CAUSA DE PEDIR
FACTOS ESSENCIAIS
FACTOS COMPLEMENTARES OU CONCRETIZADORES
FACTOS COMPLEMENTARES QUE RESULTEM DA DISCUSSÃO DA CAUSA
CONTRADITÓRIO
FACTOS INSTRUMENTAIS
Sumário

I - Os factos essenciais são os que integram a causa de pedir, (isto é, aqueles em que se baseia a pretensão do A. deduzida judicialmente; concretizando e densificando a previsão normativa em que se funda a pretensão deduzida) ou aqueles que integram as exceções materiais opostas à pretensão do autor e, devem ser alegados pelas partes e, só por estas,(nos termos do art. 5.º/1 do CPC).
II - São ainda essenciais, os factos que sejam complemento ou concretização da causa de pedir/exceção embora não façam parte do núcleo fundamental da situação jurídica alegada nos articulados (nos termos do art. 5.º/2/b) do CPC).
III - Ao tribunal não é licito conhecer de factos essenciais que pelas partes não hajam sido alegados (salvo as exceções previstas nos artigos 412º e 612º, do Código de Processo Civil) sem prejuízo, porém, de no que respeita aos “factos essenciais complementares ou concretizadores” dos factos essenciais, resultantes da instrução da causa se admitir que o juiz possa deles conhecer oficiosamente, desde que sobre os mesmos e sobre a sua atendibilidade (na sentença) seja exercido o devido contraditório (atento o disposto nos art. 3.º/3 e 5.º/2/b) do CPC), ou seja, desde que o juiz anuncie às partes, antes do encerramento da audiência, que está a equacionar tal “mecanismo” (previsto no art. 5.º/2/b) do CPC) de ampliação da matéria de facto.
IV - Os factos instrumentais são aqueles cuja ocorrência conduz à demonstração, por dedução, dos factos essenciais. Não carecem de alegação, como claramente resulta do art. 5.º/2/a) do Código de Processo Civil, e deles não depende a procedência da ação ou da exceção; a sua função é probatória, porquanto servem fundamentalmente para formar a convicção do julgador sobre a ocorrência ou não dos factos essenciais que dos mesmos se possam inferir.
V - Os factos instrumentais que resultam da discussão e julgamento da causa podem ser considerados na fundamentação da decisão da matéria de facto (art. 607.º/4 do Código de Processo Civil.
VI - A discriminação dos factos que o juiz considere provados, imposta pelo art. 607.º/3 do CPC, respeita tão só aos factos essenciais.
VII - No domínio do direito do consumo regulado no DL 84/2021 de 18.10, é do vendedor o ónus da prova dos factos que constituem a previsão constante do artigo 23º, nº 4, isto é de “ser a desconformidade incompatível com a natureza da coisa ou com as caraterísticas da falta de conformidade”.

Texto Integral

Processo: 6578/23.3T8VNG.P1

Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUYNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. RELATÓRIO
AA E BB, intentaram a presente ação contra A..., S.A., peticionando a condenação da ré no seguinte:
“a) efetuar as obras de reparação e eliminação de defeitos melhor identificados no ponto 70º da petição inicial, no prazo de 15 dias;
b) indemnizar os AA, a título de sanção compulsória, o valor de 200,00€, por cada dia de atraso da reparação e eliminação dos defeitos até à perfeita reparação dos defeitos;
c) pagar aos AA. a quantia de 5.658,00€, a título de despesas incorridas com as obras de reparação e eliminação de defeitos; e
d) pagar aos AA. uma indemnização de, pelo menos, 5.000,00€, a título de danos patrimoniais sofridos.”
Para o efeito, alegaram, em síntese, que compraram um imóvel à ré que apresenta diversos defeitos que a ré se recusa a reparar e que causaram e causam danos aos autores.
Foi proferido despacho a determinar a intervenção acessória da sociedade B..., S.A., sociedade anónima, NIF/NIPC ..., com sede na ..., Rua ..., ....
Ré e interveniente contestaram
Após tramitação legal foi proferida sentença que decretou a procedência parcial da ação e condenou a ré:
a) Na reparação da porta de entrada, na substituição de todos os vidros riscados nas suites e na sala (conforme descrito no facto 35º), assim como à substituição do vidro guarda-corpos da varanda que também se encontra danificado.
b) Na reparação das caixilharias de modo a que as mesmas deixem de permitir a entrada de água pela sua base.
c) A proceder à reparação necessária a impedir que cheiros a comida entrem em casa dos autores pelo exaustor.
d) A proceder à reparação necessária a impedir que a água entre na caixa de correio dos autores.
e) Absolveu a ré dos restantes pedidos contra si formulados.
É A SEGUINTE A FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO CONSTANTE DA SENTENÇA NO QUE RELEVA:
Factos provados
1 (…).
2 (a 4). Os AA. celebraram contrato promessa da fração autónoma em construção futuramente designada pelas letras “AI”, correspondente a uma habitação, localizada no piso seis, com acesso pela Avenida ..., pelo número ..., com duas varandas, um arrumo no piso menos dois, e os lugares de garagem com os números ..., ... e ... no piso menos dois, e que integra o prédio urbano denominado “...” sito na Rua ... (...), números ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... e Avenida ..., números ... e ..., Lugar ..., da freguesia ..., do concelho de Vila Nova de Gaia.
