I. Colocada na posição de concessionária da exploração do estacionamento tarifado de superfície em via pública e equiparada num município, a Apelante prossegue finalidades de interesse público estando, assim, munida de poderes de autoridade para tal, o que configura a existência de uma relação jurídica administrativa/tributária.
II. Os tribunais judiciais não são materialmente competentes para apreciação de procedimento de injunção com vista ao pagamento de quantias monetárias relativas ao estacionamento de viatura particular em zonas abrangidas pela concessão de exploração do estacionamento tarifado por parte de uma Câmara Municipal.
Tribunal Judicial da Comarca de ...
Juízo de Competência Genérica de ...
Apelante: Datarede, S.A.
Apelada: AA
***
Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:
1-No presente recurso de apelação foi proferida, no dia .../.../2024, pelo relator, decisão singular, ao abrigo do disposto no artigo 652º, n.º 1, b), do CPC, com o teor que de seguida se transcreve:
“I – RELATÓRIO
Datarede, S.A. instaurou no Balcão Nacional de Injunção (BNI), procedimento de injunção contra AA invocando o seguinte:
“1.A Requerente é uma sociedade que se dedica, além do mais, à exploração e prestação de serviços na área do parqueamento automóvel.
2.No âmbito da referida exploração, a Requerente adquiriu e colocou, em vários locais da cidade de ..., máquinas para pagamento de estacionamento automóvel, com a indicação dos preços e condições de utilização dos mesmos.
3.A Requerida é proprietária do veículo automóvel com a matrícula ..-IM-...
4.Enquanto utilizadora do referido veículo, a Requerida estacionou o referido veículo, nos vários parques de estacionamento que a Requerente explora na cidade de ..., sem se dignar a proceder ao pagamento do tempo de utilização, conforme regras devidamente publicitadas no local.
5.Assim sucedeu, nomeadamente nos seguintes locais, que se discriminam:
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6.O total do valor em dívida ascende a € 2.156,70 que a Requerida, apesar das inúmeras insistências da Requerente, se vem recusando a pagar até hoje.
7.Os juros de mora vencidos, somam € 173,02 calculados à taxa legal em vigor desde a data do vencimento dos respetivos avisos de pagamento até à presente data.
8.Deste modo, tem a Requerente o direito de receber da Requerida o crédito no montante global de € 2.329,72 e ainda o direito a executar o património da devedora nos termos do disposto no art. 817º do Código Civil.”
Citada, veio a Requerida deduzir oposição à injunção por impugnação e por excepção, invocando no que tange a este último mecanismo de defesa a ineptidão do requerimento injuntivo, a incompetência absoluta, em razão da matéria, do tribunal judicial de comarca, com a respectiva absolvição da instância e, assim não se entendendo, ainda a excepção perentória de prescrição com a sua consequente absolvição do pedido.
Tendo o procedimento sido remetido a Tribunal para distribuição foi proferido o seguinte despacho:
“Tendo sido alegada pela requerida matéria de exceção (ref.ª citius n.º 34411680), notifique a autora para, querendo e no prazo de 10 dias, pronunciar-se quanto à mesma, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.”
A Requerente respondeu tendo no tocante à excepção dilatória de incompetência em razão da matéria referido o seguinte:
“[…]
DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
3. Os montantes peticionados nos presentes Autos, representam a contraprestação devida pela utilização de múltiplos estacionamentos em parqueamentos de automóveis, delimitados e perfeitamente assinalados, cuja exploração foi contratualizada à Requerente pela Câmara Municipal de ..., mas que a requerida se permitiu utilizar em benefício próprio, sem, no entanto, proceder ao devido pagamento.
4. A DATA REDE S.A. celebrou contratos de Concessão com várias Câmaras Municipais, para fornecimento, instalação e exploração de parquímetros coletivos, em zonas de estacionamento automóvel de duração limitada.
5. Mediante tais contratos, a DATA REDE SA explora, gere e mantém parques de estacionamento automóvel em várias cidades, nomeadamente, ....
6. No âmbito da exploração em causa, a DATA REDE SA colocou na cidade de ..., nos vários locais de estacionamento automóvel, dispendiosas máquinas de pagamento com a indicação dos preços e condições de utilização dos mesmos, devendo o respetivo pagamento ser efetuado previamente.
7. Violando a sua obrigação de pagamento do tempo de imobilização dos seus veículos, nos parqueamentos explorados pela Requerente, são os automobilistas posteriormente notificados para procederem ao pagamento omitido, sendo então cobrado o tempo máximo de utilização, por falta de referência concreta ao tempo efetivo de utilização.
8. Os valores cobrados nestes Autos, não revestem natureza sancionatória ou de contraordenação, tratando-se pelo contrário, de pagamentos devidos em contraprestação de relações contratuais privadas, as quais, face ao seu incumprimento, não geram procedimentos contraordenacionais, típicos da violação/incumprimento de obrigações do domínio do Direito Público, mas sim procedimentos de cobrança comercial, por incumprimento da obrigação de uma das partes contratantes.
9. Contra o afirmado ma Oposição, a requerente não cobra taxas a ninguém.
10. Como verificado pela DATA REDE SA, o veículo com a matrícula ..-XI-.. encontrava-se estacionado em locais de estacionamento explorados pela requerente, em situação de incumprimento do correspondente pagamento, nos dias e horas discriminados no Requerimento de Injunção.
