PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
VENCIMENTO ANTECIPADO
VENCIMENTO DAS RESTANTES
INTERPELAÇÃO DO DEVEDOR
Sumário

I - A prerrogativa concedida pelo artigo 781º do Cód. Civ. não opera automaticamente, correspondendo antes a uma faculdade concedida ao credor.
II - O vencimento antecipado das demais prestações de uma dívida, tendo por causa a falta de pagamento de uma delas, não ocorre automaticamente, sendo apenas concedida ao credor a faculdade de exigir, antecipadamente, o cumprimento de todas as prestações, constituindo, com essa interpelação, o devedor em mora, relativamente às prestações vincendas.
III - Não vindo alegada uma tal interpelação, não estão vencidas as prestações vincendas, com o que inaplicável o Acórdão de Fixação de Jurisprudência de 30.06.2022, publicado no DR n.º 184/2022, Iª Série de 22.09.2022, quanto à totalidade do crédito, por alegadas prestações não satisfeitas antes da ocasião aduzida pela Autora, na medida da falta de caracterização e pela Ré mesma, a quem cabia, enquanto facto extintivo, do vencimento antecipado.
IV - Não houve, pois, vencimento antecipado das prestações antes da propositura da acção, mantendo-se o calendário previsto no contrato, que não foi resolvido nem rescindido, sendo com relação a cada uma das prestações que há que apreciar a prescrição.

(Da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Processo 12297/23.3T8PRT. P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível do Porto - Juiz 2


Relatora: Isabel Peixoto Pereira
1º Adjunto: Aristides Rodrigues Almeida
2º Adjunto: António Carneiro da Silva

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Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:


I.

A..., S.A., sociedade comercial anónima de responsabilidade limitada, NIPC ...91, com sede na Av. ...- Esc. . a …, ... Porto, intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra AA, NIF ...43, residente em Pc ...., ... Porto, pedindo que a Ré seja condenada a pagar à Autora a quantia de 22.344,97€, correspondente a 19.784,16 € de capital e 2.560,81 € de juros vencidos e imposto de selo sobre os juros, a que acrescem os juros vincendos à taxa anual de 4,792% e respetivo imposto de selo, até integral pagamento.

Invocou para tanto o incumprimento contratual de um contrato de crédito por si objecto de garantia, já executada e o direito de regresso que lhe cabe desse valor assim satisfeito.
Contestou a Ré, excepcionando a prescrição do crédito a que respeita o direito de regresso e o exercício abusivo deste.

Realizado o julgamento foi proferida sentença, a qual, julgou a acção procedente, por provada e, em consequência, condenou a Ré, AA, a pagar à Autora, A..., S.A., a quantia de 19.784,16 € de capital e 2.560,81 € de juros vencidos e imposto de selo sobre os juros, a que acrescem os juros vincendos à taxa anual de 4,792% e respetivo imposto de selo, até integral pagamento.