6. Antes de celebrarem a escritura pública de compra a venda, foi realizada uma vistoria ao imóvel.
7. Tal vistoria ocorreu no dia 12 de agosto de 2021, tendo sido redigido pelas partes um documento intitulado “Auto de Vistoria”.
8. A vistoria foi feita sem água, luz e sem que o apartamento estivesse limpo, o que não permitiu, na época, uma integral fiscalização do estado do mesmo e a identificação de outras anomalias que, mais tarde, foram identificadas.
9. Na decorrência de tal vistoria, foi redigido um auto com o seguinte teor: (…)
10. Decidiu a R. agendar a escritura pública da compra e venda da fração para dia 04 de fevereiro de 2022.
11. Uma vez que as correções ainda não tinham sido efetuadas, o A. enviou no dia 03.02.2022 à R. o seguinte email:
(…) aquando da última visita ao apartamento, nenhum dos defeitos apontados, tinha sido corrigido. Aliás, houve uma tentativa mal conseguida de reparar a porta da entrada e a porta de um dos armários, como se pode ver na fotografia em anexo (…)
Gostávamos de ter respostas às nossas perguntas e aos nossos problemas. Caso contrário, seremos obrigados a adiar, mais uma vez, a escritura..”
12. A R., na pessoa da Sra. Engenheira Civil CC, respondeu ainda nesse dia 03.02.2022 o seguinte:
“O Pós-venda, do empreiteiro, nomeado muito recentemente, pela B..., (cerca de 1 semana), acabou de assumir comigo, o seguinte:
- O subempreiteiro responsável pelo soalho, comprometeu-se a estar no prédio amanhã às 11:30 e após reanálise da situação, dará amanhã, uma data para conclusão desta reparação (soalho/rodapé);
- Relativamente às portas mal reparadas, o subempreiteiro estará também amanhã, no prédio, à mesma hora, para avaliar o serviço a realizar e dar uma data de conclusão;
- No que diz respeito ao vidro da varanda da sala, houve um mal entendido, na interpretação do empreiteiro, o mesmo assumiu que se tratava dos vidros das janelas e ao filtrar o mapa excel, o mesmo passou despercebido. O Pós-venda já deu seguimento à encomenda, tendo sido já tiradas as medidas dos vidros a substituir;
Até ao final do dia de amanhã, darei, por esta via, datas das reparações atrás referidas.”
(…)
14. No dia 4 de fevereiro de 2022, foi celebrada a escritura pública de compra e venda, tendo a R. vendido aos AA. a referida fração autónoma designada pelas letras “AI”, correspondente a uma habitação, localizada no piso seis, com acesso pela Avenida ..., pelo número ..., com duas varandas, um arrumo no piso menos dois, e os lugares de garagem com os números ..., ... e ... no piso menos dois.
15. Pela referida fração, pagaram os AA. à R. o preço de 850.000,00€ (oitocentos e cinquenta mil euros), em estado de novo.
16. No dia 04 de fevereiro de 2022, a Ré informou os AA do calendário de reparação, dizendo seguinte:
(..)
17. (…)
18. Por carta registada com aviso de receção datada de 01 de junho de 2022, interpelaram os AA. a R. para, no prazo de 10 dias iniciarem as obras de reparação, sob pena de ser intentada a competente ação judicial e de ainda reservarem o direito de avançarem com as necessárias obrigações de reparação imputando os custos à R.
19. Essa missiva tem o seguinte teor: (…)
20. A essa carta respondeu a ré por carta datada de 9 de junho de 2022, com o seguinte teor: (…)
21. A ré, até fevereiro de 2022, não efetuou as reparações às anomalias que tinha reconhecido.
22. No dia 14 de fevereiro de 2022, iniciou-se em casa dos autores uma obra de remodelação.
23. Nomeadamente, na zona dos quartos com a unificação de um quarto num só, e adaptação da casa de banhos em dois quartos e abertura da sala com a cozinha.
24. Trabalhos estes que iriam levar a não retificação de alguns defeitos elencados, uma vez que os trabalhos de adaptação iriam-se sobrepor às reparações, ficando por reparar o seguinte:
- A porta de entrada;
- Os aros das portas e armários – pinturas e lacagens;
- Vidros das varandas;
- Substituição do chão do quarto do fundo.
25. No decurso da obra de remodelação da casa, mais concretamente em final de Junho de 2022, os autores decidiriam proceder à lacagem integral de todos os trabalhos de carpintaria existentes na casa, nomeadamente, aros das portas e armários.
26. Os trabalhos de lacagem foram feitos pela empresa C..., Lda., empresa contratada para executar os trabalhos de adaptação do apartamento pelos autores.
27 e 28 A ré assumiu, no dia 14 de Julho de 2022, o compromisso de reparar as anomalias descritas no auto de vistoria recusando proceder a substituição dos vidros das varandas, lascados e / ou riscados que foram, posteriormente, identificados e devidamente denunciados.
29. (…) A Ré acordou que o trabalho de reparação do pavimento do quarto poderia ser realizado pela pela C..., Lda..
