I. O princípio in dubio pro reo dá resposta à questão processual da dúvida sobre o facto, impondo ao juiz que o non liquet da prova seja resolvido a favor do arguido, assim assegurando a presunção de inocência, enquanto elemento estruturante do processo penal.
II. Na fase de recurso, a demonstração da violação do pro reo passa pela sua notoriedade, em moldes idênticos à demonstração do vício de erro notório na apreciação da prova, isto é, deve resultar do texto da decisão, de forma objectiva, clara e inequívoca, que o juiz, tendo ficado na dúvida razoável sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao agente, o considerou provado ou, inversamente, tendo ficado na dúvida razoável sobre a verificação de determinado facto favorável ao agente, o considerou não provado.
III. O critério especial da determinação da medida da pena em caso de concurso de crimes, previsto no nº 2 do art. 77º do C. Penal, impõe a consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente, indicando os primeiros a gravidade do ilícito global praticado e a avaliação da personalidade unitária do agente, se o conjunto dos factos integra uma tendência desvaliosa da sua personalidade ou, pelo contrário, apenas indica uma pluriocasionalidade, desta desligada.
IV. Tendo o recorrente sido condenado pela 1ª instância, numa pena de 2 anos de prisão, por crime de coacção sexual agravado, em três penas de 9 meses de prisão, por outros tantos crimes de importunação sexual, em duas penas de 3 anos e 6 meses de prisão, por outros tantos crimes de abuso sexual de crianças, e em duas penas de 6 meses de prisão, por outros tantos crimes de abuso sexual de crianças na forma tentada, no que à gravidade do ilícito global respeita, porque nos encontramos perante diversos crimes de natureza sexual, cometidos contra menores, alguns deles com contacto físico entre agressor e vítimas, com similares modos de abordagem e aproveitamento, e com relativa proximidade temporal, sendo evidente a conexão próxima entre todos os ilícitos típicos, é de concluir por uma ilicitude global de grau médio/elevado, e no que à personalidade unitária do arguido concerne, a pluralidade de ofendidas, a repetição, em alguns casos, da conduta, o aproveitamento da relação de proximidade quanto a duas das vítimas e a não assunção da culpa apontam para traços de uma personalidade mal formada, desvaliosa, contrária ao direito e claramente virada para a satisfação de ‘interesses’ imediatos próprios.
V. Atenta a moldura penal abstracta aplicável, considerando a gravidade do ilícito global e a personalidade unitária do recorrente, a pena única de 6 anos de prisão fixada pelo acórdão recorrido, situada ligeiramente acima de primeiro quarto daquela moldura, mostra-se necessária, adequada, proporcionada e plenamente suportada pela medida da culpa, devendo, por isso, ser mantida.
*
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
No Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Criminal do Porto – ... o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, do arguido AA, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material e concurso efectivo, dos seguintes crimes:
A) Relativamente à ofendida BB,
- um crime de coacção sexual agravado, p. e p. pelos arts. 163, nº 1 e 177º, nº 6, ambos do C. Penal;
- três crimes de importunação sexual, p. e p. pelo art. 170º do C. Penal;
B) Relativamente à ofendida CC,
- setenta e oito crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 1 do C. Penal;
- um crime de abuso sexual de crianças, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, nºs 1 e 2, b) 23º, nº 1, e 171º, nºs 3, a) e c) e 5, todos do C. Penal;
C) Relativamente à ofendida DD,
- um crime de abuso sexual de crianças, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, nºs 1 e 2, b) 23º, nº 1, e 171º, nºs 3, a) e b) e 5, todos do C. Penal.
Mais requereu o Ministério Público a condenação do arguido na pena acessória prevista no art. 69º-B do C. Penal.
Por acórdão de 7 de Fevereiro de 2024, foi decidido:
“(…).
Nos termos legais e factuais expostos, acordam os juízes que constituem o tribunal colectivo em:
1. Condenar o arguido AA, pela prática em autoria material e concurso real, de
- Um crime de coação sexual agravado, p.p. pelo art.º 163º, n.º 1 e 177º, n.º 6, do C.P. na pena de 2 anos de prisão;
- Por cada um dos três crimes de importunação sexual, p.p. pelo art.º 170º, do C.P. nas penas unitárias de 9 meses de prisão;
- Por cada um dos dois crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art.º 171, n.º 1, do C.P. nas penas unitárias de 3 anos e 6 meses de prisão;
- Um crime de abuso sexual de crianças, na forma tentada, p.p. pelo art.º 22º, 23º, 171º, n.º 3, al. a) e c) e n.º 5, do C.P. na pena de 6 meses de prisão;
- Um crime de abuso sexual de crianças, na forma tentada, p.p. pelo art.º 22º, 23º, 171º, n.º 3, al. a) e b) e n.º 5, do C.P. na pena de 6 meses de prisão;
Em cúmulo jurídico das referidas penas condena-se o arguido AA na pena única de 6 anos de prisão
*
Mais se condena o arguido na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado pelo período de 10 anos.
*
Condenar o arguido no pagamento, a título de indemnização devida às menores, das seguintes quantias:
BB a quantia de € 2.000, 00;
CC a quantia de € 2.000,00
DD a quantia de € 500, 00.
A estas quantias acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente data até efectivo e integral pagamento.
(…)”.
*
Inconformado com a decisão, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação do Porto, formulando no termo da motivação, as seguintes conclusões:
1.- O presente Recurso vem interposto do douto acórdão que condenou o Arguido pela prática, em autoria material e concurso real, de:
- Um crime de coação sexual agravado, p.p. pelo art.º 163º, nº 1 e 177º, nº 6 do C.P., na pena de 2 anos de prisão;
- Por cada um dos três crimes de importunação sexual, p.p. pelo art.º 170º, do C.P., nas penas unitárias de 9 meses de prisão;
- Por cada um dos dois crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art.º 171, nº 1, do C.P., nas penas unitárias de 3 anos e 6 meses de prisão; - Um crime de abuso sexual de crianças, na forma tentada, p.p. pelo art.º 22º, 23º, 171º, nº 3, al. a) e c) e nº 5, do C.P., na pena de 6 meses de prisão;
- Um crime de abuso sexual de crianças, na forma tentada, p.p. pelo art.º 22º, 23º, 171º, nº 3, al. a) e b) e nº 5, do C.P., na pena de 6 meses de prisão;
2.- Em cúmulo jurídico das referidas penas, o arguido foi condenado na pena única de 6 anos de prisão.
3.- Analisando o douto acórdão recorrido, cremos ressaltar evidente, que se impunha uma decisão diferente no que tange nomeadamente ao número de crimes praticados pelo Arguido.
4.- Incorrendo o tribunal “a quo”, num erro notório e grave na apreciação da prova produzida – Art. 410º, nº 2 alínea c) C.P.P.
Senão vejamos,
5.- Relativamente à menor BB, o arguido é condenado pela prática de três crimes de importunação sexual, p.p. pelo artigo 170º C.P.
6.- Contudo, da análise dos factos dados como provados (ponto 15, ponto 16, ponto 17), constata-se que só é imputado em concreto ao Arguido, a prática de dois crimes de importunação sexual.
7.- Porém, o tribunal “a quo” deu como provado, que a factualidade vertida no ponto 17, ocorreu em número de vezes não concretamente apurado.
8.- E entendendo que é impossível determinar o número de vezes que o arguido atentou contra a liberdade e autodeterminação sexual da menor, imputou ao arguido a prática de, pelo menos, dois crimes de importunação sexual.
9.- Não podemos concordar com tal posição.
10.- Isto porque, uma vez que, da matéria de facto provada resulta que a importunação sexual ocorreu por diversas vezes e em número não apurado (sem concretizar nenhum facto), então, o Arguido só poderá ser condenado pela prática de um crime.
11.- Relativamente à menor CC, o arguido é condenado pela prática de dois crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art.º 171º, nº 1 do C.P.
12.- Contudo, e mais uma vez, da análise dos factos dados como provados (ponto 22 e ponto 23), constata-se que só é imputado ao Arguido a prática de um crime de abuso sexual de crianças.
13.- Sucede que, o tribunal “a quo”, na impossibilidade de determinar o número de vezes em que estes actos ocorreram, imputaram ao arguido a prática de, pelo menos, dois crimes (mais do que uma vez) de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art.º 171º, nº 1 do C.P.
14.- Não podemos concordar, mais uma vez, com o “critério “adotado.
15.- Isto porque, uma vez que, da matéria de facto provada resulta que o abuso sexual ocorreu por diversas vezes e em número não apurado (sem concretizar nenhum facto), então o Arguido só poderá ser condenado pela prática de um crime.
16.- O tribunal “a quo” não teve em atenção o princípio in dubio pro reo.