11. Sendo o contrato de utilização dos parqueamentos explorados pela DATA REDE SA, um contrato de natureza privada, a sua violação faz incorrer o utilizador inadimplente em responsabilidade civil por incumprimento do contrato, sendo competentes para apreciar quaisquer questões derivadas da sua interpretação, os tribunais comuns.
12. Como é sabido, a competência dos tribunais judiciais determina-se por uma regra de exclusão: são da competência dos tribunais judiciais, as causas que não sejam atribuídos a outra ordem jurisdicional.
13. Aos tribunais administrativos e fiscais compete expressa e exclusivamente o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto litígios emergentes de relações jurídico-administrativas e fiscais.
14. O atual Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais dá relevância ao conceito da relação jurídico-administrativa – conjunto de relações onde a ... atua, dotada de poderes de autoridade.
15. Agindo a ..., enquanto entidade privada, na exploração dos parqueamentos automóveis, como concessionária, mas, sem com isso, ser investida em poderes de autoridade, agindo, portanto, em nome particular e próprio, os valores cobrados e os atos de gestão dos estacionamentos, revestem natureza necessariamente privada e não pública.
16. E se assim é, não estando perante a cobrança de taxas ou coimas, atividade para a qual a Requerente não está mandatada ou autorizada, nem tão pouco perante litígios emergentes de relações jurídico-administrativas e fiscais, mas sim, perante relações de consumo, são os tribunais comuns os competentes para apreciar as questões emergentes da presente relação jurídica.
17. Mas, mesmo que por impossível, assim se não entendesse, o que não se aceita a não ser por hipótese de mero raciocínio, a verdade é que a recente Lei 114/2019 veio excluir da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes de relações de consumo, se relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva, atribuindo-a aos tribunais judiciais.
18. Razão pela qual, também por este motivo, seriam sempre os Tribunais Comuns os competentes para apreciar os presentes Autos.”
Conclusos os autos foi proferida no Tribunal a quo a seguinte decisão:
“Da incompetência material
Invoca a requerida na sua oposição que são competentes para dirimir o presente litígio os Tribunais Administrativos e Fiscais porquanto a requerente explora o parqueamento automóvel da cidade de ... por força de um contrato de concessão celebrado com a Câmara Municipal de ...
No exercício do contraditório veio a requerente propugnar pela improcedência da exceção invocada por em causa estar um contrato privado celebrado entre si e a requerida.
Cumpre apreciar e decidir.
Preveem os artigos 64.º, do Código de Processo Civil e 80.º, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Constituem, assim, os tribunais judiciais a regra dentro da organização judiciária e, por isso, gozam de competência não discriminada, enquanto os demais, constituindo exceção, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas.
Ora, estando a competência da jurisdição administrativa e fiscal determinada no artigo 4.º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, para que seja esta a competente para decidir um litígio é necessário o preenchimento de uma das alíneas dos n.º 1 e 2, sem que esteja verificada qualquer exclusão prevista nos n.º 3 e 4, todos do referido normativo.
Quando o serviço público é atribuído a uma entidade privada do sector privado, estabelece-se uma relação de colaboração entre a ... (titular do serviço) e o gestor do serviço, dado que por meio da concessão dá-se uma delegação de serviços públicos comerciais e industriais a empresas privadas que executam o serviço em seu próprio nome e por sua conta e risco, mas submetendo-se à fiscalização e ao controlo por parte da .... Assim, uma empresa concessionária da exploração e gestão dos serviços públicos municipais atua em substituição deste, pelo que se trata de uma entidade particular no exercício de um poder público e atuando com vista à realização de um interesse público, sendo o contrato de concessão um contrato administrativo – foi o que foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/04/2021, relatado por Micaela Sousa, proc. n.º 7325/20.7YIPRT.L1-7, disponível in www.dgsi.pt.
Pelo exposto, pese embora a requerente seja uma entidade privada, certo é que age no exercício de um poder público pelo que em causa está uma relação jurídica administrativa pelo que encontra-se preenchida a al. e), do n.º 1, do artigo 4.º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Ademais, não assiste razão à requerente na invocação da exceção estabelecida na al. e) do n.º 4, do referido diploma legal, por em causa não estar um serviço público essencial pois entende-se que os mesmos estão estabelecidos no artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 23/96, de 26 de julho.
A incompetência material constitui uma exceção dilatória que determina a incompetência absoluta do tribunal, nos termos dos artigos 96.º, al. a), 97.º, 99.º, 576.º, n.º 2 e 577.º, al. a), do Código de Processo Civil.
Termos em que se julga verificada a exceção dilatória da incompetência absoluta em razão da matéria e, consequentemente, se declara o presente Tribunal Judicial incompetente, em razão da matéria, para a apreciação da presente ação e se absolve a requerida da instância.
Fixa-se à causa o valor de € 2.329,72 por força dos artigos 18.º, do Anexo ao DL n.º 269/98 e 306.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Custas da responsabilidade da requerente.
Registe e notifique.”
