ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
FACTOR DE BONIFICAÇÃO 1
5
Sumário

Sumário elaborado pelo relator, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
1 – O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de maio de 2024 (publicado no DR n.º 244/2024, Série I, de 17-12-2024) fixou jurisprudência no sentido de que:

«I- A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator;

II- O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.».

2 – Embora esse acórdão não tenha força jurídica vinculativa, no âmbito do mesmo quadro legal apenas deverá haver desvio à linha interpretativa nele seguida se houverem diferenças fácticas relevantes e novos argumentos jurídicos que não foram naquele ponderados.

3 – Não se verificando tal situação, é de aplicar o referido fator de bonificação na situação em que o sinistrado ainda não beneficiou do mesmo e requereu incidente de revisão da incapacidade, não tendo a mesma sido revista com o fundamento no invocado, mas ter atingido 50 anos de idade na pendência do incidente.

4 – O facto da pensão, inicialmente fixada ou objeto de anterior revisão da incapacidade, ter sido remida não obsta à aplicação do referido fator de bonificação no âmbito de novo incidente de revisão da incapacidade.

Texto Integral

Proc. n.º 1258/18.4T8STR.2.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1:


I. Relatório


No âmbito de auto de conciliação, realizado em 28-09-2018 e homologado judicialmente, foi declarado que o sinistrado AA (nascido em 22-09-1974) em consequência do acidente de trabalho sofrido em 07-07-2017 se encontrava afetado de uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 2% e, em consequência, condenada a então seguradora responsável a pagar àquele, o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 210,00, devida a partir do dia seguinte ao da alta, verificada em 20-04-2018.


No seguimento, o capital de remição foi entregue ao sinistrado.


Entretanto, na sequência de incidente de revisão de incapacidade requerido pelo sinistrado, veio em 27-11-2019 a ser fixada ao mesmo a IPP de 7,84% desde 20-09-2019, tendo em consequência, se condenado a seguradora responsável no pagamento de um capital de remição de € 823,20.


Em 06-02-2024, com o patrocínio do Ministério Público e ao abrigo do disposto nos artigos 145.º do Código de Processo do Trabalho e 70.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (LAT), o sinistrado veio novamente requerer a revisão da incapacidade anteriormente fixada, com fundamento no agravamento das lesões/sequelas de que é portador.


No prosseguimento dos autos, procedeu-se em 31-10-2024 à realização de exame médico, constando do respetivo auto, com eventual relevância, o seguinte:


«Após observação do sinistrado, e do relatório de RM, junto pela seguradora, pelo senhor perito médico foi dito que a situação do sinistrado se mantém inalterada, não se verificando qualquer agravamento da mesma, devendo pis se manter a I.P.P. já fixada nos autos:


- I.P.P. de 7,84% x 1,5% = 11,76%, desde 31-10-2024».


Seguidamente, em 25-11-2024, foi proferida decisão final, com o seguinte teor:


«1. Sinistrado: AA, identificado nos autos.


Entidade Seguradora: Generali Seguros, SA.


2. Questão a resolver:


Pretende o sinistrado a revisão da sua incapacidade e, consequentemente, determinar se existiu agravamento das lesões.


3. Factos relevantes:


Submetido a exame de revisão por junta médica de revisão, foi considerando inexistir agravamento da situação clínica do sinistrado, tendo sido aplicado factor 1,5% em razão da idade, o que originou uma IPP de 11,76% desde 31 de Outubro de 2024.


4. O direito:


“Se não for realizado exame por junta médica, ou feito este, e efectuadas as diligências que se mostrem necessárias, o juiz decide por despacho, mantendo, aumentando ou reduzindo a pensão ou declarando extinta a obrigação de pagar” – artº 145º, nº 6, do C.P.T.


Considerando que o parecer dos peritos médicos se mostra conforme aos critérios legais e não se vislumbrando a realização de quaisquer outras diligências, por desnecessárias, importa considerar que o sinistrado padece de uma IPP de 11,76% desde 31 de Outubro de 2024 (7,84 x 1,5%).


*


5. Decisão:


Face ao exposto, declaro que o sinistrado se encontra com uma IPP de 11,76% desde 31 de Outubro de 2024.


Custas do incidente pela entidade responsável, que se fixam em 2UC, nos termos do artigo 7º, nº 4 do RCP, conjugado com a tabela II, anexa a tal Regulamento.


*


Oportunamente, proceda a secção ao cálculo do capital de remição e, após, remetam-se os autos ao MºPº para ulteriores diligências de entrega do mesmo - cfr. artºs. 148º, nº3, 149º e 150º, todos do C.P.».


Inconformada com o assim decidido, a entidade Seguradora (Generali Seguros, S.A.) interpôs recurso para este tribunal, tendo a terminar as alegações apresentado as seguintes conclusões:


«1 – A decisão recorrida é violadora de quanto dispõem as normas dos artigos 411º e 609º do CPC, 48º, nº 3, al c) e 70º, nº 1 da LAT (Lei nº 98/2009, de 4.09), 145º, nºs 1 a 5 e 156º do CPT, 9º, nº 1 do CC, 59º, al. f) e 13º da CRP;


2 – Não ignorando o conteúdo do recente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido em 22.05.2024, a ora Recorrente não se conforma com tal enquadramento, quer porque a ficção de presunção do factor 1.5 não passa de uma mera instrução a ponderar em necessária conexão com outros factores previstos no DL nº 352/2007, de 23 de outubro; quer porque considera que, do ponto de vista processual e substantivo, não existindo agravamento em sede de incidente de revisão, a consequência será, necessariamente, a sua improcedência independentemente da idade do sinistrado; quer porque em pensões remidas não pode ser admissível a actualização pelo factor 1,5 já que com a remição ocorreu a extinção do direito à pensão; quer finalmente, porque, a al. a) (segunda parte), do nº 5 das Instruções Gerais da TNI quando interpretada no sentido da sua aplicação automática em razão da idade é violadora dos princípios constitucionais da justa reparação, da proporcionalidade e da igualdade;


3 – Sendo a Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, aprovada pelo DL nº 352/2007, de 23 de outubro e constante do seu Anexo I, um mero guia para a avaliação médico-legal do dano corporal em consequência de acidente de trabalho, permite, como não poderia deixar de ser, a necessária margem para, casuisticamente, os peritos médicos procederem à avaliação do dano corporal, tendo o legislador, conforme consta do preâmbulo, tido a preocupação de assegurar “a salvaguarda da garantia de igualdade dos cidadãos perante a lei, no respeito do princípio de que devem ter avaliação idêntica as sequelas que, sendo idênticas, se repercutem de forma similar nas actividades da vida diária.”


