Sumário elaborado pela relatora:
I. O formalismo de uma decisão administrativa não tem o rigor de uma sentença penal.
II. Satisfaz a descrição da materialidade do ilícito contraordenacional a menção, no elenco dos factos provados, de que o condutor não apresentou o registo dos 28 dias anteriores, tanto mais quando ainda se faz a remissão para o auto de contraordenação levantado pelo agente fiscalizador no qual constam identificados os dias em relação aos quais não foi apresentado o registo.
III. O artigo 25.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro não exige que o elemento subjetivo do ilícito tenha de ser descrito num determinado ponto do elenco da matéria de facto.
IV. A descrição do elemento subjetivo do ilícito pode constar na fundamentação de direito da decisão administrativa.
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1
I. Relatório
A sociedade "Transportes AA, Lda." impugnou judicialmente a decisão da Autoridade Para as Condições do Trabalho (ACT) que lhe aplicou uma coima de 35 UC pela prática de uma contraordenação muito grave, a título negligente, por o condutor não ter mostrado às Autoridades os registos relativos aos 28 dias anteriores, prevista no n.º 7 do artigo 15.º do Regulamento (CEE) n.º 3821/1985, de 20 de dezembro, em conjugação com os n.ºs 1 e 2 do artigo 13.º da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, e alínea b) do n.º 1 do artigo 25.º e n.º 4 do artigo 14.º do mesmo diploma legal. A decisão administrativa considerou ainda o Gerente da sociedade responsável pelo pagamento da coima.
Admitida a impugnação, a 1.ª instância proferiu a decisão que, seguidamente, se transcreve (sem as notas de rodapé):
«Da apreciação da nulidade da decisão administrativa por falta de fundamentação e de indicação factual do elemento subjetivo do tipo contraordenacional:
Da análise da decisão administrativa verifica-se que a mesma é omissa quanto à indicação e apreciação do elemento subjetivo da infração.
Ora, a fundamentação das decisões administrativas não é igualmente exigente à das decisões judiciais. Veja-se que a obrigação que decorre da lei fundamental consagrada no artigo 32.º, n.º 10 da CRP, é que nos processos de contraordenação sejam assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa. Mas, para que esses sejam plenamente garantidos aos arguidos não se mostra necessário que as sentenças administrativas tenham de ter uma fundamentação igual à das decisões judiciais, por aplicação do artigo 374.º do CPP. Note-se que a opção legislativa foi a de apenas ser aplicável o Código de Processo Penal aos casos omissos, como resulta do disposto no artigo 41.º, n.º 1 do D.L. n.º 433/82, de 27/10 e artigo 60.º da L 107/2009, de 14/09. Como tal, e no que às decisões administrativas se refere, não é aplicável o artigo 374.º do CPP, mas, e especificamente quanto às contraordenações laborais, é aplicável o artigo 25.º, n.º 1 da L. n.º 107/2009, de 14/09 e nem sequer o artigo 58.º do RGCO visto, in casu, inexistir lacuna a preencher por aplicação do artigo 60.º da L. n.º 107/2009, de 14/09. E, como resulta do artigo 25.º, n.º 1 da L. n.º 107/2009, de 14/09, a decisão que aplica a coima deve conter a identificação dos sujeitos responsáveis pela infração, a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão, a coima e as sanções acessórias.
Porquanto e em face do exposto, sendo líquido que as decisões administrativas possam ter uma fundamentação menos exigente que as decisões judiciais, ainda assim, têm de ser dados como provados factos que nos permitam inferir por um comportamento da arguida culposo, doloso ou negligente, com vista a ser possível fazer-se um juízo de censura ao comportamento encetado e que permita também, em função da culpa apurada em factos, fundamentar a medida da coima.
In casu, da enunciação dos factos provados na decisão administrativa inexiste qualquer referência ao elemento subjetivo da contraordenação, bem como são insuficientes os factos referentes aos elementos objetivos visto nem sequer serem indicados os dias em que faltam os registos de ausência de condução, estando coartado o direito de defesa da arguida.