*
Inconformada com o decidido veio a Requerente apresentar requerimento de recurso tendo alinhado no final as seguintes conclusões:
“IV – CONCLUINDO
a) Vem o presente recurso apresentado contra o Douto Despacho A Quo, que decidiu julgar a incompetência material do Juízo de Competência Genérica de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de ..., para decidir o pedido da Autora e requerente Data Rede SA., absolvendo consequentemente a Ré da Instância.
b) No âmbito da sua atividade, a Autora celebrou um contrato de concessão com a Câmara Municipal de ..., através do qual lhe foi cedida a exploração particular de zonas de estacionamento automóvel na cidade sem cedência de quaisquer poderes de autoridade.
c) No seguimento deste contrato de concessão, a ... adquiriu e instalou em vários locais da cidade de ..., onerosas máquinas para pagamento dos tempos de estacionamento automóvel, para as quais desenvolveu o necessário software informático.
d) A Ré é proprietária do veículo ligeiro automóvel com a matrícula ..-IM-...
e) Enquanto utilizadora do referido veículo automóvel, a Ré estacionou o mesmo em diversos Parques de Estacionamento que a Autora explora comercialmente na cidade de ..., sem, contudo, proceder ao pagamento dos tempos de utilização, num total em dívida de € 2.156,70 que a Requerida recusa pagar.
f) Para cobrança deste valor, a Recorrente viu-se obrigada a recorrer aos tribunais comuns, peticionando o seu pagamento, pois a sua nota de cobrança está desprovida de força executiva, não podendo, portanto, dar lugar a um imediato processo de execução, seja administrativo ou fiscal.
g) A natureza jurídica da quantia paga pelos utentes em contrapartida da prestação do serviço de parqueamento é a de um preço e não de um encargo ou contrapartida com natureza fiscal ou tributária.
h) As ações intentadas pela A. contra os proprietários de veículos automóveis inadimplentes, que não tenham procedido ao pagamento dos montantes devidos, por outro lado, não se inserem em prorrogativas de autoridade pública, mas sim no âmbito da gestão que lhe compete fazer enquanto entidade privada.
i) Por outras palavras, a Câmara Municipal de ... celebrou com a A., aqui recorrente, um contrato de fornecimento, instalação e exploração de parquímetros na Cidade de ....
j) O contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida não se confunde com os contratos de natureza pública, celebrados entre uma entidade privada e uma entidade pública, munida de poderes de autoridade.
k) A recorrente ao atuar perante terceiros, não se encontra munida de poderes de uma entidade pública, e sim com poderes de uma entidade privada, pelo que, e contrariamente ao entendimento do Tribunal “a quo”, o contrato estabelecido entre A. e R., relativo à utilização dos parqueamentos explorados pela requerente, é de direito privado, cuja violação é suscetível de fazer o utilizador incorrer em responsabilidade contratual por incumprimento do contrato.
l) A doutrina qualifica este tipo de contrato como uma relação contratual de facto - em virtude de não nascer de negócio jurídico - assente em puras atuações de facto, em que se verifica uma subordinação da situação criada pelo comportamento do utente ao regime jurídico das relações contratuais, com a eventual necessidade de algumas adaptações.
m) O estacionamento remunerado, apresenta-se como uma afloração clara da relevância das relações contratuais de facto e a relação entre o concessionário e o utente resulta de um comportamento típico de confiança.
n) Comportamento de confiança, que não envolve nenhuma declaração de vontade expressa, e sim uma proposta tácita temporária de um espaço de estacionamento, mediante retribuição.
o) Proposta tácita temporária da A., que se transforma num verdadeiro contrato obrigacional, mediante aceitação pura e simples do automobilista, o qual, ao estacionar o seu automóvel nos parques explorados pela A., concorda com os termos de utilização propostos pela A., amplamente publicitados no local.
p) Ao recusar o pagamento dos tempos de utilização dos parques, a Ré viola o contrato de utilização que celebra tacitamente com a A..
q) Assim, estabelecendo A. e R. uma verdadeira relação contratual, o Tribunal competente é o Tribunal Judicial e não o Tribunal Administrativo e Fiscal.
r) Essencial para se determinar a competência dos tribunais administrativos é, a existência de uma relação jurídica administrativa.
s) Sabendo-se que a concretização de tal conceito constitui tarefa difícil, podemos, no entanto, definir a relação jurídica administrativa como aquela que «por via de regra confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à ... perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a ...».
t) A ..., ao contrário o que vem referido na douta sentença, nunca atuou em substituição da autarquia, munida de poderes concessionados.
u) Fundamental é que a Recorrente carece, em absoluto, de poderes de autoridade, fiscalização ou ordenação efetiva, apenas podendo registar os incumprimentos de pagamento e tentar recuperar judicialmente, sem acesso direto a um título executivo, os valores que tiverem sido sonegados, em violação da relação contratual de confiança, pelos utentes.
v) Por tudo o que se alegou, mal andou o Tribunal “a quo” ao declarar-se incompetente em razão da matéria, pois, o Tribunal recorrido é o competente, motivo pelo qual foram violados, entre outros, os artigos erradamente citados pela Sentença a quo, quer os artigos 96º, al. a), 97º Nr.1, 278º, Nr.1 al. a), 577º al. a) e 578º do CPC, quer o artigo 4º nr.1, al.e) do ETAF, quer ainda o artigo 40º da Lei 62/2013 de 26 de agosto.
TERMOS EM QUE, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, E EM CONSEQUÊNCIA, SER A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA SUBSTITUIDA POR OUTRA, QUE JULGANDO COMPETENTE O JUÍZO LOCAL CÍVEL DE ..., ORDENE O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS, CONFORME É DO DIREITO E DA J U S T I Ç A.”