4 - Por considerar que existem situações de particular gravidade que justificam uma ponderação acrescida, o legislador introduziu em sede de “Instruções Gerais” da tabela, o artigo 5º, als. a) e b), nos termos do qual se estabelece que os coeficientes de incapacidade são bonificados com uma multiplicação pelo factor 1.5 se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor; e quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico (como no caso das dismorfias ou equivalentes) que afecte, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho;


5 - A razão de ser da instrução constante da segunda parte da citada al. a), “ou tiver 50 anos ou mais”, que tem quase 20 anos de existência sem qualquer alteração, prendeu-se com a consideração por parte do legislador de que, em virtude da idade associada à lesão decorrente de um acidente de trabalho, o sinistrado, teria uma dificuldade acrescida para o exercício de uma qualquer actividade laboral, pelo que, com tal fundamento, a incapacidade fixada deveria ser bonificada com o aludido factor;


6 – Sucede que, ponderando uma análise sistemática da tabela, a evolução da ciência médica em 20 anos, bem assim como a esperança média de vida, necessariamente temos que concluir que o legislador não pretendeu, com a citada instrução, a aplicação automática e não ponderada e casuística do factor de bonificação 1,5;


7 –Antes pretendendo, como sucede nos restantes parâmetros de avaliação previstos na tabela, a relação da idade com a concreta actividade profissional exercida e com a concreta lesão resultante do acidente de trabalho, em busca da necessária descoberta da verdade material, prevista no artigo 411º do CPC, mas também presente em muitas outras normas do mesmo diploma, como elemento essencial do processo, nomeadamente, as normas dos artigos artºs 176º, nº 5 417º,431º,436º, 444º, nº 1, 459º, 476º, nº 2, 516º, nº 4, 552º, nº2, al) b)e d) e o artº 605º, nº 8;


8 - Decidir de outro modo e passar a considerar uma “instrução” como lei, descontextualizadamente considerada, é violar os mais elementares princípios orientadores da tabela, o que constitui clara violação do preceituado no artigo 9º, nº 1 do CC e, designadamente, do artigo 411º do CPC;


9 - No caso dos autos, a situação é ainda mais ostensiva, quanto é certo que na sequência do exame médico realizado se concluiu que não existiu qualquer agravamento, devendo igualmente não ser descurada a circunstância de estarmos perante uma situação de uma pequena incapacidade (7,84%), com uma pensão remida e há muito liquidada.


10 – Impondo-se, com este fundameno, a revogação da decisão recorrida;


11 – De outro prisma, cumpre salientar que as decisões dos Tribunais e no caso a decisão proferida no Incidente objecto do presente recurso, têm como substracto o pedido e o objecto, indicado pelo Sinistrado, sob pena de violação do disposto no artº 609º do Cód. de Proc. Civil;


12 – No caso, o que o Sinistrado pediu ao Tribunal foi a reavaliação do seu quadro clínico por alegado agravamento, ao abrigo do artigo 145º, nºs 1 a 5 do C.P.T., a qual, conforme bem resulta do auto de junta médica e, de resto, foi considerado na decisão recorrida, resultou improcedente;


13 - Nos termos do disposto no nº 1 do artº 70º da Lei 98/2009 de 04 de setembro, a Revisão é pedida e/ou deferida quando “…se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.”


14 - Não se verificando qualquer modificação da capacidade de trabalho ou de ganho, porque inexistiu qualquer agravamento, recidiva ou recaída, o pedido do Sinistrado está necessariamente votado ao insucesso, devendo por isso ser indeferida a sua pretensão e não sendo de aplicar, nestes casos, o factor de bonificação 1,5 mesmo que o sinistrado tenha, entretanto, atingido os 50 anos de idade, neste sentido, vide, designadamente, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 24 de outubro de 2016, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 6/02/2020, proc. n.º 558/06.0TTBRG.G3 (relatora Maria Leonor Barroso), Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15.06.2021, Acórdão do douto Tribunal da Relação de Évora, de 12.01.2023, proc. nº 326/14.6TTEVR.1.E1 (Relatora Emília Ramos Costa), Acórdão do douto Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.04.2023, proc. nº 35/03.1TTCVL.4.C1 (Relatora Paula Maria Roberto), e finalmente, pouco antes da decisão constante do Acórdão Uniformizador, Acórdão do douto Tribunal da Relação de Guimarães, de 26.10.2023, proc. nº 2077/22.9T8MTS.G1 (Relator Antero Veiga), todos disponíveis em www.dgsi.pt;


15 - Na realidade, o artigo 70º, nº 1 da LAT é claro ao prever a possibilidade de alteração da prestação em caso de modificação, no sentido da melhoria ou do agravamento, da lesão ou doença que deu origem à reparação. Exige-se, para a aplicação da norma uma modificação da lesão ou doença, o que não é compatível com a aplicação automática do factor 1,5 quando desacompanhado de um efectivo agravamento do quadro clínico;


16 - Este requisito da modificação do quadro clínico encontra o seu enquadramento processual nas normas dos artigos 145º e 146º do CPT, nos termos das quais se infere que os incidentes de revisão têm necessariamente subjacente à respectiva tramitação, uma alegada alteração da doença ou lesão que fundamentou a atribuição da incapacidade inicial;


17 - Termos em que admitir a aplicação automática do factor de bonificação 1,5 em virtude de o sinistrado ter 50 anos ou mais sem que se demonstre qualquer agravamento da lesão, seguindo a citada tramitação processual e ao abrigo do preceituado no artigo 70º, nº 1 da LAT, constitui uma verdadeira interpretação contra legem, claramente violadora das normas dos artigos 9º do CC e 609º do CPC;


18 – O regime especial definido na al. a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI não afasta, antes pressupõe a convocação da disciplina geral contida no artigo 70º, nº 1 da LAT, não podendo deixar de se considerar que a TNI reveste uma natureza meramente instrumental em relação ao regime substantivo de reparação dos danos decorrentes de acidentes de trabalho, que se encontra previsto na citada norma do artigo 70º, nº 1 da Lei nº 98/2009;


19 - De facto, não tendo o legislador previsto um qualquer processo de revisão automática da incapacidade, não é admissível o recurso à norma do artigo 70º, nº 1 da LAT, sob pena de estarmos perante um recurso processual enviesado, frontalmente conflituante com o procedimento instituído, que pressupõe sempre uma alegação da modificação do quadro clínico inicial e sua posterior demonstração por perícia médico-legal, sob pena de improcedência;


20 - Por outro lado, não pode deixar de se considerar que os trabalhadores que atingem os 50 anos em momentos diferentes - momento inicial e momento subsequente - encontram-se, na verdade, em posições distintas;


21 - O artigo 5º, al) a) das Instruções Gerais da Tabela Nacional das Incapacidades apenas considera como beneficiários do coeficiente de 1,5 os sinistrados que no momento da avaliação inicial da incapacidade já tivessem atingido os 50 anos de idade, porque se trata de um sistema de avaliação do dano corporal baseado num modelo tabelar, e um modelo tabelar revela-se claramente tributário de uma lógica padronizada ou uniformizadora;