O artigo 25.º, n.º 1, al. b) da L. n.º 107/2009, de 14/09 exige que a decisão administrativa descreva os factos imputados, ou seja, exista a narração dos factos dos quais decorra a verificação dos elementos objetivos e subjetivos da incriminação, podendo concluir-se, no caso da negligência, pela violação de um dever de cuidado. De facto, como se decidiu no AC. do TRE, de 05/05/2015, acessível em www.dgsi.pt “O direito contraordenacional é um direito da culpa e não um direito que permita a responsabilização objetiva, pelo que se mostra essencial que se provem os factos relativos à culpa dos arguidos”. E aqui chegados diz-se que, in casu, não se pode entender que os factos provados permitem presumir o elemento subjetivo da conduta pois nada é descrito que nos permita concluir pela violação de um dever de cuidado pela arguida ou pela violação intencional da norma. Também são insuficientes os factos quanto aos elementos objetivos visto não serem sequer indicados os registos em falta. Esta omissão da decisão administrativa torna a decisão administrativa manifestamente infundada e conduz à absolvição da arguida quanto à contraordenação que lhe é imputada.
Porquanto e em face do exposto, sendo omissa a decisão da ACT quanto aos elementos de verificação necessária da contraordenação, é a mesma manifestamente infundada, nos termos do artigo 311.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. b) do CPP aplicável ex vi do disposto no artigo 41.º, n.º 1 do D.L. n.º 433/82, de 27/10 e artigo 60.º da L 107/2009, de 14/09, absolvendo-se, em consequência, a arguida da prática de uma contraordenação prevista e punida pelos artigos 36.º do Regulamento (UE) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 04/02/2014, 12.º, 13.º, 14.º, n.º 4 e 25.º, n.º 1, al. b) da L 27/2010, de 30/08 e 550.º e 561.º do CT ex vi artigo 12.º, n.º 1 da L 27/2010, de 30/08.
Por desnecessidade, não se apreciam as demais questões suscitadas na impugnação judicial, sendo que, quanto à prescrição, a mesma inexiste, como bem fundamentado pelo MP no seu requerimento de recebimento do RCO.
Sem custas, por a impugnação apresentada ter sido procedente.
Comunique à ACT, com cópia, nos termos do artigo 45.º, n.º 3 da L 107/2009, de 14/09).»
O Ministério Público interpôs recurso para este Tribunal da Relação, concluindo o seguinte:
«1 - Por decisão administrativa da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), proferida a 15/04/2024, foi a sociedade arguida “"Transportes AA, Lda.".” condenada numa coima de €3.570,00, pela prática de uma contraordenação muito grave, a título de negligência e como reincidente, prevista, à data dos factos, no nº 7 do art. 15º do Regulamento (CEE) nº 3821/1985, de 20/12 e nos nº 2 e 3 do art. 10º do Regulamento (CE) nº 561/2006, de 03/06, e atualmente prevista no art. 36º do Regulamento (UE) nº 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 04/02/2014 e nos nºs 1 e 2 do art. 13º da Lei nº 27/2010, de 30/08, e punida pela al. b) do nº 1 do art. 25º do mesmo diploma, disposições conjugadas com o nº 4 do art. 14º da Lei nº 27/2010, de 30/08, consubstanciada na falta de apresentação por parte do motorista da arguida, aos agentes de controlo autorizado, dos registos de atividade relativos aos 28 dias anteriores ao ato de fiscalização.
2 – Impugnada judicialmente aquela decisão administrativa pela sociedade arguida, o Tribunal a quo julgou a decisão administrativa manifestamente infundada, por omissão do elemento subjetivo do tipo contraordenacional e por insuficiência na descrição dos elementos objetivos integradores da contraordenação, dado não serem indicados os dias dos registos em falta, e proferiu sentença absolvendo a arguida da prática da contraordenação que lhe vinha imputada.
3 – É sobre esta decisão que versa o presente recurso, não se concordando com a decisão de absolvição proferida pelo tribunal a quo porquanto a decisão da autoridade administrativa, não sendo modelar, contém descrição factual bastante para preencher os elementos objetivo e subjetivo do tipo contraordenacional nela imputado.
4 - É pacífico o entendimento jurisprudencial de que, embora devendo respeitar os requisitos de forma e conteúdo indicados no art. 25º nº 1 da Lei n.º 107/2009, de 14/09, não é exigível à decisão da autoridade administrativa que se revista do mesmo grau de fundamentação e de rigor formal que se exige a uma sentença penal.
5 - Basta que a decisão administrativa contenha as razões, de facto e de direito, que levaram à condenação, de modo a permitir ao arguido perceber os factos que lhe são imputados e a que título o foram e possa, assim, exercer o seu direito de impugnação/defesa e, caso a decisão seja impugnada judicialmente, possibilitar ao tribunal a apreensão e apreciação do iter lógico, racional e técnico-jurídico que sustenta a decisão administrativa.
