, cfr. doc. n.º 43 junto com a p.i.. (ver doc. n.º 6 junto com o req. de 07-03-2014 no proc. n.º n.º 2699/13.9...)


28.- Em 28-02-2014 a ora autora foi notificada de um despacho judicial, Ref.ª 2909747 do proc. n.º n.º 2699/13.9...


29.- Em 03-03-2014 a autora, por intermédio de um seu empregado, deslocou-se à Conservatória do Registo Predial onde procedeu ao registo do pedido reconvencional deduzido no proc. n.º n.º 2699/13.9..., cfr. doc. n.º 20 junto com a p.i..


30.- Em 05-03-2014, 11-03-2014 e 24-03-2014 a autora, por intermédio do seu advogado, elaborou cartas para a ré BB, cfr. docs. n.ºs 21 a 23 juntos com a p.i..


31.- Em 07-03-2014 a autora, por intermédio do seu advogado, elaborou requerimento para o Tribunal juntando documentos, cfr. consta do proc. n.º 2699/13.9...


32.- Em 20-03-2014 a autora diligenciou pela obtenção da certidão solicitada em 03-03-2014, deslocando-se à Conservatória do Registo Predial de ..., cfr. doc. n.º 24 junto com a p.i.; em 26-03-2014, a autora por intermédio dos seus advogados, elaborou requerimento para o Tribunal juntando prova do registo da deduzida reconvenção na Conservatória do Registo Predial, cfr. consta do proc. n.º 2699/13.9...


33.- Em 24-04-2014 a autora, por intermédio do seu advogado, elaborou e enviou uma carta à ré BB, cfr. doc. n.º 25 junto com a p.i..


34.- Em 28-05-2014 a ora autora foi notificada de despacho do Tribunal e procedeu à sua análise, Ref.ª 3014374 do proc. n.º 2699/13.9...


35.- Em 29-05-2014 e 11-11-2014 a autora, por intermédio do seu advogado, elaborou cartas que enviou à ré BB, cfr. docs. n.ºs 26 e 27 juntos com a p.i..


36.- Em 07-11-2014 a ora autora foi notificada da avaliação do imóvel em causa e em 15-12-2014 da remessa dos autos para a Instância Central de ..., tendo procedido à análise dos mesmos despachos, Refs.ª 23190931 e 23378529 do proc. n.º 2699/13.9...


37.- Em 16-12-2014 a autora diligenciou pelo pagamento no Banco da taxa de justiça complementar e em 18-12-2014, por intermédio do seu advogado, elaborou requerimento para junção aos autos da referida taxa de justiça, cfr. consta do proc. n.º 2699/13.9...


38.- Em 02-01-2015 e 26-01-2015 a autora elaborou cartas para a ré BB, cfr. docs. n.ºs 28 e 29 juntos com a p.i..


39.- Em 09-03-2015 e 12-03-2015 a autora, por intermédio do seu advogado, procedeu à análise da réplica depois de ter sido notificada do teor da mesma, cfr. notificação constante do proc. n.º 2699/13.9...


40.- Em 12-03-2015 a autora, por intermédio do seu empregado, deslocou-se à Conservatória do Registo Comercial de ... para obter certidão da ..., cfr. doc. n.º 30 junto com a p.i..


41.- Em 19-04-2016 e 13-03-2015 a autora, por intermédio do seu advogado, elaborou, respetivamente, o email e a carta para a ré BB, cfr. docs. n.ºs 31 e 32 juntos com a p.i..


42.- No apenso A do identificado proc. n.º 2699/13.9..., em 26-01-2016 a autora, por intermédio do seu advogado, foi notificada da sentença ali proferida o que determinou seu estudo.


43.- Em 21-05-2015 a autora, após ter sido notificada em 18-05-2015, procedeu ao estudo do articulado do autor CC pedindo assistência judiciária, cfr. notificação constante do proc. n.º 2699/13.9...


44.- Em 22-05-2015 a autora, por intermédio do seu advogado, elaborou um requerimento para o Tribunal, cfr. consta do proc. n.º 2699/13.9...


45.- Em 22-05-2015 a autora, por intermédio do seu advogado, enviou um email para a ré BB, cfr. doc. n.º 33 junto com a p.i..


46.- Em 26-05-2015 a autora recebeu um email da ré BB, cfr. doc. n.º 34 junto com a p.i., que analisou.


47.- Em 29-05-2015 a ora autora foi notificada de despacho relacionado com taxas de justiça, que analisou, cfr. notificação constante do proc. n.º 2699/13.9...


48.- Em 29-07-2015 a autora, por intermédio do seu advogado, elaborou email para a ré BB, cfr. doc. n.º 35 junto com a p.i..


49.- Em 08-09-2015 a ora autora foi notificada de despacho, que analisou, cfr. notificação constante do proc. n.º 2699/13.9...


50.- Em 08-10-2015 a autora, por intermédio do seu advogado, elaborou e enviou requerimento para o Tribunal, cfr. Ref,ª 20753140 do proc. n.º 2699/13.9...


51.- Em 05-10-2015 e 26-10-2015 a ora autora foi notificada de despachos que analisou, cfr. notificações constantes do proc. n.º 2699/13.9...


52.- Em 03-11-2015 a autora, por intermédio do seu advogado, elaborou um email para a ré BB, que respondeu em 04-11-2015, cfr. docs. n.ºs 36 e 37 juntos com a p.i..


53.- Em 17-11-2015 a ora autora foi notificada do despacho da Segurança Social que indeferiu o pedido de apoio judiciário, tendo procedido à análise do mesmo, cfr. notificação constante do proc. n.º 2699/13.9...


54.- Em 25-11-2015 a autora recebeu um email da ré BB, cfr. doc. n.º 38 junto com a p.i..


55.- Em 08-12-2015 a ora autora foi notificada de requerimento da parte contrária, o que implicou o seu estudo, cfr. notificação constante do proc. n.º 2699/13.9...


56.- Em 25-01-2016 a autora elaborou email para a ré BB, a qual respondeu no mesmo dia, cfr. doc. n.º 39 junto com a p.i..