22 - Razão pela qual, se o sinistrado já tiver atingido uma tal idade na altura em que se procede à avaliação inicial da incapacidade, o coeficiente de 1,5 será aplicado sobre o valor da incapacidade que se vier a apurar. Porém, caso não tenha perfeito os 50 anos nesse momento, então já não poderá beneficiar da aplicação automática da bonificação, pois no momento subsequente em que venha a completar a idade dos 50 anos, já se encontra sujeito, por força da lei da reparação dos danos por acidentes de trabalho e de doenças profissionais, a um outro regime de avaliação da incapacidade, onde a regra da automaticidade da aplicação da bonificação já não se encontra prevista (artº 70º, nº 1 da Lei nº 98/2009);


23 - Por tudo o exposto, a decisão recorrida violou quanto dispõem as normas dos artigos 70º da LAT, 145º e 146º do CPT, 609º do CPC e 9º do CC, impondo-se, consequentemente, a sua revogação também com este fundamento;


24 – Por outro lado, não podemos ignorar que, in casu, estamos perante uma pensão obrigatoriamente remível, que há muito foi remida e liquidada, sendo, por conseguinte, uma situação diversa da abordada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 22.05.2024, que respeita a um caso de pensão não remível;


25 - A jurisprudência tem entendido de forma pacífica que a remição, no rigor das coisas, surge como uma causa de extinção do direito à pensão, que se caracteriza pela conversão deste no direito à perceção de um capital, tendo clara conotação com a novação, figura civilista que é causa de extinção de obrigações;


26 - A reforçar este enquadramento, saliente-se a circunstância de que o direito à remição total da pensão dos trabalhadores lesados fundado no artº 75º, nº 1 da LAT, “teve fundamentalmente em vista conferir uma protecção acrescida aos sinistrados, num contexto de pensões de valor mais reduzido, sendo que uma tal tutela representa um encargo manifestamente acrescido para a entidade responsável pelo respectivo pagamento.”, conforme bem consta do parecer do Prof. BB;


27 – Termos em que, “(…) não faz assim qualquer sentido admitir que uma obrigação já extinta, relativamente à qual a entidade responsável já emitiu, de resto, um recibo ou uma declaração de quitação, se possa vir a proceder a uma actualização da mesma, na sequência de um pedido de revisão da prestação a que têm direito os trabalhadores lesados, nos termos previstos no artº 77º, al) b) da Lei da Reparação dos Danos por Acidentes de Trabalho ou por Doenças Profissionais.”, (vide Parecer do Prof. BB);


28 - Mesmo admitindo que o legislador pretendeu incluir na previsão da al. b) do artigo 77º da LAT, as situações de pensões totalmente remidas, fê-lo necessariamente, perspectivando, como causa de pedir do incidente, uma “modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão”, conforme preceitua o artigo 70º do mesmo diploma;


29 - Jamais se podendo admitir que, não se demonstrando tal modificação por inexistência de agravamento, se venha a aumentar a pensão extinta porque integralmente remida e liquidada, através da aplicação automática do factor de bonificação 1,5;


30 - Termos em que, o Tribunal a quo violou o preceituado no artigo 859º do CC, impondo-se, também com este fundamento, a revogação da decisão recorrida;


31 – Finalmente, esta decisão, ao interpretar o disposto na al. a) do artigo 5º das Instruções Gerais da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, aprovada pelo DL nº 352/2007, de 23 de outubro, no sentido de permitir uma aplicação automática do factor de bonificação 1,5 respeitante à idade, mesmo não se verificando qualquer agravamento, desassociada de outros critérios a ponderar casuisticamente e ao sabor da morosidade processual de cada incidente de revisão, é violadora dos Princípios Constitucionais da igualdade e da justa reparação, respectivamente previstos nos artigos 13º e 59º, nº 1, al. f) da CRP;


32 - A decisão objecto do presente recurso, veio aplicar à incapacidade inicial fixada ao sinistrado, o factor de bonificação 1,5, num incidente de revisão por aquele desencadeado por alegado agravamento que veio a ser julgado improcedente. A acrescer, a situação tem a particularidade de respeitar a uma pensão que era obrigatoriamente remível e que, como tal, foi há muito remida e integralmente liquidada;


33 - Fez, pois, uma interpretação da al. a) do artigo 5º das Instruções Gerais da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, automática, cega, totalmente alheada das verdadeiras limitações do sinistrado, da sua actividade profissional e da circunstância de o quadro clínico não se ter agravado apesar de ter atingido os 50 anos;


34 - Se analisarmos a al. a) do citado artigo 5º das Instruções gerais da Tabela nacional das Incapacidades, desde logo verificamos que nela se encontram previstos dois grupos de situações, no âmbito dos quais o legislador considerou ser de aplicar o factor de bonificação de 1,5:


a) vítimas de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais não reconvertíveis à sua função profissional originária


b) Vítimas de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais com mais de 50 anos de idade, desde que não tenham anteriormente beneficiado da aplicação do factor de bonificação, independentemente de as mesmas serem ou não reconvertíveis ao posto de trabalho originário.


35 - No confronto das duas previsões, e se o dado objectivo da idade for aplicável só por si, totalmente desassociado da natureza da lesão e do concreto posto de trabalho que vinha sendo ocupado, é por demais evidente que estamos perante duas situações chocantemente distintas, que jamais merecem tratamento igualitário;


36 - De acordo com o moderno entendimento doutrinal em torno do princípio da igualdade, que o prefigura em termos materiais e não meramente formais, não é admissível que se proceda a um tratamento desigual daquilo que é substancialmente igual, nem é permitido que se reserve uma disciplina idêntica a realidades substancialmente diversas;


37 - Sobre o modo como são tratados os dois grupos de pessoas indicados no artº 5º, al) a) das Instruções Gerais, já se pronunciou Moura Ramos nos seguintes termos: “ A dever seguir-se este raciocínio, seria tratado, nos mesmos termos de um trabalhador que, não atingindo embora os 50 anos, fosse vítima de um acidente de trabalho ou de uma doença profissional que impedisse a sua reconversão ao posto de trabalho originariamente ocupado, um outro que fosse atingido por uma incapacidade semelhante e que não o impedisse de retomar o posto de trabalho precedente, desde que tivesse ultrapassado já aquele nível etário. Ou, paralelamente, considerados dois hipotéticos trabalhadores que fossem atingidos em idênticos termos por um mesmo acidente de trabalho ou uma idêntica doença profissional, a indemnização atribuída a um deles excedida em 50% a que viria a ser fixada ao outro se um deles, contrariamente ao outro, tivesse atingido os 50 anos (por força da bonificação decorrente da multiplicação pelo referido factor de 1,5 que aproveitaria ao primeiro, mas já não ao segundo”.