6 - Ademais, a decisão da autoridade administrativa, por não estar sujeita ao mesmo rigor formal que uma sentença penal, deve ser considerada como um todo e os diversos segmentos em que se decompõe não deverão ser vistos como compartimentos estanques, o que significa, no que ao caso em apreço interessa, que a descrição dos elementos objetivos e subjetivos integradores do tipo contraordenacional deverá ser atendida desde que feita no segmento da fundamentação da decisão apesar de não o ser no estrito elenco dos factos provados.
7 – Uma leitura atenta e integral da decisão administrativa permite constatar que os elementos objetivos do tipo contraordenacional estão suficientemente descritos no elenco dos factos considerados provados (Capítulo B) e através da remissão que ali é feita para o Auto de Contraordenação nº 343610-OG, a coberto da faculdade conferida pelo nº 6 do art. 25º da Lei n.º 107/2009, de 14/09.
8 - Uma leitura atenta e integral da decisão administrativa permite constatar que no seu capítulo C – “Fundamentação de Direito”, com o subtítulo “Falta de apresentação discos diagrama e/ou declaração”, são feitas diversas alusões à atuação negligente da sociedade arguida, com descrição inequívoca e suficientemente densificada dos comportamentos de onde se extrai a omissão do dever de cuidado que lhe era exigível e de que era capaz.
9 – A decisão administrativa explicita os factos dos quais extrai o juízo de culpa - na modalidade da negligência - que imputa à sociedade arguida quando, a título exemplificativo, refere: “Assim, a arguida não demonstrou ter organizado o trabalho de modo a que o condutor pudesse cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/1985, de 20 de dezembro, no Regulamento (CE) nº 561/2006, de 15 de março, e na Lei nº 27/2010, de 30 de agosto, nos termos do nº 1 do art. 13º deste último diploma, pelo que é responsável pela ação material do seu condutor. A sua conduta negligente deduz-se da omissão verificada (…)” e “Em face do exposto e porque consideramos que a arguida, no caso em apreço, não logrou comprovar, tal como lhe incumbia, que cuidou como podia e devia, que o condutor ao seu serviço iniciasse a sua atividade fazendo-se acompanhar das folhas de registo dos últimos 28 dias ou da declaração de atividade, ou outro qualquer documento que justificasse a ausência dos registos no ato de fiscalização, é imputada à arguida a prática de uma contraordenação muito grave prevista no art. 36º do Regulamento (UE) nº 165/2014, de 4 de fevereiro.”
10 - A sociedade arguida demonstrou ter percebido perfeitamente o quadro factual que lhe era imputado na decisão administrativa, o qual de resto sintetizou no art. 1º da motivação da impugnação judicial que apresentou e rebateu de forma detalhada invocando que agiu com o cuidado que se lhe impunha, pelo que o apontado vício de insuficiência ou de falta de determinação quanto aos factos integradores dos elementos objetivos e a apontada omissão do elemento subjetivo do tipo contraordenacional não merecem acolhimento.
11 – Pelos fundamentos que se vêm de expor, estamos, pois, em crer que a decisão da autoridade administrativa contém descrição factual bastante para preencher os elementos objetivo e subjetivo do tipo contraordenacional nela imputado.
12 – Donde, o Tribunal a quo não devia ter considerado a decisão da autoridade administrativa manifestamente infundada e absolvido a arguida da contraordenação que lhe vinha imputada.
13 - Ao fazê-lo, a sentença recorrida incorreu em erro na interpretação do direito aplicável e violou o disposto no art. 25º nº s 1 e 6 da Lei n.º 107/2009, de 14/09 (Regime Processual aplicável às Contraordenações Laborais e da Segurança Social) e no art. 311º nº 2 al. a) e nº 3 al. b) do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do art. 41º nº 1 do DL nº 433/82, de 27/10 e do art. 60º da Lei n.º 107/2009, de 14/09.
14 - Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo exigiu que a decisão administrativa se revista de um rigor formal ao nível da fundamentação de facto e de direito que o legislador, na interpretação da jurisprudência dominante e pacífica, só exige para a sentença penal e, por essa via, julgou a decisão administrativa manifestamente infundada por insuficiência/falta de determinação dos elementos objetivos do tipo e por omissão do elemento subjetivo do tipo contraordenacional que nela vinha imputado quando, como se demonstrou, a decisão administrativa em apreço, compreendida na sua globalidade, possui descrição factual bastante para preencher os elementos objetivo e subjetivo do tipo contraordenacional que nela é imputado, a título de negligência, à sociedade arguida.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença do Tribunal a quo, ora recorrida, e, em consequência, determinar-se que os autos prossigam os seus trâmites legais, sendo proferida decisão que conheça do mérito da impugnação judicial apresentada pela sociedade arguida “"Transportes AA, Lda."”, ou, em alternativa, seja designada data para audiência de discussão e julgamento.»