17.- A violação deste princípio in dubio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova.
18.- Do texto da decisão recorrida, decorre, por forma mais do que evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
19.- Face ao exposto, o Arguido e uma vez que não se fez prova dos crimes, deverá ser absolvido da prática de um crime de importunação sexual, p.p. pelo artigo 170º C.P., e de um crime de abuso sexual de crianças, p.p. pelo artº 171º nº 1 C.P..
20.- Desta forma, o Tribunal “a quo” violou, entre outros, o art.º 32 n.º 2 (princípio in dubio pro reo) da C.R.P., os art.º 97º n.º 4, 127º; 340º; 365 n.º 3 e 374 n.º 2; 410º nº 2, al) c), todos do C.P.P.
Mais,
21.- O tribunal “a quo” não fez uma correta aplicação do Direito aos factos, nomeadamente quanto à medida das penas aplicadas ao recorrente, que foram excessivas.
22.- De facto, pelo passado criminal do Arguido (com antecedentes criminais, mas por crimes de diversa natureza) e pela matéria dada como provada (pontos 42, 43, 44 e 46), as penas aplicadas àquele mostram-se bastante elevadas.
Mais,
23.- A decisão recorrida é desadequada, desproporcional e injusta, não tendo sido levado em conta que o Arguido está social e profissionalmente inserido.
24.- O arguido está integrado e não necessita de ser contaminado pelo meio prisional.
25.- Manifestamente, o recorrente, com uma pena de 6 (seis) anos de prisão efetiva, praticamente ficará impedido de se reintegrar na sociedade.
26.- Atendendo às condições de vida do Arguido (está social e profissionalmente inserido), a pena de prisão aplicada mostra-se gravosa, e vai contra a equidade e o próprio fim das penas.
27.- Operando o cúmulo jurídico nos termos referidos no douto Acórdão recorrido, seria adequada a imposição ao ora Recorrente, de uma pena única de 3 (três) anos e 6( seis ) meses de prisão.
28.- Tal pena de prisão de 3 anos e 6 meses, atendendo o sentido pedagógico e ressocializador da pena, deverá ser suspensa na sua execução.
29.- Mostrando-se suficiente para atingir os fins das normas incriminadoras.
30.- Ao não entender assim, o douto Acórdão recorrido violou nomeadamente, o Princípio Constitucional da Presunção da Inocência contido no artigo 32.º, n.º 2, da Lei Fundamental e o disposto nos artigos 40.º, n.º 1 e 2, artigo 70.º, n.º 2 e artigo 50.º do Código Penal e 127º do Código de Processo Penal, pelo que se impõe a procedência do presente Recurso.
31.- E deve ser alterado por outro que reduza a pena de prisão única aplicada, para período não superior a 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução.
NESTES TERMOS E NOS DO DOUTO SUPRIMENTO DEVE O PRESENTE RECURSO SER PROVIDO E A DECISÃO SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE, NA PROCEDÊNCIA DA MOTIVAÇÃO E CONCLUSÕES DO RECURSO JULGUE, DESIGNADAMENTE, A REDUÇÃO DOS CRIMES PRATICADOS, BEM COMO A REDUÇÃO DA PENA ÚNICA, POR UM PERÍODO NÃO SUPERIOR A 3 ANOS E 6 MESES, SUSPENSA NA EXECUÇÃO.
FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA.
*
O recurso foi admitido por despacho de ... de ... de 2024, para o Tribunal da Relação do Porto.
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Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:
1 – O recorrente foi condenado, como autor, de 1 crime de coação sexual agravado (art.º 163.º, n.º1 e 177.º, n.º 6 do C. Penal), 3 crimes de importunação sexual (art.º 170.º, do C. Penal), 2 dois crimes de abuso sexual de crianças (art.º 171.º, n.º 1, do C. Penal), 1 crime de abuso sexual de crianças tentado (art.os 22.º, 23.º, 171.º, n.º 3, al. a) e c) e n.º 5, do C. Penal), 1 crime de abuso sexual de crianças tentado(art.os 22.º, 23.º, 171.º, n.º 3, al. a) e b) e n.º 5, do C. Penal), na pena única de 6 anos de prisão, recorre inconformado, pedindo “a redução dos crimes praticados, bem como a redução da pena de prisão única, por um período não superior a 3 anos e 6 meses, suspensa na execução” e invoca o erro notório na apreciação da prova – art.º 410.º nº. 2, al. c) do CPP (conclusões 3.ª a 15.ª); a violação dos princípios da presunção da inocência e “in dubio pro reo” (conclusões 16.ª a 20.ª); refere a medida das penas parcelares aplicadas e medida da pena única (conclusões 21.ª a 31.ª).
2 – Mas, sem razão, no entendimento do Ministério Público, sendo o recurso manifestamente improcedente, face ao mero exame da decisão recorrida e da motivação do recurso, e por tal de rejeitar, nos termos do n.º 1 do art.º 420.º do CPP.
3 – O erro notório na apreciação da prova verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem deformação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum, tendo o vício de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito. E se o recorrente apenas discorda da matéria de facto provada, invoca erro notório na apreciação da prova, mas sem razão alguma, já que analisando a douta decisão recorrida, não se depara com qualquer erro, e muito menos notório na apreciação da prova, o recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência, de harmonia com o disposto no art.º 420.º, n.º 1 do CPP.
4 – O que acontece no caso sujeito, pois o recorrente, que não critica a decisão recorrida quanto ao entendimento “dogmático” que teve ao número de crimes cometidos só discorda da “quantificação”, a única que está aqui em causa, mas aí incorre em erro notório quanto ao raciocínio que desenvolve.
5 – Com efeito, se resulta provado que o recorrente teve, por diversas vezes (logo mais do que uma) condutas de importação sexual ou abuso sexual, contra pessoas certas e determinadas, mas que não foram precisamente quantificadas é seguro concluir-se, sem margem para erro, que essas condutas ocorreram pelo menos duas vezes (o mínimo número de mais de uma vez, que vem provado), como bem entendeu e decidiu o douto acórdão recorrido.
6 – O princípio da presunção de inocência significa que, até haver uma decisão penal condenatória, com trânsito em julgado, todo o arguido se presume inocente, não recaindo sobre ele, por isso, o ónus de provar que não é responsável pela prática do facto ilícito típico que porventura lhe seja imputado, antes cabendo à acusação fazer prova de que o cometeu e assim merece ser censurado, o que de todo não é beliscado pela decisão recorrida, nem o recorrente demonstra que o seja.
7 – O princípio “in dubio pro reo”, obriga a que, instalando-se e permanecendo dúvida acerca de factos referentes ao objecto do processo (existência dos factos, forma de cometimento e responsabilidade pela sua prática) essa dúvida deve sempre ser da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
8 – Dispensou-se o recorrente de demonstrar, como se lhe impunha, que o Tribunal recorrido ficou no estado de dúvida quanto a um determinado facto e nesse estado decidiu contra o arguido, o que basta para afastar a sua pretensão quanto à violação do invocado princípio.
9 – Mas, na sua óptica, o que resulta da sua motivação é exactamente o contrário: tendo o Tribunal a certeza que o recorrente havia tido as condutas em causa múltiplas vezes (mais do que uma necessariamente), mas não estando elas concretamente quantificadas, ficou-se, no apuramento concreto dos factos pelos que que estavam provados para além de qualquer dúvida.
10 – Também o recurso de direito deve ser rejeitado, quer quanto às penas parcelares, quer quanto à pena única.
11 – Quanto às penas parcelares, refere-se-lhe na conclusão 21.ª, mas nunca mais as menciona quer no texto, quer nas conclusões, o que significa que não as impugna, pois não formula uma crítica, a não ser dizer que são excessivas, sem qualquer quantificação e não formula em relação a elas nenhum pedido, isto é, não pede que elas sejam alteradas, pedido que só formula em relação à pena única.
12 –Impõe-se, assim, a consequência de que não se podem ter por impugnadas as penas parcelares aplicadas.
13 – Em relação à pena única, não menciona sequer, como violados os normativos legais a que deve obedecer a determinação da respectiva medida concreta, como o impõe o art.º 412.º, n.º 2, als. a) e b) do CPP, ou seja a dos n.ºs 1 e 2 do art.º 77.º do C. Penal, que não sequer invocada.
14 – Na verdade, o recorrente, não invocou esta norma, a aplicável, como violada [art.º 412.º, n.º 2, al. a) CPP], o obviamente o impediu de indicar o sentido em que, no seu entendimento, o tribunal recorrido interpretou essas normas ou o sentido com que as aplicou e o sentido em que essas normas deviam ter sido interpretadas ou com que deviam ter sido aplicadas [art.º 412.º, n.º 2, al. a) CPP] incumprindo os respectivos ónus, o que só por si impede que esse Venerando Tribunal conheça do recurso em matéria da medida da pena.