É desta decisão que vem apresentado recurso, mediante as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida julgou a presente ação totalmente procedente e, em consequência, condenou o aqui Recorrente a pagar à Recorrida, a quantia de 19.784,16 € de capital e 2.560,81 € de juros vencidos e imposto de selo sobre os juros, a que acrescem os juros vincendos à taxa anual de 4,792% e respetivo imposto de selo, até integral pagamento.
2. Porém, a decisão recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que julgue a presente ação totalmente improcedente.
3. É certo que as decisões judiciais proferidas em primeira instância assentam no princípio da livre apreciação da prova e no princípio da imediação, mas a verdade é que, salvo o devido respeito a fundamentação da matéria de facto para demonstrar o supra indicado, realiza-se com base na prova testemunhal, mormente, a testemunha BB, funcionária do Banco 1...
4. Tendo o douto Tribunal a quo dado como provado (e bem) que, se aplica o prazo de prescrição de cinco anos previsto no art. 310º, al. e), do CC, na esteira da jurisprudência maioritária que tem defendido que o prazo de prescrição a considerar num caso como o presente é o previsto na al. e) do art. 310º do CC, de cinco anos, prazo esse que não deixa de ser aplicável mesmo quando ocorra o vencimento antecipado das prestações.
5. De resto, esta orientação jurisprudencial foi acolhida no acórdão de uniformização de jurisprudência de 30.06.2022, publicado no DR n.º 184/2022, Iª Série de 22.09.2022, resolvendo o debate sobre esta matéria no seguinte sentido: “I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.” “II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.” no dia e hora do
6. No entanto, não compreende o Recorrente como foi dado como provado que a data de incumprimento do contrato ocorreu em Julho de 2019 e, consequentemente, considerando a data do incumprimento e a data da citação para a presente ação, ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição dos cinco anos.
7. O ónus da prova corresponde à situação jurídica, no contexto processual, na qual alguém tem de demonstrar os factos que invoca.
8. Nesse sentido e no caso em questão, o ónus da prova de tal facto recaía sobre a Autora (quem o alegou como facto constitutivo do seu alegado direito) e, não tendo a mesma conseguido cumprir tal ónus, a decisão sobre a prova (ou não) de tal facto deveria ter sido decidida contra a mesma (isto é, ser dado como não provado), sob pena de violação das regras de repartição do ónus da prova.
9. Para fazer prova da data do incumprimento pela Recorrente, a Recorrida não junta extratos bancários e lança mão da prova testemunhal.
10. Com efeito, para considerar como provar esse facto, o Tribunal a quo baseou-se, unicamente, no depoimento da testemunha BB (funcionária do Banco 1...).
11. Acontece que, o depoimento prestado pela testemunha é pouco credível e fiável, porquanto, mostra que o conhecimento da situação não é direto.
12. Conforme resulta do depoimento prestado na sessão de audiência de julgamento do dia 06-05-2024, entre as 14:32 e as 14:37 horas, a testemunha não teve intervenção direta no caso em concreto e segundo a própria a informação que conhece adveio de consulta à informação constante do sistema do Banco.
13. Sem embargo, é a própria a reconhecer que a informação constante no sistema do Banco pode ter falhas e não corresponder à realidade; vulgo veja-se que é dito pela própria que o incumprimento consta de extratos bancários que nunca os viu.
14. Ademais, é confirmado pela testemunha que podia, à data do suposto incumprimento, ser inserido manualmente informação que não correspondia à realidade; a título exemplificativo resulta o testemunho referente ao envio da carta de interpelação que consta como enviada no sistema, mas cuja informação foi introduzida manualmente e não de forma robotizada.
15. Não obstante, não pode a Recorrente deixar de estranhar que a testemunha tenha assim tanta certeza da data do incumprimento quando não consultou os extratos bancários, pois nunca os viu.
16. E nesse sentido, também é normal que desconheça o valor em dívida e tenha informado, quando inquirida sobre o montante em dívida, o valor peticionado pela Recorrente e não o valor que o Banco pagou à Recorrente.
17. Perante tais incongruências, salvo o devido respeito, torna-se claro que a testemunha foi instruída de informação que não poderia conhecer, por não ter conhecimento direito; o caso flagrante é a indicação do valor em dívida.
18. O montante peticionado pela Recorrente corresponde ao valor em dívida e pago pelo Banco, ao qual acrescem os respetivos juros de mora desde a data do pagamento pelo Banco Mutuante e a data de instauração da presente ação.
19. Logo, não poderia ser esse o valor em dívida pela Recorrente ao Banco Mutuante quando interpelado pela Recorrida para efetuar o respetivo pagamento.
20. Ora, não compreende o Recorrente o que motivou o Tribunal a quo a considerar que o depoimento da testemunha BB foi credível, pois não se poderá aceitar que a sua credibilidade, uma vez que tudo o que sabe é por consulta e não conhecimento direto.
21. Face ao exposto, não se pode concluir que a data do incumprimento contratual ocorreu em Julho de 2019.
22. A que acresce que o ónus da prova de tal facto recaía sobre a Autora (quem o alegou como facto constitutivo do seu alegado direito) e, não tendo a mesma conseguido cumprir tal ónus, a decisão sobre a prova (ou não) de tal facto deveria ter sido decidida contra a mesma (isto é, ser dado como não provado), sob pena de violação das regras de repartição do ónus da prova.
23. Portanto, não deverá considerar-se o incumprimento desde a data de vencimento da primeira prestação que ocorreu em Novembro de 2017.
24. Consequentemente, à data da citação da Recorrente, o prazo de prescrição de cinco anos já tinha decorrido.
25. Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, substituindo-se por outra que julgue a presente ação totalmente improcedente e absolva a Ré do pedido contra si deduzido pela Autora.