*
Não foi apresentada resposta ao recurso pela Apelada.
*
Foi proferido despacho na 1ª Instância que admitiu o recurso e ordenou a subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo a este Tribunal Superior para apreciação.
O recurso é o próprio e foi admitido adequadamente quanto ao modo de subida e efeito fixado, apenas se anotando que se mostra aplicável ao caso vertente o disposto na 1.ª parte, da alínea a), do n.º 1, do artigo 644.º, do CPC e não a alínea b), do respectivo n.º 2.
*
A nosso ver o recurso afigura-se manifestamente infundado, justificando-se, assim, que se profira decisão sumária, ao abrigo do disposto nos artigos 652º, nº 1, c e 656º, ambos do Código de Processo Civil, o que faremos de seguida.
*
II – QUESTÕES OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugado com o artigo 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que a única questão que importa decidir respeita a saber se o Tribunal a quo é, ou não, competente em razão da matéria para conhecer e decidir do pedido formulado pela Apelante.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a considerar são os já acima descritos no “Relatório”.
*
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Entende a Apelante serem os tribunais judiciais os competentes para apreciar a pretensão que formalizou através do procedimento de injunção que acabou por ser distribuído ao Juízo de Competência Genérica de ..., Comarca de ....
Mas não lhe assiste razão, conforme iremos perceber infra.
Resulta do artigo 64º do CPC, epigrafado “Competência dos tribunais judiciais“, que:
“São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.“
Esta norma deve ser devidamente conjugada com a norma prevista no artigo 96º do dito CPC, que estatui o seguinte:
“Determinam a incompetência absoluta do tribunal:
a ) A infração das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional;
b ) A preterição de tribunal arbitral.“
As regras sobre a competência em razão da matéria resultam essencialmente da Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), mormente do seu artigo 80º, em conjugação com outros diplomas legais ou normas.
No dito artigo 80º estatuiu-se que:
“1 - Compete aos tribunais de comarca preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas
pela competência de outros tribunais.
2- Os tribunais de comarca são de competência genérica e de competência especializada.”
A Apelante entende que o Tribunal a quo é materialmente competente para apreciar o litígio vertido no caso concreto ao contrário do decidido na sentença recorrida, que considerou o tribunal judicial incompetente para a apreciação do peticionado na presente injunção e absolveu a ora Apelada da instância.
Avancemos um pouco mais na análise da questão.
Diz-nos o artigo 212º , da Constituição da República Portuguesa o seguinte: […]
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“1 - Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto.”
Já o mencionado artigo 4º do ETAF prevê, designadamente, o seguinte:
“1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a:
a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos,
no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;
b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos
da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;
c) Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos
do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública;
d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por
quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos;
e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos
administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre
contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades
adjudicantes;
f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público,
incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional,
sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo;
g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários,
agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso;
h) Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o
regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito
público;
i) Condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as
legitime;
j) Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos
públicos, reguladas por disposições de direito administrativo ou fiscal;
k) Prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente
protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento do
território, urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando
cometidas por entidades públicas;
l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas
no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito
administrativo em matéria de urbanismo e do ilícito de mera ordenação social por violação
de normas tributárias;
m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas coletivas de direito público para
que não seja competente outro tribunal;
n) Execução da satisfação de obrigações ou respeito por limitações decorrentes de atos
administrativos que não possam ser impostos coercivamente pela Administração;
o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias
previstas nas alíneas anteriores.
2 - Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios
nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si
ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em
conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de
seguro de responsabilidade. (…)”
Continuando na nossa análise, atentemos ao que referem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa em anotação ao artigo 96.º do CPC, (já acima mencionado), epigrafado “Casos de incompetência absoluta” (in Código de Processo Civil Anotado” Vol. I, Almedina, 2020, págs. 130-131):
“A competência absoluta do tribunal, máxime a competência em razão da matéria, é aferida através
do confronto entre as normas que a definem e o teor da petição inicial, com destaque para o pedido e a causa de pedir (STJ 7-3-19, 13688/16 e STJ 9/11/2017, 8214/13…)”
[…]
Por isso, não deve confundir-se a verificação (afirmação ou negação), desse pressuposto processual com a apreciação do mérito da pretensão […]”
Em comentário ao artigo 577.º do CPC referem na obra identificada os mesmos Autores (pág. 679), que também o Tribunal de Conflitos tem revelado na respectiva jurisprudência critério análogo “apontando para o pedido concatenado com a causa de pedir, ou seja, com a natureza da relação material configurada pelo autor, em termos semelhantes aos que estão explicitamente consagrados para a aferição do pressuposto processual da legitimidade no art. 30.º, n.º 3”
De reter, por todos, na mesma linha orientadora, o sustentado no supra identificado acórdão do STJ de 09/11/2017 proferido no Processo nº 8214/13TBVNG-A.P1.S1, Relator António Piçarra, acessível para consulta em www.dgsi.pt, de que transcrevemos o seguinte excerto:
“II – Como é doutrina e jurisprudência pacíficas, a competência em razão da matéria (ou jurisdição), afere-se em função da relação material controvertida configurada pelo autor, tendo presente que o sistema judicial não é unitário, mas constituído por várias categorias de tribunais separados entre si, com estrutura e regime próprios.“ ( Itálico nosso ).