15 – E também se dispensou, em absoluto, de criticar a decisão tomada pelo Tribunal recorrido em sede de dosimetria penal, optando em exclusivo por uma narrativa alternativa, onde nem sequer se referiu aos limites da moldura penal abstracta a que havia de atender no caso sujeito, por forma do disposto no n.º 2 do art.º 77.º do C. Penal: limite mínimo de 3 anos e 6 meses e máximo de 12 anos e 3 meses de prisão ( 2 anos de prisão + 9 meses + 9 meses + 9 meses + 3 anos e 6 meses + 3 anos e 6 meses + 6 meses + 6 meses).
16 – O recorrente não só não se referiu à moldura penal, como surpreendentemente pediu que, nesse moldura pedisse a aplicação do limite mínimo (quando duas das penas parcelares se situam nesse mínimo) e suspensa na sua execução sem procurar demonstrar que se verificavam os pressupostos do art.º 50.º do C. Penal!
17 – E nunca se referiu, nesse seu pedido, os elementos a que o n.º 1, parte final, do art.º 77.º do C. Penal manda atender [na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente], limitando-se a clamar pelo excesso da pena e que estava socialmente inserido.
18 – Mas não está provado que esteja socialmente inserido.
19 –Antes do conjunto dos factos resulta um comportamento predatório, com crianças, três ao todo, com a duração de 2 anos em relação a uma delas, sendo uma delas filha do patrão e outra filha de uma amiga como irmã, que conhecia desde bebé.
20 – O que tudo foi ponderado na decisão recorrida tomada quanto pena única, para onde se remete.
Termos em que deve ser rejeitado o recurso por ser manifesta a sua improcedência, como é de JUSTIÇA.
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Por despacho de ... de ... de 2014 foi ordenada a subida dos autos ao Tribunal da Relação do Porto.
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Por decisão sumária da Exma. Juíza Desembargadora relatora, de ... de ... de 2024, invocando o disposto nos arts. 42º, nºs 1 e 3 da LOSJ e 427º (a contrario) e 432, nºs 1, c) e 2, ambos do C. Processo Penal, foi decidido determinar o envio dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, para apreciação.
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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer, no termo do qual concluiu:
Acompanhando os argumentos expressos na completa e bem fundamentada resposta apresentada pelo Sr. procurador da República no Juízo Central Criminal do Porto e no parecer do Sr. procurador-geral-adjunto no TRP [do qual os mandatários do arguido e da assistente já foram notificados em obediência ao disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP – ref.ªs citius ... e ... (03.06.2024)], e nada mais com relevo se nos oferecendo aduzir, emitimos parecer no sentido da improcedência do recurso e da confirmação integral do acórdão que dele é objeto.
Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
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Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência.
Cumpre decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Factos provados
A matéria de facto provada que provém da 1ª instância é a seguinte:
“(…).
1. AA nasceu a ... de ... de 1990;
2. BB (doravante, BB) nasceu a ... de ... de 2006;
3. Em data não concretamente apurada, mas que se situou no mês de ..., AA enviou, através da aplicação «Whatsapp», uma mensagem a BB convidando-a para ir a sua casa com o pretexto de organizar uma festa para a mãe de BB, que fazia anos em ...;
4. Por ser amigo de longa data da progenitora de BB, esta última tratava-o por “tio”;
5. Cerca das 18h, BB entrou na residência de AA, sita na ...;
6. Após entrar, aquele disse-lhe para se sentar no sofá da sala de estar, sentando-se logo de seguida ao seu lado;
7. Enquanto estavam sentados, AA colocou com força a sua mão na coxa de BB, o que a levou a pedir para que retirasse a sua mão,
8. pedido a que o arguido não acedeu;
9. De seguida, mantendo a mão na coxa daquela, com a outra mão, prendeu-lhe a cara e beijou-a na boca à força.
10. Nesse momento BB empurrou-o.
11. Porém, com a mão que tinha agarrado a cara de BB, apalpou-lhe os seios;
12. Aproveitando o facto de o arguido ter abrandado a pressão que fazia na sua perna com a outra mão, BB libertou-se e empurrou o arguido, levantando-se para sair daquela habitação;
13. Tendo-se apercebido do intento de BB, AA disse-lhe ainda que tinha feito um piercing numa determinada zona do corpo e perguntou se aquela queria ver, tendo BB respondido prontamente que não;
14. No momento em que ia sair daquela habitação, este disse-lhe para não contar nada do que tinha sucedido à sua progenitora;
15. Depois destas condutas, no dia ... de ... de 2021, às 00h22, AA, através da aplicação «Whatsapp», enviou uma hiperligação para um vídeo onde apareciam cenas de sexo explícito, que a menor não abriu por se ter apercebido do conteúdo de cariz sexual.
16. E ainda enviou a seguinte mensagem «podes confiar no tio porque vai sempre ficar entre nós… Mas quero demais sentir essa cona na minha boca e esses lábios fofos a chupar me bem duro,!!! Já me beijaste!! Porque não arriscares ?! E se for pela namorada acredita melhor ainda ver a minha pissa na boca das duas»;
17. Posteriormente, em número de vezes não concretamente apurado, mas mais do que uma ocasião, quando BB saia da paragem do autocarro no itinerário normal que fazia após a escola, cruzava-se com o arguido que executava gestos a imitar beijos com a língua e colocando as mãos nos seus genitais, simulando práticas de natureza sexual dirigidas à mesma;
18. Em face de tais condutas, BB teve de alterar a paragem em que em que saia do transporte público, com a finalidade de não se cruzar com o arguido;
*
19. CC (doravante, CC), nasceu a ... de ... de 2008;
20. Entre meados de ... e ..., AA foi funcionário da oficina propriedade do progenitor de CC;
21. Em data não concretamente apurada, mas situada durante aquele período temporal, CC, após as aulas e, pelo menos, uma vez por semana, deslocava-se àquela oficina para ir ver o seu progenitor;
22. Aproveitando as ocasiões em que o progenitor daquela não estava presente, conseguindo estar assim sozinho com CC, AA perguntava se aquela queria ajuda nos trabalhos escolares;
23. Nessas ocasiões, em número de vezes não concretamente apurado, AA colocava-se atrás de CC que se encontrava de pé, e colocava as mãos no corpo da mesma, deslizando-as, por cima da roupa, para as mamas, as nádegas e vagina daquela, acariciando;
24. Ainda, no ano de 2021, mas em data não concretamente apurada, através aplicação «Whatsapp», AA enviou para CC, uma hiperligação para um vídeo onde apareciam cenas de sexo explícito;
25. Esta apenas não a abriu porque reconheceu pelo conteúdo da hiperligação que continha atividades sexuais, por ter uma referência a ser conteúdo para maiores de 18 anos;
26. Seguidamente, AA perguntou a CC se tinha gostado do que tinha visto, não tendo esta respondido;
*
27. DD nasceu a ... de ... de 2009;
28. No dia ... de ... de 2021, cerca das 22h50, DD, de 12 anos, recebeu uma notificação no seu perfil na rede social «Instagram», com a designação «irenesilva5204», do perfil de «Instagram» «vito.batista», pertencente ao arguido;
29. Reconhecendo AA – seu conhecido pois já o tinha visto em casa de CC, sua amiga – pela foto de perfil apresentada naquela conta «vito.batista», de imediato, alertou a sua progenitora EE, que aceitou a mensagem, e, fazendo-se passar por DD, manteve um diálogo naquela rede social com o arguido;
30. O arguido enviou então a mensagem: «desculpa incomodar e por favor que fique entre nós por favor Mas depois da primeira vez que te vi e a dizeres asneiras fiquei louco… queres saber porque?»
