RECURSO
INSTRUÇÃO
DESPACHO DE PRONÚNCIA
IRRECORRIBILIDADE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
EFEITO SUSPENSIVO
DISTRIBUIÇÃO
IRREGULARIDADE
PROCEDÊNCIA
Sumário


I – Podendo ter havido dúvidas quanto à irrecorribilidade da decisão instrutória, quando em causa pronunciamento sobre nulidades, questões prévias e / ou incidentais suscitadas , ao tempo da original redação do artigo 310º, nº 1 do CPPenal  - Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de fevereiro -, é certo que o atual texto normativo, decorrente da Lei nº 48/2007, de 29 de agosto, as dissipou por completo ao expressamente assumir na sua literalidade (…) é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais (…).
II - Nos casos em que as máculas suscitadas se destinam a questionar a própria decisão instrutória, e não já aquelas que foram nela analisadas e, por isso, previamente invocadas, o regime a seguir será na mesma linha da irrecorribilidade pois, a assim não ser, permitir-se-ia, por uma ínvia forma, tornar recorrível o que o legislador de modo claro fixou ser irrecorrível.
III - O efeito suspensivo atribuído a recurso interposto para o Tribunal Constitucional significa, apenas e só, que ficam suspensos os efeitos da concreta decisão no domínio dos respetivos autos onde a mesma foi proferida, mantendo-se a normal marcha processual do processo, ou seja, o percurso processual segue a sua regular tramitação, sustando-se somente as consequências da decisão em dissídio.
IV – A apresentação pelo arguido, de sucessivos requerimentos, em momento posterior à fase de instrução, à prolação de decisão instrutória de pronúncia pelos mesmos factos constantes da acusação pública e à remessa dos autos à distribuição para julgamento, tendo em atenção o disposto no artigo 310º, nº 1 do CPPenal, não permite que se reporte a análise daqueles ao momento da fase instrutória.
V- Entender o contrário é afrontar o claramente prescrito no dito inciso legal e o intento do legislador em matéria de irrecorribilidade da decisão instrutória que pronuncia o arguido pelos factos constantes da acusação deduzida pelo Digno Mº Pº e, bem assim, que essa irrecorribilidade também abrange os vícios da decisão em si mesma, transformando algo que é irrecorrível em recorrível através da utilização de incessantes requerimentos, permitindo-se, por essa forma, que o processo se mantenha ad aeternum numa espécie de limbo (nem em fase de instrução, nem em fase de julgamento) enquanto o arguido assim o entender.
VI - A normação constante do artigo 311º, nº 1 do CPPenal não invalida a possibilidade de em fase de julgamento, o Tribunal se pronunciar sobre todos os incidentes provocados na marcha processual após a fase de instrução culminada com pronúncia seguindo na totalidade a acusação pública e, a sua sequente prossecução.

Texto Integral


Acordam em Conferência na 3ª Secção Criminal


I – Relatório

1. No processo nº 1022/22.6T9VIS.C1, na sequência de despacho de pronúncia no mesmo proferido, imputando ao arguido AA a prática, como autor material, sob a forma consumada, em concurso real e efetivo, de três crimes de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nºs 1, alíneas a) e e) e 2 do CPenal, por despacho proferido em 14 de agosto de 20241, foi ordenada a remessa dos autos à distribuição.

2. Sequentemente, recebidos os mesmos para distribuição em fase de julgamento e para os efeitos do disposto no artigo 311º do CPPenal, a Veneranda Desembargadora – Tribunal da Relação de Coimbra, 4ª Secção - a quem os mesmos foram distribuídos, e por despacho datado de 24 de setembro de 20242, decidiu declarar a (…) irregularidade do processado, declarando-se inválido o ato de remessa à distribuição para julgamento, com a consequente apresentação dos autos à Meritíssima Juiz Desembargadora que presidiu à instrução.

3. Inconformado com o decidido, o Digno Mº Pº junto do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, questionando a decisão prolatada, retirando das suas motivações, as seguintes conclusões: (transcrição)

1 - O arguido foi pronunciado nos presentes autos pela prática de três crimes de violência doméstica agravada, pela prática dos factos constantes da acusação deduzida pelo Ministério Público, após revogação da suspensão provisória do processo anteriormente decretada em fase de instrução.

2 - Confrontado com tal decisão instrutória, o arguido apresentou um requerimento alegando que a mesma enfermaria de diversos lapsos, nulidades e inconstitucionalidades, que foi apreciado, ainda em fase de instrução, por despacho datado de 18-6-2024, sendo então indeferidas todas as pretensões formuladas pelo arguido.

3 - Este último interpôs, então, recurso de tal despacho, o qual não foi admitido, por decisão datada de 12-7-2024, com fundamento no disposto no nº 1 do art. 310º do Código de Processo Penal.

4 - Tendo o arguido interposto reclamação dessa não admissão, que foi já apreciada por esse Supremo Tribunal, sendo indeferida a pretensão do arguido.

5 - Posteriormente, o arguido deu entrada dum novo requerimento, invocando uma suposta nulidade do despacho de não admissão do qual já reclamara, que foi indeferido por despacho datado de 14-8-2024, ainda em fase de instrução.

6 - Sendo nesse mesmo despacho especificamente ordenada a remessa dos autos à distribuição para julgamento.

7 - Uma vez distribuídos os autos aos Desembargadores aos quais competirá proceder ao julgamento dos factos imputados ao arguido, veio este apresentar, em 23-8-2024, três novos requerimentos, todos eles meramente dilatórios, conforme o Ministério Público teve já ocasião de referir nos autos, visando para além do mais uma pretensa impugnação do despacho proferido em 14-8-2024.

8 - Confrontada com tais requerimentos, a Desembargadora designada para presidir ao julgamento do arguido veio a proferir o despacho impugnado no âmbito do presente recurso, no qual considerou ter ocorrido irregularidade da remessa à distribuição dos autos, por a mesma só dever “ter ocorrido depois de esgotados os prazos de recurso/reclamação, arguição de nulidades ou irregularidades”.

9 - Algo que ainda não teria ocorrido, conforme seria demonstrado pela apresentação dos referidos requerimentos do arguido, alegadamente formulados em prazo, bem como pela circunstância de o mesmo arguido ter interposto o já mencionado recurso para o Tribunal Constitucional da decisão desse Supremo Tribunal que indeferiu a reclamação por si deduzida, foi admitido com efeito suspensivo.

10 - É com este despacho, que nem sequer invoca como fundamento da suposta irregularidade por si declarada a violação de qualquer disposição legal, que o Ministério Público não se pode conformar.

11 - Isto na medida em que a circunstância de o arguido, mesmo após terem sido apreciadas as supostas nulidades da decisão instrutória de pronúncia pelos factos constantes da acusação deduzida pelo Ministério Público por si invocadas, mesmo após confirmação pelo Tribunal superior da não admissão do recurso por si interposto do despacho que procedeu a tal apreciação, continuar a impugnar decisões proferidas em fase de instrução através de sucessivas arguições de nulidades ou de outros supostos vícios de despachos proferidos com base em requerimentos por si deduzidos, não poderá impor a apreciação de tais requerimentos nessa fase processual.

12 - Adiando assim, necessariamente, a submissão a julgamento do arguido.

13 - Com evidente violação daquilo que taxativamente dispõe o nº 1 do art. 310º do Código de Processo Penal, ao determinar a “remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento”, após prolação de decisão de pronúncia nos moldes referidos supra.

14 - Não podendo alegar-se que caberá ao Tribunal que proferiu as decisões impugnadas apreciar tais pretensões do arguido, por o carácter taxativo e o inequívoco sentido da referida disposição legal tornarem manifesto o carácter estritamente dilatório de requerimentos como aqueles que têm vindo a ser formulados após apreciação das nulidades da decisão instrutória oportunamente invocadas pelo arguido.

15 - E não podendo também, por isso, tais requerimentos ser processados como se fossem legítimas e adequadas vias de impugnação das decisões proferidas em fase de instrução por si contestadas.

16 – Devendo, em vez disso, considerar-se atribuída ao Tribunal de julgamento a competência para os apreciar, como sucederá quanto a quaisquer outros requerimentos formulados pelo arguido no âmbito da fase processual que se encontra actualmente em curso, por força de expressa imposição legal.

17 - Nem podendo aceitar-se que a mera possibilidade de que venham ainda a ser interpostos e admitidos recursos de constitucionalidade, com eventual efeito suspensivo, de decisões proferidas em fase de instrução, seja de algum modo motivo para considerar que os autos devam permanecer em tal fase, num caso como o dos presentes autos.

18 - Uma vez que o eventual efeito suspensivo do processo de quaisquer recursos que venham a ser interpostos pelo arguido, em moldes que foram certamente previstos pelo legislador, não deverá obstar à “remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento”, no qual deverá aguardar-se a decisão a proferir quanto a tais recursos.

19 - Face ao exposto e ao mais que será suprido por esse Supremo Tribunal, deverá considerar-se ter o despacho ora impugnado violado não apenas a injunção decorrente do nº 1 do art. 310º do Código de Processo Penal, ao considerar irregular uma remessa à distribuição para julgamento efectuada em estrito cumprimento de tal disposição legal, como também o disposto no art. 123º desse mesmo Código, ao declarar a existência duma irregularidade sem qualquer base legal.

20 - Devendo assim ser tal despacho revogado, ordenando-se que os autos prossigam em fase de julgamento, com cumprimento do disposto nos arts. 311º a 312º do Código de Processo Penal.