38 - Evidentemente que um tratamento destas situações que assente numa aplicação automática do factor de bonificação 1,5, é ostensivamente mais favorável para os sinistrados com 50 anos ou mais de idade, o que não pode ser admissível;


39 - Ainda sobre esta questão releva a circunstância de o legislador ter condicionado a aplicação do factor de bonificação de 1,5 em função da idade, ao facto de não ter beneficiado da bonificação com outro fundamento, conferindo-lhe uma natureza meramente subsidiária, o que bem demonstra as incertezas e ambiguidades que estiveram na base desta opção legislativa;


40 - Devendo o princípio constitucional da igualdade ser perspectivado como uma igualdade proporcional, necessariamente concluímos que, atento o exposto, a opção da decisão recorrida de aplicação automática do factor de bonificação, sem se registarem razões objectivas ponderosas para um tal benefício (antes pelo contrário, já que se demonstrou que o quadro clínico não se agravou), é claramente violadora do princípio Constitucional da igualdade, previsto no artigo 13º da CRP;


41 - Do mesmo modo, ao tratar nos mesmos moldes, situações objectivamente distintas em termos de gravidade, não associando ao critério da idade outros elementos relacionados com o quadro clínico e a actividade profissional desenvolvida, a decisão recorrida viola o princípio da justa reparação, previsto no artigo 59º, nº 1, al. f) da CRP;


42 - Cremos, pois, que a presunção subjacente ao critério normativo fixado a propósito da idade na Tabela Nacional das Incapacidades terá sempre de ser qualificada como de presunção meramente relativa. Como a propósito da prova por presunções sugestivamente consideram Pires de Lima e Antunes Varela: “As presunções são meias de prova por sua natureza falíveis, precários, cuja força persuasiva pode, por isso mesmo, ser afastada por simples contraprova”.


43 - Não descurando que o envelhecimento é intrínseco ao decurso da idade, a verdade é que, o impacto desse mesmo envelhecimento não ocorre uniformemente, variando de pessoa para pessoa, pelo que apenas uma análise casuística pode justificar a aplicação do factor de bonificação previsto no citado artº 5º, al) a) das Instruções Gerais. Para além disso, as lesões podem ter um impacto diferente consoante as características pessoais dos sinistrados;


44 - A interpretação adoptada pela decisão recorrida de atribuir a bonificação do factor 1,5 pela idade, de forma automática e desassociada de outros fundamentos, leva, nomeadamente a permitir a implementação de situações clamorosamente violadoras do princípio da justa reparação, como será o caso de uma dedução de um pedido de revisão da incapacidade por força da idade feito por um sinistrado num momento em que já tenha passado à reforma, por velhice ou invalidez;


45 - Numa tal situação, além de não fazer qualquer sentido impor à seguradora o pagamento de uma pensão majorada pelo referido fator de 1.5, destinada a compensar a maior penosidade do desempenho profissional que já não existe, chegaríamos a uma situação de claro enriquecimento sem causa a favor do sinistrado, o que não pode ser admissível;


46 - Partindo assim desta premissa, “dir-se-á também que a múltipla consideração do factor da idade, para efeitos de determinação do grau de incapacidade, resultante do disposto no artº 21º da LAT, e dos nºs 6 e 7 das Instruções Gerais da Tabela Nacional das Incapacidades, poderá muito naturalmente conduzir a que a aplicação de forma automática, do coeficiente de bonificação de 1,5, seja no momento inicial da alta médica, seja em momento sucessivo, em sede de incidente de revisão da incapacidade, venha a determinar um situação de locupletamento injustificado dos trabalhadores lesados, e numa verdadeira pena ou sanção para a entidade responsável pelo acidente.” (vide Parecer do Prof. BB);


47 – Acresce referir que, in casu, o sinistrado ainda não tinha 50 anos à data da apresentação do incidente de revisão, tendo atingido tal idade já no decurso do processo que, de resto, se prolongou por motivos imputáveis ao próprio sinistrado;


48 - Ora, como é evidente, o critério temporal para aplicação do factor de bonificação tem que ser objectivo, jamais podendo depender da maior ou menor morosidade do decurso dos autos;


49 - Assim, o eventual direito à bonificação em análise apenas se conceberia se, no momento da apresentação do incidente por alegado agravamento, o sinistrado já tivesse atingido os 50 anos de idade. Não sendo esse o entendimento, estaríamos a permitir um tratamento diferenciado dos sinistrados, dependente da maior ou menor celeridade de cada processo, o que evidentemente, consubstancia, também, clara violação do princípio Constitucional da igualdade, previsto no artigo 13º da CRP;


50 - Por tudo o que se deixa exposto, não podemos deixar de concluir pela inconstitucionalidade do disposto na al. a) do artigo 5º das Instruções Gerais da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, aprovada pelo DL nº 352/2007, de 23 de outubro, por violação dos Princípios Constitucionais da igualdade e da justa reparação, respectivamente previstos nos artigos 13º e 59º, nº 1, al. f) da CRP, quando interpretada no sentido em que o factor de bonificação 1,5 respeitante à idade é de aplicação automática, mesmo não se verificando qualquer agravamento, sem a ponderação de outros elementos clínicos, associados à profissão e inerentes ao sinistrado, desconsiderando uma aplicação casuística e ao sabor da morosidade processual de cada incidente de revisão;


51 - A finalizar, importa não descurar o enorme impacto que o entendimento da decisão recorrida acarretará, se vingar, o que não se admite e só por mera cautela de patrocínio se equaciona, quer para a actividade económica das seguradoras, quer para o próprio Estado no caso de trabalhadores de serviços públicos em que a responsabilidade pelo pagamento das pensões resultantes de incapacidades permanentes (onde se inclui, naturalmente, o acréscimo decorrente do factor de bonificação pela idade) está a cargo da Caixa Geral de Aposentações, quer finalmente (e não menos importante) para todos aqueles que estejam obrigados a contratar seguros de acidentes de trabalho, na medida em que o aumento exponencial do risco resultante desta interpretação determina, no contexto do sinalagma risco a cobrir/prémio a pagar, um correspondente aumento do custo associado ao seguro;


52 - Impondo-se, por tudo o exposto, a revogação da decisão proferia.


Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao recurso apresentado e ser a douta decisão revogada, assim se fazendo como sempre JUSTIÇA».