31. Para além disso, AA tendo conhecimento da idade de DD, pediu para a mesma lhe enviar fotos de biquíni, referindo que «fico louco de me lembrar de ti em biquíni e adorava beijar-te e sentir o que tens por baixo»;
32. Enviou ainda uma hiperligação que correspondia a um vídeo com atividades sexuais envolvendo adultos, bem como uma fotografia onde é visível um pénis de alguém não concretamente apurado, mas que se supõe ser do arguido, ainda afirmando que gostava de a beijar e “fazer sentir bem dentro das cuecas”;
33. AA agiu de forma livre, deliberada e consciente;
34. Ao agir pelo modo descrito, quis e conseguiu satisfazer os seus intentos libidinosos para tal usando força física com BB para a imobilizar e suportar a sua conduta ao beijá-la, e, por cima da roupa, apalpar as suas pernas e mamas;
35. Quis ainda fazer propostas de natureza sexual a BB, através de mensagens de texto e partilhando conteúdos de atividades sexuais, bem como realizando publicamente movimentos e gestos simulando atos sexuais, sabendo que tais condutas são humilhantes e degradantes para BB, não obstante saber a idade da mesma e que atuava contra a vontade desta;
36. O arguido agiu ainda da forma descrita sempre livre, deliberada e conscientemente, tocando e manipulando, por cima da roupa, a zona vaginal, os seios e nas nádegas da menor CC, para concretizar os seus intentos sexuais e a sua lascívia, o que veio a conseguir, não obstante saber a sua idade e que atuava contra a vontade desta;
37. Agiu ainda com o propósito de partilhar conteúdos de atividade sexual a CC e querendo que aquela os visse, sabendo que tal a ia incomodar e ofender a sua dignidade e liberdade sexual, o que só não logrou conseguir porque CC não abriu a hiperligação e bloqueou os contactos com o arguido;
38. AA agiu ainda de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de partilhar conteúdos de atividade sexual a DD e querendo que aquela os visse, sabendo que tal a ia incomodar e ofendida a sua dignidade e liberdade sexual, o que apenas não logrou conseguir porque aquela chamou a sua progenitora e não continuou o diálogo que o arguido pretendia;
39. O arguido estava perfeitamente ciente que, à data da prática dos factos, BB tinha 14 anos de idade, e CC e DD eram menores de 14 anos, e que as suas condutas atentavam contra a sua liberdade e autodeterminação sexual daquelas;
40. Sabia ainda que todas as suas condutas descritas eram proibidas e criminalmente punidas;
*
41. Por sentença proferida a ... de ... de 2014, no processo sumaríssimo n.º 1304/13.8..., ..., ... Criminal, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, transitada em julgado a ... de ... de 2014, foi o arguido condenado na pena de 90 dias de multa, pela prática a ... de ... de 2013, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal; por sentença proferida a ... de ... de 2016, no processo n.º 279/15.3..., ... JL Criminal – ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, transitada em julgado a ... de ... de 2016, foi o arguido condenado na pena de 160 dias de multa, pela prática a ... de ... de 2015, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal; por sentença proferida a .../.../2019, no processo n.º 7132/16.1..., ..., transitada em julgado a .../.../2019, foi o arguido condenado na pena de , pela prática a ... de ... de 2015, de um crime de desobediência; por sentença proferida a ..., no processo sumaríssimo n.º 221/19.2..., S.M.Feira – JL Criminal –..., do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, transitada em julgado a ... de ... de 2020, foi o arguido condenado na pena de 100 dias de multa pela prática a ... de ... de 2019, de um crime de consumo de estupefacientes;
42. O arguido trabalha [h]á cerca de um mês auferindo o salário mínimo nacional.
43. Vive com o progenitor, em casa própria.
44. Contribuiu para as despesas domésticas com valor incerto e não concretamente apurado.
45. É solteiro. Não tem dependentes.
46. tem o 9º ano de escolaridade.
(…)”.
B) Factos não provados
“(…).
- Quando beijou BB o arguido tentou inserir a língua na boca daquela.
- O arguido AA tocou no corpo de CC, ao longo de 2 anos, pelo menos uma vez por semana.
(…)”.
C) Fundamentação relativa à qualificação jurídico-penal dos factos [na parte relevante]
“(…).
Revertendo à factualidade provada, temos que no dia ..., às 00h 22m, o arguido enviou a BB um hiperligação para um vídeo onde apareciam cenas de sexo explicito (que a menina não visualizou). Mais remeteu à menina, nesse mesmo dia a mensagem vertida na matéria de facto provada.
Estes factos são susceptiveis de, em geral e abstracto consubstanciarem a conduta típica, porquanto exprimem propostas de cariz sexual. Acresce que o arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente, sabendo que violentava a vontade de BB e que tal conduta era proibida e punida por lei.
Incorreu, pelo exposto, com tal conduta, na prática de um crime de importunação sexual, p.p. pelo art.º 170, do C.P.
Prosseguindo na análise da matéria de facto dada como provada, integra o ilícito típico em análise a execução, pelo arguido e perante a menor, de gestos a imitar beijos com a língua e colocando as mãos nos genitais, simulando práticas de natureza sexual dirigidas à mesma.
Com relevo, também quanto a estas condutas resultou provado que o arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente.
Aqui, importa aferir do numero de crimes em que o arguido incorreu, visto que, de acordo com o acervo fáctico supra isto ocorreu em número indeterminado de vezes.
Pode suceder (e sucede com frequência) que, numa concreta situação, está assente a prática de um crime sexual, mas não se mostra possível contabilizar de forma precisa (em razão de contingências probatórias) o número de vezes que tal crime foi cometido (pelo mesmo agente e em relação à mesma vítima).
É o que acontece no caso dos autos com a factualidade descrita nos factos provados n.º 17.
Nestes casos, alguma jurisprudência tem optado por considerar que houve apenas um crime sexual (por exemplo, violação) praticado diversas vezes ao longo do tempo e por isso habitualmente designado como «crime de trato sucessivo».
Nesta categoria de crimes, não dogmática, criada pela jurisprudência, cabem aqueles casos em que ocorre uma “unificação das condutas ilícitas sucessivas, desde que essencialmente homogéneas e temporalmente próximas, quando existe uma mesma, uma só resolução criminosa, desde o início assumida pelo agente” (cfr. Ac. STJ, de 30/09/2015; relator: Raul Borges; in www.stj.pt).
Considera-se, assim, que uma pluralidade de actos (condutas ilícitas) com determinadas características (homogeneidade, proximidade temporal e unidade resolutiva) se transforma num crime único, ainda que, à partida, o tipo legal não pretendesse unificar o comportamento, punindo os diversos actos como vários crimes.
Este entendimento, surgido no âmbito do crime de tráfico de estupefacientes e do crime de contrafacção de moeda, foi transposto para os crimes sexuais (considerando-se que aquele que, por exemplo, abusa sexualmente de uma pessoa decide uma única vez [sem que haja constantemente renovação da resolução criminosa em cada acto que realiza, em cada circunstância que cria propiciadora da realização daquela conduta] e considerando-se que os diferentes actos [mais ou menos idênticos quanto ao modo de actuação e realização e quanto à vítima, sempre a mesma] realizados sucessivamente, reiteradamente, sequencialmente no tempo, apenas integram um único crime).
Contudo, o entendimento jurisprudencial claramente maioritário, por nós sufragado, nega a possibilidade de aplicação da figura do «crime de trato sucessivo» aos crimes de abuso sexual e de violação (cfr. Helena Moniz, «“Crimes de Trato Sucessivo”(?)», in Revista Julgar On Line, Abril de 2018 e Ac. RE, de 14/06/2018, relator: António João Latas; in www.dgsi.pt, estudo e acórdão que temos seguido de muito perto).
Vejamos.
Em primeiro lugar, entende-se que a punição de uma certa conduta a partir da reiteração, sem possibilidade de análise individual de cada acto, apenas pode decorrer da lei ou, dito doutro modo, do tipo legal de crime.
Quer dizer, é essencial que a unificação da multiplicidade de actos que integram a conduta criminosa assente na própria descrição do tipo legal.
Ora, a estrutura típica dos crimes de abuso sexual e de violação não pune as respectivas condutas enquanto integrantes de múltiplos actos, mas cada acto individualmente considerado (não são crimes de empreendimento, dado que a conduta punida não é o empreendimento de uma certa actividade, nem se pode dizer que são crimes de múltiplos actos).
Logo, à luz das exigências decorrentes do princípio da legalidade na delimitação dos tipos penais, não é aplicável àqueles crimes a figura do crime de trato sucessivo.
Em segundo lugar, o entendimento dos crimes sexuais como crimes de trato sucessivo pretende abarcar uma multiplicidade de actos, a que corresponde uma multiplicidade de resoluções, num único acto globalmente unificado a partir de uma unidade resolutiva, todavia salientando que não estamos perante uma única resolução, mas perante uma “unidade resolutiva”, querendo com isto apenas evidenciar uma homogeneidade resolutiva.
Ora, este entendimento que agrega múltiplos actos típicos e ilícitos numa globalidade de comportamento ilícito com uma unificação resolutiva aproxima-nos da figura do crime continuado, redundando num resultado que o legislador claramente quis afastar com a alteração ao nº 3 do art. 30º do Código Penal realizada pela Lei nº 40/2010, de 03-09, que exclui expressamente a admissibilidade da possibilidade de unificação de uma pluralidade de condutas na figura do crime continuado, quando estejam em causa bens eminentemente pessoais.