5. O arguido, em resposta, defende a improcedência do recurso, para o que aponta as seguintes conclusões: (transcrição)

1- Do despacho de 12.07.2024 proferido pela Exma. Juíza de Instrução que não admitiu o recurso interposto pelo arguido no dia 5.07.2024 foi apresentada reclamação ao Exmo. Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que veio a ser indeferida;

2- De tal decisão do Exmo. Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que indeferiu a reclamação apresentada pelo arguido, foi apresentado recurso de constitucionalidade, o qual, foi admitido com efeito suspensivo:

3- Em consequência da admissibilidade do recurso de inconstitucionalidade, não poderá dar-se como definitiva a decisão sobre a dita reclamação apresentada no Supremo Tribunal de Justiça;

4- Assim sendo, a questão da admissibilidade do recurso interposto pelo arguido no dia 5.07.2024 do despacho que indeferiu as invocadas nulidades da decisão instrutória ainda não se encontra decidida;

5- E assim, a decisão instrutória ainda não se consolidou material e processualmente, por os seus efeitos se encontrarem dependentes da admissibilidade ou não do recurso interposto da decisão de indeferiu as nulidades que o arguido suscitou da mesma (decisão instrutória);

6- Caso venha a ser declarada a inconstitucionalidade invocada pelo arguido na dita reclamação, será de admitir o recurso da decisão que indeferiu as nulidades suscitadas da decisão instrutória;

7- Sendo admissível tal recurso, caso este venha a obter procedência, a decisão instrutória será declarada nula;

8- A atribuição de efeitos suspensivos ao recurso de constitucionalidade, por parte do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça tem forçosamente como consequência a suspensão do processo na fase onde se encontra, ou seja, na instrução;

9- O arguido não usa de meios dilatórios, tendo os seus recursos sustentação fáctica e jurídica, o que não acontece com o recurso do Ministério Público;

10- Apesar do o art.0 310.°, n.° 1, do Cod.Proc.Penal, referir "remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento" tal não impede a invocação de nulidades ou inconstitucionalidades da decisão instrutória, as quais, terão de ser apreciadas pelos tribunais competentes;

11- No dia 11.09.2024 o arguido apresentou junto da Sr.ª juíza de instrução um recurso de constitucionalidade normas relativo à decisão instrutória, não tendo até ao momento a sua admissibilidade sido alvo de despacho;

12- Por força do dito recurso, a decisão instrutória ainda não se consolidou material e processualmente, encontrando-se dependente da apreciação das inconstitucionalidades invocadas pelo arguido;

13- Nos termos do art.º 76.°, n.° 1, da Lei do Tribunal Constitucional, caberá à Exma. Sr.ª Juíza de instrução proferir despacho relativamente às inconstitucionalidades suscitadas de decisões pela mesma proferidas, o que ainda não fez;

14- O arguido apresentou ainda um requerimento à Exma. Sr.ª Juíza de instrução a invocar a ocorrência de "questão prejudicial”, sobre o qual a mesma ainda não se pronunciou;

15- Caso venha a ser acolhido o entendimento do arguido pelo Tribunal Constitucional no que às inconstitucionalidades da decisão instrutória concerne, tal faz caso julgado no processo quanto a tal questão, tendo a Exma. Sr.ª Juíza de instrução de reformar a decisão instrutória em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade, como imposto pelo art.0 80.°, da Lei do Tribunal Constitucional;

16- A pretensão do Digno recorrente carece de suporte legal, não podendo por isso ser acolhida;

17- O entendimento de que os art.°s 17.°, 61.°, n.° 1, al. g), 98.°, n.° 1, 307.° a 310.°, do Cód.Proc.Penal, permitem que o juiz de instrução possa deixar de apreciar um recurso de constitucionalidade que foi apresentado pelo arguido relativamente a decisão proferida pelo mesmo (Juiz de Instrução), optando pela remessa dos autos para distribuição, é inconstitucional, por violação dos art.°s 20.°, 32.°, n.° 1 e 52.°, n.° 1, ambos da CR.Portuguesa, o que expressamente se invoca e requerer que seja declarado;

18- 0 despacho recorrido fez a correta (única possível) interpretação dos preceitos legais relativos ao efeito atribuído ao recurso de constitucionalidade, assim como bem interpretou os art.°s 76.° e 80.°, da Lei do Tribunal Constitucional;

19- Além disso, como bem salienta o despacho recorrido, encontrando-se pendentes requerimentos formulados pelo arguido à Exma. Sr.ª Juíza de instrução, caberá à mesma a sua apreciação, por ser a Exma. Sr.ª Juíza materialmente competente para tal;

20- O despacho recorrido mostra-se correto, quer em termos fácticos quer em termos jurídicos, razão por que deverá ser mantido na íntegra.

Por todo o exposto, pugna o arguido pela improcedência do recurso e pela confirmação/manutenção do despacho recorrido.

6. Subidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, emitiu competente parecer, defendendo: (transcrição)3

(…)

Nos autos (tendo-se procedido a consulta eletrónica dos mesmos), ao que interessa4 para o presente recurso:

-- AA foi, por despacho de 27/06/2022 acusado pela prática de 3 crimes de violência doméstica, p. e p. nos termos do art. 152.º, n.º 1, al. a) e al. e) e n.º 2, do Código Penal

--No âmbito da instrução requerida pelo arguido, por despacho proferido em 13/09/2022, foi determinada a suspensão provisória do processo pelo período de 1 ano;

-- Por despacho proferido em 11/02/2024, foi determinado o prosseguimento dos autos face ao incumprimento reiterado das injunções;

-- Em 22/05/2024 foi proferida decisão de pronúncia, mantendo os factos constantes da acusação e a qualificação jurídica então efetuada;

Para o que agora releva, o arguido, face a esta decisão:

A. -- Requereu em 31.05.2024 a retificação de lapsos da decisão e, como referiu, subsidiariamente invocou a existência de nulidades; invocou, ainda, a inconstitucionalidade de algumas normas processuais penais;

B. -- Foi proferida decisão em 18.06.2024, em que se entendeu inexistir qualquer erro, lapso ou nulidade, bem como não tendo ocorrido qualquer violação de preceito legal ou constitucional.

C. -- Da decisão proferida em 18.06.2024 o arguido interpôs recurso para o STJ em 05.07.2024:

D. -- Este recurso foi rejeitado por decisão proferida em 12.07.2024, aí se entendendo ser o despacho irrecorrível, atento o disposto no artº 310º, nº 1, do CPP;

E. -- Desta decisão de 12.07.2024, o arguido veio:

E.1. - Em 25.07.2014, reclamar para o STJ da não admissão do recurso:

- O STJ indeferiu o pedido, por despacho de 02.09.2024;

- Desta decisão interpôs recurso para o Tribunal Constitucional;

- O STJ, por despacho de 12.09.2024:

. Admitiu o recurso para o TC para apreciação da inconstitucionalidade do artigo 310.º do CPP, quando interpretado e aplicado no sentido de que a sua previsão torna irrecorrível o despacho, subsequente à decisão instrutória, na parte relativa a nulidades desse mesmo despacho, invocadas por arguido em sede de recurso. Recurso admitido com efeito suspensivo; e

. Quanto às demais inconstitucionalidades invocadas, a decisão foi no sentido de não competir ao STJ a apreciação das demais questões levantadas.

- O recurso foi remetido para o TC em 13.09.2024, local onde se encontra atualmente.

E.2. - Em 29.07.2024, o arguido veio invocar a nulidade do despacho (de 12.07.2024) por falta de pronúncia acerca da nulidade arguida.

- Por decisão de 14.08.2024 foi indeferido este pedido de declaração de nulidade da decisão de 12.07.2024, entendendo-se pela inexistência de omissão de pronúncia, porquanto:

. não havia sido interposto recurso da decisão instrutória, mas sim do despacho que indeferiu as nulidades da decisão instrutória, recurso este que, a ser admitido (o que não sucedeu, decisão confirmada pelo STJ), nunca teria efeito suspensivo, sob pena de se permitir o eternizar da fase de instrução mediante a invocação de nulidades sucessivas, implicando um bloqueio processual que o legislador quis ultrapassar através da redação do artº 310º do CPP introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29.08; e por

. tendo a pronúncia do arguido sido pelos mesmos factos da acusação, o artº 310º do CPP impõe que o processo seja remetido imediatamente para julgamento, ou seja, logo a seguir à prolação da decisão instrutória, esgotando-se o poder jurisdicional do juiz de instrução, não podendo conhecer as nulidades invocadas pelo arguido do despacho que indeferiu as nulidades do despacho que não admitiu o recurso do despacho que indeferiu as nulidades da própria decisão instrutória.

E daqui que tenha determinado a remessa para julgamento.

Sendo o processo remetido em 19.08.2024 à distribuição pela Secção Central do Tribunal da Relação, sendo distribuído à 4ª Secção e à Senhora Desembargadora que veio a proferir o despacho recorrido.

F. Em 26.08.2024, o arguido AA, relativamente ao despacho de 14.08.2024:

i. - Apresentou reclamação para o STJ da não admissão do recurso;

ii. - Formulou pedido de suspensão dos autos até à decisão a ser tomada no âmbito de recurso que interpôs do despacho que revogou a suspensão provisória do processo; e

iii. - Interpôs recurso.

G. Em 24.09.2024 foi proferido o despacho ora recorrido.

- Neste despacho a Senhora magistrada judicial do Tribunal da Relação de Coimbra – titular do processo na fase de julgamento (sendo que o processo para ali havia sido remetido na sequência do despacho atrás referenciado em E.2.) - declarou a invalidade do processado consubstanciado na remessa dos autos à distribuição para julgamento, que só deveria ter ocorrido depois de esgotados os prazos de recurso/reclamação, arguição de nulidades ou irregularidades, determinando, a fim de ser sanada a irregularidade que entendeu como existente, a apresentação dos autos à Meritíssima Juiz Desembargadora que presidiu à instrução, entendendo dever ser esta a decidir acerca dos requerimentos atrás mencionados em F..

…..

Foi deste despacho que o Ministério Público interpôs o presente recurso.

Para além de referir que o despacho recorrido «nem sequer invoca como fundamento da suposta irregularidade por si declarada a violação de qualquer disposição legal (certamente por a mesma não ter ocorrido)», entende que «considerar que a circunstância de o arguido, mesmo após terem sido apreciadas as supostas nulidades da decisão instrutória de pronúncia pelos factos constantes da acusação deduzida pelo Ministério Público por si arguidas, mesmo após confirmação pelo Tribunal superior da não admissão do recurso por si interposto do despacho que procedeu a tal apreciação, continuar a impugnar decisões proferidas em fase de instrução através de sucessivas arguições de nulidades ou de outros supostos vícios de despachos proferidos com base em requerimentos por si deduzidos, poderá impor a apreciação de tais requerimentos nessa mesma fase processual, adiando assim a submissão a julgamento desse mesmo arguido, implicará uma evidente violação daquilo que taxativamente dispõe o nº 1 do art. 310º do Código de Processo Penal, ao determinar a “remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento” após prolação de tal decisão de pronúncia.»

Ou seja, o que está aqui em causa acaba por ser apenas saber-se «até quando» deve manter-se em fase de instrução um processo no qual se tenha verificado a prolação de despacho de pronúncia, quando este – como foi o caso – pronunciou o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público.