30. Foi empresa C... Lda., a responsável pelas obras de remodelação do apartamento e de entre essas obras se encontrava trabalhos de pintura / lacagens (dos aros e armários) e carpintaria (pavimento do quarto)
31. Os trabalhos de carpintaria foram pagos pela Ré à referida empresa, no que tange ao pavimento do quarto.
32. Os trabalhos de pintura / lacagens foram pagos pelos AA, no valor de 5.658,00€ (4.600,00€ + IVA).
33. Recusando a R., efetuar o reembolso de tal quantia despendida.
34. O imóvel dos AA. padece das seguintes anomalias:
- A porta de entrada tem uma das esquinas remendada.
- Vidros das janelas da suite 1 e 2 e da parte da cozinha contém riscos na parte exterior;
- Vidros das portadas da sala contém riscos na parte exterior;
- Quando chove entra água na caixa do correio.
- De vez em quando entram cheiros a comida pelo exaustor da cozinha, com origem noutras frações.
- Quando chove as caixilharias permitem a entrada de água pela base.
35. Os autores não comunicaram anteriormente à presente ação a existência de anomalias nas caixilharias e a entrada de cheiros pelo exaustor.
36. A fração destina-se à habitação dos AA.
37. Os autores sentiram-se tristes e dececionados pelo fato de o apartamento apresentar anomalias.
38. A ré tem incluída no seu objeto social a atividade de construção.
39. A ré não estava a realizar qualquer atividade de construção na fração objeto dos contratos, ou no edifício em que aquela se integra.
40. A ré acordou com a B..., S.A., a construção do edifício e fração em causa mediante o pagamento de um preço.
41. Foi realizada vistoria às 14:30 do dia 12/08/2021, em que foram anotadas as reclamações dos autores.
(…)
46 e 47. Foi realizada, em 04/02/2022, data da escritura de compra e venda, nova vistoria com a presença dos serviços da ré, do serviço de pós-venda da B... em que foi identificada humidade no soalho do último quarto com origem na casa de banho respetiva, que não constava de qualquer registo no auto de vistoria de 12/08/2021, e que foi comunicada ao autor marido.
48. E foi acordado entre os presentes que, durante a semana seguinte, entre 07/02/2022 e 11/02/2022, seriam realizadas as avaliações ainda necessárias, relativas às reclamações quanto à junção ou remate do rodapé com o pavimento, quer na sala, quer no closet, e quanto à humidade identificada no soalho do último quarto.
49. Para que ulteriormente fossem realizadas as obras correspondentes, quer relativas a rodapés e soalho, quer ainda relativas a carpintaria e lacagens.
50. Os autores iniciaram, entretanto, uma obra que implicava alteração profunda de todo o apartamento, incluindo quartos, casas de banho, sala e cozinha, que o transformaram de T4 em T3.
51. A obra de remodelação da autoria dos autores teve início em 14/02/2022, prevendo-se que duraria aproximadamente 5 meses.
52. A referida obra de remodelação iniciada pelos autores tornou inúteis outras intervenções que eventualmente ainda fosse necessário realizar sobre as reclamações dos autores, com exceção das seguintes:
- Porta de entrada;
- Vidros da varanda;
- pinturas E lacagens dos aros das portas e armários; e
- Pavimento do quarto do fundo.
53. Mesmo relativamente a estas últimas reclamações, a referida obra tornava impossíveis quaisquer intervenções, porque dentro do apartamento estava montado o estaleiro do empreiteiro contratado pelos autores e aquele tinha continuamente em curso a realização das obras de alteração contratadas, com pessoal e equipamentos em trabalhos e circulação permanentes.
54. Em 18/02/2022, quando o serviço de pós-venda da B... se dirigiu ao apartamento para preparar a intervenção relativa ao pavimento do quarto do fundo, constatou que já tinham sido retirados os equipamentos da respetiva casa de banho.
55. O que tornou impossível a realização de perícia do fornecedor dos equipamentos tendo a vista a sua responsabilização pela humidade identificada no soalho.
56. Por email de 28/06/2022, os autores solicitaram indicação de data para conclusão até 29/07/2022.
57. Neste contexto, teve lugar, em 14/07/2022, a visita ao local em que estiveram presentes os autores, os serviços da ré e o serviço de pós-venda da B....
58. Relativamente à reparação do pavimento do quarto do fundo, ficou acordado que fosse assegurada pelo empreiteiro contratado pelos autores, suportando a B... o custo da respetiva mão-de-obra e fornecendo os materiais necessários, o que veio a suceder, conforme acordado.
(…)
61.Os trabalhos em causa e o respetivo valor respeitavam a pintura e lacagens completas de todos os aros de portas e armários, no valor de € 5.658,00, sendo certo que as únicas reclamações dos autores a esse respeito eram as registadas no auto de vistoria de 12/08/2021 e correspondiam a reparações pontuais de alguns aros de portas e armários.
62. Relativamente aos vidros da varanda (…), foi substituído pela B..., em 08/11/2022, (…), o vidro do meio da varanda da sala, que era o que constava da única reclamação a esse respeito registada no auto de vistoria de 12/08/2022.
63. A ré e a B... recusaram a substituição de um outro vidro da varanda da sala sobre o qual, já só após o início da obra dos autores, estes reclamaram estar riscado.