57.- Em 27-01-2016 a autora elaborou um email para a ré BB e procedeu à preparação da audiência de discussão da causa.


58.- Em 28-01-2016 a autora, por intermédio do seu advogado, deslocou-se ao Tribunal Judicial de ... e participou na audiência de discussão da causa, cfr. consta do proc. n.º 2699/13.9...


59.- Em 15-03-2016 a autora foi notificada pelo Tribunal da junção de documentos pela parte contrária e procedeu à sua análise, cfr. notificação constante do proc. n.º 2699/13.9...


60.- Em 23-03-2016 a autora, por intermédio do seu advogado, elaborou um requerimento para o Tribunal e procedeu à análise de requerimento apresentado pela parte contrária, cfr. consta do proc. n.º 2699/13.9...


61.- Em 16-04-2016 a autora recebeu um fax do Dr. II e em 19-04-2016 a autora, por intermédio do seu advogado, elaborou um faxe para o mesmo Dr. II e um email em 19-04-2016 para a ré BB, cfr. docs. n.ºs 40, 41 e 42 juntos com a p.i..


62.- Em 03-05-2016 a autora foi notificada de despacho relativo ao ISSS, cfr. consta do proc. n.º 2699/13.9...


63.- Em 31-08-2016 a autora, por intermédio do seu advogado, elaborou um requerimento juntando certidão de óbito de DD, cfr. consta do proc. n.º 2699/13.9...


64.- Em 05-09-2016 a autora, por intermédio do seu advogado, elaborou requerimento para o Tribunal informando que caducaram os poderes concedidos pela procuração outorgada, cfr. consta do proc. n.º 2699/13.9...


65.- Em 13-09-2016 a autora foi notificada de despacho suspendendo a Instância, cfr. consta do proc. n.º 2699/13.9...


66.- Em 10-03-2017 foi enviada à ré BB a nota de despesas e honorários no montante em dívida de € 9.537,64, cfr. doc. n.º 2 junto com a primitiva petição inicial, montante esse que nunca foi liquidado.


67.- A autora, por intermédio do seu advogado, teve de acompanhar um recurso interposto pela parte contrária e uma série de questões relacionadas com o pedido de apoio judiciário requerido também pela parte contrária CC e respetivas incidências no processo principal, conforme o processado no apenso A do identificado proc. n.º 2699/13.9...


68.- Os serviços profissionais da autora foram desenvolvidos pelos Drs. JJ, sócio da autora com mais de 40 anos de exercício da advocacia, e pelo Dr. KK, também sócio da autora, serviços esses que nunca foram postos em causa pela ora ré BB, a qual pagou, inclusive, uma provisão de € 3.500,00 para honorários.


69.- Tais advogados têm como valor/hora de trabalho o montante, respetivamente, de € 180,00 e € 125,00, acrescido de IVA, desde 2012, conforme consta da tabela de preços existente na sala de espera da ora autora, cfr. doc. n.º 3 junto com a primitiva petição inicial e doc. junto aos autos com o req. de 05-05-2023.


70.- O referido valor/hora do advogado Dr. JJ foi reduzido para o valor de € 125,00/hora dadas as relações de família existentes há muitos anos entre o referido advogado e a ré BB.


71.- Em 01-09-2016 a autora, por intermédio do seu advogado, informou a ré que renunciava ao mandato conferido pela mesma ré, na qualidade de representante legal de sua mãe DD, cfr. doc. n.º 4 junto com a primitiva petição inicial.


72.- Os referidos advogados tiveram de gerir o dossier após estudo e elaborar as respetivas peças processuais e todos os requerimentos necessários, obterem documentos e certidões e organizá-los tendo em vista a defesa dos interesses da ré DD que representavam, para além de conferências telefónicas não descriminadas e vários esclarecimentos prestados à ora ré BB, quando solicitados.


73.- O valor do processo em causa era de € 475.833,34, conforme despacho de 12-12-2014 proferido no identificado proc. n.º 2699/13.9...


74.- Tais serviços profissionais estão descriminados na nota de despesas e honorários e nota discriminativa complementar enviada à ora ré BB em 10 de março de 2017, tendo sido despendidos com tais serviços, pelo menos, 90 horas de trabalho, cfr. doc. n.º 2 junto com a p.i. cujo teor se considera aqui reproduzido.


75.- Com os referidos serviços prestados e as despesas realizadas a quantia em dívida totaliza o montante de € 9.537,64, o que está em dívida e que corresponde às faturas n.ºs 6/1392, de 06-11-2017, e n.ºs 5/542, de 09-03-2017, e 5/54, de 24-04-2014, cujas cópias constituem os docs. n.ºs 5 a 7 juntos com a p.i. e doc. n.º 44 junto com a p.i. aperfeiçoada.


76.- Do montante de honorários (€ 10.500,00 + IVA) só foi liquidado à ora autora o valor de € 4.305,00 (€ 3.500,00 + IVA).


77.- Quanto aos documentos juntos com o req. de 29-06-2018:


a) o doc. n.º 1 corresponde ao pagamento realizado pela ora ré BB em 27-02-2014 respeitante ao montante de € 714,00 pago a título de taxa de justiça inicial, solicitada pela fatura n.º FT 5/16 de 21-02-2014 e da qual foi emitido e enviado à mesma ré o correspondente recibo n.º 70 de 28-02-2014, conforme docs. n.ºs 1 a 3 juntos com o req. de 30-08-2018.


b) o doc. n.º 2 corresponde ao pagamento realizado pela ré BB em 06-03-2014 respeitante à provisão para honorários de € 3.500,00 acrescido de IVA, solicitado pela fatura n.º FT 6/52 de 06-03-2014 em relação à qual foi emitido e enviado à mesma ré o recibo n.º 82 de 06-03-2014, conforme docs. n.ºs 4 a 6 juntos com o req. de 30-08-2018.


