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ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE
CULPA GRAVE E EXCLUSIVA
ALCOOLÉMIA
Sumário
Resultando da prova que o sinistrado, antes da queda, se deslocava no telhado cambaleando, conjugando com o grau de alcoolemia de que se encontrava afetado, de pelo menos 1,73 g/l, correspondente à TAS de 1,99 g/l registada, deduzido da margem de erro de 0,26 g/l; é de concluir, tendo em conta as regras da experiência comum, com muito elevado grau de probabilidade, que foi a ingestão do álcool a causa da queda mortal.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.
Nos presentes autos, sob a forma de processo especial emergente de acidente de trabalho, em que figura como sinistrado mortal, AA, cujos beneficiários são a sua companheira, BB e filho menor CC, nascido a ../../2012, ambos idf. nos autos; como entidade responsável, Companhia de Seguros EMP01..., S.A., e como entidade empregadora, EMP02..., Lda., idfs., foi deduzido o seguinte pedido:
“a) Em caso de responsabilidade agravada, ser a 2ª Ré condenada a pagar à 1ª A. uma pensão anual, vitalícia e atualizável de 10.317,80€, com início em ../../2020, dia seguinte ao da morte, que passará para 10.420,98€ a partir de 01/01/2022 e ao 2º A. a pensão anual temporária e atualizável de 8.254,24€, com início em ../../2020, atualizável, até perfazer 18, 22 ou 25 anos, conforme venha a frequentar o ensino secundário ou equiparado, ou ainda o ensino superior, ou sem limite de idade no caso de doença física ou mental que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho; e
b) Ser a 1ª Ré condenada a pagar à 1ª A. a pensão anual, vitalícia e atualizável de 2.977,20€, com início a ../../2020, até perfazer a idade de reforma por velhice, data em que passará para 3.969,60€, atualizada para 3.006,97€ a partir de 01/01/2022 e ao 2º A. a pensão anual e atualizável de 1.984,80€, com início em ../../2020, que passará para 2.004,65€ a partir de 01/01/2022, sendo 79,55€ da responsabilidade da 2ª Ré;
c) Não se verificando responsabilidade agravada, serem as RR. Condenadas a pagar à 1ª A. a pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, o que desde já requer, de 3.095,34€, com início a ../../2020, até perfazer a idade de reforma por velhice, data em que passará para 4.127,12€, sendo 2.977,20€ da responsabilidade da 1ª Ré e 118,14€ da responsabilidade da 2ª Ré; e
d) Serem as Rés condenadas a pagar ao 2º A. a pensão anual e atualizável de 2.063,80€, com início em ../../2020, que passará para 2.064,35€ a partir de ../../...., sendo 79,55€ da responsabilidade da 2ª Ré, até perfazer 18, 22 ou 25 anos, conforme venha a frequentar o ensino secundário ou equiparado, ou ainda o ensino superior, ou sem limite de idade no caso de doença física ou mental que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho;
e) Serem as RR. condenadas a pagar aos AA. os valores relativos a deslocações, despesas de funeral e subsídio de morte no valor total de 7.846,28€;
f) Serem as RR. condenadas a aos AA.. juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos sobre todas as prestações, desde a data dos respetivos vencimentos até efetivo pagamento; e ainda,
g) Serem as RR. condenadas a pagar as custas e demais encargos legais.”
Em síntese, estes dois beneficiários do sinistrado alegam que o sinistrado falecido sofreu um acidente de trabalho mortal, no dia de ../../2020, quando se encontrava a trabalhar, remuneradamente, por conta da entidade patronal, numa obra de construção civil, como servente, na freguesia ..., no concelho ..., sob as ordens, direção, fiscalização e contra retribuição desta entidade patronal. O sinistrado falecido subiu ao telhado da habitação com recurso a uma escada de mão que colocou sobre uma varanda, ao nível do ... piso, na fachada mais a sul, e caiu no lado oposto de uma altura de cerca de 5,20m sobre um arruamento.
