I – Os recursos, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial apenas podem ter como objeto questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com aspetos novos, salvo aqueles que sejam de conhecimento oficioso.
II - A via recursiva não existe para criar e emitir decisões novas sobre questões novas, mas sim impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do Tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o Tribunal a quo no momento em que a proferiu.
III – Invocar que nenhuma pena há a cumprir porque a decisão proferida pelo Estado requisitante ainda não transitou em julgado e que foi interposto recurso dessa mesma decisão, por nenhuma forma, integra qualquer dos fundamentos que poderiam conduzir ao preenchimento de alguma das causas de recusa, quer obrigatória, quer facultativa, enunciadas nos artigos 11º e 12º do RJMDE.
IV - Para se afirmar a verificação de quadro de recusa facultativa de entrega enquadrável na alínea g) do nº 1 do artigo 12º do RJMDE, míster é a verificação cumulativa das exigências expressas nos nº 3 e 4 do citado dispositivo legal e, bem assim, nos artigos 1º, 2º, nºs 1, alínea d) e 2, alínea j), 17º, nº 1, alínea i), § iii, e 26º da Lei nº 158/2015, de 17 de setembro.
V – Ante caso em que o Requerido Recorrente expressamente declara não ter renunciado ao direito de recorrer e que já interpôs recurso da decisão condenatória proferida pelo Tribunal do Estado requisitante, não pode o Estado Português comprometer-se a executar qualquer pena, por força do que se exige na lei para fazer funcionar o artigo 12º, nº 1, alínea g) do RJMDE.
Acordam em Audiência na 3ª Secção (criminal) do Supremo Tribunal de Justiça
I. Relatório
1. Nos presentes autos o Digno Mº Pº junto do Venerando Tribunal da Relação de Évora, invocando o estatuído nos artigos 1º, nº 1, 2º, nºs 1 e 2, alínea e), 3º, 4º, nº 4, 15º, nº 1, 16º nº 1 e 18º, nº 3 da Lei 65/2003, de 23 de agosto (Regime Jurídico do Mandado de Detenção Europeu – RJMDE), promoveu a execução de mandado de detenção europeu – MDE – emitido pelas autoridades judiciárias do Reino da Bélgica, e apresentou para audição AA (doravante Requerido Recorrente) nascido a .../.../2000, em ..., de nacionalidade portuguesa, titular do cartão de cidadão nº .......711, residente, antes de detido, em ....
2. Foi dado cumprimento ao MDE em causa, em 30 de outubro de 2024, por existir uma indicação ao abrigo do artigo 26º do Regulamento (EU) 2018/1862, de 28 de novembro de 20182, no sistema de informação Schengen, de Mandado de Detenção Europeu nº ..........................01..........................01, com vista à sua futura entrega às autoridades judiciárias do Reino da Bélgica, para efeitos de cumprimento da pena de 40 meses de prisão em que foi condenado, em 14 de março de 2024, no âmbito do Processo nº HV27.........22 – 22C…58 – 24 N....82 do Tribunal de Primeira Instância de Língua Neerlandesa de ... pela prática, como autor material, de crimes descritos como de falsificação de documentos autênticos e públicos, cometida por pessoas singulares ou funcionários públicos e oficiais fora do exercício das suas funções, e seu uso; elaboração fraudulenta ou aditamento posterior de acordos, compromissos ou quitações com intenção fraudulenta ou com intenção de prejudicar; falsificação de documentos autênticos e públicos mediante a elaboração fraudulenta ou o aditamento posterior de acordos, disposições, compromissos ou quitações nos documentos, com intenção fraudulenta ou com intenção de prejudicar; utilização do ato ou documento falso, previstos e punidos pelos artigos 66, 69, 193, 196, nºs 1 e 4, 213, 214, 324 bis, 324 ter §1 e 505, nº1.4, do Código Penal Belga.
3. A autoridade judiciária de emissão inclui os crimes em referência na lista de infrações previstas no artigo 2º, nº 2, alíneas a) e i) do RJMDE – participação numa organização criminosa e branqueamento de capitais -, o que dispensa o controlo da dupla incriminação, sendo que à luz do ordenamento jurídico penal português, tais ilícitos mostram-se p. e p. pelos artigos 256°, nº 1 e 3, 368º-A e 299°, todos do CPenal, respetivamente, como crimes de falsificação ou contrafação de documento – pena de 6 meses a 5 anos de prisão -, de branqueamento de capitais – pena de prisão até 12 anos - e de associação criminosa – pena de 1 a 5 anos de prisão.