c) o doc. n.º 3 corresponde ao pagamento do montante de € 1.076,00 realizado pela ré BB e que respeitava à fatura n.ºs FT 5/145 de 31-12-2014, no montante de € 918,00, correspondente a taxa de justiça complementar paga no identificado proc. n.º 2699/13.9... e que tinha como referência interna da autora o n.º 1363.0011, tendo sido emitido o correspondente recibo n.º 7 de 14-01-2015, e também respeitava ao pagamento da fatura n.º FT 5/146 de 31-12-2014 que teve o correspondente recibo n.º 8 de 14-01-2015 respeitante a certidões obtidas para outros processos em curso no escritório da ora autora, fatura essa n.º FT 5/146 não peticionada nos presentes autos, tudo conforme docs. n.ºs 7 a 11 juntos com o req. de 30-08-2018.


d) o doc. n.º 4 corresponde ao pagamento do montante de € 4.172,40 pago pela ré BB em 29-10-2015 e que nada tem a ver com o identificado proc. n.º 2699/13.9..., pois diz respeito ao pagamento de encargos com outro processo devidamente identificado com o n.º 5067.0014 na fatura n.º FT 5/293 de 20-10-2015, nem tal montante foi peticionado pela autora nos presentes autos por não dizer respeito ao proc. n.º 2699/13.9..., tudo conforme docs. n.ºs 12 a 14 juntos com o req. de 30-08-2018.


e) a fatura n.º FT 5/54 só se encontra peticionada pelo montante de € 442,80 que é o valor correspondente às despesas realizadas no processo identificado com o n.º 1363.0011, tendo sido excluídas as referentes ao processo interno da autora com o n.º 1363.0010 constantes da mesma fatura. Daí que o valor referido no artigo 20.º da petição inicial de € 9.537,34 seja o correto e corresponda ao valor da fatura (€ 1.003,80) deduzido das despesas correspondentes ao proc. n.º 1363.0010 (€ 20,00 + € 51,00 + € 510,00), conforme doc. n.º 7 da p.i..


78.- Dos autos consta o Laudo da Ordem dos Advogados que deu parecer favorável aos honorários peticionados no montante de € 10.500,00, acrescido do respetivo IVA, cfr. documento junto com o req. de 23-01-2019.”


c) A motivação da decisão sobre os factos 76. e 77. é a seguinte:


“Quanto aos factos provados elencados sob os n.ºs 75 e 76: tais factos foram confirmados pelos depoimentos das testemunhas LL e MM e ainda pelo teor dos docs. n.ºs 5 a 7 juntos com a p.i. e doc. n.º 44 junto com a p.i. aperfeiçoada.


Quanto aos factos provados elencados sob o n.º 77, alíneas a) a e): tais factos foram confirmados pelos depoimentos das testemunhas LL e MM e ainda pelo teor dos docs. n.ºs 1 a 14 juntos com o req. de 30-08-2018, bem como pelo teor do doc. n.º 7 da p.i..”


d) O direito de crédito alegado pela A. e que constitui a sua causa de pedir nesta ação integra honorários e despesas realizadas no âmbito do contrato de mandato celebrado com a mãe da R. BB, entretanto falecida.


A R. BB não discute o valor dos honorários devidos pela sua mãe à A., o qual, aliás, foi apurado através de laudo elaborado pela Ordem dos Advogados, mas diverge da afirmação do Tribunal a quo de que por conta desses honorários apenas foram liquidados € 3.500,00 (ponto 18. das conclusões), sustentando que foram também efetuados os seguintes pagamentos por conta dos honorários, os quais devem, por isso, ser abatidos ao valor em dívida a esse título:


“• € 714,00 em 28 de fevereiro de 2014;


• € 4.305,00 em 07 de março de 2014;


• € 1.076,00 em 15 de janeiro de 2014;


• € 4.172,40 em 30 de outubro de 2015” (ponto 21. das conclusões).


Estes pagamentos foram alegados no artigo 6º da contestação, com a qual a R. BB juntou documentos comprovativos dos mesmos, o que mereceu a resposta da A. vertida nos autos a 30.08.2018, cujo teor foi transcrito no ponto 77. dos factos provados.


Na referida resposta, a A. reconhece os pagamentos alegados na contestação, juntando inclusivamente os recibos que corroboram esse reconhecimento, mas apresenta uma justificação para tais pagamentos distinta daquela que é avançada pela R. BB.


Com efeito, advoga a A. que apenas peticionou nestes autos a condenação dos RR. no pagamento dos valores que se encontram ainda em dívida, ou seja, os sobreditos pagamentos satisfizeram outras dívidas que por se encontrarem saldadas não são objeto desta ação, sendo que uma parte delas não tem sequer conexão com o específico processo judicial que está na raiz da dívida dos presentes autos, antes diz respeito a outros processos judiciais de outro cliente.


No recurso em apreço sustenta a R. BB que a A. não demonstrou o pagamento das taxas de justiça e certidões cujo reembolso faturou à sua mãe, nem fez prova de que os pagamentos invocados pela R. se tenham destinado a satisfazer outras dívidas, afirmando que a A. não identificou os outros processos judiciais a que alegadamente respeitam alguns dos pagamentos efetuados e que encargos visaram suportar.


Ora, o artigo 342.º do Código Civil é uma norma de direito probatório material, da qual resulta a distribuição do ónus da prova, contendo as afirmações matriciais de que quem invoca um direito deve provar os correspondentes factos constitutivos, e de que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos deve ser feita por aquele contra quem o direito é invocado (respetivamente, n.ºs 1 e 2).


Assim, compete ao credor demonstrar a existência de um direito de crédito (n.º 1) e ao devedor demonstrar os factos que têm efeito impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado pelo credor (n.º 2).


O pagamento consubstancia uma exceção perentória extintiva, uma vez que a sua realização extingue o direito de crédito, pelo que a respetiva prova compete ao devedor, nos termos do referido artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil.


A questão a apreciar aqui consiste, deste modo, em saber se recai sobre a R. BB o ónus de demonstrar que os pagamentos foram efetuados para satisfazer a dívida de honorários invocada pela A., sob pena de se julgar não provada a exceção do pagamento, ou se, pelo contrário, é sobre a A. que incide o ónus de demonstrar que os pagamentos não se destinaram a saldar aquela dívida, o que implica demonstrar os direitos de crédito que foram satisfeitos por via de tais pagamentos, sob pena de se julgar provada a exceção.