64. A ré e a B... informaram os autores de que consideravam que, àquela data, a realização da obra dos autores já não permitia a imputação de riscos em vidros ao momento da venda.
65. Já após o início da obra dos autores, estes reclamaram que se encontrava riscado um outro vidro da varanda da sala para além do identificado no auto de vistoria de 12/08/2021.
66. A ré e B... recusaram a substituição do mesmo.
67. No que toca a vidros das janelas, os autores, através de Advogado, dirigiram email aos serviços da ré, em 05/01/2023, solicitando substituição dos vidros das janelas, porquanto no dia da vistoria não foi possível, considerando a falta de luz e a sujidade na obra, visualizar os riscos nos vidros.
68. O que a ré e a B... recusaram.
(…)
70. Em 02/08/2023, o autor marido dirigiu email aos serviços da ré pedindo informação técnica sobre os vidros da janela da lavandaria, uma vez que pretendia, o próprio, substituir um dos vidros por ter ficado com calcário, informação essa que foi prestada pelos serviços da ré.
71. A B... dedica-se à construção e engenharia de obras públicas e/ou privadas, bem como à gestão imobiliária.
72. No âmbito da sua atividade comercial celebrou com a Ré um acordo escrito para a construção do empreendimento “A...”.
73. No âmbito do supramencionado acprdp, a B... efectuou a construção do edifício e não interveio na comercialização, motivo pela qual desconhece os Autores.
(…)
75. No dia 31.05.2021, a Ré, representada pelo Engenheiro DD e Engenheira CC, juntamente com o Engenheiro EE e Engenheiro FF procederam à vistoria do imóvel, para efeitos de receção provisória, que resultou num auto de recepção provisória.
76. Da análise do auto resulta se encontrava em falta, ou estavam por corrigir os seguintes trabalhos, nos apartamentos:
- Acabamentos nos quadros elétricos;
- Limpeza de lavandarias;
- Tampinhas de borracha nas caixas de estores;
- Tratamento/substituição dos vidros anotados;
77. Foi realizada no dia 12.08.2021, pelas 14.30 horas, uma vistoria entre os Autores e a Ré, tendo sido lavrado o respetivo auto.
(…)
79. Em momento posterior às vistorias e antes da data da escritura, foi realizada nova vistoria ao apartamento.
(…)
84. Aquando da vistoria, concluiu-se pela necessidade de substituição do vidro do meio da varanda da sala, assim diligenciou-se a encomenda do mesmo.
Factos não provados:
1. A Ré (doravante “R.”) é uma empresa que se dedica à atividade da construção, compra, venda, arrendamento e investimentos imobiliários.
2. Na decorrência dos desfeitos/desconformidades apurados na referida Vistoria, acordaram os AA. e a R. que, até à data da escritura pública de compra a venda da fração, a R. iria efetuar a devida correção dos defeitos/desconformidades mencionadas.
(…)
10. Não provado que a porte de entrada não tenha reparação.
11. Não provado que os vidros riscados não tenham reparação.
12. Não provado que só em abril de 2023 os autores tivessem tomado conhecimento de anomalias no exaustor e nas caixilharias.
(…)
DESTA SENTENÇA APELOU A RÉ TENDO FORMULADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
A1. Em face dos depoimentos da testemunha GG (…) a decisão recorrida deveria ter sido julgado provado que:
«No início da obra de remodelação referida no ponto 50 dos factos provados, foram constatados os riscos nos vidros da guarda da varanda, conforme constantes do auto de vistoria de 12/08/2021, referido no ponto 7 dos factos provados, mas não foram identificados quaisquer outros riscos em quaisquer outros vidros, nomeadamente das janelas, tendo sido feitas intervenções na varanda, nomeadamente envernizado o deck e duas limpezas dos vidros das janelas, por dentro e por fora».
A2. Não tendo assim julgado, a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto.
B§1. Ao condenar a ré na reparação da porta de entrada no imóvel dos autores, ao invés de absolver a ré do pedido, a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, errando na aplicação dos artigos 23.º e 24.º do DL 84/2021, que assim violou.
B§2. Ao condenar a ré na substituição de todos os vidros riscados nas suites e na sala e do vidro guarda-corpos da varanda que se encontra danificado, ao invés de absolver a ré do pedido, a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, errando na aplicação dos artigos 23.º e 24.º do DL 84/2021, que assim violou.
B§3. Ao condenar a ré nas reparações necessárias a impedir que as caixilharias deixem de permitir a entrada de água pela sua base, cheiros a comida entrem em casa dos autores pelo exaustor e que a água entre na caixa de correio dos autores, ao invés de absolver a ré do pedido, a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, errando na aplicação dos artigos552.ºdo CPC e artigo 342.ºdo CCe dos artigos23.º e 24.ºdoDL 84/2021, que assim violou.
O que, tudo, são razões pelas quais, Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores, na procedência do presente recurso e revogação da decisão recorrida, com a consequente total improcedência da ação se entende será feita inteira JUSTIÇA!
FORAM JUNTAS CONTRA ALEGAÇÕES A SUSTENTAR A SENTENÇA INVOCANDO OS AA EM SINTESE QUE
(…)
3 - Só que, no que se refere à impugnação da matéria de facto no Recurso interposto, a Recorrente não especifica os factos que considera incorretamente julgados, (…)
5 – E, nesse sentido, entende-se que deve levar à rejeição do Recurso.