Na opinião da Senhora juiz Desembargadora da fase de julgamento, esta fase só se poderá iniciar quando todas as questões levantadas a propósito da pronúncia e decisões posteriores ao levantar dessas questões estejam ‘resolvidas’.

Na opinião do Ministério Público recorrente, tendo-se verificado pronúncia, há que seguir de imediato o processo para julgamento, aí se resolvendo essas (eventuais) questões que possam surgir.

Na resposta ao recurso, o arguido vem alegar que a decisão instrutória ainda não se consolidou material e processualmente, por os seus efeitos se encontrarem dependentes da admissibilidade ou não do recurso interposto da decisão de indeferiu as nulidades que o arguido suscitou da mesma (decisão instrutória), porquanto, a ser declarada a inconstitucionalidade invocada na reclamação, será de admitir o recurso da decisão que indeferiu as nulidades suscitadas da decisão instrutória.

Refere neste sentido que o Exmº Senhor Vice-Presidente do STJ admitiu com efeito suspensivo o recurso por si interposto para o Tribunal Constitucional da decisão em que havia sido indeferido a reclamação da não admissão do recurso da decisão que, por sua vez, havia apresentado de nulidades da decisão instrutória.


É nosso parecer que o recurso deverá ser julgado procedente, nos moldes pedidos pelo Ministério Público.

Na verdade, sempre salvo o devido respeito por opinião contrária:

I.

Desde logo, há quer reconhecer que a decisão recorrida é, efetivamente, omissa em termos de explicitar qual, concretamente, a irregularidade que pretende sanar, ao «devolver» o processo à fase de instrução, pois que – mesmo a entender-se que essa irregularidade consistiria na falta de decisão por parte da Senhora Juiz de Instrução relativamente a requerimentos do arguido que se lhe eram dirigidos – essa falta de decisão não importaria necessariamente o ‘regresso’ do processo à fase anterior.

(Levando o caso ao extremo: Imagine-se que surgia no processo, na fase de julgamento, um requerimento dirigido ao Ministério Público: nunca se entenderia, certamente, que o processo deveria regressar à fase de inquérito… Ou mesmo um recurso extemporâneo da fase de instrução, dirigido ao juiz de instrução: também nunca se entenderia que o processo teria, apenas por isso, de regressar à fase anterior…).

É que, a circunstância de um dado requerimento se mostrar dirigido a entidade que não assume já o poder decisório não leva senão a que tal requerimento seja encaminhado, então, para a entidade competente, nos moldes referidos no artº 41º do Código de Procedimento Administrativo.

Ou seja, não pode ser o requerente a «fixar» a competência da entidade para a qual dirige o requerimento, muito menos – como é o caso dos autos – a alterar a fase em que o processo se encontra, levando ao retrocesso à fase anterior.

II.

Para além disto, certo é que nem se verifica a necessidade de ser a magistrada da fase de instrução a pronunciar-se acerca do que foi requerido pelo arguido, ou melhor, não se verifica qualquer incompetência da Senhora magistrada titular da fase de julgamento para tal pronúncia: estamos perante requerimentos que o arguido formula quando o processo se encontrava já em fase de julgamento (note-se que o processo foi remetido em 19.08.2024 à distribuição para julgamento, tendo os requerimentos do arguido sido recebidos já depois dessa data, concretamente, por correio eletrónico, no dia 21.08.2024), podendo/devendo a magistrada da fase de julgamento acerca dos mesmos pronunciar-se.

Isto porque – para se poder falar em irregularidade de conhecimento oficioso (e note-se que nem o arguido, nem a assistente, nem o Ministério Público invocaram tal vício) como sucedeu – imprescindível é que (como resulta do nº 4 do artº 123º do CPP) tal suposta irregularidade seja de molde a poder «afetar o valor do ato praticado».

Ora, qual o ato em questão? Qual a ato irregular praticado? Não nos parece que exista, pois que não era exigível que a magistrada de instrução pudesse pressupor que o arguido fosse levantar todas as questões que levantou acerca do seu despacho anteriormente proferido, numa atividade processual que – isso é óbvio – pretende (e tem conseguido) «empatar» o andamento do processo, visando impedir o julgamento.

III.

Mais – como entender que a apreciação acerca dos pedidos formulados pelo arguido nos requerimentos datados de 21.08.2024, quando o processo se encontrava já na fase de julgamento – a ser efetuada pela magistrada titular da fase de julgamento, iria «afetar o valor do ato praticado»? É que, a ser o proferir de despacho acerca de tais requerimentos em nada se vê como poderia afetar qualquer ato em concreto: por exemplo, nada obstaria que o arguido voltasse a, como é expectável, tentar atrasar o andamento processual através da apresentação de novos requerimentos…

Curioso é até verificar que o próprio arguido, num dos requerimentos que apresentou em 26.08.2024, quase se conforma com a remessa do processo para a fase de julgamento, não invocando qualquer irregularidade: o que faz é uma tentativa de suster o andamento do processo na fase de julgamento, quando refere que (ponto 9) «Assim, caso Vª Exª venha entender que a pendência de reclamação e de recurso e que o direito do arguido recorrer para o Tribunal Constitucional não obstam à remessa dos autos para a distribuição, sempre os presentes autos deverão ser suspensos até a prolação de decisão final no recurso interposto do despacho que revogou a suspensão provisória do processo, por esta constituir causa prejudicial para os presentes autos, nos termos sobreditos, o que expressamente se requer».

IV.

Daqui que, sendo obviamente este pedido dirigido à magistrada que preside à fase de julgamento (obviamente que não poderia ser a magistrada de instrução a suspender o andamento do processo na fase que não titula), nem sequer assiste razão ao despacho recorrido quando neste a sua autora se entende como incompetente para apreciar os pedidos formulados pelo arguido: concretamente este era-lhe dirigido e competir-lhe-á, sem qualquer margem para dúvidas, pronunciar-se acerca de tal pedido de suspensão.

V.

Ou seja – e aqui chegamos àquilo que acaba por ser a questão central – num caso de o juiz de instrução pronunciar em moldes idênticos aos da acusação formulada pelo Ministério Público, a lei é clara ao referir – artº 310º - que o processo é de imediato remetido para a julgamento. E isto porque, a haver decisão naqueles moldes, a mesma é, como refere o mesmo preceito (nº 1, igualmente) irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias e incidentais.

Mesmo no caso da existência de provas proibidas, a lei faz incumbir ao tribunal competente para o julgamento a apreciação dessa questão, sendo então – mas só então, já em fase de julgamento – recorrível o despacho que se pronunciar acerca dessa matéria.

E isto porque foi intenção do legislador acelerar o processo penal de modo que não ficasse «preso» na fase de instrução e seus recursos, retardando com isso a submissão do arguido a julgamento e dando aso, como tem ocorrido não raras vezes – e, muitas vezes, em processos tratando de situações de elevada gravidade -, a que o arguido não seja julgado em prazo razoável, como determina o n.º 4 do artigo 20.º da Constituição («Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo») e, por outra banda, é exigido pela sociedade que já bem conhece o princípio de que a justiça deve ser rápida, sob pena de deixar de ser justiça. Nesse sentido foi clara a alteração ao preceito introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29.08, que alargou a irrecorribilidade, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais (fazendo, inclusivamente, caducar a jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão nº 6/2000).

Ora, no caso dos autos, sendo irrecorrível a decisão instrutória, o processo teria de ser – como acabou por ser – imediatamente remetida para a fase de julgamento em obediência ao disposto no artº 310º do CPP.

A circunstância de o arguido claramente pretender atrasar o andamento do processo não pode justificar o incumprimento daquele preceito.

Muito menos se deve ajudá-lo a alcançar esse seu objetivo, como acabou por fazer o despacho recorrido.

Basta ver que, a entender-se como ali se entende e o MºPº recorrente aponta, acaba por se deixar nas mãos do arguido a escolha do momento em que admite ser julgado ou, até, conseguir arrastar o processo até à prescrição: pense-se que qualquer despacho poderá levar o arguido a levantar múltiplas questões, tecendo uma teia infindável de arguição de nulidades, de recursos, de reclamações, etc., tudo em oposição ao espírito da lei.

E nem se diga que a circunstância de, em sede de admissão de (parte do) recurso para o Tribunal Constitucional o Exmº Senhor Vice-Presidente deste STJ ter fixado efeito suspensivo (despacho de 12.09.2024) implica – omo pretende o arguido – que não se mostre ‘fixada’ a decisão instrutória, por o processo se encontrar suspenso. É que, sendo verdade que aquele magistrado determinou o efeito suspensivo para o recurso, esta suspensão não se pode referir ao processo, mas sim ao despacho de não admissão do recurso. Tal como quando ali refere que o recurso para o Tribunal Constitucional é “a processar nos próprios autos”, não significa mais do que é processado naquele apenso, não no processo principal.

Na verdade, para ter efeitos suspensivos, seria necessário que se estivesse perante recurso da decisão instrutória – só por aqui, por aplicação do disposto no artº 408º ,nº 1, al. b), do CPP, conjugado com o nº 1 do artº 78º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional – é que se poderia concluir no sentido do efeito suspensivo do processo. Sucede que o recurso em questão não foi da decisão instrutória, mas sim de nulidades da instrução, pelo que a suspensão apenas se pode reportar à decisão quanto àquela questão, não ao processo.

…..

-- Assim sendo, é parecer do Ministério Público que o recurso deverá ser julgado procedente, determinando-se a revogação do despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que, mantendo o processo em fase de julgamento, para além de apreciar todos os requerimentos existentes nos autos e acerca dos quais ainda não foi proferida decisão, dê cumprimento aos demais atos previstos nos artºs 311º-A e seguintes, do Código de Processo Penal.

Em resposta ao Parecer acima referido veio o arguido dar (…) notícia da interposição de recurso de constitucionalidade (…) no dia 11.09.2024, de decisões proferidas pela Exma. Juíza Desembargadora, com funções de juíza de instrução (…)5.

7. Efetuado o exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1.Questões a decidir

Face ao disposto no artigo 412º do CPPenal, considerando a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de outubro de 19956, bem como a doutrina dominante7, o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo da ponderação de questões de conhecimento oficioso que possam emergir8.