Ou seja, a procedência da exceção perentória extintiva do pagamento depende unicamente da demonstração da realização de pagamentos, ou, além disto, envolve ainda a necessidade de estabelecer a afetação desses pagamentos à satisfação da dívida em discussão nos autos, quando semelhante afetação é impugnada pela parte contrária?


Tem vindo a ser entendido na jurisprudência que deve ser provado, tanto o pagamento, quanto a sua causa, quando esta seja questionada, competindo tal prova a quem invoca o pagamento.


Neste sentido pronunciaram-se os seguintes arestos:


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.07.2006 (Oliveira Barros) (Processo n.º 06B2102, in http://www.dgsi.pt/):


“Como de imediato resulta da epígrafe - " Causas de extinção das obrigações além do cumprimento " - do Capítulo VIII do Título I do Livro II do Código Civil, o cumprimento é um modo de extinção das obrigações.


Enquanto facto extintivo do direito invocado pelo autor que se apresenta como credor, integra ou constitui, consoante art.493º, nº3º, CPC, excepção peremptória ou de direito material.


É, por conseguinte, sobre o devedor demandado que, consoante art.342º, nº2º, C.Civ., recai o ónus da prova de que esse modo de extinção da obrigação efectivamente ocorreu ou se verificou.


É, por outro lado, corrente a afirmação de que o pagamento, - modo de dizer cumprimento quando em causa obrigações pecuniárias -, em direito, não se presume. Com efeito, na lição de Galvão Telles, " Direito das Obrigações ", 6ª ed. (1989), 327, " o cumprimento não é, em regra, objecto de presunção legal. Como se costuma dizer, " o pagamento em direito não se presume ". Daí a necessidade de o devedor o provar, como facto extintivo que é da obrigação ".


Cabia, pois, ao ora recorrente provar que os endossos excepcionados se destinaram realmente a pagar os fornecimentos em questão - o que as instâncias julgaram não ter-se provado.”


- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28.09.2017 (Margarida Sousa) (Processo n.º 4072/14.2T8VNF.G1, in http://www.dgsi.pt/):


“I - Alegado o pagamento do preço de determinado contrato através de cheques emitidos e entregues ao credor, não cabe a este provar a existência de outra relação que justificasse a entrega dos ditos cheques, mas tão só, nos termos previstos no art. 346º do Cód. Civil, produzir contraprova destinada a tornar duvidoso que os cheques tivessem sido entregues para pagamento do preço do contrato em crise”;


- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.03.2019 (Gabriela de Fátima Marques) (Processo n.º 19095/17.1T8SNT.L1-6, in http://www.dgsi.pt/):


“I. Classificando a A. a natureza das disposições patrimoniais feitas a favor da R. à custa do património da A. como empréstimo e, logo obrigação de restituir, e não doação, a causa de pedir reportar-se-à aos factos integradores de tal empréstimo e não nos factos que determinam que não houve intenção de doação, ou animus donatio.


II. Aceitando a ré o facto material da entrega do dinheiro, mas negando o facto constitutivo ou o facto jurídico – entrega com a obrigação de restituir – é à A. que compete a prova de tal obrigação e não à ré o facto que integra o seu ónus de impugnação – a doação dos valores entregues.”


Com efeito, a invocação de uma finalidade para os pagamentos realizados, distinta da satisfação da dívida dos autos, deve ser qualificada como uma impugnação indireta, que se distingue da impugnação direta, ambas consagradas no n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil em sede de contestação, mas que são extensíveis ao posicionamento da A. face à exceção invocada pela R. BB.


Tais meios de defesa são assim definidos por Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 1985, p. 288): “A negação dos factos integradora da impugnação pode ser uma negação directa (frontal, rotunda, completa) ou ser apenas uma negação indirecta (qualificada ou per positionem). O réu, neste último caso, reconhece a realidade dos factos (ou de parte deles) invocados pelo autor, mas dá-lhes uma versão diferente, contrariando assim a verificação dos factos constitutivos do direito do autor.


Logo, não é correta a afirmação da R., vertida nas suas alegações, de que competia à A. provar de que forma foi feita a imputação dos valores pagos pela sua mãe e a que título (ponto 25. das conclusões).


Na verdade, como resulta de todo o acima exposto, não basta provar o pagamento, é preciso demonstrar também a sua causa, e esta causa não representa um facto constitutivo do direito da A., mas antes um facto integrante da exceção invocada pela R..


E não obstante os factos alegados em sede de defesa por impugnação indireta possam ser enunciados na decisão de facto, como sucedeu no caso em apreço, essa circunstância não modifica a sua natureza.


A impugnação da A. torna, deste modo, controvertido o facto atinente à finalidade dos pagamentos, o qual, por isso, configura um facto carecido de prova, nos termos do artigo 410.º do Código de Processo Civil.


A prova desse facto competia à R. BB, por integrar a exceção perentória extintiva do pagamento invocada na contestação, nos termos do disposto no citado n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil.


Acresce, como se indicou no acima citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.07.2006, o pagamento não se presume.


Ora, o Tribunal a quo não julgou provado que os sobreditos pagamentos se tenham destinado a satisfazer os honorários em dívida e julgou provado que tais pagamentos cumpriram outras finalidades, tendo motivado essa decisão, plasmada nos pontos 76. e 77. dos factos provados, com os documentos e os depoimentos de testemunhas aí referidos.


Os documentos referidos são todos eles pertinentes aos factos em apreço, sublinhando-se o seguinte:


- os docs. 16 e 17 juntos com a p.i. aperfeiçoada são cartas remetidas pela A. à R. BB, a 19.02.2014 e a 21.02.2014, onde é enviada cópia da contestação e uma fatura de “despesas directas”, aludindo-se expressamente à taxa de justiça no valor de € 714,00 (fls. 164 a 164-v) (factos provados 24. e 26.)