Em virtude dessa queda resultaram lesões traumáticas de diversa ordem, que levaram à morte do sinistrado, nesse mesmo dia, quando o mesmo se encontrava no Hospital ..., para onde tinha sido transportado.
Mais alegaram que, a entidade empregadora havia transferido para a entidade seguradora a responsabilidade infortunística laboral, decorrente de acidentes de trabalho, relativamente a esse trabalhador, pelo contrato de seguro a que corresponde a apólice n.º ...30.
Os aqui beneficiários, companheira e filho menor, no mais, alegam terem suportado as despesas inerentes ao funeral do sinistrado falecido, bem como despesas de deslocação a este Tribunal e reclamam, ainda, o pagamento do subsídio por morte e dos juros de mora, à taxa legal, sobre todas as prestações.
A seguradora, aqui entidade responsável, apresentou contestação, não aceitando a caraterização do acidente como sendo acidente de trabalho e, alegando, em resumo, que o referido acidente ocorreu, exclusivamente, em virtude do comportamento adotado pelo sinistrado falecido, comportamento, esse, inútil, reprovado por um elementar sentido de prudência (caraterizando-o como negligência grosseira), por o sinistrado ter desrespeitado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora e previstas na lei (não ter utilizado qualquer equipamento de proteção individual e ter ingerido bebidas alcoólicas, apresentando uma TAS elevada, que afetava a sua capacidade de equilíbrio de forma grave), nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 14º, n.º 1, alínea a) e b) da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.
A seguradora, aqui entidade responsável, argumenta, ainda, que cabia à entidade empregadora verificar se estavam reunidas as condições de segurança para que os seus trabalhadores, pudessem trabalhar, nomeadamente, tomar medidas de proteção coletiva adequadas e eficazes e, na impossibilidade de implementação destas, implementar medidas de proteção individual de acordo com a legislação aplicável, que prevenissem o risco de queda, pelo que invoca o direito de regresso sobre a entidade empregadora.
Conclui, pedindo a improcedência da ação, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.
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Realizado o julgamento foi proferida decisão nos seguintes termos:
Assim, e nos termos expostos, julgo a ação procedente por provada e, consequentemente:
I. condeno a seguradora «Companhia de Seguros EMP01..., S.A.» no pagamento, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho):
a) à autora BB:
i) da quantia de 2 896,15€ (dois mil, oitocentos e noventa e seis euros e quinze cêntimos), a título de subsídio por morte;
ii) do capital de remição da pensão anual e vitalícia no montante de 2 977,14€ (dois mil, novecentos e setenta e sete euros e catorze cêntimos), desde ../../2020 e até perfazer a idade da reforma por velhice, pensão aquela que deve ser atualizada em 01/01/2022 para o valor de € 3 006,91 e em 01/01/2023 para € 3 259,49, e, após essa data ou no caso de verificação de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, da pensão anual e vitalícia de 3 969,53€ (três mil, novecentos e sessenta e nove euros e cinquenta e três cêntimos), a ser paga na residência da beneficiária, em prestações mensais correspondentes a 1/14 da mesma, sendo nos meses de junho e novembro acrescidas de uma outra prestação também equivalente a 1/14 da pensão anual;
b) ao autor CC:
i) da quantia de 2 896,15€ (dois mil, oitocentos e noventa e seis euros e quinze cêntimos), a título de subsídio por morte;
ii) da pensão anual e temporária no montante de 1 984,76€ (mil novecentos e oitenta e quatro euros e setenta e seis cêntimos) desde ../../2020 até à data em que completar 18 anos de idade ou até aos seus 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respetivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, a ser paga na residência do beneficiário ou dos seus familiares, em prestações mensais correspondentes a 1/14 da mesma, sendo nos meses de junho e novembro acrescidas de uma outra prestação também equivalente a 1/14 da pensão anual, pensão aquela que deve aquela ser atualizada em 01/01/2022 para o valor de € 2 004,61 e em 01/01/2023 para € 2 173,00;