4. O Requerido Recorrente, na sequência de despacho proferido em 31 de outubro de 20243 foi ouvido nesse mesmo dia4, nos termos do artigo 18º do RJMDE, tendo aquele, então, declarado opor-se à execução do MDE e não renunciar à regra da especialidade5, sendo que igualmente peticionou prazo para deduzir oposição, a coberto do plasmado no artigo 21º do complexo legal que se vem referindo.
5. Em 5 de novembro 2024 foi junta aos autos a tradução para língua portuguesa do MDE emitido pelas autoridades belgas – cf. Referência Citius ....666 – nada tendo sido requerido nessa sequência.
6. Por requerimento de 8 de novembro de 2024, o Requerido Recorrente apresentou a sua oposição7 onde vem essencialmente defender verificar-se a causa de recusa facultativa constante da alínea g), do nº1 do artigo 12º do RJMDE, devendo o Estado Português comprometer-se a executar a pena de 40 meses de prisão que lhe foi imposta pelas autoridades belgas.
7. O Digno Mº Pº junto do Venerando Tribunal da Relação de Évora, respondendo8, veio opinar (…) se solicite à autoridade judiciária de emissão que transmita a sentença condenatória; e verificados que se mostrem os requisitos de que depende o reconhecimento da sentença, se determine a recusa facultativa do MDE, nos termos do disposto no artigo 12.º, n.º1, al. g) da lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, com vista ao cumprimento da pena em que o requerido foi condenado, em Portugal.
8. Em 16 de dezembro de 2024, o Venerando Tribunal da Relação de Évora, em Acórdão proferido, decidiu: (transcrição)
(…) Consentir na entrega, nos termos constantes do mandado emitido, do detido AA, às Justiças do Reino da Bélgica9.
9. Inconformado com este decidido vem o Requerido recorrer, formulando, a final, as seguintes conclusões: (transcrição)
1. Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Évora, nos termos dos artigos 15°, n° 1, 16º, nº 1, e 18º, nº 3, todos da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto, veio promover a execução do mandado de detenção europeu (MDE) emitido contra o aqui recorrente, de nacionalidade portuguesa, nascido no dia ... de ... de 2000, em ..., titular do cartão de cidadão nº ......17, e, detido no dia 30-10-2024, pelas 16.00 horas, em ....
2. Nos termos do disposto no artigo 18º, da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto, o arguido aqui recorrente foi ouvido, tendo declarado não consentir na sua entrega ao Estado requerente e, não renunciar à regra da especialidade.
3. Requerido e concedido o prazo legal, veio o Requerido apresentar a sua oposição ao cumprimento daquele MDE, nos termos que ali constam.
4. O Tribunal recorrido por entender que inexistem motivos de recusa a entrega do Recorrente às Justiças do Reino da Bélgica, indeferiu a pretensão do recorrente.
5. Porém, do Mandado de Detenção Europeu, consta expressamente que o mesmo foi emitido para cumprimento da pena de 40 meses de prisão, a que o Recorrente foi condenado pelas Justiças do Reino de Bélgica, por Sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, de língua neerlandesa, de ... –Vara Correcional, no dia 14 de março de 2024, pela prática de uma serie de crimes,
6. Porém, nenhuma pena há a cumprir por tal decisão Belga não ter, ainda, transitado em julgado.
7. Inconstitucionalidade do art. 12º, nº 1 da Lei 65/2003 de 23 de agosto, quando interpretada no sentido de que não há lugar a qualquer oposição quando estarmos perante um MDE para cumprimento de uma pena de prisão ainda não transitada em julgado, sendo aquela (oposição) possível apenas quando estamos perante uma pena de prisão transitada em julgado
8. o MDE não era o instrumento adequado à situação em concreto, mas antes a carta rogatória.
9. o recorrente já interpôs recurso no Tribunal de primeira instância, de língua neerlandesa, de ... – Vara Correcional, da decisão condenatória de 40 meses de prisão, recurso que tem efeitos suspensivos de tal decisão condenatória.
10. Assim, e com os fundamentos supra expostos, não deveria o Tribunal recorrido consentir na entrega do recorrente às Justiças do Reino da Bélgica, deferindo a pretensão de não entrega apresentada pelo recorrente.