Veio responder a recorrida,
- suscitando a questão prévia da impossibilidade de reapreciação da matéria de facto, porquanto, compulsado o recurso interposto, do mesmo resulta que a Recorrente, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões, indica qual o concreto ponto da matéria de facto cuja alteração pretende, ou seja, não identifica qual o facto da matéria de facto que julga incorrectamente julgado. Além disso, também não indica qual o sentido decisório que pretende que seja proferido sobre esse mesmo ponto, sendo que o cumprimento de tais ónus, nomeadamente do previsto na alínea a), é essencial para delimitar o objecto do recurso.
No mais, pugna pela improcedência da argumentação atinente ao erro de julgamento.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.
Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), aparentemente de facto e de direito as questões a tratar, confluindo na averiguação da ocorrência da prescrição da obrigação exigida em regresso, a partir já da determinação da ocasião ou dies a quo inicial de contagem do prazo prescricional, quanto ao qual, ou não existisse jurisprudência obrigatória, todos de acordo.
E, adiantou-se, aparentemente, na medida em que, por razões completamente outras que as invocadas pela Recorrida, temos para nós que não caberá conhecer do acerto do julgamento da matéria de facto quanto ao momento do início do incumprimento do contrato de crédito a que respeita o direito de regresso exercido…
Desde logo, quanto à questão mesma suscitada pela recorrida, tem-se por oportuno citar, a propósito, o Ac. do STJ de 03-10-2019, Rel. Rosa Tching, Proc. 77/06.5TBGVA.C2.S2, publicado em www.dgsi.pt, no qual se exarou, a dado passo: «(…) como adverte o Acórdão do STJ, de 28.04.2016 (processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1), dando voz à jurisprudência cada vez mais consolidada neste Supremo Tribunal, «é necessário que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no art. 640 do CPC seja compaginado com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo maior relevo aos aspectos de ordem material», por forma a não se exponenciarem os efeitos cominatórios previstos no mesmo artigo, havendo, por isso, que extrair do texto legal soluções conformes com estes princípios.»
Ora, da impugnação da decisão da matéria de facto deve constar das conclusões a indicação dos concretos pontos de facto tidos por incorrectamente julgados, mas não se impõe que se indiquem os números dos pontos impugnados, mas que, com clareza, resulte identificada a matéria que se quer pôr em causa e o sentido em que vem sustentado dever ser tomada a decisão.
Ora, os termos das alegações de recurso permitem identificar cabalmente quer o ponto da matéria de facto impugnado, bem como o sentido ou teor da prova que a recorrente pretende lhe seja dada, com o que reunidos os requisitos exigidos pelo art. 640.º do CPC, não havendo motivo para rejeitar a impugnação.
Contudo, como é sabido, nos recursos apenas se impõe tomar posição sobre as questões que sejam processualmente pertinentes/relevantes (suscetíveis de influir na decisão da causa), nomeadamente no âmbito da matéria de facto.
De acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão sujeitos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte.
Neste sentido, v.g., os Acs. do STJ de 19.05.2021, Proc. n.º 1429/18.3T8VLG.P1.S1 (desta 4.ª Secção), de 09.02.2021, Proc. n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1 (1.ª Secção), de 30.06.20, Proc. n.º 4420/18.6T8GMR-B.G2.S1 (6.ª Secção), de 28.01.2020, Proc. nº 287/11.3TYVNG-G.P1.S1 (6.ª Secção), de 22.03.2018, Proc. n.º 992/14.2TVLSB.L1.S1 (7.ª Secção) e de 10.10.2017, Proc. n.º 8519/12.4TBCSC-A.L1.S1 (1.ª Secção).
Vale por dizer que o dever de reapreciação da prova por parte da Relação apenas existe no caso de o recorrente respeitar todos os ónus previstos no art. 640.º, n.º 1 do CPC, e, para além disso, a matéria em causa se afigurar relevante para a decisão final do litígio (cfr. o citado aresto de 09.02.2021).
Quando esteja em causa matéria de facto que verse determinados pontos que são insuscetíveis de influir na decisão da causa (à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito), o recurso é inútil, o que obsta ao conhecimento do respetivo objeto.
Nos autos alega a Ré a prescrição da obrigação ao abrigo do estatuído no artigo 310º alínea e) do Código Civil, limitando-se a aduzir na contestação que o incumprimento por si das prestações de pagamento do crédito sucedeu logo em 2017, que não em 2019, como foi havido por provado na sentença, juízo probatório com o qual não se conforma…
Estabelece o artigo 310º nas alíneas d) e e) do Código Civil que: Prescrevem no prazo de cinco anos: d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades; e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros; sendo que fixou o Supremo Tribunal de Justiça Jurisprudência no Ac. STJ n.º 6/2022, de 30-06 no sentido de que: «I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.»
Efetivamente, para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas – continuam a ser quotas de amortização do capital – só se alterando o momento da sua exigibilidade, o que também significa que o aproveitamento da faculdade prevista no art. 781.º do C. Civil não equivale à resolução contratual, não se estando na relação de liquidação (mas ainda na ação de cumprimento) quando, ao abrigo do art. 781.º do C. Civil, se pede o pagamento de todas as prestações.
O que ainda significa, no que aqui interessa, que, vencendo-se e tornando-se exigíveis todas as prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, a prescrição quinquenal não tem como termo inicial, em relação a cada uma das prestações, a data de vencimento (de cada uma dessas prestações) constante do plano de reembolso inicialmente gizado pelas partes, mas sim que a prescrição quinquenal se reporta e conta em relação a todas as prestações a partir da data – termo inicial – em que foi exercida a faculdade prevista no art. 781.º, ou seja, a partir da data em que se venceram e tornaram exigíveis todas as prestações.
Com efeito, diga-se que é pacífico na jurisprudência e na doutrina (com a voz discordante de Galvão Teles) que a prerrogativa concedida pelo artigo 781º do Cód. Civ. não opera automaticamente, correspondendo antes a uma faculdade concedida ao credor – cfr. Ac. STJ de 25.10.18 (http://www.dgsi.pt, Proc. nº 13426/07.0TBVNG-B.P1.S1), onde se cita numerosa doutrina e jurisprudência.