II. condeno a entidade empregadora «EMP02... Unipessoal, Lda.» no pagamento, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho):
a) à autora BB:
i) do capital de remição da pensão anual e vitalícia no montante de 36,16€ (trinta e seis euros e dezasseis cêntimos), desde ../../2020 e até perfazer a idade da reforma por velhice e de 48,21€ (quarenta e oito euros e vinte e um cêntimo) a partir daquela data ou no caso de verificação de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, pensão aquela que deve aquela ser atualizada em 01/01/2022 para o valor de € 36,52 e em 01/01/2023 para € 39,59;
b) ao autor CC:
i) da pensão anual e temporária no montante de 24,11€ (vinte e quatro euros e onze cêntimos) desde ../../2020 até à data em que completar 18 anos de idade ou até aos seus 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respetivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, a ser paga na residência da beneficiária ou dos seus familiares, em prestações mensais correspondentes a 1/14 da mesma, sendo nos meses de junho e novembro acrescidas de uma outra prestação também equivalente a 1/14 da pensão anual, pensão aquela que deve aquela ser atualizada em 01/01/2022 para o valor de € 24,35 e em 01/01/2023 para € 26,40.
(…)”
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*
Inconformada a seguradora interpôs o presente recurso apresentando as seguintes conclusões:
(…)
*
Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
O Exm PGA deu parecer no sentido da procedência, devendo ser dado como provado que o sinistrado caminhou cambaleante sobre o telhado, e pela descaraterização.
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Factualidade:
A) No dia ../../2020, pelas 16h00, na Travessa ..., freguesia ..., do concelho ..., AA, pai do 2.º autor, quando se encontrava a trabalhar numa obra de construção civil como servente, sob as ordens, direção, fiscalização e contra retribuição da 2.ª ré (entidade patronal), sofreu um acidente de trabalho.
B) Na referida data, hora e local, o sinistrado subiu ao telhado da habitação com recurso a uma escada de mão que colocou sobre uma varanda, ao nível do ... piso, na fachada mais a sul, e caiu no lado oposto de uma altura de cerca de 5,20m sobre um arruamento. Pelo que, em consequência direta e necessária daquela queda, que resultou em várias lesões traumáticas crânio- meníngeo-encefálicas e torácicas, o sinistrado faleceu naquela data, pelas 19h17, no Hospital ....
C) O 2.º autor nasceu a ../../2012, é filho do sinistrado e da autora, vivia na exclusiva dependência dos rendimentos auferidos por aqueles.
D) Aquando da ocorrência do acidente de trabalho, o sinistrado trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da 2.ª ré, entidade empregadora, prestando serviços próprios da categoria profissional de servente da construção civil.
E) Tendo o acidente ocorrido no local e período normal de trabalho.
F) A 2.ª ré, entidade empregadora do sinistrado, na data em que ocorreu o acidente, tinha transferido a responsabilidade infortunística decorrente de acidentes de trabalho para a 1.ª ré, seguradora, pelo contrato de seguro a que corresponde a apólice n.º ...73.
G) Realizada a tentativa de conciliação, a 1.ª ré, seguradora, aceitou a existência do acidente e o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente; aceita a existência de uma apólice do ramo de acidentes de trabalho que se mostra transferida a responsabilidade infortunística relativamente ao sinistrado pela retribuição de € 635,00 X 14 meses/ano, acrescida de € 94,00 X 11 meses/ano de subsídio de alimentação. Porém, não aceita a responsabilidade pela reparação do mesmo uma vez que o acidente terá ocorrido por incumprimento de normas de higiene e segurança no trabalho por parte do próprio sinistrado, nos termos do n.º 7, al. a) e b) do art.º 14 da Lei 98/08 de 04/09, existindo assim fundamento para a descaraterização do acidente como acidente de trabalho e também sempre por incumprimento das normas de higiene e segurança no trabalho por parte da entidade empregadora, nos termos do art.º 18.º, n.º 1, da Lei 98/09 de 04/09, pelo que não se conciliou.