10. O Digno Mº Pº junto do Venerando Tribunal da Relação de Évora, respondendo, sem que apresentasse quaisquer conclusões, vem opinar (…) da natureza não definitiva da pena constante do MDE aqui em apreço, como suprarreferido e claramente demonstrado, resulta a impossibilidade do apelo à causa de recusa facultativa prevista na al. g) do nº 1 do citado artigo 12º, já que este pressupõe a existência de uma pena ou medida de segurança transitada em julgado, pois que só nesse caso pode o Estado português garantir a respetiva execução (…) face à circunstância de a decisão das autoridades belgas ser ainda suscetível de vir a ser contestada e, em abstrato, ser até possível afastar a possibilidade da própria condenação, carece de razão de ser configurar a possibilidade legal de transferir para o Estado português a execução da pena aqui em causa, nas condições de instabilidade em que ainda se encontra (…) em conclusão, entende o Ministério Público que os argumentos invocados pelo arguido recorrente carecem de pertinência, a decisão recorrida não merece reparo e não viola as disposições legais suscitadas, pelo que não deverá obter provimento o recurso10.
11. Os autos foram aos vistos e à conferência, obedecendo ao disposto no artigo 25º nº 2 do RJMDE.
II – Fundamentação
1.Questões a decidir
Face ao disposto no artigo 412º do CPPenal, considerando a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de outubro de 199511, bem como a doutrina dominante12, o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo da ponderação de questões de conhecimento oficioso que possam emergir13.
Posto isto, e vistas as conclusões do instrumento recursivo trazido pelo Requerido Recorrente, entende-se que emergem como questões a ponderar:
- a verificação de alguma causa de recusa expressa nos artigos 11º e 12º do RJMDE;
- inconstitucionalidade do artigo 12º, nº 1 da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto.
2. Apreciação
2.1. O Tribunal recorrido, e com interesse para o que importa decidir, atendeu aos seguintes factos14:
Do MDE emitido pela Justiça do Reino da Bélgica resulta:
1. Destina-se o mesmo à entrega do requerido para cumprimento da pena de 40 meses de prisão, a que foi condenado pela Justiça do Reino de Bélgica por Sentença proferida pelo Tribunal neerlandófono de primeira instância de ..., Vara Correcional, no dia 14 de março de 2024 – referência 22CO..58 - 24N....82 -HV27.CT......22;
2. Apontam-se como factos praticados pelo requerido:
i. no período de 3 de setembro 2021 até 11 de janeiro 2024 incluído:
- Em .../Bélgica) no período de 3 de setembro 2021 até 11 de janeiro 2024 incluído, com a intenção fraudulenta de se esquivar da sua responsabilidade e de se fazer impossível de encontrar, tendo redigido ou feito redigir o ato de fundação da sociedade RECORD TIME VOF (número de sociedade KBO ..........63) datado de 3 de setembro de 2021, no qual se estabeleceu a sua sede social em ... (Bélgica), ..., que constitui um endereço fictício, com intenção fraudulenta de fazer uso do escrito falsificado supracitado, sabendo que era falsificado, mais especificamente depositando ou feito depositar no dia 3 de setembro de 2021 o ato de fundação na secretaria judicial do tribunal de comércio, tendo em vista a sua publicação no Jornal Oficial do Estado Belga;
- Em .../Bélgica), com a intenção fraudulenta de se esquivar da sua responsabilidade e de se fazer impossível de encontrar, ter redigido ou feito redigir o ato de fundação da sociedade B.... ..... ... (número de sociedade KBO ..........08) de 3 de setembro de 2021, no qual se estabeleceu a sua sede social no município de ..., de maneira fraudulenta, visto que se trata dum endereço fictício, e com esta mesma intenção ter feito uso do escrito falsificado supracitado, sabendo que era falsificado, mais especificamente depositando ou feito depositar no dia 3 de setembro de 2021 o ato de fundação na secretaria judicial do tribunal de comércio, tendo em vista a sua publicação no Jornal Oficial do Estado Belga, assim ocultando a natureza, a origem, localização, alienação, movimentação ou a propriedade de vantagens patrimoniais de origem criminosa, dissimulando ou ocultando a natureza, a origem, a localização, a alienação, a movimentação ou a propriedade de vantagens patrimoniais de origem criminosa das coisas/objetos visados no artigo 42º, 3°, do Código Penal Belga, mais especificamente vantagens patrimoniais obtidas diretamente do crime, bens e valores que substituíram essas vantagens, assim como rendimentos das vantagens investidas, apesar de conhecer ou ter obrigação de conhecer a origem destes bens, no momento em que atuou;
ii. Em .../Bélgica) no período de 29 de setembro de 2021 até 11 de março de 2022, inclusive, ter transferido a quantia de € 981.809,58 resultando do pagamento de faturas falsificadas, a partir da conta bancária com número BE.. .... .... ..07 no banco C.. ...... .. ..... ..... ... (número de sociedade KBO ..........08) para várias empresas belgas ou estrangeiras e para pessoas individuais;
iii. Em .../Bélgica) no período de 26 de novembro de 2021 até 17 de março de 2022, inclusive, ter transferido a quantia de € 731.483,97 resultando do pagamento de faturas falsificadas, a partir da conta bancária com número BE….65 no banco C.. ...... .. ..... ..... ... (número de sociedade KBO …08) para várias empresas belgas ou estrangeiras e para pessoas individuais;
iv. Fazendo parte de uma organização criminosa a operar em ... e em .../Bélgica) no período de 3 de setembro de 2021 até 31 de agosto de 2022 inclusive, mesmo sem a intenção de cometer um delito no âmbito duma organização criminosa ou fazer parte desta, nos termos previstos nos artigos 66º a 69º do Código Penal Belga, deliberadamente ter feito parte duma organização criminosa.