Contra-alegou o sinistrado, com o patrocínio do Ministério Público, concluindo:


«1) A douta sentença ora em recurso foi devidamente fundamentada, seja de facto, seja de direito;


2) As questões suscitadas pela recorrente estão resolvidas em termos jurisprudenciais, através do acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 16/2024, publicado em Diário da República de 17/12/2024 (nº 244, 1ª série;


3) No sumário do referido acórdão de fixação de jurisprudência refere-se, além do mais, que:


«1. A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator;


2. O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.»


4) Por outro lado, tal como resulta do mencionado acórdão uniformizador, entende-se que não é necessária a verificação de um agravamento do grau de incapacidade para a fixação desse factor de bonificação;


5) No caso concreto importa salientar que a situação clínica do sinistrado não ficou consolidada à data da alta, já que o mesmo fora antes sujeito a exame de revisão no decurso do qual se concluiu pelo agravamento da sua incapacidade parcial permanente;


6) Como é do senso comum o envelhecimento constitui uma realidade incontornável, e com ele a vítima de acidente de trabalho que fique com determinada incapacidade permanente terá uma dificuldade acrescida, como consequência natural do organismo, para o desempenho de uma actividade profissional e esta conclusão conduziu o legislador a atribuir a bonificação do factor 1.5, após os 50 anos de idade;


7) Também quanto à invocada questão da inconstitucionalidade o douto acórdão de fixação de jurisprudência se pronuncia, enunciando a jurisprudência existente, à data, emanada pelo Tribunal Constitucional, na qual não foi declarada a inconstitucionalidade do regime em apreço.


8) Pelo que, entende o Ministério Público que a douta sentença deverá manter-se nos seus precisos termos, pois esta não violou qualquer preceito legal e não se vislumbra merecer qualquer reparo.


Termos em que, em nosso entender, deverá ser negado provimento ao recurso e confirmada a douta sentença recorrida nos seus precisos termos.


Admitido o recurso na 1.ª instância – como de apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo –, subidos os autos a esta Relação, elaborado projeto de acórdão, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. Objeto do recurso e factos


É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 3 e artigo 639.º, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).


Assim, tendo em conta as conclusões das alegações de recurso, a questão essencial a decidir centra-se em saber se o sinistrado deve beneficiar do fator de bonificação de 1.5, previsto no n.º 5, alínea a), das instruções gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças profissionais (aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro e doravante designada TNI), tendo em conta que à data da decisão recorrida tinha 50 anos, e se tal interpretação é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e da justa reparação.


A matéria a atender é a que resulta do relatório supra, que aqui se tem por reproduzida.


III. O direito


Como resulta do já referido, no incidente de revisão da incapacidade a decisão recorrida considerou inexistir agravamento da situação clínica do sinistrado, mas por este já ter 50 anos de idade aplicou o fator de bonificação de 1. 5.


A recorrente rebela-se contra tal entendimento, apresentando diversos argumentos, que, no essencial, são: (i) a ficção de aplicação do fator 1,5 é uma mera instrução, a ponderar com outros fatores previstos na Decreto-Lei n.º 352/2007 (Tabela Nacional de Incapacidades); (ii) não existindo agravamento da incapacidade, a consequência seria a improcedência do incidente de revisão, independentemente da idade do sinistrado; (iii) com a remição da pensão verificou-se a extinção do direito à pensão e a (iv) a aplicação automática do fator de bonificação de 1,5 em função do sinistrado ter atingido 50 anos de idade é violadora dos princípios constitucionais da justa reparação, da proporcionalidade e da igualdade.


Como nota prévia, impõe-se referir que a questão suscitada nos autos é em tudo idêntica à que foi objeto de decisão por acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de maio de 2024, proc. n.º 33/12.4TTCVL.7.C1.S1 (acórdão n.º 16/24, publicado no DR n.º 244/2024, Série I, de 17-12-2024).


E a propósito da relevância jurídica de tais acórdãos, cita-se, por assertivo, o que se escreveu no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2022 (Proc. n.º 1562/17.9T8PVZ.P1.S1):


«I - A publicidade dos acórdãos uniformizadores de jurisprudência proferidos pelo STJ, consubstanciando uma exigência do princípio do Estado de direito democrático, tem a ver, fundamentalmente, com o direito de os cidadãos tomarem conhecimento do sentido interpretativo fixado relativamente às normas que os regem em situações de conflito de jurisprudência; não, com a obrigatoriedade do respectivo acatamento.


II - Não foi atribuída aos acórdãos uniformizadores força obrigatória geral, nem sequer vinculativa para a organização judiciária. Não obstante, a jurisprudência uniformizada deve ser respeitada pelos tribunais de instância e pelo próprio STJ, uma vez que a aplicação do direito não pode ser alheada dos valores da igualdade, da segurança e da certeza jurídicas, pressupostos da própria legitimação da decisão.


III - O valor persuasivo dos acórdãos uniformizadores encontra respaldo em normas processuais de admissibilidade dos recursos, como é o caso da al. b) do n.º 2 do art. 629.º do CPC.


IV - A linha interpretativa fixada nos acórdãos uniformizadores só deverá ser objecto de desvio, no âmbito do mesmo quadro legal, perante diferenças fácticas relevantes e/ou (novos) argumentos jurídicos que não encontrem base de ponderação nos fundamentos que sustentaram tais arestos.


(…)».


Ora, segundo interpretamos, os argumentos alegados pela recorrente já foram, no seu conteúdo essencial, analisados no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-05-2024, que fixou a seguinte jurisprudência:


«I- A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator;


II- O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.»


Assim, embora os acórdãos de fixação de jurisprudência não tenham força vinculativa, considerando, por um lado e como já se afirmou, que no caso em apreço o quadro fáctico não diverge do que foi apreciado e decidido no citado acórdão de 22-05-2024 e, por outro lado, que os argumentos jurídicos aqui invocados já foram, no essencial, apreciados nesse acórdão, não vislumbramos fundamento para nos afastarmos da jurisprudência fixada.


Por isso, vamos acompanhar, a par e passo, o que se escreveu nesse acórdão.


Deixada esta nota, avancemos.


Como se disse, ao sinistrado foi fixada inicialmente uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 2% e subsequente pensão, já remida.


Posteriormente, no âmbito de um incidente de revisão de incapacidade foi fixada a IPP de 7,84% e subsequente pensão, também já remida.


Em 16-02-2024 veio novamente requerer a revisão da incapacidade, o que deu origem aos presentes autos, tendo-se decido inexistir agravamento da situação clinica: todavia, foi aplicado o fator de bonificação de 1.5 previsto na TNI considerando que nessa data o autor tinha 50 anos.


É incontroverso que o caso em apreciação se encontra submetido à disciplina infortunística prevista na Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.


De acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 70.º da lei, quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.


A revisão pode ser efetuada a requerimento do sinistrado ou do responsável pelo pagamento e pode ser requerida uma vez que cada ano civil.


O Código de Processo do Trabalho regula nos artigos 145.º a 147.º o incidente de revisão da incapacidade.


E de acordo com o n.º 6 do artigo 145.º, «[s]e não for realizada perícia por junta médica, ou feita esta, e efectuadas quaisquer diligências que se mostrem necessárias, o juiz decide por despacho, mantendo, ou reduzindo a pensão ou declarando extinta a obrigação de pagar.