Dispõe o artigo 781.º do Código Civil que, se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.
Este dispositivo aplica-se às prestações fracionadas ou repartidas, isto é, aquelas em que o objeto global está previamente determinado, mas o seu cumprimento se divide no tempo por várias e sucessivas prestações instantâneas, nelas se incluindo a prestação de reembolso do mútuo, quando é dividida em amortizações parcelares que devem ocorrer periodicamente.
Apesar da redação equívoca do referido artigo 781.º[1] , a mesma deve ser interpretada no sentido de que o vencimento antecipado das demais prestações, tendo por causa a falta de pagamento de uma delas, não ocorre automaticamente, sendo apenas concedida ao credor a faculdade de exigir, antecipadamente, o cumprimento de todas as prestações, constituindo, com essa interpelação, o devedor em mora, relativamente às prestações vincendas[2].
Perante a falta de pagamento de uma prestação, o credor pode seguir um de três caminhos (Ac. STJ de 12.7.18, in http://www.dgsi.pt, Proc. nº 10180/15.5T8CBRT-A.C1.S1):
- reclamar o pagamento das prestações vencidas e não pagas até ao termo do contrato;
- reclamar o pagamento das prestações vencidas e não pagas até ao momento em que provoca o vencimento antecipado das restantes prestações, reclamando, também, a totalidade da dívida de capital que, nessa altura, ainda subsista;
- resolver o contrato, reclamando uma indemnização pelo não cumprimento.
Tudo direitos alternativos que o credor escolherá o que melhor se adequa aos seus interesses.
O exercício do direito traduz-se, in casu, na reclamação de cumprimento antecipado feita pelo credor ao devedor, isto é, na interpelação. E só nessa altura é possível ter-se por vencida a obrigação (de vencimento antecipado).
Sempre, quando as prestações de amortização de uma quantia mutuada estão fundidas com as prestações dos respetivos juros moratórios numa prestação única, não sendo estas últimas prestações fracionadas, mas sim, prestações reiteradas periódicas, em que o decurso do tempo influi na determinação do seu valor global, a aplicação do disposto no artigo 781.º do Código Civil, só funciona, relativamente à parte que corresponde à amortização do capital, uma vez que não é possível exigir o pagamento de juros remuneratórios relativos a períodos que não correspondam a uma disponibilidade do capital a que respeitam[3].
Sendo certo que no caso, a aplicabilidade do artigo 781.º do Código Civil a estas prestações de natureza mista, não é decisiva, uma vez que as partes estipularam no contrato de mútuo qual seria a consequência de falta de pagamento das prestações que se fossem vencendo, sendo certo que a norma inserida naquele preceito legal, tendo natureza supletiva[4], pode ser afastada pela vontade das partes.
Atente-se na cláusula 18 (Vencimento antecipado) das condições gerais do contrato de mútuo outorgado, nos termos do documento junto sob doc. Nº 2 com a petição inicial, nos termos da qual: “o banco poderá considerar antecipadamente vencidas as obrigações de pagamento do capital mutuado ao abrigo deste contrato[5], exigindo o cumprimento imediato das correspondentes obrigações”.
Como sucede com a interpretação acima adiantada do disposto no artigo 781.º do Código Civil, também nesta cláusula contratual não se convenciona o vencimento automático das prestações vincendas com o incumprimento de uma delas, conferindo-se apenas ao Mutuante o direito de provocar esse vencimento, quando ocorra o incumprimento de uma dessas prestações, o que terá de ser efetuado através da comunicação ao mutuário do exercício desse direito.
Ora, desde logo, pese embora a alegação pela contestante do incumprimento de prestações anteriores a 2019 (cujo reembolso não vem peticionado, posto que o A. situa o incumprimento naquela ocasião apenas), na contestação mesma a ora Recorrente não alegou (o que desde logo implica a total imprestabilidade da questão da data em que se iniciou a falta de cumprimento das prestações de amortização do crédito, reconduzindo-se, pois, a invocação da prescrição ao crédito exigido, assim, atenta a data de vencimento como aduzida pela Autora) e, consequentemente, não provou que, após se ter iniciado a falta de pagamento das prestações acordadas e durante o decurso do período previsto para o reembolso do total do empréstimo, a antecessora da Autora na titularidade do direito de crédito em causa tenha exercido o direito de considerar antecipadamente vencida toda a dívida, o qual lhe era conferido pela transcrita cláusula contratual, provocando assim o vencimento das prestações cujo prazo de pagamento ainda não tivesse decorrido. Ao invés, impugna até que tenha sido interpelada da declaração de vencimento antecipado, essa sim foi alegada, com referência à comunicação datada de 05.10.2020, junta à petição inicial…
Tudo para dizer que inaplicável o convocado Acórdão de Fixação de Jurisprudência quanto à totalidade do crédito, por alegadas prestações não satisfeitas antes da ocasião aduzida pela Autora, na medida da falta de caracterização e pela Ré mesma, a quem cabia, enquanto facto extintivo, do vencimento antecipado… É que, não ocorrendo o vencimento antecipado, sempre correndo quanto a cada prestação em falta o prazo prescricional respectivo… Não vindo pedida qualquer delas, é absolutamente irrelevante ou inócua a apreciação do erro de julgamento quanto à matéria de facto que vem convocado.
Por isso que, como adiantado, dele não se conhecerá.
Quanto agora à prescrição da obrigação efectivamente exigida, importa atermo-nos aos seguintes factos demonstrados:
14. A Ré não pagou a prestação de capital e juros que se venceu a 09 de julho de 2019, não tendo pago também as prestações que se venceram posteriormente[6].
17. Tendo o Banco declarado resolvido o contrato por comunicação que dirigiu à Ré em 05 de outubro de 2020, e tendo reclamado o pagamento do saldo então em dívida no montante de 19.407,10 € (dezanove mil quatrocentos e sete euros e dez cêntimos), relativo a capital em dívida, a que acresceriam juros e demais encargos legais.
21. A presente ação foi instaurada em 30/06/2023.