Logo, à luz das regras acolhidas no Código Penal sobre unidade e pluralidade de crimes, não é aplicável aos crimes de abuso sexual e de violação a figura do crime de trato sucessivo.
Em suma, só de acordo com os critérios gerais de distinção entre unidade e pluralidade de crimes (onde avulta o critério dos “sentidos sociais de ilicitude do comportamento global”, a que alude Figueiredo Dias) é que hipóteses de multiplicidade de actos homogéneos, praticados contra a mesma vítima, num período temporal próximo (e, eventualmente, no mesmo local), poderão enquadrar-se num único crime de abuso sexual ou de violação e não por apelo à caracterização destes crimes como crimes de empreendimento, habituais ou de trato sucessivo.
Não se desconhece que a defesa da tese da punição, de per si, de cada acto sexual de relevo realizado (existindo, no caso de várias condutas, um concurso efectivo de crimes), aliada à defesa da tese da necessidade de se provar, com precisão o tempo, o lugar e o modo da prática de cada conduta típica e ilícita praticada (com vista a evitar uma lesão do contraditório e do efectivo exercício do direito de defesa, inerente à existência de imputações genéricas e imprecisas) pode colocar, e coloca muitas vezes, dificuldades de prova (é normal a vítima não se lembrar com precisão os dias em que o acto sexual ocorreu).
Contudo, tal não constitui argumento suficiente para a defesa da tese da aplicação da figura do crime de trato sucessivo aos crimes de abuso sexual e de violação.
Logo, se da matéria de facto provada resultar, por exemplo, que a violação ou o abuso sexual ocorreu por diversas vezes e em número concretamente não apurado, então deverá o agente, em atenção ao princípio in dubio pro reo, ser apenas punido por um crime (cfr. Helena Moniz, ob. cit., pág. 25).
No caso concreto é impossível determinar o número de vezes em que o arguido atentou contra a liberdade e autodeterminação sexual da menor, no que respeita às condutas enquadráveis no art.º 170º, do C.P. – gestos a imitar beijos com a língua e colocação das mãos nos genitais a simular actos sexuais.
Sabemos, no entanto, que ocorreu mais do que uma vez.
Assim, julga-se poder/dever imputar ao arguido a prática de, pelo menos, dois crimes de importunação sexual, p.p. pelo art.º 170º, do C.P.
(…).
In casu, resultou provado que em datas não concretamente apuradas o arguido tocou nas mamas, vulva e nádegas da Mónica Facas, por fora da roupa.
Estes actos são subsumíveis no tipo objectivo do art.º 171, n.º1, do C.P.
Na impossibilidade de determinar o número de vezes em que estes actos ocorreram, adotaremos do critério já acima expresso de imputar ao arguido a prática de, pelo menos, dois crimes (mais do que uma vez) de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art.º 171º, n.º 1, do C.P.
(…).
D) Fundamentação da medida concreta das penas [na parte relevante]
“(…).
O crime de coacção sexual agravado, p.p. pelo art.º 163º, n.º 1, e 177º, n.º 6, do C.P. é punido com pena de prisão de 40 dias a 6 anos e 8 meses de prisão.
O crime de abuso sexual de crianças previsto no artigo 171.º n. ° 1 do CP, é punido com uma pena de 1 a 8 anos de prisão.
O crime de abuso sexual de crianças previsto no art.º 171º, n.º 3, al. a) e b) é punido com pena de prisão até três anos.
O crime de importunação sexual é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
(…).
Escolhida a pena impõe-se a determinação da sua medida concreta dentro das molduras abstractas acima elencadas.
Aqui, deverá a pena ser concretamente determinada em conformidade com o princípio regulador do artigo 40.° n.ºs 1 e 2 e com os critérios estabelecidos pelo artigo 71. ° n. ° 1 ambos do Código Penal. Assim, na fixação da medida concreta da pena é tida em conta e medida da culpa do arguido e, bem assim, são consideradas todas as circunstâncias que, não fazendo parte integrante do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, as necessidades de prevenção e o grau de culpa.
Como refere a Prof.ª Anabela Rodrigues "A pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada... É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica". (In A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade", Coimbra Editora, pág. 570-571.).
-o dolo directo e intenso com que o arguido actuou;
-o grau de ilicitude do facto manifestado no tipo de actos praticados e o modo como foram executados, sendo de realçar as condutas levados a cabo no seu local de trabalho, sobre a filha do seu patrão – CC –, que nem por isso foi inibidor das pulsões sexuais do arguido.
- o número de ocorrência que estão para além das contabilizadas na imputação conseguida;
- a condição socio económica;
- os antecedentes criminais, pese embora por crimes de diversa natureza, mas que, pela repetição, evidenciam uma personalidade resistente ao efeito ressocializador das penas; .
- as necessidades de prevenção geral, que se têm por elevadas considerando a enorme frequência com que este tipo de abusos são praticados, na maioria das vezes por pessoas próximas e da confiança das vitimas e dos guardiões, a natureza dos bens jurídicos protegidos pelos ilícitos em causa, o alarme e asco social bem como o sentimento de insegurança que este tipo de condutas causam na população e que exigem a reposição da confiança na validade e eficácia das normas violadas;
Assim, fazendo apelo aos critérios legais de determinação da medida da pena consagrados no artigo 71.º do Código Penal, designadamente, os acima elencados, entendemos dever fixar as seguintes penas concretas, relativamente às menores.
BB
- Pelo crime de coação sexual agravado, p.p. pelo art.º 163º, n.º 1 e 177º, n.º 6, do C.P. na pena de 2 anos de prisão;
- Pela prática de cada um dos três crimes de importunação sexual, p.p. pelo art.º 170º, do C.P. nas penas unitárias de 9 meses de prisão;
CC
Pela prática de cada um dos dois crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art.º 171, n.º 1, do C.P. nas penas unitárias de 3 anos e 6 meses de prisão;
Pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, na forma tentada, p.p. pelo art.º 22º, 23º, 171º, n.º 3, al. a) e c) e n.º 5, do C.P. na pena de 6 meses de prisão;
DD
Pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, na forma tentada, p.p. pelo art.º 22º, 23º, 171º, n.º 3, al. a) e b) e n.º 5, do C.P. na pena de 6 meses de prisão.
(…).
Importa, portanto, determinar a pena única a aplicar ao arguido, fazendo-se o respectivo cúmulo jurídico das penas parcelares, tendo em conta a moldura penal abstracta do concurso e sendo determinada a pena concreta a aplicar ao arguido, para o que deverão ser considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
O princípio da proibição da dupla valoração veda que sejam de novo apreciadas, em sede de medida concreta da pena, as circunstâncias tidas em conta para a determinação das penas parcelares, pelo que há que procurar no conjunto dos factos o esboço da gravidade do ilícito global praticado, para o qual é decisiva a avaliação da conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes.
Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse bocado de vida criminosa com a personalidade do agente.
O cúmulo engloba quatro crimes de abuso sexual de criança, um crime de coacção sexual agravado e três crimes de importunação sexual, praticados em crianças que, de algum modo, estavam na disponibilidade do arguido, prolongando-se a conduta, em relação a CC, por um período de tempo considerável – cerca de 2 anos.
Assim, considerando a moldura abstracta de 3 anos e 6 meses de prisão a 12 anos e 3 meses de prisão, julga-se adequada a pena única em 6 anos de prisão.
(…).
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Âmbito do recurso
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Consistindo as conclusões num resumo do pedido, portanto, numa síntese dos fundamentos do recurso levados ao corpo da motivação, entre aquelas [conclusões] e estes [fundamentos] deve existir congruência.
Deste modo, as questões que integram o corpo da motivação só podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem se também se encontrarem sumariadas nas respectivas conclusões. Quando tal não acontece deve entender-se que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.
Por outro lado, também não deve ser conhecida questão referida nas conclusões, que não tenha sido tratada no corpo da motivação (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 335 e seguintes).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir no recurso, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, por ordem de precedência lógica, são:
- A incorrecta qualificação jurídico-penal dos factos pela violação do princípio in dubio pro reo e cometimento de erro notório na apreciação da prova;
- A incorrecta determinação da medida concreta das penas parcelares e única;
- A substituição da pena de prisão.