Com inegável interesse no que respeita a esta matéria destacamos, ainda, ao nível dos Tribunais da Relação, o acórdão proferido no Tribunal da Relação de Coimbra de 07/11/2017, proferido no Processo 4055/16.8T8VIS.C1, acessível para consulta em www.dgsi.pt.
Retira-se da nota sumativa do referido aresto que:
“[…]
III – A competência dos tribunais comuns judiciais determina-se por um critério residual, cabendo-lhes, por regra, julgar todas as causas que não estejam atribuídas a outra jurisdição.
IV – Já o critério para aferir da competência dos tribunais administrativos deve ser o da natureza da relação jurídica concreta subjacente ao litígio, devendo essa relação jurídica assumir a natureza administrativa e o litigio que lhe subjaz situar-se no âmbito da previsão do artº 4º do ETAF“ (Itálico nosso ).
E não podemos deixar, por fim, de trazer à colação o aresto, igualmente do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 12/09/2017, no processo n.º 1021/16.7T8GRD.C1 (acessível in www.dgsi.pt), que destacou na respectiva nota sumativa o seguinte:
“[…]
V-Essencial para se determinar a competência dos tribunais administrativos é, pois, a existência de uma relação jurídica administrativa.
VI-Sabendo-se que a concretização de tal conceito constitui tarefa difícil, podemos, no entanto, definir a relação jurídica administrativa como aquela que «por via de regra confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração».” (Itálico nosso).
Revertendo ao caso concreto e em face do já acima exposto em termos doutrinários e jurisprudenciais, com cuja linha orientadora concordamos, impõe-se verificar se a relação jurídica controvertida tal como a configurou a Apelante em termos de pedido, causa de pedir e natureza dos sujeitos processuais assenta numa relação jurídica administrativa/fiscal passível de enquadramento em alguma das situações descritas nas várias alíneas do n.º 1, do artigo 4.º do ETAF, que se debruça sobre a competência material dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.
Na sua resposta à excepção de incompetência em razão da matéria invocada na respectiva oposição pela ora Apelada a Apelante referiu que:
“Os montantes peticionados nos presentes Autos, representam a contraprestação devida pela utilização de múltiplos estacionamentos em parqueamentos de automóveis, delimitados e perfeitamente assinalados, cuja exploração foi contratualizada à Requerente pela Câmara Municipal de ... […]
A DATA REDE S.A. celebrou contratos de Concessão com várias Câmaras Municipais, para fornecimento, instalação e exploração de parquímetros coletivos, em zonas de estacionamento automóvel de duração limitada.
Mediante tais contratos, a DATA REDE SA explora, gere e mantém parques de estacionamento automóvel em várias cidades, nomeadamente, ....” (Itálicos nossos).
Recordemos o que ficou expresso na decisão recorrida proferida no Tribunal a quo:
“Quando o serviço público é atribuído a uma entidade privada do sector privado, estabelece-se uma relação de colaboração entre a Administração Pública (titular do serviço) e o gestor do serviço, dado que por meio da concessão dá-se uma delegação de serviços públicos comerciais e industriais a empresas privadas que executam o serviço em seu próprio nome e por sua conta e risco, mas submetendo-se à fiscalização e ao controlo por parte da Administração Pública. Assim, uma empresa concessionária da exploração e gestão dos serviços públicos municipais atua em substituição deste, pelo que se trata de uma entidade particular no exercício de um poder público e atuando com vista à realização de um interesse público, sendo o contrato de concessão um contrato administrativo […]
Pelo exposto, pese embora a requerente seja uma entidade privada, certo é que age no exercício de um poder público pelo que em causa está uma relação jurídica administrativa […] Ademais, não assiste razão à requerente na invocação da exceção estabelecida na al. e) do n.º 4, do referido diploma legal, por em causa não estar um serviço público essencial pois entende-se que os mesmos estão estabelecidos no artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 23/96, de 26 de julho.”
Desde já antecipamos afigurar-se-nos correcta a argumentação e solução a que chegou o Tribunal recorrido e que sustentou a decisão recorrida.
Na verdade, resulta evidenciado dos autos que a Apelante instaurou um procedimento de injunção com vista ao pagamento por parte da ora Apelada de diversas quantias monetárias relativas ao estacionamento da sua viatura particular em zonas abrangidas pela concessão de exploração do estacionamento tarifado por parte da Camara Municipal de ... à ora Apelante.
Com efeito, a responsabilidade para definir tal estacionamento em vias públicas e demais locais públicos é de natureza pública e de acordo com o disposto na alínea rr), do n.º 1, do artigo 33.º, da Lei n.º 75/2013 de 12/09, constitui atribuição das Câmaras Municipais, podendo, como contrapartida, exigir-se dos utentes desses espaços para estacionamento uma taxa previamente estabelecida.
De resto, e no que tange especificamente à cidade de ... tal decorre designadamente do n.º 2 do artigo 48.º e artigo 62.º do Regulamento de Trânsito do Município de ... aprovado em reunião camarária de 03/07/2013 e em reunião da Assembleia Municipal de 16/09/2013.
Decorre do n.º 2 do aludido artigo 48.º, que:
“2. Os parques de estacionamento municipais que tenham sido objecto de contratos de concessão e ou de exploração estão também sujeitos às condições previstas no presente Regulamento”
Prevendo-se no também mencionado artigo 62.º, que:
“A utilização do parque de estacionamento automóvel abrangido pelo presente Regulamento será efectuada mediante o pagamento de quantias, com o IVA incluído, de acordo com os tarifários expostos.”