Sem prejuízo, sempre se dirá o seguinte:
(…)
24 - para além da aplicação do regime substantivo consagrado no Código Civil, beneficiam os Autores do regime previsto no Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro que regula os Direitos do Consumidor na Compra e Venda de Bens, Conteúdos e Serviços Digitais.
25 (…) do direito impresso nos artigos 23.º, n.º 1 do DL n.º 84/2021, de 18/10 cabia à Recorrente fazer dupla prova, por um lado, da inexistência de desconformidade no momento da entrega e, por outro, revelando-se a falta de conformidade em momento posterior, que esta tivesse resultado de facto que lhe não fosse imputável, o que não fez.

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Nada obsta ao mérito
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II.O OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Atentas as conclusões da recorrente as questões a decidir são as seguintes:
1.Saber se deve ser aditado à fundamentação da sentença o facto não alegado nos articulados como requerido. Facto instrumental/complementar.
2. Saber se a sentença violou os artigos 23.º e 24.º do DL 84/2021.
III.O MÉRITO DO RECURSO:
IV.FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.
V.FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
V. 1 ADITAMENTO DE NOVO FACTO À FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA.
V.1.1 A Recorrente acostada nos depoimentos prestados pela testemunha GG, requereu o aditamento aos factos provados do seguinte facto não alegado nos articulados:
«No início da obra de remodelação referida no ponto 50 dos factos provados, foram constatados os riscos nos vidros da guarda da varanda, conforme constantes do auto de vistoria de 12/08/2021, referido no ponto 7 dos factos provados, mas não foram identificados quaisquer outros riscos em quaisquer outros vidros, nomeadamente das janelas, tendo sido feitas intervenções na varanda, nomeadamente envernizado o deck e duas limpezas dos vidros das janelas, por dentro e por fora».
Como nota prévia, esclareça-se que o que aqui se pretende é de todo inócuo pois que sendo esta asserção reportada ao teor do auto de vistoria de 12/08/2021, o qual no seu teor está transcrito no ponto 9º dos factos provados, o que interessa é o que consta do auto, sendo irrelevante fazer constar do acervo da matéria de facto provada ou não provada, o que dele não consta.
Ainda assim e sem prejuízo,
Resulta do corpo das alegações, que não das conclusões, que o requerido aditamento de facto é suscitado ao abrigo do disposto do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil
V.1.2A nossa lei (art. 5.º do CPC), como é sabido, distingue “factos essenciais” e “factos instrumentais”
Os factos essenciais são os que integram a causa de pedir, isto é, aqueles em que se baseia a pretensão do A. deduzida judicialmente; são os factos que concretizam e densificam a previsão normativa em que se funda a pretensão deduzida ou integram as exceções materiais opostas à pretensão do autor.
Os factos essenciais constitutivos da causa de pedir/exceção devem ser alegados pelas partes (nos termos do art. 5.º/1 do CPC) e só por estas.
Este mesmo artigo 5º, no nº 2, vem prever:
“2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
Assim é que são ainda essenciais os factos que sejam complemento ou concretização da causa de pedir/exceção (nos termos do art. 5.º/2/b) do CPC), embora não façam parte do núcleo essencial da situação jurídica alegada nos articulados.
Ao tribunal não é lícito conhecer de factos essenciais que por elas não hajam sido alegados (salvo as exceções previstas nos artigos 412º e 612º, do Código de Processo Civil) sem prejuízo, porém, de no que respeita aos “factos essenciais complementares ou concretizadores” dos factos essenciais, resultantes da instrução da causa se admitir que o juiz possa deles conhecer oficiosamente, desde que sobre os mesmos e sobre a sua atendibilidade (na sentença) seja exercido o devido contraditório (atento o disposto nos art. 3.º/3 e 5.º/2/b) do CPC), ou seja, desde que o juiz anuncie às partes, antes do encerramento da audiência, que está a equacionar tal “mecanismo” (previsto no art. 5.º/2/b) do CPC) de ampliação da matéria de facto.
V.2. Por sua vez, os factos instrumentais são aqueles cuja ocorrência conduz à demonstração, por dedução, dos factos essenciais. São factos de cuja prova não depende a procedência da ação ou da exceção (não integram a causa de pedir/exceção), a sua função é probatória, porquanto servem fundamentalmente para formar a convicção do julgador sobre a ocorrência ou não dos factos essenciais que dos mesmos se possam inferir.
Os factos instrumentais não carecem de alegação, como claramente resulta do art. 5.º/2/a) do CPC; e resultando provados da discussão e julgamento da causa nada impede que sejam considerados na fundamentação da decisão da matéria de facto (é por isto que a discriminação dos factos que o juiz considere provados, imposta pelo art. 607.º/3 do CPC, respeita tão só aos factos essenciais, situando-se o campo privilegiado dos factos instrumentais na motivação da convicção do julgamento de facto, sendo este o sentido do segmento “indicando as ilações tiradas de factos instrumentais” constante do art. 607.º/4 do CPC). Neste sentido Neto, Abilio - Novo Código de Processo Civil anotado. 2º Edição revista e ampliada. Lisboa: Ediforum. Janeiro/2014, pp.25-26 escreve que “os factos instrumentais que resultam da instrução da causa, como resulta do artigo 5º nº 2, do Código de Processo Civil, são aqueles que são suscetíveis de esclarecer e clarificar os factos essenciais que são parte integrante da discussão da causa .