• o que confere com o recibo e a fatura juntos como docs. 2 e 3 com a pronúncia da A. sobre os docs. juntos com a cont. (fls. 61 a 62) e a carta junta como doc. 21 com a p.i. aperfeiçoada (fls. 167), que consubstancia outra carta dirigida à R. BB, a 05.03.2014 (facto provado 30.);


- os docs. 10 e 11 juntos com a pronúncia da A. sobre os docs. juntos com a cont. constituem o recibo e a fatura relativos ao pagamento de € 918,00 a título de taxa de justiça, daí constando o nome da mãe da R. como destinatária do doc. e o código de identificação do cliente “1363” (fls. 69 e 70);

• o que confere com as cartas dirigidas pela A. à R. BB, a 02.01.2015 e 26.01.2015, onde se alude expressamente ao facto de esta despesa no valor de € 918,00 respeitar à mãe da R. e ao “dossier Acção Usucapião (1363.0011)”, bem como se diz que o remanescente valor de € 158,00, que completa o valor total de € 1.076,00, cujo pagamento a A. solicita à R. BB e depois agradece, enviando os correspondentes recibos, é devido por reporte a outros três processos judiciais, a saber, duas expropriações e uma restituição de posse, que são titulados por outro cliente, com o código de identificação “5067” (doc. 28 junto com a p.i. aperfeiçoada) (fls. 170-v) (facto provado 38.);


- os docs. 13 e 14 juntos com a pronúncia da A. sobre os docs. juntos com a cont. constituem o recibo e a fatura relativos ao pagamento de € 4.172,00 a título de “pagamento antecipado de encargos” (fls. 72 a 73), verificando-se que o código de identificação do cliente que consta da fatura e do recibo é o “5067” e que o nome que daí consta, como destinatária dos docs., é o da R. BB.


Ou seja, quer a quantia de € 158,00, quer a quantia de € 4.172,00, correspondem a despesas relacionadas com a R. BB, cujo código de identificação de cliente junto da A. é o “5067”, não se tratando, pois, de despesas da mãe da R., cujo código de identificação de cliente junto da A. é o “1363”.


Fica, assim, demonstrado que ressalvado o pagamento de € 4.305,00, em 07 de março de 2014, que foi devidamente considerado pela A., conforme decorre do ponto 76. dos factos provados, os demais pagamentos alegados pela R. BB não se destinaram a satisfazer a dívida de honorários da sua mãe relativa ao “dossier Ação Usucapião”, que é o objeto dos nossos autos.


Adicionalmente, os depoimentos de testemunhas referidos na motivação não foram sindicados pela R. BB.


Sublinhe-se ainda que a prova destes factos não é vinculada ou tarifada, isto é, não está legalmente estabelecido que a sua demonstração deva ser efetuada através de um específico meio de prova, sendo a regra legal precisamente a oposta, pois decorre do princípio da livre apreciação da prova, plasmado no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, que todos os meios de prova são idóneos à demonstração de um facto.


Só assim não sucede se a lei dispuser diferentemente, como sucede com o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados, nos termos do artigo 364.º do Código Civil, o que, todavia, não tem aplicação neste caso.


Nada vislumbramos nos autos, pois, que imponha decisão diversa, mostrando-se a prova documental conforme com o entendimento adotado pelo Tribunal a quo, pelo que devem ser mantidos os pontos 76. e 77. dos factos provados, assinalando-se que a circunstância de se manter no elenco dos factos provados o ponto 77. implica que se deva manter também nos factos provados o ponto 76., isto é, não tendo sido demonstrados outros pagamentos por conta dos honorários, conclui-se que o único pagamento a atender a este título é aquele que daqui consta, no valor de € 4.305,00, correspondente ao valor de € 3.500,00 acrescido de IVA.


Por sua vez, este valor mostra-se devidamente articulado com a afirmação constante do ponto 75. de que o valor dos serviços prestados e das despesas realizadas ascende ao total de € 9.537,64, correspondente à soma das seguintes quantias:


- € 9.084,84, com IVA, que corresponde à soma dos seguintes valores:


€ 7.000,00, sem IVA, a título de honorários, conforme fatura n.º FT 6/1392, datada de 06.11.2017 (doc. 5 junto com a primitiva p.i., a fls. 29);


€ 298,55, sem IVA, a título de despesas de expediente, conforme fatura n.º FT 6/1392, datada de 06.11.2017 (doc. 5 junto com a primitiva p.i., a fls. 29);


€ 87,50, sem IVA, a título de certificações e reconhecimentos, conforme fatura n.º FT 6/1392, datada de 06.11.2017 (doc. 5 junto com a primitiva p.i., a fls. 29);


- € 422,80, a título de despesas, conforme fatura n.º FT 5/54, datada de 24.04.2014 (doc. 7 junto com a primitiva p.i., a fls. 31 a 32).


- € 30,00, a título de certidões e registo, conforme fatura n.º FT 5/542, datada de 09.03.2017 (doc. 6 junto com a primitiva p.i., a fls. 30).


3. Da Fundamentação de Direito


No caso em apreço a A. invoca a existência de um contrato de mandato celebrado com a mãe e avó dos RR., alegando que nesse âmbito praticou atos jurídicos e realizou despesas no âmbito do processo judicial n.º 2699/13.9..., pelo que lhe assiste o direito ao recebimento de honorários e ao reembolso das despesas.


Estão provados os factos que revelam a existência do referido contrato e a sua execução (factos 4. a 65., 67. e 72.), nos termos dos artigos 1157.º e 1161.º, alínea a) do Código Civil.


Por outro lado, a A. demonstrou que lhe assiste o direito a honorários no valor de € 10.500,00, sem IVA, e mais ficou provado que por conta destes honorários a mãe da R. lhe pagou € 3.500,00, sem IVA (facto 76.), ou seja, a mãe da R. ficou a dever à A. € 7.000,00, sem IVA, à A., a este título.


Mais ficou provado ter a A. direito ao reembolso de despesas efetuadas no âmbito do referido contrato de mandato, o que, somado ao valor dos honorários em dívida, perfaz o total de € 9.537,64 (facto 75.).