Regressando aos contornos do caso em apreço temos de convir que através do contrato de concessão outorgado com a Apelante a Câmara Municipal de ... transferiu a actividade pública por si titulada respeitante à definição/regulação do estacionamento tarifado de superfície de veículos na via pública e equiparada no município de ... passando assim a contar com a colaboração dos serviços da Apelante na prossecução de tais interesses públicos/colectivos, legalmente a seu cargo, de que resulta que colocada na posição de concessionária da exploração do estacionamento tarifado de superfície em via pública e equiparada no município de ... a Apelante prossegue finalidades de interesse público, estando, assim, munida de poderes de autoridade para tal, o que configura a existência de uma relação jurídica administrativa/tributária subsumível não propriamente à alínea e) (mencionada na sentença recorrida), mas sim à alínea o), do supra transcrito n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, na redacção actualmente vigente.
No sentido que vimos defendendo pronunciou-se anteriormente, entre outros, o acórdão do Tribunal de Conflitos de 25/11/2010 (Proc.º 021/10), assim como o acórdão do STA de 25/10/2017 (Proc.º 0300/17) e o acórdão do STJ de 12/10/2010 (Proc.º 1984/09.9TBPDL.L1.S1), todos acessíveis para consulta in www.dgsi.pt.
Na conformidade exposta e sem necessidade de mais considerações afigura-se destituído de fundamento o recurso interposto pela Apelante.
Improcedem, em consequência, as conclusões recursivas da Apelante sendo, assim, de manter a decisão recorrida.
*
V – DECISÃO
Pelo exposto julga-se improcedente o presente recurso de apelação interposto por Datarede, S.A e, consequentemente, decide-se o seguinte:
1. Confirmar a decisão recorrida;
2. Fixar custas a cargo da Apelante – artigo 527.º, n.º 1 e 2, ambos do CPC.”
*
2-Notificada da decisão acima reproduzida a Apelante Datarede, S.A. veio apresentar em 30/12/2024 peça processual de reclamação para a conferência nos seguintes termos:
“1. A Douta Decisão do Venerando Relator, após afirmar que a responsabilidade para gerir os estacionamentos de veículos na via pública, é de natureza pública, por se enquadrar na competência das Autarquias, transcreve diversa jurisprudência anterior à entrada em vigor da L 114/2019 de 12 de setembro,
para concluir, sem outros argumentos, que a Câmara Municipal, através de contrato, cedeu à Recorrente a prossecução de interesses exclusivamente públicos, munindo-a dos necessários poderes de autoridade.
2. Importa ter presente que o requerimento de injunção deu entrada a 21 de março de 2024 e que nos termos do Art.38º nº 1 da L.O.T.J. “a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe”.
3. As competências dos tribunais administrativos e fiscais estão definidas no artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF – Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro), e atendendo à data do início da presente ação é-lhe aplicável o referido artigo na redação introduzida pela L 114/2019, de 12 de setembro, que entrou em vigor a 11 de novembro de 2019.
4. Importa, ainda, ter presente, que toda a jurisprudência citada pelo Venerando Relator, foi proferida ao abrigo da legislação anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pela citada Lei 114/2019, que introduziu, nomeadamente a alínea e) ao nº 4 do Art.4º do E.T.A.F.
5. Não obstante, conclui o Venerando Relator, estarmos perante uma relação jurídica administrativa.
6. A Recorrente não se conforma com semelhantes conclusões, que lhe retiram o domínio do processo e a impossibilitam de receber os seus créditos contratuais, para cuja perceção, efetuou avultados investimentos.
7. A que Poderes de Autoridade se refere o Venerando Desembargador?
8. A Recorrente não os possui, nem os recebeu da Autarquia. O único direito cedido, foi o direito de exploração comercial dos correspondentes espaços de estacionamento.
9. Dão-se nesta sede por reproduzidos os fundamentos da Apelação da Recorrente, que se mantêm em absoluto.
10. No contrato celebrado entre a Recorrente e os automobilistas, caracterizada como uma Relação Contratual de Facto, em que a Recorrente efetua uma proposta genérica, a que os automobilistas acedem por meio de uma aceitação tácita, aquela não age munida de "ius imperii".
11. A contrapartida da Recorrente não tem natureza tributária por estar em causa o pagamento de um serviço prestado, mas sim a natureza de um preço.
12. Não estando em causa a natureza pública do contrato celebrado entre a Câmara Municipal e a Data Rede SA., não pode, no entanto, este primeiro contrato ser equiparado aos posteriores contratos tacitamente celebrados entre a Data Rede e os utentes, pois tais contratos têm natureza privada, não só pela forma como os seus intervenientes atuam, como também pelas normas que regulam as relações jurídicas em causa.
13. A Recorrente, de resto, no âmbito da atividade comercial contratada não exerce qualquer atividade de fiscalização dos parqueamentos, mantendo-se tal atividade reservada à autarquia e demais autoridades administrativas.
14. A DATA REDE SA., não efetua atos de fiscalização, não tendo poderes para autuar coimas ou multas por incumprimento das regras estradais, tarefa que está exclusivamente atribuída às autoridades públicas de fiscalização do espaço rodoviário da cidade.