Isto posto, e vistas as conclusões do instrumento recursivo do Digno Mº Pº, e os poderes de cognição deste tribunal, sempre considerando que o tribunal de recurso deve observar uma ordem de apreciação preclusiva das questões que se suscitem, importa apreciar e decidir:

- dimensão do efeito suspensivo fixado relativamente ao recurso interposto para o Tribunal Constitucional da decisão proferida por este STJ em 2 de setembro de 2024 – Referência Citius ....63;

- competência para pronunciamento relativamente aos requerimentos do arguido de 23 de agosto de 2024 – Referências Citius ....40, ....41 e ....42;

- da existência, ou não, de irregularidade na remessa dos autos à distribuição para julgamento e, na afirmativa, quais as consequências a retirar.

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido, e no que concerne ao que aqui se discute, decidiu nos seguintes termos: (transcrição)

Remetidos os presentes autos a julgamento, cumpre apreciar, nos termos do disposto no artigo 311º nº1 do Código de Processo Penal, a seguinte questão prévia consubstanciada na irregularidade da remessa dos autos à distribuição.

Por despacho proferido no âmbito da instrução (após prolação do despacho de pronúncia) datado de 14-08-2024 [referência......42] foi ordenada a remessa dos autos à distribuição.

Em 19-08-2024 [referência....58] os autos foram remetidos à distribuição.

Porém, em nosso entender, intempestivamente.

Importa ter presente o seguinte processado:

1. – Em 22-05-2024 [referência ......07] foi proferido nos autos despacho pela Exma. Senhora Juiz Desembargadora que presidiu à instrução.

No âmbito de tal despacho foram conhecidas e julgadas improcedentes nulidades, conhecidas outras questões como as relativas à apensação de processos e eventual falsidade de declarações e, a final, pronunciado o arguido AA nos seguintes termos (transcrição):

«Pelo exposto, para ser julgado em Processo Comum e com intervenção do Tribunal Colectivo, decide-se pronunciar o arguido:

AA, nascido a ...-...-1972, em ..., filho de BB e CC, com morada para efeito de notificação (TIR) no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Central Cível – juiz 2, Palácio da Justiça, ....

Pelos factos narrados na acusação para os quais se remete e que por economia se dão por integralmente reproduzidos, imputando-lhe, a prática, como autor material, sob a forma consumada, em concurso real e efectivo, de três crimes de violência doméstica, previstos e punidos pelo artigo 152º, n.º 1, alíneas a) e), e nº 2 do Código Penal.»

2. - Em 31-05-2024 [referência....75], deu entrada requerimento apresentado pelo Arguido, no qual o mesmo requer a retificação de lapso cometido naquele despacho e argui nulidades, concretamente, as previstas no artigo 120º nº2 alínea d) do CPP; nulidade de omissão de pronúncia sobre as provas requeridas pelo arguido; nulidade de omissão de pronúncia sobre a invocação de violação de preceitos constitucionais e nulidade por falta de fundamentação.

3. – Em 18-06-2024 [referência......91] foi proferido despacho a conhecer do requerimento mencionado em 2., terminando com a seguinte decisão (transcrição):

«III – Decisão

Do que precede se conclui que a instrução foi realizada com observância de todo o formalismo legal e constitucional; a decisão instrutória não contém qualquer erro, lapso, nulidade que importa ser corrigido ou sanado, nem foram violados quaisquer preceitos constitucionais, indeferindo-se, por isso a rectificação e reclamação de nulidades apresentada pelo arguido.

Notifique.»

4. - Em 03-07-2024 [referência....98] deu entrada requerimento de interposição de recurso do despacho mencionado em 3., recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.

5. - Em 12-07-2024 [referência......23] foi proferido despacho que não admitiu aquele recurso, despacho que termina pela seguinte forma: “Por todo o exposto, rejeito o recurso interposto pelo arguido da decisão de 18 de junho de 2024”.

O Arguido reclamou para o STJ deste despacho (requerimento datado de 25-07-2024, referência....12), nos termos do disposto no artigo 405º do CPP, reclamação que foi processada por apenso e remetida ao STJ, tendo este Alto Tribunal já dado conhecimento a estes autos, por ofício datado de 02-09-2024, do teor da decisão proferida nessa mesma data [referência......69] e que é a seguinte (transcrição):

«III - Decisão:

8. Pelo exposto, indefere-se a reclamação, deduzida pelo arguido AA.

Custas pelo reclamante fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.

Notifique-se.»

Notificado de tal decisão, o arguido interpôs junto do STJ recurso para o Tribunal Constitucional e, datada de 12-09-2024 (com comunicação do respetivo teor a este Tribunal da Relação por ofício com a referência ....63) foi proferida decisão pelo STJ do seguinte teor (transcrição):

«Cumpre decidir:

1. Admite-se o recurso interposto para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, para apreciação da inconstitucionalidade do artigo 310.º do CPP - deduzida em h).

A processar nos próprios autos, com efeito suspensivo.» (sublinhado nosso)

6. - Datado de 29-07-2024 [referência ....46] o arguido deu entrada de novo requerimento visando o despacho de rejeição do recurso mencionado em 5., considerando que, nele não conheceu o Tribunal das nulidades e inconstitucionalidades por si invocadas, visando o despacho datado de 18-06-2024. Do mesmo passo invoca a inconstitucionalidade dos preceitos contidos nos artigos 97º nº5 e 310º nº1 do CPP, na interpretação que considera que dos mesmos foi feita no despacho mencionado em 5., na parte em que, alegadamente, não se pronunciou sobre a questão da recorribilidade do despacho de 18.06.2024, na parte relativa à invocada nulidade, por omissão de pronuncia.

7. - Com data de 14-08-2024 [referência......42] foi proferido despacho com o seguinte teor (transcrição):

«I - Requer o arguido seja declarada a nulidade do despacho que rejeitou o recurso por si interposto em 5 de julho de 2024, tendo por objecto a decisão proferida em 18 de junho de 2024.

Para tanto, alega que arguiu perante esta Relação a nulidade do referido despacho.

Manifestamente sem razão.

Com efeito,

Não corresponde à verdade processual que o arguido tenha reclamado nesta instância das nulidades do despacho datado de 18 de junho.

A alínea A), sob a epígrafe “Da nulidade por omissão de pronúncia” faz parte integrante da “Motivação” (pontos 1 a 16) e das Conclusões (n.ºs 1 a 9) do requerimento de interposição do recurso do mencionado despacho, destinando-se a demonstrar aos “Exmos. Srs. Juízes Conselheiros” (a quem o requerimento é dirigido) as nulidades apontadas ao despacho recorrido.

É o que resulta claramente do texto da peça recursiva, em especial dos pontos n.ºs 6 a 11 e 13 a 16, da Motivação e n.ºs 6 a 9 das Conclusões, na referência expressa ao Tribunal “a quo”, o que proferiu a decisão recorrida.

Ou seja, as questões suscitadas na primeira alínea da Motivação (A), respeitantes à nulidade por omissão de pronúncia, foram invocadas no Recurso apresentado pelo arguido a 5 de julho de 2024 para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo dele parte integrante, não configurando a arguição de nulidades do despacho de 18 de junho de 2024 perante o Tribunal recorrido.

Interposto o recurso, havia que cumprir o disposto no artigo 414.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, o que foi feito, com a prolação do despacho liminar de rejeição de recurso, o de 12 de julho de 2024, ora reclamado.

Deste modo, a questão das nulidades invocadas pelo arguido no ponto A) da Motivação do Recurso, não consubstancia questão que este tribunal deva conhecer, nem implica a prática de acto obrigatório, não tendo sido cometida qualquer nulidade por omissão de pronúncia, por omissão da prática de acto obrigatório, por falta de fundamentação ou qualquer outra causa invocada pelo arguido na Reclamação.

Estes argumentos e decisão aplicam-se mutatis mutandis à alegada omissão da inconstitucionalidade (ponto 21 da Reclamação), uma vez que, também ela, foi suscitada no âmbito do mesmo recurso (pontos 17 da Motivação e Conclusão n.º 10) e não invocada neste Tribunal da Relação.

Nestes termos e porque nenhuma nulidade se vislumbra no despacho de 12 de julho de 2024, indefere-se a Reclamação do arguido

Notifique.

II – Remeta os autos à distribuição.»

8. - Como mencionado supra, em cumprimento deste despacho, os autos foram remetidos à distribuição em 19-08-2024.

9. - Com data de 23-08-2024 (após a remessa dos autos à distribuição), o arguido deu entrada nos autos de três requerimentos, a saber:

- Referência ....40

Deste requerimento, dirigido ao Exmo. Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o arguido fez constar, entre o mais, o seguinte (transcrição):

«(…) notificado que foi da decisão proferida nestes autos no dia 14-08-2024, que considerou não ter ocorrido nulidade, por omissão de pronúncia, no despacho proferido no dia 12-07-2024, que não admitiu o recurso por si interposto da decisão de 18-06-2024, consolidando, desta forma, tal decisão de 12-07-2024 de rejeição do recurso interposto, vem, nos termos do artigo 405º do Código de Processo Penal, reclamar da mesma (…) Por todo o exposto, requer a V. EXª, Exmº. Sr. Juiz Conselheiro, que, julgando a presente reclamação procedente, (sublinhado nosso) revogue a decisão reclamada e, em consequência, determine a admissão do recurso oportunamente interposto pelo reclamante no que concerne à nulidade da decisão proferida em 18-06-2024.»

- Referência ....41

Requerimento dirigido à Meritíssima Juiz Desembargadora que presidiu à instrução e em que, em síntese, alega o seguinte:

a) que não se mostram decididas as questões suscitadas em sede de reclamação e de recurso pelo que, a fase de instrução não se encontra encerrada, não devendo, por isso, antes de tais decisões, serem os autos remetidos à distribuição;

b) que caso a sua posição em sede de reclamação não venha a ser acolhida pretende exercer o seu direito de recorrer para o Tribunal Constitucional (que terá efeito suspensivo) para o que se mostra imprescindível a prolação de decisão final sobre aquelas questões suscitadas em sede de reclamação e de recurso, não devendo os autos ser remetidos à distribuição antes que se mostre esgotado o prazo de recurso para o Tribunal Constitucional;

c) que não se mostra, ainda, decidido o recurso interposto da decisão que revogou a suspensão provisória do processo, o que constitui causa prejudicial paca aos presentes autos de instrução, nos termos do disposto no art.º 272º nº1 do CPC, ex vi artº 4º do CPP.