Sempre não resulta do facto sob 17 que a comunicação tenha sido recepcionada, com o que a declaração de vencimento antecipado aconteceu apenas com a citação da Ré para os termos desta acção.
Não houve, pois, vencimento antecipado das prestações antes da propositura da presente acção, mantendo-se o calendário previsto no contrato, que não foi resolvido nem rescindido, o que seria susceptível de relevar para a decisão da prescrição, não fora o caso de a a presumida citação do embargante ter ocorrido a 05 de Julho de 2024 - cfr. artigo 323.º, n.º 2, do C.C-, facilmente ajuizamos que não está prescrita a obrigação exigida. De resto, a citação efectiva foi-o ainda em tempo útil, em 09.07.2024, como resulta dos autos sob a referência 36619550.
Ainda sobre os efeitos da citação, escusado será realçar que a citação judicial sempre determinaria o vencimento de todas as prestações vincendas conforme determina o disposto no artigo 781.º, do C.C. – cfr. neste sentido douto Ac. do S.T.J., datado de 14-12-2021, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c3754e8143cccaea8025876f004a2ccb?OpenDocument.
Pelo exposto, à luz do regime supra evidenciado, é forçoso concluir que a obrigação da Ré não se mostra prescrita, como o ajuizou, ainda que em moldes algo distintos, a decisão recorrida.