15. Nos termos do disposto no artigo 2º do DL 146/2014 de 09 de outubro, a atividade de fiscalização incide exclusivamente na aplicação das contraordenações previstas no artigo 71º do Código da Estrada, o qual estabelece as coimas aplicáveis às infrações rodoviárias ali identificadas.
16. Os montantes cobrados pela DATA REDE SA., também não consubstanciam a aplicação de quaisquer coimas, nem a empresa processa quaisquer infrações praticadas pelos utentes dos parqueamentos.
17. A Recorrente limita-se a cobrar a contraprestação da utilização dos parques de estacionamento automóvel na cidade de ..., devidamente delimitados e assinalados.
18. Verificada a violação da obrigação contratual de pagamento do tempo de imobilização dos seus veículos, nos parqueamentos explorados pela DATA REDE SA., são os automobilistas posteriormente notificados para procederem ao pagamento omitido, sendo então cobrado o tempo máximo de utilização,
por falta de referência concreta ao tempo efetivo de utilização.
19. Quaisquer infrações ou coimas que devam ser aplicadas aos automobilistas prevaricadores de regras estradais, ficam a cargo da Autarquia, sem qualquer intervenção ou conexão com a atividade da empresa concessionária.
20. Como sucede, diferentemente, por exemplo, com a EMEL, nos contratos de concessão com a Câmara de..., empresa de capitais públicos, em que a empresa atua com poderes de fiscalização ativa e de autoridade disciplinadora.
21. Fundamental é que a Recorrente carece, em absoluto, de poderes de autoridade, fiscalização ou ordenação efetiva, apenas podendo registar os incumprimentos de pagamento e tentar recuperar judicialmente os valores de contraprestação, que lhe tiverem sido subtraídos pelos utentes.
22. Por isso mesmo, em caso de incumprimento do utente, a nota de cobrança emitida pelo concessionário está desprovida de força executiva, não podendo, portanto, dar lugar a um imediato processo de execução.
POR OUTRO LADO, AINDA QUE SE ENTENDA ESTARMOS PERANTE A PRESTAÇÃO DE UM SERVIÇO PÚBLICO, O QUE NÃO SE ACEITA, A NÃO SER POR MERA HIPÓTESE DE RACIOCÍNIO
23. Importa ter presente que, no requerimento de injunção que deu início à presente ação, a A. solicitou a notificação da Ré para lhe pagar a quantia global de € 2406,22, alegando que “adquiriu e colocou, em vários locais da cidade de ..., máquinas para pagamento de estacionamento automóvel, com a indicação dos preços e condições de utilização dos mesmos” e que a R. sendo proprietária do veículo automóvel com a matrícula ..-IM-.. estacionou o mesmo, nos parques de estacionamento explorados pela A, sem
se dignar a proceder ao pagamento do tempo de utilização.
24. Importa ainda ter presente, como referida acima, que o requerimento de injunção deu entrada a 21 de março de 2024 e que nos termos do Art.38º nº 1 da L.O.T.J. “a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe”.
25. As competências dos tribunais administrativos e fiscais estão definidas no artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF – Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro), e atendendo à data do início da presente ação é-lhe aplicável o referido artigo na redação introduzida pela L 114/2019, de 12
de setembro, que entrou em vigor a 11 de novembro de 2019.
26. Esta Lei introduziu a alínea e) ao nº 4 do Art.4º do E.T.A.F.
27. Nos termos dessa alínea, “estão… excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva”.
28. Sendo certo que a jurisprudência invocada pelo tribunal recorrido e pelo Venerando Relator, para classificar a competência dos tribunais Administrativos, é anterior à entrada em vigor da L 114/2019.
29. Da exposição de motivos da Proposta de Lei nº 167/XIII-4ª, que esteve na origem da L 114/2019, consta o seguinte: “A necessidade de clarificar determinados regimes, que originam inusitadas dificuldades interpretativas e conflitos de competência, aumentando a entropia e a morosidade, determinaram as alterações introduzidas no âmbito da jurisdição. Esclarece-se que fica excluída da jurisdição a competência para a apreciação de litígios decorrentes da prestação e fornecimento de serviços públicos essenciais.
Da Lei dos Serviços Públicos (Lei n.º 23/96, de 26 de julho) resulta claramente que a matéria atinente à prestação e fornecimento dos serviços públicos aí elencados constitui uma relação de consumo típica, não se justificando que fossem submetidos à jurisdição administrativa e tributária; concomitantemente, fica agora clara a competência dos tribunais judiciais para a apreciação deste tipo de litígios de consumo.”
30. O serviço de estacionamento não é um dos serviços elencados no Art.1º nº 2 da L 23/96, mas, tal como ocorre nos serviços públicos essenciais, a relação entre o prestador do serviço e o utente é uma relação de direito privado. Veja-se por tudo, o Douto Acórdão da Veneranda Relação de Lisboa de 18.12.2024, proferido no âmbito do Processo 16685/24.0YIPRT da 8ª Secção.
- Não estando em causa a natureza pública do contrato celebrado entre a Câmara Municipal e a Data Rede SA., não pode, contudo, este primeiro contrato, ser equiparado aos posteriores contratos tacitamente celebrados entre a Data Rede e os utentes, pois tais contratos têm natureza privada.