Incumbe ao mandante proceder ao pagamento da retribuição devida pela execução do mandato (artigos 1167.°, alínea b), 406.°, n.° 1 e 762.°, n.° 1 do Código Civil).


Acresce que é ao devedor que compete provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua, como determina o artigo 799.°, n.° 1 do Código Civil.


Ora, a R. invocou a exceção perentória extintiva do pagamento, mas apesar de ter logrado demonstrar a realização de pagamentos, não ficou provado que estes se destinaram a satisfazer a dívida de honorários de que se cura nestes autos.


Assim, mostra-se correta a decisão de condenação dos RR. na quantia peticionada pela A., no referido valor total de € 9.537,64, correspondente à soma das quantias devidas a título de honorários e despesas.


Consequentemente, deve o recurso ser julgado improcedente.


4. Das Custas


Ficando a R. BB vencida no recurso, as custas do recurso são da sua responsabilidade (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).


5. Da Litigância de Má Fé


a) Peticiona a A. a condenação da R. BB por litigância de má fé, em multa e indemnização de montante não inferior a € 1.500,00, com fundamento no disposto no artigo 542.º, n.º 2, alíneas a), b) e d) do Código de Processo Civil.


Sustenta a A. o seu pedido nas seguintes circunstâncias:


- a R. apresentou dois recursos fora de prazo, pretendendo ludibriar um prazo não cumprido;


- a R. impugnou os despachos de 06.11.2018 e de 21.01.2019, mas nada disse nos autos após notificação do requerimento invocando o erro de escrita;


- a R. impugnou os depoimentos das testemunhas LL e MM, pretendendo incluir as testemunhas no âmbito do Estatuto da Ordem dos Advogados, que não lhes é aplicável;


- a R. impugnou as despesas invocadas pela A., mas os comprovativos dos valores pagos com respeito a certidões e taxas de justiça constam dos autos principais;


- em suma, a R. atuou em violação das mais elementares regras de direito e práticas processuais, nomeadamente, dos princípios da descoberta da verdade, da demanda e sã cooperação, da boa fé processual e até de abuso de direito.


A R. pugnou pela improcedência do pedido em apreço.


b) Preceitua o referido artigo 542.º do Código de Processo Civil o seguinte:


“1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.


2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:


a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;


b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;


c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;


d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”


A litigância de má fé é descrita por António Menezes Cordeiro (Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Ação e Culpa «in Agendo», 2ª ed., Coimbra, 2011, p. 59) como um “instituto processual, de tipo público e que visa o imediato policiamento do processo”, tendo em vista assegurar que na dedução de pretensões em juízo e na correspondente defesa se observem princípios de conduta éticos, pautados por deveres de verdade, de lealdade e de respeito.


Esta orientação estrutural de conteúdo ético é, aliás, expressamente proclamada no artigo 8.º do Código de Processo Civil, onde se estabelece que “as partes devem agir de boa-fé”.


Referem, a este propósito, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., Coimbra, 2024, pp. 38-39), que “A boa-fé objetiva estabelece as balizas de atuação de todos os que participam na relação jurídica processual, impondo uma conduta proba e leal. A regra da boa-fé constitui um limite imanente da atuação processual, o qual deriva de forma mediata da necessidade de proteger os direitos fundamentais da tutela efetiva, da defesa, da igualdade e de um processo com todas as garantias (…) A regra da boa-fé é uma norma cogente, de ordem pública no sentido de que atua independentemente da vontade dos interessados e mesmo contra a vontade destes, que não podem impedir a sua aplicação. Neste sentido, pode afirmar-se que a boa-fé objetiva atua como norma delimitadora do exercício doutros princípios processuais, como o do contraditório e o da igualdade das partes”.


O quadro sancionatório previsto no artigo 542.º do Código de Processo Civil constitui, assim, uma garantia da observância dos referidos princípios da lealdade, verdade e respeito, exercendo também uma função de prevenção geral e especial.


A má fé pode ser substancial (alíneas a), b) e c)) ou processual (alínea d)), sendo essencial a ideia de que o dano não constitui elemento integrador do instituto, relevando apenas “o próprio comportamento, mesmo que, pelo prisma do prevaricador, ele não tenha conduzido a nada” (Litigância de Má-Fé…, p. 56).


c) Ora, percorrendo as circunstâncias invocadas pela A. para suportar o pedido de que se cura importa começar por dizer que o Tribunal a quo decidiu que o primeiro recurso foi apresentado oportunamente e rejeitou o segundo recurso apresentado pela R. BB, por não ser admissível a substituição de peças processuais, o que tudo se revela correto. Assim, claudica o primeiro fundamento deste pedido.


Com respeito ao segundo fundamento, é verdade que a R. BB não se pronunciou sobre o requerimento da A. de alteração do valor da ação, porém, essa atitude não lhe retira a faculdade de impugnação do correspondente despacho, entendendo-se, por isso, que a interposição de recurso desse despacho não configura litigância de má fé.


De seguida, no recurso que foi admitido, a R. BB não impugnou os depoimentos das testemunhas, o que determina a falência deste fundamento.


Por último, a R. BB não logrou provar que uma parte dos pagamentos alegados na contestação se destinaram à satisfação dos honorários devidos pela sua mãe no âmbito do processo judicial n.º 2699/13.9..., antes tendo ficado demonstrado que esses pagamentos visaram outras despesas ou não tinham conexão com aquele processo judicial.


No presente recurso a R. BB retomou esta questão, mas alterou o rumo da sua defesa, como decorre do confronto da contestação com as alegações de recurso.


Assim, a R. BB declarou, no artigo 23º da sua contestação, que:


“(…) como se alcança dos autos principais a Taxa de Justiça devida pela apresentação da contestação foi paga em 18 de Fevereiro de 2014, no montante de 714,00 €, tendo sido efectuado o pagamento do seu complemento, no valor de 918,00 €, em 16 de Dezembro de 2014.”