- Referência ....42

O arguido vem interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, intenção que enuncia nos seguintes termos (transcrição):

«(…) notificado da decisão de 14-08-2024, vem da mesma interpor recurso, nos termos dos artºs 399º, 401º nº1 alínea b), 407º nº1, 410º nºs 1, 2 als. A), b) e c) e nº3, todos do Código de Processo Penal, o qual sobe imediatamente e em separado (…)»

10. - O Exmo. Senhor Procurador-geral Adjunto, em face dos requerimentos mencionados em 9., veio promover o seguinte (transcrição):

«E-mail com a referência ....40 (Fls. 2129 a 2138):

Examinado o requerimento junto pelo arguido através do mail supra, verifica-se que este pretenderá reclamar, ao abrigo do disposto no art. 405º do Código de Processo Penal, do despacho proferido em 14-8-2024 – despacho este que indeferiu a nulidade invocada pelo arguido, por suposta omissão de pronúncia no despacho proferido em 12-7-2024, que não admitiu recurso por si interposto .

Isto, tanto quanto se percebe a argumentação do arguido, por tal despacho de 14-8-2024 ter “consolidado” o anteriormente proferido, dando-lhe assim a oportunidade de vir deduzir nova reclamação, para o STJ, dum despacho de não admissão de recurso do qual o arguido oportunamente reclamou (tendo até sido já proferida decisão por aquele Supremo Tribunal, indeferindo a reclamação deduzida, conforme consta do expediente, entretanto junto aos autos).

Perante tal pretensão do arguido, parece-nos ser manifesta a respectiva inadmissibilidade, não podendo certamente um despacho que não admite um recurso ser objecto de arguição de nulidade, como forma de adiar a dedução de reclamação para o Tribunal Superior (tal como o arguido sem dúvida saberá, daí que tenha atempadamente reclamado de tal despacho); muito menos se tal arguição de nulidade for usada como expediente apto a permitir a dedução de nova reclamação do mesmo despacho, na qual o arguido tenha oportunidade de aduzir argumentos que não quis ou não soube utilizar anteriormente.

Estamos assim apenas, salvo melhor opinião, perante mais um dos expedientes de carácter meramente dilatório a que o arguido já nos vem habituando, não devendo ser admitida a “reclamação” agora formulada.

Porém, sendo tal reclamação dirigida ao Sr. Presidente do STJ, parece-nos dever a mesma ser enviada a tal Supremo Tribunal, para aí ser apreciada. (sublinhado nosso)

*

E-mail com a referência ....41 (Fls. 2139 a 2141):

Examinado este requerimento, verifica-se vir no mesmo o arguido pedir que o presente processo seja suspenso, `não sendo assim dado início à actual fase de julgamento.

Para sustentar esta sua pretensão, o arguido argumenta que as questões relativas à fase de instrução não estarão ainda decididas, pese embora não tenha sido admitido o recurso por si interposto do despacho (sendo até sua intenção, se bem se percebe, interpor recursos a tal respeito para o Tribunal Constitucional, com efeito alegadamente suspensivo); mais referindo que, em qualquer caso, a pendência do recurso por si interposto do despacho datado de 11-2-2024, que revogou a suspensão provisória do processo anteriormente decretada, constituiria “causa prejudicial”, susceptível de justificar a suspensão do processo até tal recurso ser decidido.

Como é bom de ver, não existe qualquer fundamento legal, nem o arguido o invoca, para sustentar esta pretensão do arguido.

Quanto aos incidentes que o arguido suscitou e, aparentemente, irá continuar a suscitar, na sequência da prolação do irrecorrível despacho de pronúncia exarado nos autos, nada se oferece dizer, por não ter qualquer fundamento a sua pretensão de suspensão da tramitação dos autos na presente fase de julgamento.

Quanto ao recurso pendente no STJ, é certo que da decisão a proferir quanto ao mesmo dependerá a possibilidade de que o julgamento a realizar venha a produzir os seus normais efeitos.

Porém, tendo tal recurso sido admitido com efeito meramente devolutivo, não pode a respectiva pendência servir para justificar, sem qualquer base legal , qualquer atraso na tramitação dum processo urgente como os presentes autos, muito menos a sua suspensão na actual fase de julgamento.

Isto sem prejuízo, naturalmente, das consequências eventualmente decorrentes de outros expedientes a que o arguido possa vir a recorrer para atrasar tal tramitação, nomeadamente através da interposição de recursos com efeito suspensivo para o Tribunal Constitucional.

Deverá assim ser necessariamente indeferida, segundo nos parece, esta pretensão do arguido.

*

E-mail com a referência ....42 (Fls. 2142 a 2151):

Por fim, vem o arguido interpor recurso para o STJ da mesma decisão, datada de 14-8-2024, da qual veio igualmente “reclamar”, nos termos já referidos supra.

Assim, até por maioria de razão, deverá considerar-se que o recurso agora interposto, tal como o interposto do despacho proferido em 18-6-2024, visa mais uma vez tentar contornar o disposto no nº 1 do art. 310º do Código de Processo Penal – continuando o arguido a procurar impugnar, por via do novo recurso agora interposto, a decisão a seu tempo proferida quanto às questões por si suscitadas antes da respectiva pronúncia e até mesmo esta última, proferida pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, em termos que se afiguram claramente contrários ao espírito e teleologia das limitações ao recurso do despacho de pronúncia que decorrem da actual redacção do referido nº 1 do art. 310º do Código de Processo Penal.

Não deverá, por isso, segundo nos parece, ser admitido o recurso interposto pelo arguido, tal como o não foi o anteriormente interposto.»

Os autos foram-nos apresentados e afigura-se-nos que, efetivamente, os requerimentos mencionados em 9., deveriam ter sido apreciados antes de os autos serem remetidos à distribuição, por ser em sede de Instrução que os mesmos devem ser conhecidos.

Existe, pois, irregularidade do processado que acarreta, em nosso entender, a invalidade do processado subsequente, isto é, da distribuição.

Vejamos.

No caso que nos ocupa, afigura-se-nos ocorrer irregularidade do processado consubstanciada no facto de os autos terem sido remetidos à distribuição de forma intempestiva, pois que cabia, antes disso aguardar o decurso dos prazos de que o Arguido dispunha para reagir ao despacho proferido em 14-08-2024.

O despacho proferido em 14-08-2024 é um despacho que foi notificado aos intervenientes processuais e, não sendo um despacho de mero expediente destinado, apenas a disciplinar a tramitação processual ou a regular os termos do processo [artigo 400º nº1 alínea a) do CPP, conjugado com o artigo 156º do CPC] nem uma decisão que ordena atos dependentes da livre resolução do Tribunal [proferida no uso legal de um poder discricionário - artigo 400º nº1 alínea b) do CPP], após a sua notificação, os autos deveriam ter aguardado o decurso dos prazos de reação contra o mesmo. Concretamente, os prazos de recurso ou de arguição de nulidades ou irregularidades.

Se tal recurso ou requerimentos de arguição de nulidades ou irregularidades são admitidos/rejeitados ou procedentes/improcedentes, é algo que é apreciado posteriormente, o que não pode é, antes do decurso de tais prazos de reação por parte de quem tem legitimidade para reagir, remeterem-se os autos à distribuição para julgamento.

Este processado anómalo deu origem a que os prazos em causa continuassem a correr quando os autos já tinham sido distribuídos e só por essa razão os requerimentos foram apresentados nesta fase quando, atento o respetivo conteúdo, é manifesto que se dirigem a um processo que, se o processado tivesse sido regular, se encontraria, ainda, na fase de instrução.

Na verdade, apresentado que foi recurso da decisão datada de 14-8-2024 [referência ....42], cabia, ainda em sede de instrução, porque é à decisão ali proferida que o mesmo recurso se reporta, proferir despacho nos termos do disposto no artigo 414º do Código de Processo Penal, o que não ocorreu.

Por outro lado, apresentada que foi reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça [referência ....40], também relativa a despacho prolatado no âmbito da instrução, entendemos, como entende o Exmo. Senhor Procurador-geral Adjunto que a mesma não pode deixar de ser “enviada a tal Supremo Tribunal, para aí ser apreciada”.

Tal tramitação deve, salvo melhor opinião, ser ordenada pelo Juiz de Instrução, pois que dirigida a despacho por si prolatado.

Finalmente, o requerimento com a referência ....41, independentemente do acerto/desacerto dos seus fundamentos, vem dirigido à Meritíssima Juiz Desembargadora que presidiu à instrução e, deveria ter sido objeto de decisão nessa fase.

Poderá, como afirma o Exmo. Senhor Procurador-geral Adjunto, detetar-se em todos estes requerimentos dirigidos aos autos pelo arguido um intuito meramente dilatório, o que resulta, de alguma forma da sua prolixidade e aparente redundância.

Não obstante, não nos cabe fazer esse juízo e a verdade é que estamos perante uma tríplice omissão de decisão sobre requerimentos formulados em sede de instrução (ou pelo menos em prazos que estavam em curso a favor do arguido nessa fase), o que acarreta a irregularidade do processado constituído pela remessa dos autos à distribuição.

É indubitável, pois, que, em virtude da prematura remessa dos autos à distribuição, foram omitidos atos, mormente os relativos ao processamento do recurso interposto (despacho nos termos do disposto no artigo 414º do CPP) e da reclamação apresentada (tramitação nos termos do disposto no artigo 405º do CPP), cabendo averiguar quais as consequências de tal omissão.

Estabelece o artigo 118º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Princípio da Legalidade”:

“1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.

2 - Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.

3 - As disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova.”

Resulta do dispositivo legal transcrito que os “erros” processuais só se traduzem em nulidades nos casos expressamente previstos na lei e que, excluindo os casos de inexistência do ato processual (objeto de ampla discussão por parte da Doutrina), todos os restantes constituem irregularidades.

Como, de forma lapidar, refere João Conde Correia “O legislador optou, assim, por um modelo misto, que procura conciliar as vantagens dos sistemas de numerus clausus com os benefícios dos sistemas de numerus apertus. Por um lado, enumerando taxativamente os vícios considerados mais graves para os interesses em jogo, denominados nulidades insanáveis e nulidades dependentes de arguição; por outro lado, consagrando uma clásula geral, com caráter subsidiário, aplicável aos casos menos graves (João Conde Correia, 1999, p.146). Sempre que o ato não for nulo, será – ainda que a sua invalidade não esteja, expressamente, prevista na lei – pelo menos irregular (nº2); em casos extremos, poderá ainda, segundo a generalidade da doutrina e da jurisprudência nacionais, ser inexistente …”

No caso dos autos, percorridos os artigos 119º e 120º do Código de processo Penal, onde estão enumeradas as nulidades, verificamos que não faz parte do elenco legal a omissão do despacho a que alude o artigo 414º do Código de Processo Penal nem a omissão da tramitação da reclamação.