Deste regime legal, singelamente transcrito, se, retiram duas conclusões: a primeira, é que o aditamento de factos complementares não alegados é admissível na fase do julgamento em primeira instância e precedido de contraditório prévio (artigo 3º nº 3 e 5º nº 2 al b), do Código de Processo Civil) e a segunda, é que o aditamento dos factos instrumentais visa tão somente a motivação do julgamento de facto destinando-se estes a servir à demonstração dos factos essenciais alegados na ação.
V.1.3.Isto posto, é para nós fora de duvida, que a Relação excetuados os casos referidos nos artigos 412º e 612º do Código de Processo Civil, não pode proceder ao aditamento de factos essenciais ou complementares não alegados pelas partes, por a tanto, obstar o disposto no artigo 5º nº 1 e 2 b) do Código de Processo Civil.
Já no que respeita aos factos instrumentais atenta a sua natureza e finalidade e porquanto os mesmos apenas interessam indiretamente à solução do pleito, não pertencendo à norma fundamentadora do direito são-lhe, em si, indiferentes, pelo que o seu aditamento ou convocação apenas se justifica se destinados a servir ao juízo de prova (neste caso de reapreciação da prova dum facto essencial).
No presente caso, o facto cujo aditamento se requer não é instrumental, porquanto não estando impugnada a matéria de facto essencial ao julgamento o mesmo, obviamente, não serve para fundamentar qualquer juízo de reapreciação da prova. Nem é complementar (dada a sua irrelevância como referido, supra) e se fosse, também não poderia ser aditado por este tribunal mercê do disposto no artigo 5º nº 2 alínea b), in fine de Código de Processo Civil.
Donde, a falta de fundamento desta pretensão da Recorrente que em tais termos, se, desatende, estando consequentemente prejudicada a ponderação desta questão do recurso à luz, designadamente, dos requisitos impressos no artigo 640º do Código de Processo Civil.
VI. O DIREITO APLICÁVEL. O DIREITO DO CONSUMIDOR
VI.1.A configuração dos factos convocados na sentença permite a aplicação do regime da lei do consumidor, dada a finalidade de habitação própria a que os AA destinaram o imóvel e bem assim, o disposto nos artigos 1º, 2º alíneas d), g) e 3º nº 1 a) do Dec. Lei nº 84/2021, de 18.10, (que veio transpor para a ordem jurídica portuguesa as Diretivas UE. 2019/771 e 2019/770, tendo revogado o anterior Dec. Lei nº 67/2003, de 08 de Abril),
Esta subsunção normativa não é sequer questionada pelo recorrente que vem suscitar a violação pela sentença do disposto nos artigos 23º e 24º, deste diploma legal.
O recorrente formula três questões autonomizadas de desacordo em relação ao decidido na sentença, as quais iremos analisar respeitando a segmentação escolhida.
VI.2 Assim, a 1ª questão enunciada nas conclusões do recurso é a de saber se a sentença na condenação da ré “na reparação da porta de entrada do imóvel dos AA”, errou por não assistir tal direito aos AA, à luz dos normativos indicados.
Sustenta-se a recorrente (conforme resulta do corpo das alegações) no facto de constar do auto de inspeção ao local que: “Existem sinais evidentes de uma reparação na porta com cerca de 6 cm, localizado na parte inferior junto de uma das esquinas. Segundo a parte, essa reparação foi feita a suas expensas e após sua ordem.”, o que a seu ver, dada esta reparação por terceiro a mando dos AA, redundaria na perda do direito à reparação dos mesmos danos pela Ré.
Quid iuris?
VI.2.1 Como questão prévia ao enquadramento a fazer delimitemos o conceito de «falta de conformidade» do bem imóvel.
No preâmbulo do DL 84/2021 de 18/10, se, refere que: “O presente decreto-lei estabelece, desde logo, o princípio da conformidade dos bens com um conjunto de requisitos subjetivos e objetivos. O profissional encontra -se, assim, obrigado a entregar ao consumidor bens que cumpram todos os requisitos referidos, sob pena de os bens não serem considerados conformes. O Dl 84/2021, não alterou o que essencialmente se vinha definindo a este respeito e que no essencial se pode resumir como que, o que se designa como falta de conformidade com o contrato, corresponde à noção tradicional de defeitos do bem. Não existe qualquer categoria de falta de conformidade em relação ao contrato para além das “deficiências” do bem vendido, objeto do mesmo contrato. Trata-se, tão só, de uma das concretizações do princípio da pontualidade no cumprimento das obrigações”.
Calvão da Silva, in Venda de bens de consumo, 2010, pág. 81, refere por seu lado, que: “Na execução da obrigação de entrega da coisa, o vendedor deve respeitar escrupulosamente o contrato, pela ‘traditio da coisa convencionada e nos termos devidos, isenta de vícios ou defeitos’, não podendo o comprador ser constrangido a receber coisa diversa da devida”.