Todavia, no presente recurso a R. BB verteu as seguintes considerações nas conclusões das suas alegações:


“29. Quanto à alínea a) do ponto 77 da factualidade dada como provada o Tribunal a quo considerou que o montante pago de € 714,00, foi pago a título de taxa de justiça inicial e que fora solicitada pela fatura n.º 5/16 de 21.02.2014 pela Recorrida.


30. No entanto, em momento algum a Recorrida fez prova nos autos do pagamento efetivo da alegada taxa de justiça que supostamente justificou a emissão daquela fatura. (…)


35. Mais uma vez, indevidamente, o Tribunal a quo deu como provado que fora paga pela Recorrente uma taxa de justiça no valor de € 918,00. O que não se pode aceitar, porquanto inexiste prova cabal nesse sentido!”


É flagrante a contradição em que a R. BB incorre quanto a estes factos essenciais para o desfecho da causa, porquanto foram invocados como suporte de uma exceção perentória extintiva.


Consta, por outro lado, o seguinte dos factos provados sob 5. e 9.:


“5.- Tais serviços profissionais foram prestados à falecida DD nos termos da procuração outorgada em 21-01-2014 pela ora ré BB, na qualidade de representante legal de sua mãe DD, procuração essa junta com a contestação/reconvenção apresentada no identificado processo. (…)


9.- Assim, em 21-01-2014 a ré BB teve uma reunião no escritório da autora onde entregou a cópia da petição inicial do processo n.º 2699/13.9TBEVR, deu informações relacionadas com a mesma de forma ao estudo demorado da petição inicial que ainda ocorreu no referido dia, informando-se a ora ré BB das possibilidades de êxito do processo intentado pelo irmão.”


Adicionalmente, decorre dos factos provados 24., 26., 30., 33., 35., 38., 41., 45., 48., 52., 56., 57., 66. e 71., que a A. remeteu múltiplas cartas e comunicações por email à R. BB, no decurso do processo, prestando informações, solicitando pagamentos, e renunciando, por fim, ao mandato.


Os factos provados indicados tornam evidente o facto de que a R. BB acompanhou efetivamente o processo judicial em causa desde o seu início, na qualidade de representante legal da sua mãe, pelo que estava na posse plena das informações sobre a tramitação dos autos, a que acresce o facto de que a ação de honorários corre por apenso à ação na qual foram prestados os correspondentes serviços, o que revela de modo ostensivo os atos praticados no processo.


Assim se compreende e justifica, aliás, a afirmação da R. BB na sua contestação de que a taxa de justiça e o seu complemento foram pagos “como se alcança dos autos principais”.


O comportamento processual da R. BB em sede de alegações de recurso ofende, deste modo, os princípios de lealdade e de verdade que se exigem a quem litiga, pois existem limites éticos para a forma como se apresenta uma defesa relativamente às pretensões deduzidas em juízo.


A posição recursiva da R. BB deve, por isso, ser qualificada como uma consciente e deliberada alteração da verdade dos factos e a dedução de uma oposição deliberada e conscientemente infundada, o que configura litigância de má fé.


O instituto tem vindo a ser densificado na análise dos casos concretos, citando-se, a este respeito, os seguintes arestos, onde se concluiu pela ocorrência de litigância de má fé, com base em comportamentos que revelam a deliberada e consciente dedução de pretensões infundadas:


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.07.2021 (Luís Espírito Santo) (Processo n.º 1255/13.6TBCSC-A.L1-A.S1, in http://www.dgsi.pt/):


“I- O comportamento processual contrário à lei, desde que se conclua que foi adoptado pelo agente com dolo ou negligência grave na prossecução de uma finalidade inadmissível e susceptível de afectar seriamente, de forma injustificada, os interesses da parte contrária, consubstancia uma conduta reprovável e sancionada no âmbito do instituto da litigância de má fé.


II- A litigância processual exige responsabilidade, probidade e prudência, não sendo aceitável ou admissível a utilização desenfreada e sem critério de todos os meios e expedientes de que a parte se lembre para a prossecução e obtenção dos fins que a possam favorecer.


III- A lei apenas admite o exercício das faculdades processuais que assentem, em termos razoáveis, na realidade revelada objectivamente nos autos; proíbe, por sua vez, o uso dos meios processuais que se fundam naquilo que nunca aconteceu, e de que a parte, actuando com a prudência e diligência medianas e exigíveis, disso poderia e deveria perfeitamente aperceber-se, não atirando para os articulados pretensões assentes unicamente no que é aparente ou ilusório.


IV- Não é concebível, nem desculpável, que a parte se atreva, temerariamente, em sede de recurso de apelação, a peticionar a anulação de parte substancial do processado, com as desastrosas consequências que sabe encontrarem-se-lhe associadas - penalizando profundamente a contraparte que aliás, na situação sub judice, nada teria a ver com a irregularidade processual invocada -, sem que houvesse previamente analisado e estudado o processo, verificando, com um mínimo de rigor e diligência, se existia ou não o grave vício que dizia ter sido cometido.


V- Maior grau de gravidade assume tal conduta quando se trata da invocação de uma nulidade cometida pela mesma parte (exequente/embargado) que teria juridicamente praticado o acto reputado de nulo, visando-se através desse enviesado estratagema desfazer, anulando, o resultado jurídico sentenciado, em desfavor exclusivo dos executado/embargado, que era absoluto e completamente alheio a tais vicissitudes.”


- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.11.2022 (Edgar Taborda Lopes) (Processo n.º 7819/18.4T8LSB-D.L1-7, in http://www.dgsi.pt/):


“I – O Código de Processo Civil institui uma filosofia de colaboração que consagra o dever de boa fé processual, que tem correspondência na sanção como litigante de má-fé de quem o viola, seja com dolo, seja com negligência grave.


II – A litigância dolosa e a litigância temerária são sancionadas com litigância de má-fé, correspondendo à ultrapassagem clara e ostensiva dos limites da “litigiosidade séria" (que "dimana da incerteza”).