H) A 2.ª ré, entidade empregadora, aceita a existência do acidente, mas não a sua caraterização como acidente de trabalho. Aceita o nexo causal entre as lesões (morte) e o acidente, e aceita que à data do acidente a retribuição era de 635,00€ x 14 meses/ano, acrescida de 94,00€ x 11 meses/ano de subsídio de alimentação. Não aceita qualquer responsabilidade pela reparação do acidente uma vez que entende não ter existido qualquer violação das regras de segurança e higiene no trabalho da sua parte.
I) A autora vivia com o sinistrado desde 2011, em comunhão de cama, mesa e habitação, como se de marido e mulher se tratassem.
J) Era com os rendimentos auferidos pelo sinistrado e pela autora que ambos viviam, designadamente, faziam face às despesas de renda de casa, água, luz, gás, telefone e alimentação.
K) A vítima auferia e remuneração de 635,00€ x 14 meses, acrescida de 4,77€ x 22 x 11 meses/ano de subsídio de alimentação.
L) A obra em questão consistia na realização de trabalhos de reparação de um telhado de duas águas numa moradia de rés-do-chão e primeiro andar, tais trabalhos tiveram o seu início no dia 20/04/2020 e terminus no dia ../../2020.
M) Durante a execução dos trabalhos em questão foi instalado na fachada da moradia, com exceção da fachada onde se encontrava instalada uma varanda, uma estrutura de andaimes, por forma a permitir, não só o acesso dos trabalhadores ao telhado, mas também para permitir a realização dos trabalhos ao nível dos beirados do telhado, funcionando ainda como equipamento de proteção coletiva contra quedas em alturas.
N) No dia do acidente, o sinistrado, juntamente com dois colegas havia estado no telhado a terminar a reparação deste, sendo que, após a conclusão dos trabalhos de reparação do telhado, os trabalhadores, incluindo o sinistrado, desceram do telhado, através de uma escada metálica colocada na varanda existente na fachada da moradia e arrumaram a escada.
O) Como a obra em causa estava concluída, o trabalhador DD questionou os seus colegas, incluindo o sinistrado, se alguém precisava de aceder novamente ao telhado, ao que estes responderam negativamente.
P) Os trabalhadores, incluindo o sinistrado, começaram a desmontar os andaimes colocados na fachada da moradia.
Q) Após terem desmontado todos os andaimes, com exceção do andaime que se encontrava na fachada norte/noroeste da moradia, o sinistrado, sem nenhum motivo ou pré-aviso, e bem sabendo que os andaimes que serviam como guarda corpos já haviam sido desmontados, e sem comunicar a sua intenção aos seus colegas de trabalho, voltou a subir para o telhado, utilizando para o efeito a escada metálica que momentos antes haviam guardado, acedendo ao telhado através da varanda existente na moradia, que se encontrava na fachada oposta aquela onde se encontravam os seus colegas a proceder à desmontagem do último andaime.
R) Quando ocorreu o presente acidente, o sinistrado não se encontrava a utilizar linha de vida ou arnês.
S) O sinistrado tinha ingerido bebidas alcoólicas, apresentando uma TAS de, pelo menos 1,73 g/l, correspondente à TAS de 1,99 g/l registada, deduzido da margem de erro de 0,26 g/l.
T) O sinistrado tinha perfeito conhecimento que a sua capacidade de equilíbrio se encontrava afetada.
U) O telhado da moradia era inclinado.
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b) Factos Não Provados
Resultaram não provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:
1) A vítima auferia 5,90x22x11 de subsídio de alimentação.
2) Os autores despenderam € 30,00 em deslocações ao juízo do Trabalho de Guimarães.