Podemos, pois, afirmar que a noção de conformidade (ou de desconformidade) abrange: o vício ou defeito, a falta de qualidade do bem, a diferença de identidade e a diferença de quantidade estendendo-se quer aos vícios na própria coisa objeto do contrato quer os vícios de direito, (neste sentido ver, Paulo Mota Pinto, "Conformidade e Garantias na Venda de Bens de Consumo – A Directiva 1999/44/CE e o Direito Português", 2000, p. 234; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, "O Novo Regime da Venda de Bens de Consumo", 2005, p. 45; João Calvão da Silva, Venda de Bens de Consumo).
No caso dos autos, sem dificuldade, enquadramos o invocado dano na porta (bem assim como os demais danos invocados e fundamento da causa) no domínio dos defeitos da coisa vendida, designadamente, sendo passiveis de integrar a previsão do artigo 7º nº 1 alínea d), do respetivo diploma, na parte em que refere como requisito objetivo de conformidade, “que o bem possua as qualidades e outras características e expectáveis em bens dos mesmo tipo “, e no artigo 6º nº 1 a), quando exige que os bens sejam conformes ao contrato de compra e venda (…) correspondendo à descrição, e à qualidade (…)
VI.2.1.1 Isto posto, fixa-se que não se discute o reconhecimento pela Ré que o dano existia (como resulta claramente do teor do auto de vistoria 12 de agosto de 2021 (cfra ponto 9 da matéria de facto, e do facto 34), tão pouco está alegado e por isso demonstrado que a reparação por terceiro agravou o dano existente na porta.
Logo, não se vê como a reparação por terceiro, dado a sua frustração, porque não resolveu o problema, pode interferir no dever desta proceder por si e, em face dos direitos consagrados no artigo 24º nº1, alínea a), da lei 84/2021, à restauração da porta, eliminando o dano existente.
Daí que, sem mais, dada a meridiana evidência da falta de razão da Ré, não se acolhe este segmento do recurso.
VI.3. A 2ª questão enunciada nas conclusões do recurso é atinente à condenação da Ré (i) na substituição do vidro guarda corpos da varanda (ii) na substituição de todos os vidros riscados nas suites e na sala.
VI.3.1.Quanto ao vidro do guarda costas da varanda, sustenta a Recorrente que os danos provados, conforme consta do artigo 34º da sentença, não incluem tais riscos.
Vejamos.
Nesta parte, o auto de inspeção ao local ficou a constar que “Constatou-se também a existência de um risco na parte interior do vidro localizado na varanda e que serve de guarda costas” ao que acresce que nos pontos 63 e 64, da matéria de facto, se refere a existência de “riscos num outro vidro da varanda da Sala”, constando do ponto 65 da matéria de facto que a ré e a B... “recusaram a substituição do mesmo”.
Donde que, não obstante não constar do ponto 34, da matéria de facto, o vidro da varanda os danos no mesmo encontram-se provados nos termos, ora, referidos, motivo pelo qual não é de acolher também este ponto de censura à sentença.
VI.3.1.1 No que respeita à substituição de todos os vidros riscados nas suites e na sala.
A recorrente neste patamar do seu recurso vem invocar (no corpo das alegações) que se verifica o afastamento da presunção de falta de conformidade a que respeita o artigo 23º nº 4, do DL 84/2021, acostada (i) nos factos provados constantes dos pontos 50 a 53 da sentença, segundo os quais os AA procederam na casa a uma obra de remodelação com duração de cinco meses montagem e estaleiro realização continua de obras (ii) nos factos provados 65 e 67, de tais riscos terem sido reclamados apenas em 05.01.2023 e em data não especificada posterior ao inicio das obras.
(Sendo certo que invoca ainda o facto cujo aditamento requereu e foi negado supra, pelo que nesta parte está prejudicada a sua conclusão).
Apreciando.
Dispõe o artigo 23.º do DL 84/2021 sob epígrafe “Responsabilidade do profissional” que
1 - O profissional responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista quando o bem imóvel lhe é entregue e se manifeste no prazo de:
a) 10 anos, em relação a faltas de conformidade relativas a elementos construtivos estruturais;
b) Cinco anos, em relação às restantes faltas de conformidade.
(…)
4 - A falta de conformidade que se manifeste no prazo referido no n.º 1 presume-se existente aquando da entrega do bem imóvel, salvo quanto tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.”
Em rigor, esta presunção de anterioridade da desconformidade do bem com o contrato prevista na lei 84/2021, constitui um caso de dispensa do ónus da prova do consumidor de que o defeito existia à data da entrega do bem, bastando-lhe demonstrar que a desconformidade (leia-se, defeito) existiu durante o período legal de garantia, que no caso dos imóveis é de 10 anos ou de 5 anos, consoante estejamos perante a previsão da alínea a) ou b) do artigo 23º.
Daí, que se possa dizer que para o consumidor beneficiar da proteção do seu direito lhe basta provar o defeito/desconformidade dentro dos prazos legais (aplicáveis) impressos no nº 1 da norma.
É sobre o dono da obra que recai o ónus da prova de que o defeito “é incompatível com a natureza da coisa ou com as caraterísticas da falta de conformidade” (artigo 23º nº 4).
O que significa “ser incompatível com a natureza da coisa ou com as caraterísticas da falta de conformidade”?