Importa ter presente que com a “Revisão das prestações”, expressão algo equívoca que consta da divisão V da Subsecção III do Capítulo II da LAT, o que se revê é a incapacidade do sinistrado, embora esta, reflexamente, venha a afetar a pensão anteriormente fixada.


Atente-se, para tanto, que no referido n.º 1 do artigo 70.º da LAT consta revisão da “prestação” (e não da pensão) após aludir à modificação da capacidade de ganho proveniente do agravamento, recidiva, etc.


Como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2002 (Agravo n.º 1061/02 – 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt. sob Proc. 02S1061), entendimento que embora no domínio de anterior LAT (aprovada pela Lei n.º 2127, de 03 de Agosto de 1965) se mantém actual, «(…) o n.º 1 da Base XXII da LAT ao permitir que as prestações sejam revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem a reparação, pretende, obviamente, que as prestações a pagar ao trabalhador sinistrado ou doente correspondam ao efectivo grau de perda da capacidade de seu ganho, pelo que, determinando a lesão ou doença, em certo momento, modificação dessa capacidade, devem as prestações sofrer alteração correspondente à alterada capacidade».


Ou seja, e dito de outro modo: a revisão da pensão reveste a natureza jurídica de ato modificativo da pensão anteriormente fixada e ao se atender ao agravamento, recidiva, etc., está-se de igual modo a tratar da incapacidade resultante do acidente de trabalho, embora agora em grau diferente.


E, mantendo-se a incapacidade, embora em grau diferente, também a pensão a estabelecer após a revisão não é uma pensão nova, mas antes uma pensão atualizada no seu quantum, tendo em conta a alteração da incapacidade sofrida pelo sinistrado.


Por isso, ressalvado o devido respeito pelo entendimento da recorrente, não se vislumbra obstáculo processual a que se possa proceder à revisão da incapacidade, ainda que através da aplicação do fator de bonificação de 1.5, por virtude do sinistrado ter atingido 50 anos de idade.


E o mesmo se verifica quanto à circunstância de não ter havido agravamento da incapacidade com base no requerido e o tribunal fixar o agravamento dessa incapacidade com base no referido fator de bonificação/idade: por um lado, como se assinalou no acórdão de fixação de jurisprudência que acompanhamos, «(…) a situação cabe na previsão do artigo 70.º da LAT se a mesma for objeto de uma interpretação teleológica. Com efeito, o legislador considerou que a idade do sinistrado – ter este 50 ou mais anos de idade – representa, ela própria, um fator que tem impacto na capacidade de trabalho ou de ganho e que representa um agravamento na situação do trabalhador, mormente no mercado de trabalho. Este agravamento pela idade, reconhecido pelo legislador, poderá ser objeto de um pedido de revisão das prestações»; por outro lado, não pode olvidar-se que estamos no âmbito de direitos indisponíveis, pelo que o juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele desde que isso decorra de preceitos inderrogáveis da lei (cfr. artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho).


A questão coloca-se então em saber se a lei, rectius o n.º 5, alínea a) das instruções gerais da TNI, que prevê a aplicação do fator de bonificação de 1.5 ao coeficiente de incapacidade é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, seja no momento do acidente, seja em momento posterior.


Vejamos.


O referido n.º 5, alínea a), das instruções gerais da TNI, estipula que «[n]a determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG × 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor».


Assim, da interpretação do estipulado resulta que para seja atribuído o fator de bonificação de 1,5 exige-se: (i) que a vítima não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tenha 50 anos ou mais; (ii) que não tenha beneficiado da aplicação desse fator.


Como se acentuou no acórdão de fixação de jurisprudência que acompanhamos, este regime representou uma «(…) evolução sensível quanto ao que dispunha a anterior Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93 de 30 de setembro, cuja Instrução 5 a), previa que “[n]a determinação do valor final da incapacidade devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) sempre que se verifique perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados com uma multiplicação pelo factor 1.5, se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais”


Face à nova Tabela de Incapacidades a bonificação é atribuída automaticamente desde que a vítima tenha 50 anos ou mais. A Instrução 5 a) prevê, com efeito, duas situações distintas que considera suficientemente graves para que a bonificação tenha lugar: a circunstância de a vítima não ser reconvertível ao seu posto de trabalho e a sua idade (ter 50 anos ou mais. Sendo certo que de um acidente de trabalho resulta uma perda de capacidade de trabalho ou de ganho o legislador considera que essa perda é agravada pela idade do sinistrado. Não se trata de uma presunção – seja ela absoluta ou relativa – mas sim do reconhecimento de uma “realidade incontornável”, como lhe chamou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-10-2016 (…)» (excluíram-se notas de rodapé).


E, logo a seguir, citando o referido acórdão do Tribunal da Relação do Porto: «O envelhecimento é um fenómeno universal, irreversível e inevitável em todos os seres vivos. É certo que envelhecer difere de indivíduo para individuo, uma vez que o processo de envelhecimento pode ser acentuado ou retardado em razão de vários factores, entre outros, desde logo os de natureza genética, mas também dos que respeitam às condições e hábitos de vida do indivíduo e dos seus comportamentos (…) Em termos gerais e abstractos, é do conhecimento da ciência médica e, nos dias que correm, com toda a informação disponível e divulgada e com os cuidados de saúde a que se tem acesso, também da generalidade das pessoas que, após os 50 anos há um acentuar desse processo natural, que se vai agravando progressivamente com o aumento da idade. A título de mero exemplo, é consabido que a partir dos 50 anos de idade, independentemente do estado de [] saúde do indivíduo, seja homem ou mulher, a medicina recomenda que se observem especiais cuidados preventivos de saúde, sendo aconselhável a realização de determinados exames de diagnóstico que normalmente não são prescritos antes de se atingir essa idade. É na consideração desta realidade incontornável que o legislador entendeu atribuir a bonificação do factor 1.5, reconhecendo que, em termos gerais e abstractos, a vítima de acidente de trabalho que fique com determinada incapacidade permanente terá uma dificuldade acrescida, como consequência natural do organismo, para o desempenho de uma actividade profissional”.


A recorrente afadiga-se em tentar demonstrar que não pode ser de aplicação automática o fator de bonificação de 1.5 desde que a vítima tenha 50 ou mais anos, invocando nomeadamente a evolução da ciência médica, bem como o aumento da esperança média de vida e, enfim, sustentando que o fator de bonificação tendo em conta a referida idade só deverá aplicar-se perante uma análise ponderada e casuística do caso concreto que a imponha.


Todavia, face ao que já deixámos exposto, não vislumbramos fundamento para nos afastarmos da jurisprudência fixada sobre a matéria.