III – Embora, meses depois, tenha vindo dizer que o fez por lapso, litiga de má fé uma parte que, para procurar benefícios processuais, articula factos que não pode deixar de saber que não são verdadeiros e que são a base da sua pretensão (que constroem uma versão e narrativa completa e repetida), culminando a pedir a condenação da outra parte na multa máxima por cada um dos incumprimentos invocados. IV – O sujeito passivo da litigância de má fé é - em última análise - o Tribunal, pelo que se exigem consequências para as utilizações maliciosas, malévolas e abusivas do processo que desrespeitam o interesse público de respeito por este e pela própria Justiça, só assim se reforçando a soberania dos Tribunais, o respeito pelas suas decisões, a sua credibilidade e o prestígio da Justiça.”


d) Conforme o disposto no n.º 3 do artigo 27.º do Regulamento das Custas Processuais, nos casos de condenação por litigância de má fé, a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC, o que Salvador da Costa (As Custas Processuais, 10ª ed., Coimbra, 2024, p. 210) considera uma solução “que se conforma com o relevo no nosso ordenamento processual do dever de boa fé”.


A unidade de conta tem presentemente o valor de € 102,00, por força do disposto no artigo 5.º, n.ºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais, em conjugação com o artigo 296.º da Lei n.º 45-A/2024, de 31.12.


Assim, a multa deve ser fixada entre € 204,00 e € 10.200,00.


Retomando o citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.11.2022, entendeu-se aí que:


“V – Constatada a litigância de má fé impõe-se a aplicação de uma multa (não apenas simbólica, para não perder o valor sancionatório), cuja concretização haverá de decorrer do prudente arbítrio do juiz, que pondere a maior ou menor intensidade do dolo/negligência grave do litigante, a gravidade e as consequências da intenção malévola, o valor e natureza da causa, a situação económico-financeira do litigante de má-fé e a maior ou menor gravidade dos riscos corridos pelos interesses funcionais do Estado, mas também a função pedagógica que assume (e que implica a necessidade de desincentivar outras litigâncias malévolas, em processos judiciais).”


A esta luz, considera-se intenso o dolo, por estarmos em presença de factos que a parte reconheceu inequivocamente no decurso dos autos, havendo ainda a ponderar que a consequência desta defesa infundada foi o protelamento do trânsito em julgado da sentença, estando em causa a cobrança de dívidas com cerca de dez anos de antiguidade, e não olvidando também o mencionado aspeto da função pedagógica da afirmação contra-fáctica do imperativo da lide leal e verdadeira.


Tudo visto, afigura-se adequada a multa de 4 UC, o que se traduz no valor de € 408,00.


e) No que tange à indemnização, rege o artigo 543.º do Código de Processo Civil, com o seguinte teor:


“1 - A indemnização pode consistir:


a) No reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos;


b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé.


2 - O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa.


3 - Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte.


4 - Os honorários são pagos diretamente ao mandatário, salvo se a parte mostrar que o seu patrono já está embolsado.”


Conforme explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, vol. 2°, 3ª ed., Coimbra, 2017, p. 463), no citado normativo contemplam-se, assim, duas categorias de indemnizações:


- reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos (al. a)), ou seja, “danos emergentes diretamente causados à parte contrária pela atuação de má-fé”;


- reembolso dessas despesas e satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má fé (al. b)), ou seja, “todos os prejuízos que ela sofre, incluindo lucros cessantes, em consequência, direta ou indireta, da atuação de má-fé”.


Ora, pese embora a A. peticione uma quantia certa, concretamente, € 1.500,00, não indica o valor das despesas incorridas com o recurso.


Afigura-se, de todo o modo, que a tramitação do recurso fez necessariamente a A. incorrer em despesas com a taxa de justiça devida pela apresentação das contra-alegações e os honorários de mandatário.


É verdade que a A. é uma sociedade de advogados, mas esta circunstância não deve obstar ao arbitramento de uma indemnização, sob a perspetiva de que a apresentação de contra-alegações exigiu o estudo do processo e o inerente trabalho de redação da peça processual, necessariamente desenvolvido por profissional do foro, o qual afetou o seu tempo e qualificações profissionais a esta atividade.


Deve, porém, operar-se a articulação entre esta indemnização e o regime das custas de parte.


Estabelece-se, efetivamente, no n.º 3 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais que a parte vencida é condenada ao pagamento, a título de custas de parte, dos “valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento” (al. a)) e de “50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial” (al. c)).


Em face deste dispositivo legal, consideramos que ocorrerá duplicação de indemnização pelo mesmo dano se for calculada por inteiro a indemnização no âmbito do incidente de litigância de má fé, pelo que competirá descontar o valor que será reembolsado por força do regime das custas de parte (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20.12.2018 (Maria João Sousa e Faro), Processo nº 33232/15.7T8LSB.E1, in http://www.dgsi.pt/).


Assim, assiste à A. o direito ao reembolso integral da taxa de justiça no âmbito do regime legal das custas de parte, uma vez que a R. BB decaiu no recurso. Não deve, em consequência, arbitrar-se qualquer indemnização a este título em sede de condenação por litigância de má fé.


No que tange aos honorários de mandatário, inexistindo outra referência, entendemos ajustado o critério adotado no citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.11.2022, aplicando ao caso a Tabela de Honorários para a Proteção Jurídica, anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10.11, de onde decorre que o valor a considerar é de 9 UC (recurso de apelação), ou seja, € 918,00.


Consequentemente, atendendo a que as partes pagaram € 306,00, a título de taxa de justiça, com respeito ao recurso (€ 153,00 cada uma), metade do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes corresponde a € 153,00, pelo que se subtrairmos este valor aos € 918,00 de honorários, obtemos o valor final de € 765,00, que constitui, em conclusão, a indemnização a arbitrar.


IV – Dispositivo


Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em:


1. Julgar improcedente a apelação, mantendo integralmente a decisão recorrida;


2. Julgar procedente o pedido de litigância de má fé formulado pela A., condenando a R. BB por litigância de má fé, em multa no valor de 4 UC, o que corresponde a € 408,00, e em indemnização a favor da A. no valor de € 765,00.


Custas pela R. BB.


Sónia Moura (Relatora)


Maria Adelaide Domingos (1ª Adjunta)


Elisabete Valente (2ª Adjunta)