O Ac. do TJUE, de 4/6/2015, é claro no sentido de que a regra segundo a qual se presume que a falta de conformidade existia no momento da entrega do bem se aplica “quando o consumidor faça prova de que o bem vendido não está em conformidade com o contrato e que a falta de conformidade em causa se manifestou, isto é, se revelou materialmente, num prazo de [… dois anos] a contar da entrega do bem. O consumidor não está obrigado a provar a causa dessa falta de conformidade nem que a origem da mesma é imputável ao vendedor”. Acrescenta-se que a responsabilidade “só pode ser excluída se o vendedor demonstrar cabalmente que a causa ou a origem da referida falta de conformidade reside numa circunstância ocorrida depois da entrega do bem”. https://jorgemoraiscarvalho.com/wp-content/uploads/2018/07/Duas-Presun%C3%A7%C3%B5es-Que-N%C3%A3o-S%C3%A3o-Presun%C3%A7%C3%B5es.pdf
Seria exemplo de uma situação destas, aquela, em que por hipótese, o dano verificado era resultado de um incêndio ocorrido no imóvel, ou provocado por uma inundação causada por obstrução nos canos da água do vizinho do andar superior, ou mesmo motivado por infiltrações ocorridas a partir de uma parte comum; o que em qualquer caso teria de ser alegado e provado pelo vendedor; não bastando, por isso, para preencher o conceito a mera existência de acontecimento posterior à entrega como seja o caso de obras no andar sem que se tenha estabelecido qualquer nexo causal entre as obras e o dano, que é a factualidade dos autos..
Donde, a conclusão que não se tendo provado que os danos reportados decorrem das obras de remodelação do andar não se possa afastar a responsabilidade da Ré. Aqui o ónus da prova é da Ré e não foi cumprido quanto ao nexo causal. (artigo 23º nº 4 do DL 84/2021 e artigo 350º do CC.
Desatende-se pois também aqui a este segmento da pretensão recursória.
VI.4 Finalmente, na 3ª questão colocada a Recorrente sustenta que a condenação “na reparação das caixilharias de modo a que as mesmas deixem de permitir a entrada de água pela sua base, a proceder à reparação necessária a impedir que cheiros a comida entrem em casa dos autores pelo exaustor a proceder à reparação necessária a impedir que a água entre na caixa de correio dos autores” viola o os artigos 552º do Código de Processo Civil, 342º do CC e 23º e 24º, do DL 84/2021.
Essencialmente, a razão da discordância da Ré, relativamente a este segmento da condenação, funda-se no facto de que inexistem elementos para concluir que tais defeitos radicam na fração dos AA e antes que não têm origem na partes comuns do edifício que é um imóvel em propriedade horizontal.
Neste segmento do recurso damos por reproduzido o que antes (VI.3.1.1) afirmamos quanto ao ónus da prova e “ser a desconformidade incompatível com a natureza da coisa ou com as caraterísticas da falta de conformidade”
Ao consumidor basta invocar o defeito/desconformidade dentro do prazo legal Não precisa de alegar a causa do defeito. É à Ré que compete alegar e provar que o defeito tem origem não na fração pertença dos AA mas nas partes comuns do edifício só por essa via afastando a presunção legal.
Não se tendo provado que os defeitos em causa têm origem nas partes comuns e sendo essa prova da Ré, a mesma responde por eles em face do disposto no artigo 23º do DL 84/2021.
No mais verificados os pressupostos de facto da responsabilidade da ré a sua condenação, na reparação dos defeitos elencados na sentença, surge conforme ao disposto no artigo 24º do citado Dl 84/2021, norma que estabelece sob a epígrafe “Direitos do consumidor” consigna que
1 - Em caso de falta de conformidade do bem imóvel, o consumidor tem direito a que esta seja reposta, a título gratuito, por meio de reparação ou de substituição, à redução proporcional do preço ou à resolução do contrato”.
(…) Com efeito, no que respeita a este dispositivo do artigo 24º também o preâmbulo do diploma esclarece que: “ Ao contrário do previsto no Decreto -Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, na sua redação atual, que não estabelecia qualquer hierarquia de direitos em caso de não conformidade dos bens — reconhecendo ao consumidor um direito de escolha entre a reparação do bem, a substituição do bem, a redução do preço ou a resolução do contrato — o presente decreto -lei incorpora a solução da Diretiva que aqui se transpõe, a qual prevê os mesmos direitos, embora submetendo -os a diferentes patamares de precedência. Trata -se, pois, de matéria sujeita ao princípio da harmonização máxima, que impede o legislador nacional de divergir da norma europeia.
Neste enquadramento, em caso de não conformidade do bem, o consumidor tem o direito à «reposição da conformidade», através da reparação ou da substituição do bem, à redução do preço e à resolução do contrato, estabelecendo -se as condições e requisitos aplicáveis para cada um destes meios”. Esta hierarquia foi respeitada.
Secunda-se pois o decidido na sentença.
SEGUE DELIBERAÇÃO.
NÃO PROVIDO O RECURSO. CONFIRMADA A SENTENÇA RECORRIDA.
Custas pela recorrente.

Porto, 23 de janeiro, de 2025
Isoleta de Almeida Costa
Judite Pires
Álvaro Monteiro