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Da incorrecta qualificação jurídico-penal dos factos, da existência de erro notório na apreciação da prova e da violação do princípio in dubio pro reo
1. Alega o arguido – conclusões 3 a 10 e 16 a 19 – que se impunha distinta decisão quanto ao número de crimes praticados, tendo o tribunal a quo incorrido em erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º, nº 2, c) do C. Processo Penal, pois sendo condenado pela prática de três crimes de importunação sexual, p. e p. pelo art. 170º do C. Penal, em que é ofendida, BB, o que resulta dos pontos 15 a 17 dos factos provados do acórdão recorrido é que, tendo sido dado como provado (ponto 17) não ser possível apurar o número concreto de vezes em que a conduta se repetiu, o tribunal considerou verificada a prática de, pelo menos, dois crimes, quando, face a tal indeterminação, só poderia ter sido condenado pela prática de um, assim tendo violado o princípio in dubio pro reo, violação a ser tratada como erro notório na apreciação da prova, o mesmo sucedendo – conclusões 11 a 19 – com a sua condenação pela prática de dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 1 do C. Penal, em que é ofendida, CC, face a nova impossibilidade de determinação do número concreto de vezes em que a conduta foi repetida (pontos 22 e 23 dos factos provados), o que imporia a sua condenação pela prática de apenas um crime, pelo que, também aqui ocorreu a violação do pro reo, a tratar nos termos do referido vício decisório.
Vejamos.
a. O erro notório na apreciação da prova – como todos os demais vícios decisórios previstos no nº 2 dos art. 410º do C. Processo Penal – constitui um defeito lógico da decisão penal, rectius, da sentença, e não, do julgamento, que se evidencia pelo respectivo texto, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, o que significa que, para a sua comprovação, não é legalmente admissível lançar mão de elementos alheios à decisão, ainda que constem do processo.
Ele ocorre quando o tribunal valorou a prova contra as regras da experiência comum, contra critérios legalmente fixados ou contra as leges artis, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de o erro não passar despercebido ao homem médio, ao cidadão comum, por ser evidente, grosseiro, ostensivo. Dizendo de outro modo, trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste, basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido, mediante a formulação de juízos ilógicos e/ou arbitrários (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, 3, 3ª Reimpressão, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 326 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 9ª Edição, 2020, Rei dos Livros, pág. 81).
Na perspectiva do recorrente existe o vício porque:
- Relativamente à ofendida BB, foi condenado pela prática de três crimes de importunação sexual quando dos factos provados, concretamente, dos pontos 15 a 17 resulta a prática de dois crimes, um contido nos pontos 15 e 16, e outro contido no ponto 17 pois que, constando deste ponto que a importunação ocorreu por diversas vezes e em número não apurado, só poderá ser condenado por um crime;
- Relativamente à ofendida CC, foi condenado pela prática de dois crimes de abuso sexual de crianças quando dos factos provados, concretamente, dos pontos 22 e 23, resulta a prática de um crime, pois que, constando do ponto 23 que o abuso ocorreu, nessas ocasiões, em número de vezes não concretamente apurado, só poderá ser condenado por um crime.
Com ressalva do respeito devido, não lhe assiste razão. Explicando.
i) Começamos por dizer que, tal como o arguido colocou a questão, ela nada tem a ver com o vício decisório invocado. Com efeito, não existe qualquer incongruência entre a valoração da prova produzida pelo tribunal, e o seu reflexo na narração do facto dado como provado, mas antes, uma incongruência entre o facto provado e a sua qualificação jurídica – uma pluralidade de crimes ou um só crime.
Dito isto.
ii) Os pontos 15 a 17 dos factos provados têm a seguinte redacção:
- [15] Depois destas condutas, no dia ... de ... de 2021, às 00h22, AA, através da aplicação «Whatsapp», enviou uma hiperligação para um vídeo onde apareciam cenas de sexo explícito, que a menor não abriu por se ter apercebido do conteúdo de cariz sexual;
- [16] E ainda enviou a seguinte mensagem «podes confiar no tio porque vai sempre ficar entre nós… Mas quero demais sentir essa cona na minha boca e esses lábios fofos a chupar me bem duro,!!! Já me beijaste!! Porque não arriscares ?! E se for pela namorada acredita melhor ainda ver a minha pissa na boca das duas»;
- [17] Posteriormente, em número de vezes não concretamente apurado, mas mais do que uma ocasião, quando BB saia da paragem do autocarro no itinerário normal que fazia após a escola, cruzava-se com o arguido que executava gestos a imitar beijos com a língua e colocando as mãos nos seus genitais, simulando práticas de natureza sexual dirigidas à mesma.
Da leitura dos pontos 15 e 16 dos factos provados resulta claro para o leitor médio que, não obstante a distinta numeração, o que é narrado em ambos se reporta a um mesmo acontecimento da vida, à mesma acção executada pelo arguido e que se traduz em ter este, no mesmo circunstancialismo de tempo e, necessariamente, de lugar, usando para o efeito a aplicação Whatsapp, enviado à ofendida BB uma ligação para acesso a um vídeo de sexo explícito, e uma mensagem com conteúdo pornográfico.
Assim, os pontos de facto em análise preenchem o tipo objectivo de um crime de importunação sexual.
Da leitura do ponto 17 dos factos provados resulta igualmente claro para o leitor médio que, se o arguido, em número de vezes não concretamente apurado, mas mais do que uma ocasião, quando se cruzava com a ofendida BB executava gestos a imitar beijos com a língua e colocava as mãos nos genitais, simulando prática de natureza sexual a ela dirigidas, então é certo que duas vezes adoptou tais condutas, pois o sentido da expressão mas mais do que uma ocasião não comporta outro entendimento que não este.
Assim, o ponto de facto em análise narra factos ocorridos mais do que uma vez e não menos do que duas vezes, ou seja, narra factos acontecidos em duas distintas ocasiões, que preenchem, em cada uma delas, o tipo objectivo do crime de importunação sexual, existindo, pois, concurso efectivo.
Em conclusão, os factos que constam dos pontos 15, 16 [um crime] e 17 [dois crimes] dos factos provados, conjugados com os factos que constam dos pontos 35, 39 e 40 dos factos provados, preenchem, em três distintos momentos, o tipo, objectivo e subjectivo, do crime de importunação sexual, p. e p. pelo art. 170º do C. Penal, nada havendo, pois, a censurar ao acórdão recorrido, quando o condenou, em concurso efectivo, pela prática de três crimes.
iii) Os pontos 22 e 23 dos factos provados têm a seguinte redacção:
- [22] Aproveitando as ocasiões em que o progenitor daquela não estava presente, conseguindo estar assim sozinho com CC, AA perguntava se aquela queria ajuda nos trabalhos escolares;
- [23] Nessas ocasiões, em número de vezes não concretamente apurado, AA colocava-se atrás de CC que se encontrava de pé, e colocava as mãos no corpo da mesma, deslizando-as, por cima da roupa, para as mamas, as nádegas e vagina daquela, acariciando.
Ainda que a redacção dada ao ponto 23 não tenha o grau de concretização, quanto à pluralidade de condutas, que a expressão «mas mais do que uma ocasião» confere à redacção do ponto 17 [precisamente porque não consta daquele ponto], a sua leitura atenta permite, em nosso entender, concluir por tal pluralidade.
Com efeito, a matéria do ponto 23 é sequencial à do ponto 22. Neste, descreve-se o circunstancialismo aproveitado pelo arguido para abordar a menor, indicando o segmento «Aproveitando as ocasiões em que (…)» uma pluralidade de acções. Esta pluralidade de acções surge igualmente no início do ponto 23, no segmento inicial «Nessas ocasiões (…)», esclarecendo o segmento imediato «(…), em número de vezes não concretamente apurado (…)» que, apesar de ter existido mais do que uma ocasião, não foi possível apurar o seu número preciso, o que vale dizer que terão sido [pelo menos] duas, as vezes que o arguido sujeitou a menor à acção descrita na segunda parte do referido ponto 23.
Em conclusão, os factos que constam dos pontos 22 e 23 dos factos provados, conjugados com os factos que constam dos pontos 36, 39 e 40 dos factos provados, preenchem, em dois distintos momentos, o tipo, objectivo e subjectivo, do crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 1 do C. Penal, nada havendo, pois, a censurar ao acórdão recorrido, quando o condenou, em concurso efectivo, pela prática de dois crimes.
b. Numa outra perspectiva invoca o arguido, conforme já referido, a violação pelo tribunal a quo do princípio in dubio pro reo. Vejamos se assim acontece.
O princípio in dubio pro reo – com suporte jurídico-constitucional no art. 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, enquanto corolário da presunção de inocência que neste tem assento – dá resposta à questão processual da dúvida sobre o facto, impondo ao juiz que o non liquet da prova seja resolvido a favor do arguido, assim assegurando a presunção de inocência, enquanto elemento estruturante do processo penal.
Na fase de recurso, a demonstração da violação do pro reo passa pela sua notoriedade, em moldes idênticos à demonstração do vício de erro notório na apreciação da prova, isto é, deve resultar do texto da decisão, de forma objectiva, clara e inequívoca, que o juiz, tendo ficado na dúvida razoável sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao agente, o considerou provado ou, inversamente, tendo ficado na dúvida razoável sobre a verificação de determinado facto favorável ao agente, o considerou não provado.