III.

Decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Notifique.




Porto, 23 de janeiro de 2025

Isabel Peixoto Pereira
Aristides Rodrigues de Almeida
António Carneiro da Silva

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[1] O artigo 742.º do Código de Seabra, nas dívidas a pagar em prestações, conferia o direito ao credor de exigir o pagamento de todas, caso faltasse o pagamento de alguma, regra que, com algumas atenuantes, foi mantida por VAZ SERRA, no Anteprojeto do Código Civil de 1966. Na 1.ª Revisão Ministerial, essas atenuantes desapareceram, optando-se por uma redação muito próxima do anterior artigo 742.º do Código de Seabra. Foi na 2.ª Revisão Ministerial que se adotou a expressão vencimento de todas, a qual deve ser “traduzida” por exigibilidade de todas.
[2] Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, AAFDL, 1975-1976, pág. 316-318, Vasco Lobo Xavier, Venda a prestações: algumas notas sobre os artigos 934.º e 935.º do código civil, RDES, ano XXI, n.º 1-2-3-4, pág. 201, nota 4, Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. II, 7.ª ed., Almedina, 2013, pág. 53-54, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª ed., Almedina, 2009, pág. 1017-1018, Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, 1990, pág. 325, nota 1, Brandão Proença, Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, 2011, pág. 85, António Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil, vol. IX, 3ª ed., Almedina, 2019, pág. 96-97, Menezes Leitão, Direito das obrigações, 12.ª ed., vol. II, Almedina, 2019, pág. 166, Nuno Pinto Oliveira, Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, 2011, pág. 391-392, Ana Afonso, Comentário ao código civil. Direito das obrigações. Das obrigações em geral, Universidade Católica editora, 2018, pág. 1071, Pedro Romano Martinez, Código Civil comentado, vol. II, Almedina, 2021, pág. 986, Januário Gomes, Assunção fidejussória de dívida, Almedina, 2000, pág. 955, Bruno Ferreira, Contratos de crédito bancário e exigibilidade antecipada, Almedina, 2011, pág. 187-188, Miguel Brito Bastos, O mútuo bancário. Ensaio sobre a estrutura sinalagmática do contrato de mútuo, Coimbra Editora, 2015, pág. 206-210, nota 432, e, a título de exemplo, a mais do já convocado, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.05.2005, proc. 282/05; de 17.01.2006, proc. n.º 3869/05; de 25.05.2017, proc. n.º 1244/15; de 12.07.2018, proc. n.º 10180/15; de 11.07.2019, proc. n.º 6496/16; de 14.01.2021, proc. n.º 6238/16. Apenas Inocêncio Galvão Telles, Direito das obrigações, 7.ª ed. Coimbra Editora, 1997, pág. 270 e seg., entende, contudo, que esta interpretação não é possível, face à atual redação da lei.
[3] Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2009, de 25 de março de 2009, publicado no Diário da República n.º 86, Série I, de 05.05.2009.
Maria de Lurdes Pereira e Pedro Múrias, Sobre o Conceito e a Extensão do Sinalagma, Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, Almedina, 2008, pág. 388, e Miguel Brito Bastos, ob. cit., pág. 210-212, defendem, no entanto, que o disposto no artigo 781.º do Código Civil não é aplicável a estas situação em que as prestações são compósitas, estando misturadas prestações fracionadas com prestações reiteradas, apenas sendo possível interromper o vencimento periódico das prestações, face a um incumprimento, através da resolução do contrato de mútuo prevista no artigo 1150.º do Código Civil.
[4] Almeida Costa, ob. cit., pág. 1018, nota 1, Pedro Romano Martinez, ob. cit., pág. 986, Ana Afonso, ob. cit., pág. 1071, e Ana Prata, Código Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2017, pág. 980.
[5] Aqui compreendidos, pois, como se infere interpretativamente, os juros incluídos nas prestações vincendas, atento o disposto nas cláusulas 8, 10 e 11 das mesmas condições gerais quanto à composição das obrigações de pagamento do capital mutuado, que abarcam tais juros.
[6] Este facto por si só, o do não pagamento, vem admitido pela Ré mesma, com o que, na medida da imprestabilidade, como supra, da alegação, para efeitos de prescrição da obrigação exigida, da alegação de prestações anteriores não satisfeitas, é o que importa à eferição já da prescrição da obrigação reclamada mesma.