A 1.ª instância admitiu o recurso com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Tendo o processo subido à Relação, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, propugnando pela procedência do recurso.
Não foi oferecida resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (RGCO) e artigos 50.º n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.
Em função destas premissas, a única questão que importa dilucidar e resolver é a de saber se a decisão administrativa contém suficientemente enunciados os elementos, objetivo e subjetivo, do tipo contraordenacional, devendo extrair-se as devidas consequências do que se vier a decidir.
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III. Matéria de Facto
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para a qual remetemos, sem necessidade da sua repetição, sendo tidos em consideração, ainda, os demais elementos processuais que resultam dos autos, especialmente a decisão proferida pela ACT.
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IV. Enquadramento jurídico
Identificada supra a questão decidenda, passemos, de imediato, ao seu conhecimento.
Estatui o artigo 25.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na versão original, que é a aplicável:
1 - A decisão que aplica a coima e ou as sanções acessórias contém:
a) A identificação dos sujeitos responsáveis pela infração;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
2 - Da decisão consta também a informação de que:
a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos dos artigos 32.º a 35.º;
b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso os sujeitos responsáveis pela infração, o Ministério Público e o assistente, quando exista, não se oponham, mediante simples despacho.
3 - A decisão contém ainda a ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão.
4 - Não tendo o arguido exercido o direito de defesa nos termos do n.º 2 do artigo 17.º e do n.º 1 do artigo 18.º, a descrição dos factos imputados, das provas, e das circunstâncias relevantes para a decisão é feita por simples remissão para o auto de notícia, para a participação ou para o auto de infração.
5 - A fundamentação da decisão pode consistir em mera declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas de decisão elaborados no âmbito do respetivo processo de contraordenação.
A alteração ao artigo feita posteriormente pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, não modificou o n.º 1, que é o ponto mais importante para o que se tem de decidir.
Da redação do artigo 25.º resulta evidente que o formalismo da decisão administrativa foi deliberadamente “aligeirado” quando comparado com o exigente rigor formal de uma sentença penal (cf. artigo 374.º do Código de Processo Penal).
Conforme se escreveu no sumário do acórdão desta Secção Social de 06-12-2017 (Proc. n.º 1967/15.0T8BJA.E1), acessível em www.dgsi.pt:
«II– A fundamentação da decisão da autoridade administrativa não tem que ter o rigor de uma sentença penal, importando, sim, que contenha as razões, ainda que sumárias, de facto e de direito, que conduziram à condenação da arguida, de forma a que esta, lendo a mesma, se aperceba, dentro dos critérios da normalidade de entendimento, das razões por que foi condenado e possa aferir da oportunidade de impugnar judicialmente a decisão.»
Ora, no caso que se aprecia, ainda que tenha declarado que o citado artigo 25.º estipula que a decisão administrativa pode ter uma fundamentação menos exigente do que a imposta à decisão judicial, o tribunal a quo entendeu que no elenco dos factos provados da decisão administrativa devem constar descritos os elementos, objetivo e subjetivo, do ilícito contraordenacional imputado.
No seguimento, e depois de ter analisado a concreta decisão da ACT, afirmou que no elenco dos factos provados não constavam indicados os dias em relação aos quais não foi apresentado o registo da condução, bem como nada era mencionado que permitisse concluir pela violação do dever de cuidado da arguida ou pela violação intencional da norma.
Decidiu, consequentemente, que a descrição fáctica era insuficiente quanto aos elementos, objetivo e subjetivo, da infração contraordenacional, e, por essa razão, julgou a decisão administrativa manifestamente infundada, absolvendo a arguida da contraordenação por que vinha acusada.
É precisamente esta análise da decisão administrativa que o recorrente pretende que seja reapreciada e revogada.
Vejamos.
Na proposta de decisão para a qual remete a decisão administrativa – remissão admitida pelo n.º 5 do artigo 25.º - descrevem-se os seguintes factos provados:
«4.01. Em ação de fiscalização realizada no dia 20 de abril de 2019, pelas 18:55 horas, no ..., e, ..., foi levantado um auto de contraordenação à arguida supra identificada, tendo sido identificado como condutor BB, o qual conduzia um veículo de categoria pesado de mercadorias, com a matrícula ..-..-ZR, conforme descrito no auto de contraordenação.