Em reforço desta posição, atente-se ainda no que se escreveu no acórdão que vimos citando:


«(…) a previsão de um regime mais favorável para os trabalhadores com idade igual ou superior a 50 anos, quando não tenham já beneficiado da aplicação do fator em causa, não é desrazoável ou arbitrária, por assente nas características do mercado de trabalho e da mais difícil inserção neste dos trabalhadores com idade superior a 50 anos. Existem, pois, fundamentos racionais, pois assentes em dados empíricos relacionados com as consequências do envelhecimento do trabalhador e com as características do mercado de trabalho, e objetivos, porque aplicáveis de forma genérica e não subjetiva, por o legislador ter em conta a idade do trabalhador ao estabelecer o regime aplicável ao cálculo das incapacidades dos sinistrados ou doentes no âmbito laboral. Cabe-lhe, assim, escolher os instrumentos através dos quais esta ponderação ocorre, tendo optado, neste caso, por consagrar uma repercussão nos coeficientes através da previsão de uma bonificação. O regime também prevê que a bonificação apenas opera uma vez, não ocorrendo se o fator em causa tiver já sido aplicado por outro motivo. Esta solução encontra-se dentro da margem de livre apreciação do legislador, não se apresentando como desrazoável».


Ou seja: ao contrário do que sustenta a recorrente, o legislador optou pelo critério, objeto e genérico, em que considera que a idade (50 ou mais anos) constitui, por si só, fator relevante para aplicar a bonificação (desde que esta não tenha sido aplicada anteriormente) na atribuição da incapacidade, em detrimento de critérios subjetivos e casuísticos.


E isto independentemente do grau de incapacidade, decorrente dos outros critérios legais, que haja sido atribuída ao sinistrado.


A recorrente argumenta também que o regime de bonificação previsto na alínea a) do n.º 5 das instruções gerais da TNI é meramente instrumental em relação ao previsto na LAT, maxime no seu artigo 70.º, pelo que não tendo o legislador previsto um processo de revisão automática da incapacidade não pode recorrer-se a esta esta norma.


Mas também este argumento já foi, de forma adequada e suficiente objeto de pronúncia no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-05-2024.


Aí se escreveu, a este propósito (excluem-se notas de rodapé): «Invoca-se, sobretudo, que o legislador não previu qualquer mecanismo processual para revisão automática da pensão em função da idade e que a revisão da pensão seria um meio processual inadequado ou mesmo “enviesado”. Tal “colidiria frontalmente com o princípio estabelecido no artigo 70.º n.º 1 da Lei 98/2009, de onde decorre que no âmbito da revisão da incapacidade, a prestação pode ser alterada, mas desde que se verifique “uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado”. Acrescenta-se, ainda, que “a TNI tem natureza meramente instrumental em relação ao regime jurídico substantivo da reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho” e que “não são mais que um conjunto de regras elucidativas da aplicação prática da mesma, no que toca à determinação do coeficiente de incapacidade a atribuir em cada caso concreto, sem porém concorrerem com conteúdo jurídico relevante no regime da reparação dos acidentes, que é domínio da LAT e do seu regulamento”.


Importa, todavia, ter em conta que ao estabelecer em uma norma legal que um sinistrado com 50 anos (ou mais) tem direito a uma bonificação de 1.5 o legislador exprimiu uma opção, a de considerar que a idade representa um agravamento das consequências negativas da perda da capacidade de trabalho ou de ganho decorrente do acidente de trabalho. “Em suma: para o legislador dos acidentes de trabalho a idade do sinistrado – no caso, 50 anos ou mais – é factor relevante, que “acresce” à sua IPP para efeitos de atribuição de incapacidade, factor assente no facto de que a partir dessa idade as condições físicas/psíquicas de qualquer trabalhador se agravam de modo natural


(…)


E não se afigura inútil ou “enviesada” a aplicação do mecanismo da revisão das prestações, tanto mais que o sinistrado tanto pode atingir os 50 anos apenas alguns dias, semanas ou meses após a fixação inicial das prestações, como pode vir a perfazer aquela idade anos ou mesmo décadas após tal fixação inicial, sendo conveniente que a bonificação seja aplicada a uma avaliação e a uma prestação atualizadas. Aliás, até pode suceder, por exemplo, que o incidente de revisão de incapacidade seja requerido pela entidade responsável com fundamento da melhoria da situação clínica (cf. artigo 70.º, números 1 e 2 da LAT), melhoria essa que pode vir a ser confirmada pela perícia médico-legal singular ou plural, havendo então que multiplicar essa nova IPP, inferior à originária ou até à atribuída num anterior incidente de revisão, pelo fator de bonificação de 1,5, desde que o sinistrado entretanto tenha atingido os 50 anos de idade».


Finalmente, a recorrente sustenta que a interpretação da alínea a) do n.º 5 das instruções gerais da TNI, (…) no sentido de permitir uma aplicação automática do factor de 1.5 respeitante à idade , mesmo não se verificando qualquer agravamento, desassociada de outros critérios a ponderar casuisticamente e ao sabor de cada incidente de revisão, é violadora dos Princípios Constitucionais das igualdade e da justa reparação previstos nos artigos 13º e 59º, nº 1, al. F) da CRP».


Ora, também este argumento foi devidamente ponderado no acórdão que vimos acompanhando, tendo sido rejeitado.


Com efeito, aí se escreveu (excluem-se notas de rodapé): «A este propósito importa, também, atender ao que o Tribunal Constitucional afirmou, em uma das várias ocasiões em que foi chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade da atribuição desta bonificação em razão da idade do sinistrado e em que precisamente se pronunciou no sentido de “não julgar inconstitucional a norma que determina a aplicação do «fator de bonificação de 1,5, em harmonia com a alínea a) do n.º 5 do anexo I do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, (Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais)» aos coeficientes de incapacidade previstos nesse diploma quando «a vítima (…) tiver 50 anos ou mais”.


Pode, com efeito, ler-se, no n.º 7 da fundamentação do Acórdão n.º 526/2016 proferido a 4 de outubro de 2016, no processo n.º 1059/156:


“Assim, as soluções legais do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, no que diz respeito à Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, são justificadas pela consagração de um regime autónomo, distinto do aplicável ao dano civil, especificamente desenhado para o dano laboral que atinge a capacidade de ganho do trabalhador e também a pessoa.