3) Os autores despenderam € 2 024,00 no funeral da vítima.
4) A obra teve lugar numa moradia de piso térreo.
5) Foram instalados guarda corpos na fachada da moradia.
6) A 2.ª ré disponibilizou ainda aos seus trabalhadores, incluindo ao sinistrado, equipamentos de proteção individual para prevenir quedas em altura, mais concretamente linha de vida e arnês.
7) Quando se encontrava no telhado, em virtude das suas capacidades físicas e motoras se encontrarem diminuídas em virtude da taxa de álcool que tinha, o sinistrado perdeu o equilíbrio e caiu do telhado.
8) Foi diretamente entregue pela entidade empregadora, linha de vida e arnês, encontrando-se tal equipamento disponível no local onde o sinistrado se encontrava a desempenhar a sua atividade profissional.
9) A entidade empregadora deu ao sinistrado formações sobre segurança e higiene no trabalho, incluindo formação para a realização de trabalhos em altura, tais como os que estavam a ser realizados quando ocorreu o acidente, no âmbito da qual foi explicado ao sinistrado a forma de utilizar o arnês e a linha de vida, as situações em que é obrigatória a sua utilização, bem como os riscos que a utilização de tal equipamento de segurança previne.
10) Quando ocorreu o acidente, o sinistrado tinha conhecimento que a utilização do arnês e da linha de vida era obrigatório e essencial para evitar o risco da queda em altura, que veio a acontecer.
11) A entidade empregadora havia dado instruções aos seus trabalhadores, incluindo o sinistrado, para que os trabalhos realizados no telhado fossem feitos com os andaimes devidamente instalados, ou utilizando o arnês e a linha de vida que lhes foi facultado.
12) A entidade empregadora deveria ter-se assegurado que nenhum trabalhador poderia aceder ao telhado após terem sido retiradas as medidas de proteção.
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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
- Alteração da decisão relativa à matéria de facto, devendo ser considerado provado:
“O Sinistrado acedeu ao telhado e caminhou sobre o mesmo de forma cambaleante.”
“O Sinistrado tinha, pelo menos, três anos de experiência no exercício da atividade profissional de servente.”
“O Sinistrado tinha conhecimento das regras de segurança para a realização de trabalhos em altura.”
- Negligência grosseira imputável ao trabalhador / descaraterização do acidente como de trabalho.
- Culpa da entidade empregadora / Formação e utilização e linha de vida e arnês.
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Quanto à factualidade:
Refere a recorrente que deve ser considerado provado que o “Sinistrado acedeu ao telhado e caminhou sobre o mesmo de forma cambaleante”.
Refere o depoimento de EE.
Consta da fundamentação:
“ No que se reporta à causa da queda do sinistrado, não sabemos se o sinistrado caiu por ter bebido o álcool referido ou se foi por outra causa. Os factos objetivos percecionados não permitem estabelecer o nexo de causalidade entre o estado de embriaguez do trabalhador e a sua queda. Que este estado propicia a queda por perda de equilíbrio, é um facto objetivo, todavia, não ficou demonstrado que o acidente ocorreu exclusivamente por tal motivo. Neste aspeto, cumpre analisar o depoimento de EE, uma vez que foi quem se apercebeu que o sinistrado subiu ao telhado sozinho. Esta testemunha relatou que, assim que o sinistrado subiu ao telhado e nele caminhou o fazia de modo cambaleante, contudo esta informação não se coaduna com os depoimentos dos trabalhadores presentes no local que, de forma unânime, disseram não se ter apercebido de qualquer comportamento anormal ou de qualquer indício de embriaguez por parte do sinistrado. Ou seja, se por um lado, o depoimento de EE poderia levar a concluir que o sinistrado estaria num estado de embriaguez que levaria ao seu desequilíbrio, por outro lado, seria estranho que tivesse trabalhado toda a tarde, também no telhado, sem qualquer problema visível, nomeadamente de desequilíbrio e, de repente, por motivo de embriaguez, ficasse cambaleante.”