Assim, porque de omissão de ato previsto na lei de processo se trata, estamos em presença de uma irregularidade.

Aqui chegados, cabe chamar à colação o regime das irregularidades previsto no artigo 123º do Código de Processo Penal:

“Irregularidades

1 - Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.

2 - Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado.”

Resulta da disposição legal transcrita que o ato irregular nem sempre determina a sua invalidade. Tal só ocorre quando o desvio à regra processual prevista para um dado procedimento, assume gravidade tal que afeta o seu valor.

Tudo depende da importância dos interesses que o procedimento estabelecido visa garantir ou acautelar e da sua relevância com vista à obtenção de uma decisão justa do ponto de vista processual, a qual, como se sabe tem no processo o seu garante fundamental.

“Será necessário procurar, de forma casuística, na regulamentação estabelecida pelo legislador para cada um dos atos processuais qual a função desempenhada por um determinado elemento: se esse elemento for essencial o ato é inválido; se for útil, o ato, apesar de imperfeito, não é inválido ”.

Regressando ao caso dos autos.

O despacho de admissão ou rejeição do recurso é um elemento no iter processual do mesmo, absolutamente fundamental.

Dele depende se o recurso é admitido, ou não, tendo uma e outra decisão consequências diversas despoletando todo um conjunto de procedimentos relacionados com o exercício do contraditório ou de reações (eventual reclamação) também elas, fundamentais no que tange ao destino do mesmo recurso.

Quanto à tramitação de reclamação apresentada nos termos do disposto no artigo 405º do Código de Processo Penal, verifica-se situação semelhante, pois que, da mesma depende a remessa ao Tribunal Superior e posteriores consequências em que avulta uma eventual admissão do recurso.

Portanto, parece-nos indubitável que se trata de omissões de um elemento essencial que afeta a validade do processado subsequente.

Trata-se, pois de uma irregularidade, a qual, nos termos do mesmo preceito, deve ser arguida pelo interessado, isto é, pelo sujeito processual em benefício do qual a formalidade processual omitida foi estabelecida ou pelo Ministério Público enquanto garante da legalidade nos termos do disposto no artigo 219º nº1 da Constituição da República Portuguesa e artigo 4º nº1 alínea j) do Estatuto do Ministério Público.

Em todo o caso, também o juiz pode, independentemente de arguição, ordenar a reparação de uma irregularidade quando ela puder afetar o valor do ato praticado (nº2).

Como assinalámos supra, a irregularidade que nos ocupa afeta a tramitação processual traduzida na remessa dos autos à distribuição que foi manifestamente intempestiva.

Não se trata, parece-nos, de uma situação em que o juiz não poderia sobrepor-se à vontade dos interessados (por estes aceitarem o ato tal qual ele foi praticado, não terem arguido a irregularidade e aceitarem a sua sanação como consequência) pois que, como se referiu supra, a irregularidade foi assinalada pelo Ministério Público junto deste Tribunal da Relação e o próprio arguido se insurge contra a remessa dos autos à distribuição no momento em que o foi, o que, independentemente da tempestividade de tal arguição (e é tempestiva), sempre traduz uma posição inequívoca de oposição à sanação do ato por parte de um dos interessados com legitimidade para a arguir .

Finalmente, cabe averiguar quais são as consequências da declaração da assinalada irregularidade processual.

Decorre do nº1 do artigo 123º do Código de Processo Penal que, declarada a irregularidade, com a consequente invalidade do ato e dos termos subsequentes que a mesma afete, o ato processual omitido ou defeituoso deve ser levado a efeito ou levado a efeito de forma a cumprir o previsto na lei de processo, com o que se obtém a reparação/sanação da irregularidade.

“Uma vez declarado inválido, o ato irregular deverá ser, se possível, devidamente reparado (Paulo Pinto de Albuquerque, 2007, p.322). Como qualquer outra invalidade, a declaração da irregularidade e a consequente destruição do processado deverá ordenar, sempre que possível e necessário, a repetição do ato irregular, assim repondo integralmente a legalidade processual penal (art.2º). Só não será assim, insistimos, se aquela não for possível (terminou o prazo perentório previsto para a prática do ato ou passou a oportunidade processual) ou necessária (o desenvolvimento do processo mostra a sua inutilidade …”

No caso dos autos, impõem-se a declaração de invalidade do processado consubstanciado na remessa dos autos à distribuição para julgamento, que só deveria ter ocorrido depois de esgotados os prazos de recurso/reclamação, arguição de nulidades ou irregularidades.

A prolação de despacho relativo aos requerimentos apresentados pelo arguido é possível e necessária, como pensamos ter demonstrado supra, pelo que, se impõe.

Uma nota final para dizer que, não é despiciendo considerar, também, prematura a remessa à distribuição quando é certo que, foi recebido recurso para o Tribunal Constitucional ao qual o STJ fixou efeito suspensivo.

Atento tudo o exposto, declara-se a irregularidade do processado, declarando-se inválido o ato de remessa à distribuição para julgamento, com a consequente apresentação dos autos à Meritíssima Juiz Desembargadora que presidiu à instrução.

Notifique.

2.2. Thema Decidendum

Em ponto prévio cumpre notar que todas as questões aqui em discussão se mostram intimamente relacionadas com a decisão instrutória de pronúncia, proferida nos autos principais onde, albergando, na sua totalidade, a factualidade vertida na acusação deduzida pelo Digno Mº Pº, o arguido se mostra pronunciado pela prática9, em autoria material e sob a forma consumada, de três crimes de violência doméstica agravada, p. e p. pelo artigo 152º, nºs 1, alíneas a) e) e 2 do CPenal, figurando como ofendidos o ex-cônjuge, DD, e os dois filhos menores filhos de ambos.

Mais exulta, de todo o processado, que o arguido, após a sua pronúncia vem suscitando os mais variados incidentes, todos eles, direta ou indiretamente10, visando atacar o decidido em 22 de maio de 2024, ou seja, reagir contra decisão instrutória que o pronunciou pelos factos constantes do libelo acusatório do Mº Pº, olvidando que aquela, mesmo na parte em que são apreciadas nulidades e outras questões prévias ou incidentais, é irrecorrível11 – artigo 310º, nº 1 do CPPenal.

Olhando a este quadro, ao que se pensa, e antes de enfrentar os pontos recursivamente trazidos, importa notar que se dúvidas existiam quanto à irrecorribilidade da decisão instrutória, quando em causa pronunciamento sobre nulidades, questões prévias e / ou incidentais suscitadas12, ao tempo da original redação do preceito atrás citado13 - Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de fevereiro -, crê-se que o atual texto normativo, decorrente da Lei nº 48/2007, de 29 de agosto, as dissipou por completo ao expressamente assumir na sua literalidade (…) é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais (…).

Por seu turno, e nos casos em que as máculas suscitadas se destinam a questionar a própria decisão instrutória, e não já aquelas que foram nela analisadas e, por isso, previamente invocadas, ao que se pensa, o regime a seguir será na mesma linha da irrecorribilidade.

Na verdade, a assim não ser, permitir-se-ia, por uma ínvia forma, tornar recorrível o que o legislador de modo claro fixou ser irrecorrível14.

Acalentando estes considerandos, importa assim, olhar às questões concretas em análise.

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a - Dimensão do efeito suspensivo fixado relativamente ao recurso interposto para o Tribunal Constitucional da decisão proferida por este STJ em 2 de setembro de 2024

Tal como se extrai de todo o processado, o recurso em causa visa questionar o decidido por este STJ nos autos com o nº 1022/22.6T9VIS.C1-C.S1, ou seja, em autos de Apenso, onde se indeferiu uma reclamação intentada pelo arguido, na sequência da não admissibilidade de recurso que aquele interpôs de decisão prolatada pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que considerou que (…) a decisão instrutória não contém qualquer erro, lapso, nulidade que importe ser corrigido ou sanado, nem foram violados quaisquer preceitos constitucionais, indeferindo-se, por isso a rectificação e reclamação de nulidades apresentada pelo arguido15.

Neste segmento, a decisão recorrida, em jeito breve remata (…) Uma nota final para dizer que, não é despiciendo considerar, também, prematura a remessa à distribuição quando é certo que, foi recebido recurso para o Tribunal Constitucional ao qual o STJ fixou efeito suspensivo.

Importa desde logo referir que, tanto quanto se pensa, o efeito suspensivo atribuído ao recurso interposto para o Tribunal Constitucional significa, apenas e só, que ficam suspensos os efeitos da concreta decisão no domínio dos respetivos autos onde a mesma foi proferida, mantendo-se a normal marcha processual dos autos, ou seja, o percurso processual segue a sua regular tramitação, sustando-se somente as consequências da decisão em dissídio16.

Ora, como exulta do exame dos autos, o despacho que fixou o efeito suspensivo do recurso interposto pelo arguido para o Tribunal Constitucional, tendo em atenção todo o seu contexto, apenas abrangeu a suspensão dos efeitos da decisão recorrida – indeferimento de reclamação -, e não do processo, estando única e exclusivamente patente o chamado efeito suspensivo da decisão e não o efeito suspensivo do processo17.

E, assim sendo, não pode daí retirar-se, como parece intuir-se do despacho recorrido, que os autos principais terão que aguardar o desfecho do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, o qual, como já se disse, respeita, somente, a decisão proferida em Apenso que, indeferiu reclamação apresentada pelo arguido relativamente a despacho que não admitiu um recurso por aquele interposto, quanto a decisão que, como atrás se anunciou, é irrecorrível.

Seguir a linha do entendimento transposto no despacho em sindicância, neste matiz, é no fundo considerar recorrível algo que o legislador claramente definiu não ser e, por outro lado, permitir, como se vem exaustivamente fazendo nestes autos, a utilização dos mais diversos expedientes para protelar o curso normal da marcha processual.

Faceando, crê-se inexistir qualquer fundamento, neste ponto, que sustente o despacho recorrido.