É neste contexto que surge um regime diferenciado dado a um grupo de trabalhadores face aos restantes trabalhadores, tendo como critério de aplicação a idade (igual ou superior a 50 anos, como se referiu). Pela inserção sistemática, pode concluir-se que o legislador traça uma aproximação entre esta situação e a dos trabalhadores que, embora tenham uma idade inferior a 50 anos, não são reconvertíveis em relação ao posto de trabalho, pois ambos os casos são colocados numa relação alternativa, dando origem (um ou o outro) à aplicação da bonificação. A aproximação destas duas situações também decorre do facto de o trabalhador vítima de acidente ou doença profissional apenas poder beneficiar da bonificação em causa (por um critério ou pelo outro) na ausência de outra bonificação equivalente. Em ambos os casos, estamos perante situações de maior dificuldade de acesso ao mercado de trabalho relativamente àquela em que se encontra um trabalhador, também vítima de acidente de trabalho ou doença profissional, mas ainda reconvertível ou de idade mais jovem. Sendo distintas as posições relativas dos trabalhadores, não se configura qualquer violação do princípio da igualdade, pois este pressupõe que se esteja perante situações equivalentes.


Há que reconhecer que no plano normativo não há discriminação alguma: a situação dos trabalhadores vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional que tenham uma idade igual ou superior a 50 anos não é idêntica à dos trabalhadores que não são vítimas daquelas circunstâncias ou com idade inferior a 50 anos. A própria recorrente admite que «a passagem do tempo e a progressão da idade tenham efeitos (positivos e negativos) sobre a capacidade de ganho e a produtividade pessoal dos trabalhadores», e que «o envelhecimento, como o avançar da idade, quando produzam uma diminuição daquela capacidade de ganho, hão de naturalmente poder repercutir-se nos coeficientes de incapacidade» (cfr. o ponto II., n.º 20 das alegações de recurso, fls. 131). O facto de o cálculo da incapacidade em ambos os casos comportar diferenças não justifica que se considere violado o princípio da igualdade, pois estamos perante situações diferenciadas.


Assim, a previsão de um regime mais favorável para os trabalhadores com idade igual ou superior a 50 anos, quando não tenham já beneficiado da aplicação do fator em causa, não é desrazoável ou arbitrária, por assente nas características do mercado de trabalho e da mais difícil inserção neste dos trabalhadores com idade superior a 50 anos. Existem, pois, fundamentos racionais, pois assentes em dados empíricos relacionados com as consequências do envelhecimento do trabalhador e com as características do mercado de trabalho, e objetivos, porque aplicáveis de forma genérica e não subjetiva, por o legislador ter em conta a idade do trabalhador ao estabelecer o regime aplicável ao cálculo das incapacidades dos sinistrados ou doentes no âmbito laboral. Cabe-lhe, assim, escolher os instrumentos através dos quais esta ponderação ocorre, tendo optado, neste caso, por consagrar uma repercussão nos coeficientes através da previsão de uma bonificação. O regime também prevê que a bonificação apenas opera uma vez, não ocorrendo se o fator em causa tiver já sido aplicado por outro motivo. Esta solução encontra-se dentro da margem de livre apreciação do legislador, não se apresentando como desrazoável.


Existindo fundamento material suficiente, razoável, objetivo e racional, para a diferenciação de trabalhadores com idades iguais ou superiores a 50 anos, nomeadamente relacionados com o efeito do envelhecimento na capacidade de ganho e tendo em conta as características do mercado de trabalho nacional, não é possível concluir que a solução tenha um caráter arbitrário ou que exista violação do princípio da igualdade”.


A solução encontrada pelo legislador com a aplicação automática da bonificação de 1.5 ao sinistrado com 50 anos ou mais à data da alta tem a vantagem de evitar a difícil determinação do impacto do envelhecimento sobre cada sinistrado em concreto, que variaria em razão de uma grande diversidade de fatores (o organismo de cada um, mas também, por exemplo, as especificidades da atividade laboral e do setor profissional). Admite-se que se possa falar aqui em uma ficção jurídica, como fez o Parecer do Ministério Público junto neste Tribunal e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01-02-2016, no qual se pode ler que “o legislador “ficcionou” que, a partir daquela idade as lesões tendem a agravar-se com a consequente maior limitação da capacidade de trabalho do sinistrado/trabalhador”.


Sendo assim, e se o legislador entendeu que quando o sinistrado tem 50 anos de idade ou mais se justifica uma bonificação por força da dificuldade acrescida, da maior penosidade laboral, que resulta do envelhecimento, haverá algum motivo que justifique que o sinistrado que tinha menos de 50 anos de idade, mas, entretanto, atinja essa idade, não passe a beneficiar da mesma bonificação?».


E aí se responde negativamente a tal interrogação, concluindo-se que o legislador ao estabelecer uma norma legal que determina que um sinistrado com 50 ou mais anos de idade tem direito a uma bonificação de 1.5 exprimiu a opção de considerar que a idade representa agravamento das consequências negativas da perda da capacidade de trabalho ou de ganho decorrente do acidente de trabalho, e que este fator de bonificação foi criado para dar cumprimento precisamente aos princípios constitucionais da igualdade e da justa reparação.


Neste enquadramento, não só não se verifica a invocada inconstitucionalidade, como se apresenta irrelevante o facto de só no decurso do incidente de revisão da incapacidade o sinistrado ter atingido os 50 anos de idade.


Assim, reafirma-se em jeito de conclusão, a questão suscitada no recurso inscreve-se na jurisprudência fixada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-05-2024 (proc. n.º 33/12.4TTCVL.7.C1.S1), sendo que os argumentos aqui expendidos pela recorrente se mostram também, suficiente e adequadamente, analisados nesse acórdão, pelo que não se vislumbra fundamento para nos afastarmos dessa jurisprudência.


Improcede, pois, o recurso, sendo de confirmar a decisão recorrida.


IV. Decisão


Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida


Custas pela recorrente.


Évora, 30 de janeiro de 2024


João Luís Nunes (relator)


Paula do Paço


Mário Branco Coelho (Com a declaração que se segue)


«A sentença recorrida limitou-se a declarar que o sinistrado se encontrava afectado de uma IPP de 11,76% desde 31.10.2024, por aplicação do factor de bonificação, e concordo com essa decisão.


Mas reparo que a sentença não resolveu outras questões essenciais, que assim permanecem em aberto:


1.ª - Qual o valor da retribuição a tomar em consideração para efeitos de cálculo do valor da pensão a remir? Actualiza-se ou não se actualiza?


2.ª - Se ao acidente dos autos podem ser aplicadas as bases técnicas previstas na Portaria 11/2000?


São questões sobre as quais a primeira instância ainda não exerceu a respectiva pronúncia, e que condicionam quer o cálculo do valor da pensão, quer o subsequente cálculo do capital de remição.


E são questões de Direito, e não de mera execução administrativa (por isso, não podem ser resolvidas pela secção de processos, como parece resultar da decisão recorrida), pois dependem da aplicação de normas jurídicas específicas nesta matéria - vide, a propósito, a minha declaração de voto no Acórdão desta Relação de 05.12.2024, Proc. 4306/17.1T8STB.1.E1, publicado na página da DGSI.


Com esta ressalva, subscrevo o Acórdão».

1. Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Paula do Paço, (2) Mário Branco Coelho.↩︎