Vejamos:
O depoente EE referiu que o viu subir as escadas, começa a andar no telhado e começa a cambalear, foi a correr, para alguém lhe deitar a mão, ia a meio caminho e ouviu o estrondo dele cair em cima do paralelo. Não via os outros trabalhadores, estavam na empena contrária. Estavam a acabar de desmontar os andaimes. Quando chegou lá atrás estavam dois homens com capacete e com partes dos andaimes na mão.
O depoimento é no seu essencial igual ao proferido perante a GNR no próprio dia, embora não precise a hora. Referiu que o telhado estava pronto e que não é um telhado daqueles muito ingreme. Não viu outros meios de proteção, como capacete. O sinistrado subiu numa empena “para a outra”, não demorou muto a cair. Referiu que aquele trabalhador nunca o tinha visto a trabalhar “sequer”. Confirmou em instância que a andar no telhado “foi sempre a cambalear”.
O seu depoimento é produzido de forma natural e demonstrando fazê-lo com verdade. O mesmo está conforme ao grau de alcoolemia detetado ao infeliz sinistrado, e de acordo com o que é normal para tal nível de álcool, como transtornos nos sentidos, consciência reduzida aos estímulos externos, alterações da coordenação motora, tendência a cambalear e propensão a quedas, conquanto os efeitos possam variar de pessoa para pessoa.
O depoente FF, trabalhou na empresa. Transportava trabalhadores e ajudava. Estava na obra, não viu o acidente. Confirmou que o sinistrado não entrou no início da obra, foi mais tarde. Referiu que no dia ele se ausentou de junto dos colegas. Referiu ainda o passado de “excessos” do sinistrado. Referiu que quando pararam às 10 horas, não se apercebeu de nenhum colega a ingerir bebidas alcoólicas. Perguntado se o Sr. AA estava normal, respondeu “acho que sim”. Mais referiu que a escada era do dono da casa.
O depoente apresenta um depoimento com algumas contradições, veja-se a circunstância de referir que a escada era do dono da obra, o que outros confirmaram não corresponder à verdade, o referir que o sinistrado estava normal, o que não compagina com o grau de alcoolemia deste e outros elementos presentes no sangue, conforme relatório de autópsia. O outro trabalhador, em depoimento perante ACT referiu que o sinistrado só compareceu na obra de tarde, pelo que às 10 horas não poderia estar na obra.
Ora, da prova produzida, e sendo que o depoimento de EE se mostra credível e verdadeiro, salientando-se que quando a testemunha viu o sinistrado a cambalear, conforme referiu, saiu a correr para alertar os colegas daquele, dando-se a queda quanto a testemunha ia a meio caminho. É de alterar a factualidade adicionando-se o seguinte facto: “O Sinistrado acedeu ao telhado e caminhou sobre o mesmo de forma cambaleante.”
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Quanto aos restantes factos que se pretende sejam aditados, no sentido de que “o sinistrado tinha, pelo menos, três anos de experiência no exercício da atividade profissional de servente” e “o sinistrado tinha conhecimento das regras de segurança para a realização de trabalhos em altura.”, não foi produzida prova que sustente os aludidos factos, sendo que o constante do doc. 11 do inquérito da ACT, não é elemento suficiente para se considerar o pretendido.
Nesta parte mantêm-se o decidido.
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Importa verificar se ocorre descaraterização do sinistro. Começaremos por referir que, tendo em conta a factualidade provada, no sentido de que a obra estava terminada, estando os trabalhadores a retirar os andaimes, e sendo que não foi dada ordem ao sinistrado para subir ao telhado, fazendo-o, ignora-se porquê, sem disso informar os seus colegas e responsável na obra, não pode considerar-se qualquer culpa da empregadora.
Quanto à culpa grave do sinistrado:
Refere o artigo 14.º
Descaracterização do acidente
1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c) Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação.