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b - Prosseguindo, atente-se ao caminho traçado no despacho revidendo quanto às questões respeitantes aos requerimentos trazidos pelo arguido, com a Referências Citius ....40, ....41 e ....41, o que ocorreu em 26 de agosto de 2024 (os três requerimentos), sendo que por despacho de 14 de agosto de 2024 havia sido determinada a remessa dos autos à distribuição para julgamento, o que ocorreu em 19 de agosto, e que os autos, nessa sequência, foram distribuídos em 20 de agosto de 2024.

Como imediatamente se denota, os requerimentos em causa - reclamar do despacho que não admitiu o recurso interposto da decisão proferida em 18 de junho de 202418 (…) a decisão instrutória não contém qualquer erro, lapso, nulidade que importe ser corrigido ou sanado, nem foram violados quaisquer preceitos constitucionais (…), questionar o facto de os autos serem remetidos à distribuição para a fase de julgamento, existindo pendentes um recurso e reclamação19 e recurso do despacho proferido em 14 de agosto de 202420 (…) porque nenhuma nulidade se vislumbra no despacho de 12 de julho de 2024 indefere-se a reclamação do arguido - grosso modo, destinam-se a atingir a decisão instrutória de pronúncia.

Por outra banda, e em termos gerais, defende-se na decisão em ponderação que (…) deveriam ter sido apreciados antes de os autos serem remetidos à distribuição, por ser em sede de Instrução que os mesmos devem ser conhecidos (…) Existe (…) irregularidade do processado que acarreta, em nosso entender, a invalidade do processado subsequente, isto é, da distribuição (…) afigura-se-nos ocorrer irregularidade do processado consubstanciada no facto de os autos terem sido remetidos à distribuição de forma intempestiva, pois que cabia, antes disso aguardar o decurso dos prazos de que o Arguido dispunha para reagir ao despacho proferido em 14-08-2024 (…) é um despacho que foi notificado aos intervenientes processuais e, não sendo um despacho de mero expediente destinado, apenas a disciplinar a tramitação processual ou a regular os termos do processo [artigo 400º nº1 alínea a) do CPP, conjugado com o artigo 156º do CPC] nem uma decisão que ordena atos dependentes da livre resolução do Tribunal [proferida no uso legal de um poder discricionário - artigo 400º nº1 alínea b) do CPP], após a sua notificação, os autos deveriam ter aguardado o decurso dos prazos de reação contra o mesmo. Concretamente, os prazos de recurso ou de arguição de nulidades ou irregularidades (…) tal recurso ou requerimentos de arguição de nulidades ou irregularidades são admitidos/rejeitados ou procedentes/improcedentes, é algo que é apreciado posteriormente, o que não pode é, antes do decurso de tais prazos de reação por parte de quem tem legitimidade para reagir, remeterem-se os autos à distribuição para julgamento.

Em pronto passo, ao que se pensa, o trajeto argumentativo transposto no decidido, parece arredar que o despacho em que se suporta, foi proferido em 14 de agosto de 2024, a remessa dos autos à distribuição para a fase de julgamento operou em 19 de agosto de 2024, a distribuição dos mesmos em 20 de agosto de 2024 e que os requerimentos em causa, apesar de datados de 23 de agosto, deram entrada no Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, em 26 de agosto de 2024, ou seja, em momento posterior à fase de instrução e que, por isso, a juiz de instrução os mesmos desconhecia.

Por seu turno, também transparece, crê-se, o caminho encetado pelo despacho recorrido, não cuidou de seguir o limpidamente prescrito no artigo 310º, nº 1 do CPPenal, nem o intento do legislador, em matéria de irrecorribilidade da decisão instrutória que pronuncia o arguido pelos factos constantes da acusação deduzida pelo Digno Mº Pº e, bem assim, que essa irrecorribilidade também abrange os vícios da decisão em si mesma, como, por exemplo, a omissão de pronúncia ou a sua falta de fundamentação, bem como a decisão do juiz de instrução que posteriormente venha a pronunciar-se sobre eles, após a respetiva arguição.

Na verdade, determinando a lei como o faz no citado inciso, e sendo óbvio o objetivo do legislador neste particular conspecto, mormente com a redação advinda da Lei nº 48/2007, de 29 de agosto, de limitar a interposição de recursos interlocutórios, promovendo a celeridade processual e impedir expedientes dilatórios21, reportar o exame / análise de petitórios ao momento da fase instrutória, embora sendo os mesmos muito posteriores ao encerramento dessa fase processual pode potenciar o uso de mecanismos que por via indireta torpedeiam os ditos intentos legiferantes.

Ora, in casu, utilizando-se os mais variados expedientes processuais, na verdade, o que se intenta com os sucessivos petitórios apresentados, e como dos mesmos claramente extravasa, é atacar a decisão instrutória que, como por diversas vezes se afirmou é irrecorrível e, por isso, perfeitamente sedimentada, havendo que os autos prosseguir para a fase posterior, a fase de julgamento.

Alinhar no entendimento pugnado na decisão revidenda, para além de significar que algo que é irrecorrível passa a ser recorrível através da utilização de incessantes requerimentos ora a arguir nulidades, ora a reclamar, permitirá que o processo se mantenha ad aeternum numa espécie de limbo (nem em fase de instrução, nem em fase de julgamento) enquanto o arguido assim o entender fazer pois, trazendo novos e consecutivos requerimentos os mesmos serão necessariamente apreciados e, sequentemente à apreciação, se não for a contento daquele, haverá reclamações e / ou recursos que, na tese do despacho em exame, não possibilitarão a prossecução dos autos nos seus termos normais e cristalinamente definidos na lei.

Opina-se, em suporte do decidido, que os ditos articulados trazidos pelo arguido já depois de ordenada remessa dos autos à distribuição, deviam ser analisados e decididos ainda na fase de instrução, não já, na fase de julgamento.

Salvo melhor e mais avisada opinião, não se descortina em que normativo se ancorou o despacho em questão – nenhum se invoca -, sendo que atentando ao estatuído no artigo 311º, nº 1 do CPPenal, não está impedido o Tribunal de julgamento de apreciar as vicissitudes aduzidas pelo arguido naqueles petitórios, antes o devendo e podendo fazer.

Na verdade, tendo o Tribunal de julgamento sido pronto a ponderar uma alegada irregularidade que não foi invocada – nem sequer pelo arguido ao tomar conhecimento da remessa dos autos à distribuição -, tanto quanto se crê, igualmente não está impedido de se debruçar sobre as questões veiculadas nos articulados em questão já que, reiterando, foram juntos aos autos depois da sua distribuição em fase de julgamento e, por seu turno, com a prolação de decisão instrutória que acalentando na totalidade a acusação proferida pelo Digno Mº Pº, está absolutamente firmada e terminada a fase de instrução.

Efetivamente, na esteira do defendido pelo Digno Mº Pº junto deste STJ, sufragar o percurso seguido no despacho em dissídio, (…) falta de decisão por parte da Senhora Juiz de Instrução relativamente a requerimentos do arguido que se lhe eram dirigidos – essa falta de decisão não importaria necessariamente o ‘regresso’ do processo à fase anterior. (…) Levando o caso ao extremo: Imagine-se que surgia no processo, na fase de julgamento, um requerimento dirigido ao Ministério Público: nunca se entenderia, certamente, que o processo deveria regressar à fase de inquérito… Ou mesmo um recurso extemporâneo da fase de instrução, dirigido ao juiz de instrução: também nunca se entenderia que o processo teria, apenas por isso, de regressar à fase anterior…).

A normação constante do artigo 311º, nº 1 do CPPenal, tanto quanto se entende, não invalida a possibilidade de em fase de julgamento, o Tribunal se pronunciar por todos estes incidentes provocados na marcha processual e, a sua sequente prossecução.

Com efeito, no que tange a questões prévias ou incidentais que possam obstar ao julgamento do mérito da causa, pese embora o preceito não as enuncie / indique, ao que se vem entendendo, são todas aquelas exceções processuais e as de natureza substantiva ou mista, cujo efeito se traduz em fazer terminar o processo ou que impeçam o julgamento do processo no tribunal onde o mesmo foi distribuído22 e, nessa senda, cotejando os articulados em causa, ao que se pensa, não emerge dos mesmos envergadura bastante e suficiente que encerre a dita noção / ideia de que possam, por alguma forma fazer terminar o processo e / ou impedir o julgamento no tribunal onde foi distribuído.

Reitera-se, toda a panóplia do requerido pelo arguido por via de petitórios juntos aos autos em momento posterior ao seu envio para distribuição em fase de julgamento, não é mais do que consecutivas tentativas de tornar recorrível o que não o é, e adiar a fase processual de julgamento.

Elucidativo de tal, é o requerimento com a Referência Citius .....41, em que o arguido, aceitando / admitindo (…) que a pendência de reclamação e de recurso e que o direito do arguido recorrer para o Tribunal Constitucional não obstam à remessa dos autos para a distribuição (…) os presentes autos deverão ser suspensos até à prolação de decisão final (…).

Acresce que, a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação pública, nos termos do preceito que se vem referindo, sempre implica que a apreciação pelo JIC de nulidades e questões prévias ou incidentais não faz caso julgado formal no processo, havendo sempre a possibilidade de o tribunal de julgamento vir a reapreciar tais questões, com sindicância pelo tribunal superior, por via do recurso da respetiva decisão23.

Deste modo se conclui pela possibilidade de o Tribunal de julgamento tomar posição a respeito dos requerimentos em causa.

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c – De alguma forma interligado com a questão anteriormente ponderada, considere-se a aventada irregularidade na remessa dos autos à distribuição para julgamento.

Opina-se no despacho revidendo (…) ocorrer irregularidade do processado consubstanciada no facto de os autos terem sido remetidos à distribuição de forma intempestiva, pois que cabia, antes disso aguardar o decurso dos prazos de que o Arguido dispunha para reagir ao despacho proferido em 14-08-2024 (…) é um despacho que foi notificado aos intervenientes processuais e, não sendo um despacho de mero expediente destinado, apenas a disciplinar a tramitação processual ou a regular os termos do processo [artigo 400º nº1 alínea a) do CPP, conjugado com o artigo 156º do CPC] nem uma decisão que ordena atos dependentes da livre resolução do Tribunal [proferida no uso legal de um poder discricionário - artigo 400º nº1 alínea b) do CPP], após a sua notificação, os autos deveriam ter aguardado o decurso dos prazos de reação contra o mesmo. Concretamente, os prazos de recurso ou de arguição de nulidades ou irregularidades.