- O facto de a Câmara, enquanto Entidade Administrativa, regulamentar os termos de utilização dos Parques de Estacionamento, condicionando contratualmente a atividade económica da A. enquanto concessionária, não se traduz na automática cedência de poderes de autoridade.
- Os valores cobrados pela A., pelos tempos de estacionamento nos Parques explorados pela A., contra o entendimento do Tribunal A Quo e do Venerando Relator, não possuem nem natureza fiscal, nem sancionatória.
- Entender que os tribunais competentes são os fiscais, esvazia de utilidade o Contrato de Concessão de Exploração dos Parqueamentos, por retirar à concessionária o poder de reclamar judicialmente os seus créditos.
- Neste redutor entendimento, a cobrança dos tempos de estacionamento, ficaria na discricionariedade, de muito improvável realização, dos poderes públicos, retirando à A. a possibilidade de reaver o seu crédito.
- Institucionalizar este entendimento, conduzirá inexoravelmente ao fomento do incumprimento das obrigações dos automobilistas, que cientes da impossibilidade de cobrança coerciva dos valores devidos pelo estacionamento dos seus veículos, cedo deixarão de cumprir semelhante obrigação.
- Ainda que se entenda estarmos perante a prestação de um serviço público, o que não se aceita, a não ser por mera hipótese de raciocínio, a verdade é que, nesse caso, o serviço de estacionamento não, não sendo um dos serviços elencados no Art.1º nº 2 da L 23/96, insere-se, tal como ocorre nos serviços públicos essenciais, numa relação entre o prestador do serviço e o utente de direito privado. Veja-se por tudo, o Douto Acórdão da Veneranda Relação de Lisboa de 18.12.2024, proferido no âmbito do Processo 16685/24.0YIPRT da 8ª Secção.
TERMOS EM QUE SE REQUER A V.EXAS VENERANDOS DESEMBARGADORES SE DIGNEM SUBMETER O RECURSO DA APELANTE, A DELIBERAÇÃO DA CONFERÊNCIA, MERECENDO-O COM ADEQUADO ACÓRDÃO QUE, JULGANDO PROCEDENTE O RECURSO, SUBSTITUA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA POR OUTRA, QUE JULGANDO COMPETENTE O JUÍZO LOCAL CÍVEL DE PONTA DELGADA, ORDENE O
PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS, CONFORME É DO DIREITO E DA J U S T I Ç A.”
A Apelada não respondeu à reclamação.
*
*
3-Apreciando a Reclamação:
Resulta do artigo 652.º, n.º 3, do CPC, o seguinte:
“Salvo o disposto no n.º 6 do artigo 641.º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária.”
A Apelante Datarede, S.A. reclamou para a conferência da decisão singular de relator, que recaiu sobre o recurso que aquela apresentou da decisão proferida no Tribunal a quo em 08/07/2024 e que negou provimento ao dito recurso.
Fê-lo estribando-se essencialmente no que carreou para o aludido recurso.
A nosso ver a decisão sumária, ora objecto de reclamação, proferida em 17/12/2024, pronunciou-se sobre toda a matéria relevante suscitada nas conclusões recursivas, com argumentação que nos cumpre neste momento reiterar na sua totalidade por se manter válida para o caso vertente, o que naturalmente implica refutar a argumentação apresentada pela ora Reclamante que não foi acolhida na reapreciação feita na decisão sumária.
Sublinhe-se que o serviço em causa nestes autos não se enquadra legalmente nos taxativamente tipificados serviços públicos essenciais, bastando para tal conferir o disposto no artigo 1.º n.º 2, da Lei n.º 23/96 de 26/07, pelo que, consequentemente, tão pouco se revela aplicável ao caso vertente o disposto na alínea e), do n.º 4, do artigo 4.º do ETAF, na redacção em vigor à data da entrada em juízo do presente procedimento conferida pelo Dec.Lei n.º 74-B/2023 de 28/08.
Sempre se acrescentará, ainda, ter sido, entretanto, proferido no passado dia 16/12/2024, em sentido idêntico ao que aqui se defende, neste mesmo Tribunal da Relação de Évora, acórdão na Apelação n.º 42536/247YIPRT.e1 (Relatora Maria João Sousa e Faro), acessível para consulta in www.dgsi.pt, de que nos permitimos transcrever o seguinte do respectivo sumário:
“O requerimento de injunção para cobrança de taxas ou tarifas apresentado pelos concessionários municipais ao qual haja sido deduzida oposição, consubstancia-se, nos termos da lei, numa acção cujo conhecimento é da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais ( cfr. alínea o) do nº 1 do artigo 4º do ETAF).”
Destarte, sem necessidade de mais considerandos, será negada procedência à reclamação apresentada a 30/12/2024 contra a decisão sumária proferida nestes autos a 17/12/2024, mantendo-se esta última nos seus precisos termos.
4- DECISÃO
Termos em que, face a todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em decidir o seguinte:
a. A) Julgar improcedente a reclamação apresentada em 30/12/2024 pela Apelante/Reclamante Datarede, S.A. da decisão sumária de relator proferida nestes autos em 17/12/2024;
B) Fixar custas a cargo da Apelante/Reclamante (artigo 527º, nº 1- , 1ª parte e nº 2, do CPC).
*
DN
*
Notifique.
*
ÉVORA, 30/01/2025
(José António Moita-Relator)
(Ana Pessoa - 1.ª Adjunta)
(Manuel Bargado - 2.º Adjunto)