A dúvida razoável que vimos referindo, pressuposto da aplicação do pro reo, vale para toda a matéria de facto, mas não, também, para a matéria de direito, pois quanto a esta, prevalecerá o entendimento que se revelar mais correcto (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Edição, 1974, Reimpressão, 2004, Coimbra Editora, pág. 215, Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 2016, Almedina, pág. 172).
Por outro lado, a dúvida para este efeito relevante, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas a dúvida que o julgador não logrou ultrapassar e fez constar da sentença, ou que é revelada, objectivamente, pelo respectivo texto (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Abril de 2017, processo nº 452/15.4JAPDL.L1.S1, in www.dgsi.pt).
Pois bem.
Resulta da leitura do acórdão recorrido que o tribunal colectivo fez actuar o princípio onde não logrou ultrapassar a dúvidas.
Estamos a referir-nos às passagens que dele constam, no âmbito da fundamentação de direito, onde é discutida a problemática do concurso de crimes, em razão da indeterminação do número exacto de acções distintas praticadas pelo arguido.
Assim, o segmento «No caso concreto é impossível determinar o número de vezes em que o arguido atentou contra a liberdade e autodeterminação sexual da menor, no que respeita às condutas enquadráveis no art.º 170º, do C.P. – gestos a imitar beijos com a língua e colocação das mãos nos genitais a simular actos sexuais. Sabemos, no entanto, que ocorreu mais do que uma vez. Assim, julga-se poder/dever imputar ao arguido a prática de, pelo menos, dois crimes de importunação sexual, p.p. pelo art.º 170º, do C.P.», relativamente à ofendida BB e o segmento «In casu, resultou provado que em datas não concretamente apuradas o arguido tocou nas mamas, vulva e nádegas da CC, por fora da roupa. Estes actos são subsumíveis no tipo objectivo do art.º 171, n.º1, do C.P. Na impossibilidade de determinar o número de vezes em que estes actos ocorreram, adotaremos do critério já acima expresso de imputar ao arguido a prática de, pelo menos, dois crimes (mais do que uma vez) de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art.º 171º, n.º 1, do C.P.», relativamente à ofendida CC.
Não resulta, pois, do texto do acórdão recorrido que os Mmos Juízes que integraram o tribunal colectivo, tendo ficado na dúvida sobre o número de crimes de importunação sexual relativamente à ofendida BB, e sobre o número de crimes de abuso sexual de crianças relativamente à ofendida CC, em ambos os casos, praticados pelo arguido, decidiram contra este. Bem pelo contrário, o tribunal colectivo, ciente de que, relativamente às duas ofendidas, foram praticados mais do que um crime, mas sem possibilidade de determinação do seu número, limitou-o ao número de dois que, como é sabido, é o algarismo que significa a mais baixa pluralidade de casos, decidindo, pois, pro reo e em estrito respeito pela presunção de inocência.
c. Em conclusão do que fica dito, não enfermando o acórdão recorrido de vício de erro notório na apreciação da prova e não se descortinando que nele tenha sido violado o princípio in dubio pro reo, inexiste fundamento para a pretendida modificação da qualificação jurídica-penal dos factos provados fixados pela 1ª instância, devendo, por conseguinte, manter-se a condenação do recorrente, além do mais, pela prática de três crimes de importunação sexual, p. e p. pelo art. 170º do C. Penal, tendo por ofendida a menor BB, e pela prática de dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 1 do C. Penal, tendo por ofendida a menor CC.
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Da incorrecta determinação da medida concreta das penas parcelares e única
2. Alega o arguido – conclusões 21 a 27 – que a medida das penas aplicadas é excessiva, desproporcional e injusta pois, os seus antecedentes criminais respeitam a crimes de outra natureza, está inserido social e profissionalmente, não carecendo de ser contaminado pelo sistema prisional, sendo que a pena de 6 anos de prisão impedirá, na prática, a sua reintegração na sociedade, sendo, por isso, mais adequada a pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.
No corpo da motivação densifica a alegação, dizendo, para além da sua inserção laboral, estar também familiarmente inserido, ter o 9º ano de escolaridade, reafirmando a desadequação da decisão que não respeitou os critérios legais de dever ser apreciado como a pessoa que é e por aquilo que fez, havendo, por isso, que diminuir a pena, de modo a que se verifiquem os pressupostos que possibilitem a sua substituição.
Embora o recorrente sindique a medida das penas parcelares de uma forma genérica, fê-lo sempre em função de uma medida da pena única de prisão apta a possibilitar a sua substituição pela suspensão da respectiva execução. E assim, embora devesse enunciar na motivação, especificadamente, os fundamentos do recurso (art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal), certo é que, relativamente à concreta questão da medida concreta das penas parcelares não o fez, limitando-se à afirmação de meras conclusões.
Não obstante, e relativamente às penas parcelares, sempre diremos o que segue.
a. O arguido foi condenado pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de um crime de coacção sexual agravado, p. e p. pelo arts. 163º, nº 1 e 177º, nº 6 do C. Penal, na pena de 2 anos de prisão, de três crimes de importunação sexual, p. e p. pelos art. 170º do C. Penal, na pena de 9 meses de prisão por cada um, por dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 1 do C. Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, por cada um, e por dois crimes de abuso sexual de crianças na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º e 171º, nºs 3, a), b) e c) e 5, do C. Penal, na pena de 6 meses de prisão, por cada um.
O acórdão recorrido, na determinação da medida concreta das penas, ponderou, quanto ao grau de ilicitude do facto, o modo como os crimes foram executados, destacando as condutas relativas à ofendida CC, porque levadas a cabo no local de trabalho do arguido e sobre a filha do patrão.
Ponderou o “número de ocorrências que estão para além das contabilizadas na imputação conseguida”.
Ponderou a existência de dolo intenso.
Ponderou a condição sócio-económica do arguido.
Ponderou os antecedentes criminais do arguido, reconhecendo, embora, que por crimes diversos dos que integram o objecto dos autos.
Considerou serem elevadas as exigências de prevenção geral, dada a frequência com que os tipos praticados o são, maioritariamente, por pessoas da confiança das vítimas e/ou dos seus guardiões, e o alarme social causado e, ao nível da prevenção especial considerou que o arguido revela uma personalidade resistente ao efeito ressocializador das penas.
Pois bem.
Contrariamente ao que parece ser o entendimento do arguido, a 1ª instância ponderou a sua inserção social e laboral – ao atender à sua condição sócio-económica –, se bem que quanto a esta última, o que resultou provado [ponto 42 dos factos provados] é que trabalhava há um mês, auferindo o salário mínimo. Como ponderou os seus antecedentes criminais, obviamente, tal como constam do respectivo certificado.
Quanto ao mais.
É médio/elevado o grau de ilicitude do facto, relativamente aos crimes de coacção sexual e abuso sexual de crianças, atendendo a que o arguido contactou fisicamente com as ofendidas BB e CC, é elevado o grau de ilicitude relativamente aos crimes de importunação sexual, considerando as concretas acções praticadas e o local público onde o foram, e é médio o grau de ilicitude do facto relativamente aos crimes tentados de abuso sexual de crianças.
Concordamos com o acórdão recorrido quanto a ser intenso o dolo do arguido, revelando persistência e considerável energia criminosa, através das condutas predatórias assumidas.
Agrava a sua culpa a pluralidade de infracções.
É modesta a sua condição económica, como modestas são as suas habilitações literárias e mostra-se familiarmente inserido.
Cumpre notar, relativamente às circunstâncias agravantes, discordando da decisão recorrida, que não pode haver lugar à consideração de que o “número de ocorrências que estão para além das contabilizadas na imputação conseguida”, sob pena de violação do pro reo.
Concordamos com o acórdão recorrido quanto ao nível das exigências de prevenção. Com efeito, são muito elevadas as exigências de prevenção geral, atenta a frequência com que este tipo de criminalidade se vem verificando, a qual repugna à consciência colectiva, requerendo do sistema de justiça uma resposta firme, mas sempre proporcional, de modo a repor a confiança da comunidade na manutenção e validade das normas violadas. Por outro lado, fazem-se sentir as exigências de prevenção especial de socialização, pois o arguido tem antecedentes criminais, se bem que por crimes de outra natureza, não demonstrou ter assumido o desvalor das condutas praticadas nem interiorizado a necessidade da sua censura, e as suas acções apontam para uma personalidade mal formada, desvaliosa e avessa ao direito.