Ora, salvo melhor e mais avisada opinião, o despacho proferido em 14 de agosto de 2024, tendo-se debruçado sobre questões já anteriormente objeto de pronunciamento, todas elas que única e exclusivamente tentam, por forma indireta, atacar a decisão instrutória proferida que é irrecorrível, não impõe que se aguarde qualquer prazo para que se ordene a remessa dos autos à distribuição em fase de julgamento.

Na realidade, tendo sido proferida em 22 de maio de 2024 decisão instrutória de pronúncia24, nos precisos termos constantes da acusação pública, tendo o arguido suscitado a existência de lapsos e de nulidades daquela decisão em requerimento de 31 de maio de 202425, o qual foi objeto de decisão de indeferimento em 18 de junho de 202426, decidido este que levou à interposição de recurso para este STJ em 3 de julho de 202427, o qual não foi admitido por despacho de 12 de julho de 202428, o que determinou a interposição de uma reclamação para o STJ, em 25 de julho de 2024, por banda do arguido29, a qual foi indeferida por decisão de 2 de setembro de 202430, conduzindo a que o arguido apresentasse recurso para o Tribunal Constitucional, admitido por despacho de 12 de setembro de 2024, tendo sempre presente a irrecorribilidade da decisão prolatada a coberto do estatuído no artigo 310º, nº 1 do CPPenal, ao que se entende, estão esgotados todos os expedientes para intervenção e decisão, ainda em fase de instrução.

E, assim sendo, a constância de requerimentos tendo por único fito suscitar sequentes decisões que, no entender do arguido, permitem reagir reclamando, recorrendo, suscitar incidentes anómalos e totalmente estranhos à marcha processual normal, sem qualquer acalento legal, não podem conduzir a que se defenda, ao que se pensa, que há que aguardar sucessivos prazos de reação, até ao momento em que o arguido decida nada mais peticionar e, nessa medida, definir o rumo da marcha processual.

Como já se disse por diversas vezes, a decisão instrutória proferida está perfeitamente sedimentada e fixada, ao que se segue, necessária e inquestionavelmente a fase de julgamento.

E, neste desiderato, não se descortina a verificação de qualquer irregularidade, a qual, nem sequer foi aduzida pelo arguido. E muito menos uma mácula tal que afete o valor do ato praticado que, no caso, tanto quanto se retira de todo o decidido, se resume à remessa dos autos à distribuição, consequência normal e advinda, do encerramento da fase de instrução com decisão instrutória de pronúncia pelos mesmos factos narrados no libelo acusatório produzido pelo Digno Mº Pº.

Faceando, crê-se que será de proceder o recurso interposto pelo Digno Mº Pº, e revogar o despacho em revisão, o qual deverá ser substituído por outro que tomando posição sobre os requerimentos do arguido com as Referências Citius ....40, ....41 e ....42, prossiga com os autos, dando cabal cumprimento ao disposto no artigo 311º e seguintes do CPPenal.

III - Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em:

a. Conceder provimento ao recurso interposto pelo Digno Mº Pº;

b. Revogar a decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra – 4ª Secção - e ordenar que a mesma seja substituída por outra que, tomando posição sobre os requerimentos apresentados pelo arguido – Referências Citius ....40, ....41 e ....42 -, prossiga com os autos, dando cabal cumprimento ao disposto no artigo 311º e seguintes do CPPenal.

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Sem tributação.

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O Acórdão foi processado em computador e elaborado e revisto integralmente pelo Relator (artigo 94º, nº 2, do CPPenal), sendo assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

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Supremo Tribunal de Justiça, 15 de janeiro de 2025

Carlos de Campos Lobo (Relator)

Horácio Correia Pinto (1º Adjunto)

Jorge Raposo (2º Adjunto)

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1. Referência Citius ......42.

2. Referência Citius ......17.

3. Consigna-se que apenas se transcrevem as partes do texto que não constituem a reprodução dos diversos articulados existentes e já referidos no Relatório e, bem assim, excertos do Despacho em sindicância que, em momento oportuno, e se necessário, se referirão.↩︎

4. Não cuidamos aqui de aprofundar referência a outros aspetos/incidentes processuais, como o recurso da decisão que revogou a suspensão provisória do processo, o suscitado incidente de impedimento da Senhora Desembargadora, ou mesmo as queixas-crime apresentadas contra esta e uma outra magistrada judicial, por serem questões sem direta influência no caso a analisar.

  Tão pouco se referencia aqui o ocorrido no processo principal após a prolação do despacho recorrido, ao que resulta dos elementos que são acessíveis no processo informático, nomeadamente o facto de o processo ter sido remetido, antes do trânsito em julgado daquele despacho, levando à prolação de novo despacho acerca de qual a fase em que se encontrará o processo e o subsequente novo recurso deste despacho interposto pelo arguido, em fase inicial de tramitação no Tribunal da Relação.

5. Referência Citius .......6, que aqui se reproduz.

6. Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

7. SILVA, Germano Marques da, Direito Processual Penal Português, vol. 3, 2015, Universidade Católica Editora, p.335; SIMAS SANTOS, Manuel e LEAL-HENRIQUES, Manuel, Recursos Penais, 8ª edição, 2011, Rei dos Livros, p.113.

8. Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do STJ, de 12/09/2007, proferido no Processo nº 07P2583, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria, disponível em www.dgsi.pt.

9. Referência Citius ......07.

10. Faça-se notar que o arguido também interpôs recurso do despacho proferido, em 11 de fevereiro de 2024, nos autos principais, que decidiu revogar a suspensão provisória do processo, decretada por despacho de 12 de setembro de 2024, o qual objeto de apreciação neste STJ, foi julgado improcedente por Acórdão proferido em 28 de novembro de 2024 – Referência Citius ......66 -, sendo que notificado do mesmo, por requerimento de 12 de dezembro de 2024 – Referência Citius ......36 -, vem arguir nulidades e inconstitucionalidades que terão sido cometidas no aresto em causa – Processo nº 1022/22.6T9VIS-B.S1.

11. Sublinhado nosso.

12. Acórdão do STJ nº 7/2004, de 21/10/2004, proferido no âmbito do Recurso nº 3668/2003 - Sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da acusação do Ministério Público – e Assento nº 6/2000, de 19/01/2000 - A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais.

13. Artigo 310.º

  (Recurso da decisão instrutória)

  A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é irrecorrível e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento.

  2 - É recorrível o despacho que indeferir a arguição da nulidade cominada no artigo anterior.

14. Neste sentido o acórdão do Tribunal Constitucional nº 482/2014, de 25/06/2014, proferido no Processo nº 663/2023 – (…) o Tribunal Constitucional, em jurisprudência constante, tem considerado constitucionalmente admissível, por não configurar uma restrição desproporcionada do direito ao recurso em processo penal, que o legislador, em benefício da celeridade processual, determine a irrecorribilidade do despacho que pronuncia o arguido pelos mesmos factos constantes da acusação, bem como a irrecorribilidade da decisão instrutória na parte em que decide questões prévias ou incidentais àquele despacho (de pronúncia). Na base dessa jurisprudência constante está o pressuposto de que a natureza meramente provisória do juízo de imputação de factos suscetíveis de integraram a prática de crime que resulta da decisão instrutória de pronúncia permite que qualquer vício ou nulidade que a afete possa sempre ser ainda devidamente conhecido na fase subsequente de julgamento, concretamente em dois momentos: na sentença que vier a ser proferida após o encerramento da audiência de julgamento ou em sede de recurso a interpor da sentença seja desfavorável ao arguido (…) em coerência, não pode deixar de se entender que o mesmo raciocínio se aplicará à irrecorribilidade do despacho que decida a arguição de vícios (v.g., nulidades) que afetem especificamente a decisão instrutória, designadamente na parte em que decida a arguição de nulidade da decisão instrutória por omissão do dever de pronúncia ou por falta de concretização dos factos imputados ao arguido (…) Decidir o contrário seria, afinal, permitir, por via indireta, a recorribilidade de uma decisão cuja irrecorribilidade resulta claramente da lei, solução que tem sido constantemente confirmada pelo Tribunal Constitucional como conforme à Constituição.

  Também, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Volume II, 5ª edição atualizada, 2023, Universidade Católica Editora, p. 238.

  Ainda, GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS; Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Comentário Judiciário de Código de Processo Penal, Tomo III Artigos 191º a 310º, 2ª Edição, 2022, Almedina, p. 1353 – (…) a irrecorribilidade (…) estende-se, por identidade de razões, à decisão do JI subsequente à prolação da pronúncia e que conheça de vícios que a afetem. Como a omissão de pronúncia ou a não concretização dos factos imputados (…).

15. Referência Citius ......91.

16. Neste sentido, GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS; Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Comentário Judiciário de Código de Processo Penal, Tomo V Artigos 399º a 524º, 2024, Almedina, p. 171.

17. Neste sentido, GASPAR, António Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dois Santos, COSTA, Eduardo Maia, OLIVEIRA MENDES, António Jorge de, MADEIRA, António Pereira, GRAÇA, António Pires Henriques da, Código de Processo Penal, Comentado, 2016, 2ª edição revista. Almedina, p. 1259.

18. Requerimento com a Referência Citius ....40.

19. Requerimento com a Referência Citius ....41.

20. Requerimento com a Referência Citius ....42.

21. Neste sentido, RIBEIRO, Vinício A. P., Código de Processo Penal Notas e Comentários, 2020, 3ª edição, Quid Juris, Sociedade Editora, p. 684.

22. Neste sentido, GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS; Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Comentário Judiciário de Código de Processo Penal, Tomo IV Artigos 311º a 398º, 2022, Almedina, p. 42.

23. Neste sentido, GASPAR, António Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dois Santos, COSTA, Eduardo Maia, OLIVEIRA MENDES, António Jorge de, MADEIRA, António Pereira, GRAÇA, António Pires Henriques da, ibidem, p. 986 – A nova solução legal, embora recusando o direito de recurso, não agrava a posição processual do arguido (…) a decisão sobre nulidades e questões prévias e incidentais não faz caso julgado formal no processo, podendo o tribunal de julgamento reapreciar tais questões (…).

24. Referência Citius ......07.

25. Referência Citius ....75.

26. Referência Citius ......91.

27. Referência Citius ....98.

28. Referência Citius ......23.

29. Referência Citius ....12.

30. Referência Citius ......69.