2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
3 - Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.
Invoca a recorrente culpa grave do sinistrado, referindo o seu grau de alcoolemia e ter subido ao telhado, onde andou cambaleando até cair.
Refere-se no Ac. do STJ de 24 de fevereiro de 2010, in www.dgsi, que a descaraterização do acidente de trabalho “exige a adoção, pelo sinistrado, de um comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou nos usos e costumes da profissão (artigo 8º, n.º 2, do DL n.º 143/99, de 30 de abril).”
Refere-se que a negligência grosseira, corresponde a uma culpa grave, e pressupõe que a conduta do agente, gratuita e de todo infundada, se configure como altamente reprovável, à luz do mais elementar senso comum. A culpa deve ser apreciada em concreto, atendendo ao circunstancialismo do sinistro e atendendo às condições do próprio sinistrado, e não por referência a “um padrão abstrato de conduta”. Veja-se ainda RG de 2-12-2021, processo nº 389/20.5T8VRL.G1.
A questão dos sinistros ocorridos sob influência de álcool tem tido amplo tratamento na jurisprudência, no sentido de ser necessário estabelecer e demonstrar a ocorrência de nexo causal entre a alcoolemia e o acidente.
Refere-se na decisão recorrida:
“No que se reporta à causa da queda do sinistrado, não sabemos se o sinistrado caiu por ter bebido o álcool referido ou se foi por outra causa. Os factos objetivos percecionados não permitem estabelecer o nexo de causalidade entre o estado de embriaguez do trabalhador e a sua queda. Que este estado propicia a queda por perda de equilíbrio, é um facto objetivo, todavia, não ficou demonstrado que o acidente ocorreu exclusivamente por tal motivo.”
Tendo em conta a factualidade não sufragamos o decidido.
Importa estabelecer um nexo de causalidade adequada entre o resultado/sinistro, e o comportamento do trabalhador, de tal forma que a ação ou omissão deste, tendo em conta as circunstâncias deste conhecidas ou cognoscíveis – de acordo com o padrão de um homem médio -; e tendo em consideração toda a factualidade provada, de acordo com as regras da experiência comum, e em face dessa factualidade, se possa concluir pela forte probabilidade de o comportamento ter originado o sinistro.
O “processo” e a prova, não visam uma” verdade absoluta”, pretendendo-se antes o convencimento do julgador, bastando-se com um grau de probabilidade elevado, assente em critérios de razoabilidade, tendo em consideração as regras da experiência e o normal acontecer das coisas. O grau de probabilidade exigível deve ser o adequado a responder às necessidades sociais de realização da justiça.
No presente caso, resulta indemonstrada qualquer motivação ou necessidade de subir ao telhado, já que a obra estava pronta, ocorrendo a subida sem qualquer determinação pela empregadora ou representante desta.
Por outro, está demonstrado que o sinistrado caminhava cambaleando no telhado, e que sabia estarem as suas capacidades de equilíbrio afetadas; a exigência, no caso, da prova de inexistência de outra causa “provocadora”, tornar-se-ia numa prova diabólica para a responsável. Do circunstancialismo pode concluir-se, tendo em conta as exigências da realização da justiça, como muito provável causa do sinistro, o estado de alcoolemia.
Certo que, se não resultasse provado que o trabalhador andava a cambalear no telhado, só pelo facto do grau de alcoolemia, não seria de considerar “firmado“ tal nexo.
No caso, conjugando o grau de alcoolemia com o facto de andar a cambalear no telhado, pode concluir-se, tendo em conta as regras da experiência comum, com muito elevado grau de probabilidade, que foi a ingestão do álcool pelo sinistrado a causa da queda mortal.
Consequentemente, na procedência do recurso, é de absolver a recorrente dos pedidos.
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, absolvendo-se a seguradora dos pedidos.
Custas pelos recorridos sem prejuízo do apoio judiciário.