Sobrepondo-se as circunstâncias agravantes às circunstâncias atenuantes, sendo muito elevadas as exigências de prevenção geral, e fazendo-se sentir as exigências de prevenção especial, considerando que nos encontramos num tipo de criminalidade em que o risco de recidiva do agente é mais elevado, situando-se a pena concreta aplicada pela prática do crime de coacção sexual agravado ligeiramente acima de ¼ da moldura penal aplicável, situando-se a pena concreta aplicada pela prática de cada um de dois crimes de abuso sexual de crianças sensivelmente no ponto intermédio entre ¼ e ½ da moldura penal aplicável, situando-se a pena concreta aplicada pela prática de cada um de dois crimes de abuso sexual de crianças na forma tentada ligeiramente abaixo de ¼ da moldura penal aplicável, e situando-se a pena concreta aplicada pela prática de cada um de três crimes de importunação sexual ligeiramente acima de ¾ da moldura penal aplicável – mostrando-se plenamente justificada a agravação comparativa desta pena, dada a elevada ilicitude da conduta –, entendemos serem estas penas necessárias, adequadas e proporcionais, mostrando-se, outrossim, plenamente suportadas pela medida da culpa do arguido, nada lhes havendo a censurar.
b. A dissensão do arguido quanto à medida concreta da pena única de prisão – 6 anos – que lhe foi imposta pela 1ª instância, pretendendo – conclusões 27 a 30 – que a pena única seja fixada em 3 anos e 6 meses de prisão, sob pena de violação do princípio constitucional da presunção de inocência, assegurado pelo art. 32º, nº 2 da Lei fundamental, remete-nos para a questão da determinação da pena no caso de concurso de crimes.
O art. 77º do C. Penal, com a epígrafe «Regras da punição do concurso», dispõe na 1ª parte do seu nº 1 que, [q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.
Pressuposto da aplicação da pena única é, pois, a prática pelo agente de uma pluralidade de crimes constitutiva de um concurso efectivo – real ou ideal, homogéneo ou heterogéneo –, antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, distinguindo este elemento temporal os casos de concurso dos casos de reincidência.
Verificado este pressuposto, há lugar à aplicação do critério especial de determinação da medida da pena previsto no nº 2 do art. 77º do C. Penal, nos termos do qual, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limites mínimos a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Deste modo, a lei afastou o sistema da acumulação material de penas, optando pela instituição de um sistema de pena conjunta, resultante de um princípio de cúmulo jurídico (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas/Editorial Notícias, pág. 283 e seguintes e Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 2013, Coimbra Editora, pág. 56 e seguintes).
O procedimento a observar na determinação da medida concreta da pena única obedece a um determinado iter. Assim:
- Em primeiro lugar, há que determinar a medida concreta da pena de cada crime que integra o concurso, de acordo com o critério geral previsto no art. 71º do C. Penal;
- Depois, há que fixar a moldura penal do concurso, nos termos previstos no nº 2 do art.77º do C. Penal;
- Em terceiro lugar, há que determinar a medida concreta da pena conjunta, dentro dos limites da moldura penal aplicável ao concurso, em função dos critérios gerais da determinação da medida da pena – culpa e prevenção – fixados no art. 71º do C. Penal, e do critério especial previsto no art. 77º, nº 1, parte final do mesmo código, portanto, a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente;
- A derradeira tarefa – podendo ser eventual – traduz-se na substituição da pena conjunta por pena de substituição, de acordo com o critério geral de escolha da pena, previsto no art. 70º do C. Penal, quando disso seja caso.
A ponderação conjunta dos factos e da personalidade do agente, enquanto factor preponderante do critério especial de determinação da pena conjunta, recomenda sucinta explicação.
Podemos dizer que o conjunto dos factos indicará a gravidade do ilícito global praticado – sendo particularmente relevante, para a sua fixação, a conexão existente entre os factos integrantes do concurso –, enquanto a avaliação da personalidade unitária do agente permitirá aferir se o conjunto dos factos integra uma tendência desvaliosa ou se, pelo contrário, apenas traduz uma pluriocasionalidade sem origem na personalidade, sendo que, só no primeiro caso, o concurso de crimes deverá ter um efeito agravante. Neste âmbito é igualmente importante a análise do efeito previsível da pena sobre a conduta futura do agente (Figueiredo Dias, op. cit., pág. 290 e seguintes).
Em síntese, como se pode ler no acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Fevereiro de 2013 (processo nº 455/08.5GDPTM, in www.dgsi.pt), «[f]undamental na formação da pena do concurso é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse espaço de vida com a personalidade.».
Dito isto.
O arguido foi condenado pela 1ª instância numa pena de 2 anos de prisão, por crime de coacção sexual agravado, em três penas de 9 meses de prisão, por outros tantos crimes de importunação sexual, em duas penas de 3 anos e 6 meses de prisão, por outros tantos crimes de abuso sexual de crianças, e em duas penas de 6 meses de prisão, por outros tantos crimes de abuso sexual de crianças na forma tentada.
A moldura penal abstracta aplicável ao concurso de crimes (art. 77º, nº 2 do C. Penal) é pois, a de 3 anos e 6 meses de prisão a 12 anos e 3 meses de prisão.
Tendo como horizonte o que deixámos dito em a., que antecede, quanto ao circunstancialismo agravante e atenuante e quanto a exigências de prevenção geral e especial, atento o critério previsto na segunda parte do nº 1 do art. 77º do C. Penal, no que à gravidade do ilícito global concerne, porque nos encontramos diante de crimes de natureza sexual, cometidos contra menores, de três distintas espécies mas com maior frequência do crime de abuso sexual de crianças, alguns deles com contacto físico entre agressor e vítimas, com similares modos de abordagem e aproveitamento, e com relativa proximidade temporal, temos como evidente uma conexão próxima entre todos os ilícitos típicos, apontando, no seu conjunto, para uma ilicitude global de grau médio/elevado.
No que à personalidade unitária do arguido respeita, a pluralidade de ofendidas, a repetição, em alguns casos, da conduta, o aproveitamento da relação de proximidade quanto a duas das vítimas e a não assunção da culpa apontam, conforme já referido, para traços de uma personalidade mal formada, desvaliosa, contrária ao direito e claramente virada para a satisfação de ‘interesses’ imediatos próprios.
Em todo o caso, não pode afirmar-se, com a certeza necessária, estarmos já perante uma carreira criminosa com raiz nestes traços de personalidade, razão pela qual, não deve o concurso funcionar como factor agravante na determinação da pena conjunta.
Assim, atenta a moldura penal abstracta aplicável, considerando a gravidade do ilícito global e a personalidade unitária do arguido nos termos que se deixaram referidos, a pena de 6 anos de prisão fixada pelo acórdão recorrido, até porque situada ligeiramente acima de ¼ daquela moldura, mostra-se necessária, adequada, proporcionada e plenamente suportada pela medida da culpa do arguido, não se descortinando, portanto, razões para a pretendida intervenção correctiva deste Supremo Tribunal na medida concreta da pena única que, por isso, deve ser mantida.
Diga-se, por último, que a presunção de inocência garantida pelo nº 2 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa não fica, seguramente, afectada pela confirmação da pena única de 6 anos de prisão, decretada pelo tribunal a quo.
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Da substituição da pena única de prisão
3. O fulcro do recurso interposto pelo arguido – conclusão 31 – reside na pretendida substituição da pena única de prisão, pressuposta a sua redução para 3 anos e 6 meses de prisão, pela suspensão da respectiva execução, sem qualquer argumentação suplementar levada ao corpo da motivação.
A manutenção da pena única fixada pela 1ª instância em 6 anos de prisão afasta, inexoravelmente, esta pretensão.
Com efeito, dispõe o art. 50º do C. Penal, no seu nº 1 que, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
São dois, pois, os pressupostos de cuja verificação, faz a lei depender a aplicação desta pena de substituição.
Um, de natureza formal, tem por objecto a medida concreta da pena principal a substituir, que não pode ser superior a cinco anos de prisão.
Outro, de natureza material, traduz-se na necessidade de formulação pelo tribunal, de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as suas condições de vida, as circunstâncias do crime e a sua conduta anterior e posterior a este, a mera censura do facto e a ameaça da prisão darão adequada e suficiente realização às finalidades da punição. Sendo estas finalidades a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na comunidade (art. 40º, nº 1 do C. Penal), são as exigências de prevenção geral e especial o suporte desta pena de substituição.
Mantida a decretada pena de 6 anos de prisão, inverificado se mostra o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, o que determina a improcedência desta pretensão do arguido.
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III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o acórdão recorrido.
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. Processo Penal, art. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).
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(O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94º, nº 2 do C. Processo Penal).
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Lisboa, 15 de Janeiro de 2025
Vasques Osório (Relator)
Jorge Bravo (1º Adjunto)
João Rato (2º Adjunto)