4.02. Naquela data, hora, local e ato de fiscalização, verificou o agente autuante que o condutor, conduzia veículo equipado com tacógrafo, sem possuir em seu poder as folhas dos 28 registos anteriores , conforme consta do Auto N.º: 343610-OG.
4.03. No momento da fiscalização o condutor não apresentando qualquer documento justificativo, declaração, ou outro documento de atividade, para justificação dos períodos sem registo.
4.04. A arguida tem como atividade económica principal, CAE/P: 49410 – Transportes rodoviários de mercadorias.
4.05. E como atividades económicas secundárias, CAE/S: 33120 – Reparação e manutenção de máquinas e equipamentos; 33170 – Reparação e manutenção de outro equipamento de transporte; e 68100 – Compra e venda de bens imobiliários.
4.06. Consultado o Anexo Zero do Relatório Único de 2018 da arguida foi possível verificar que o volume de negócio em 2018 (ano de referência para a coima) foi de € 22.234.921,00.
4.07. Por análise do Anexo B – Fluxo de entradas e Saídas de Trabalhadores de 2019, do Relatório Único da arguida, podemos verificar que o motorista dos autos consta com o número de ordem 112, e, tendo entrado a 04/2020 e saído a 05/2020.
4.08. A arguida não efetuou o pagamento voluntário da coima, em conformidade com as notificações remetidas pelos ofícios desta Autoridade Administrativa.
4.09. A arguida remeteu certificado de formação interna, não certificada de 4:00 horas.
4.10. A arguida foi considerada reincidente por ter sido condenada com contraordenação muito grave, em 26/10/2018, no montante de € 2.719,32, nos termos do Registo Nacional de Infrações a fls. 5.»
Desta descrição, não obstante não constem expressamente mencionados os registos que não foram apresentados no período dos 28 dias anteriores, o narrado não deixa de conter a materialidade essencial do ilícito: a não apresentação do registo dos 28 dias anteriores. Ademais, o ponto 4.02. integra uma remissão para o auto de contraordenação (Auto n.º 343610-OG), do qual foi dado conhecimento à arguida, e no qual consta expressamente referido que faltavam os registos de 23-03-2019 a 04-04-2019.
Afigura-se-nos, pois, que a descrição dos factos imputados permitia, dentro dos critérios do normal entendimento, a compreensão da materialidade do ilícito e, particularmente, que a arguida se defendesse dos factos imputados, como, aliás, o veio a fazer.
Nesta conformidade, entendemos que a decisão administrativa contém, de forma suficiente, a descrição dos factos respeitantes ao elemento objetivo do ilícito.
Quanto ao elemento subjetivo da infração, o artigo 25.º não exige que o mesmo se encontre descrito num determinado ponto do elenco da matéria de facto.
A descrição do elemento subjetivo considera-se efetuada desde que conste da decisão administrativa, mesmo que inserida na fundamentação de direito.
Neste sentido, o acórdão da Relação de Évora de 11-01-2022 (Proc. n.º 231/21.0T8SSB.E1), publicado em www.dgsi.pt.
«I - É de um rigor excessivo (e sem qualquer justificação legal) afirmar um vício omissivo apenas porque determinado elemento da decisão condenatória em contraordenação não se encontra descrito no ponto da fundamentação de facto, sendo apenas descrito mais à frente num ponto posterior ao juízo subsuntivo.
II - Importa nuclearmente é que a “descrição dos factos imputados” (art.º art.º 58.º, n.º 1, b) do RGCO) conste da decisão condenatória, havendo que desconsiderar o seu arrumo sistemático dentro daquela, desde que a “descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, como base nessa perceção, defender-se adequadamente.”.»
No caso que nos ocupa, o elemento subjetivo do ilícito consta mencionado na “fundamentação de direito” da decisão administrativa.
Tanto basta para que se considere que o elemento subjetivo do ilícito foi descrito na decisão administrativa.
Foi, assim, dado a conhecer à arguida, de modo compreensível, qual a imputação a título de culpa efetuada: conduta negligente.
A decisão administrativa, contém, deste modo, os elementos, objetivo e subjetivo, do ilícito imputado.
Por conseguinte, o recurso mostra-se procedente, pelo que a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos, com a realização da audiência de julgamento ou a prolação de despacho final que conheça de mérito.
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V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, e consequentemente, revogam a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos, com a realização da audiência de julgamento ou a prolação de despacho final que conheça de mérito.
Sem custas.
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Sumário elaborado pela relatora:
(…)
Évora, 30 de janeiro de 2025
Paula do Paço
João Luís Nunes
Emília Ramos Costa
1. Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: João Luís Nunes; 2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa↩︎