3. Os factos em causa, são puníveis como crimes de falsificação de documentos autênticos e públicos, branqueamento de capitais e associação criminosa, previstos e punidos pela lei belga pelos artigos 66, 69, 193, 196, nºs 1 e 4, 213, 214, 324 bis, 324 ter §1 e 505, nº1.4, do Código Penal Belga;
4. A sentença suporte do MDE ainda não se mostra transitada em julgado, sendo que o Requerido Recorrente não foi notificado pessoalmente da mesma, o que acontecerá imediatamente após a entrega, momento em que será expressamente informado do direito que lhe assiste a novo julgamento ou a recurso e a estar presente nesse julgamento ou recurso, que permite a reapreciação do mérito da causa, incluindo a apresentação de novas provas, podendo conduzir a uma decisão distinta da inicial, informando-se aquele, também do prazo para solicitar um novo julgamento (15 dias) ou recurso (30 dias);
5. O MDE mostra-se inserido no Sistema de Informação Schengen (SIS) com o nº SIS ..........................01...........................1.
6. O requerido reside em território nacional com os seus pais, em ..., tem nacionalidade portuguesa.
7. Encontra-se a trabalhar em Portugal - ....
8. Tem em Portugal toda a sua relação familiar.
2.2 Fundamentação
Os factos dados como assentes resultam, por um lado, do teor do MDE junto aos autos e, por outro, do expediente existente nos autos, mormente fls. 44 a 4715.
2.3 Apreciação
Como acima se deixou apontado, em tempo recursivo, essencialmente, despontam como duas as questões a ponderar, neste palco recursivo, trazidas pelo Requerido Recorrente.
Nesse intento, importa olhar ao quadro legal vigente.
Tanto quanto se entende, e desde logo apelando às referências constantes dos artigos 1º do RJMDE e 1º, nºs 1 e 2 da Decisão Quadro nº 2002/584/JAI, do Conselho de 13 junho de 2002, o mandado de detenção europeu, primeira concretização no domínio penal do princípio do reconhecimento mútuo no âmbito do espaço de segurança e justiça comunitária, assume-se como procedimento judicial transfronteiriço simplificado, válido para os países membros da União Europeia, envergando a natureza de decisão judiciária emitida por autoridade de um Estado-Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado-Membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade, sendo executado com base no princípio do reconhecimento mútuo16.
A referida Decisão Quadro, ao que se pensa, tem inerente a ideia de que se entenda a União como um espaço de liberdade, de segurança e de justiça e, nesse ensejo, procedeu-se à supressão da extradição entre os Estados-Membros substituindo-a por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias, figurando, assim, um regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal despojado de notas de complexidade e morosidade existentes em algumas situações relativas a processos de extradição17.
Na verdade, tal como se retira do ponto 5 dos considerandos da Decisão-Quadro do Conselho de 13 de junho de 2002 (2002/584/JAI)18, esta máxima do reconhecimento mútuo, vista como «pedra angular» da cooperação judiciária, tem como base a necessidade de superação da conceção tradicional do auxílio judiciário entre Estados-Membros, fixando um elevado grau de confiança entre os mesmos, o que se traduz essencialmente no facto de se reconhecer e aceitar que uma decisão tomada por uma autoridade judiciária competente num dos Estados-Membros, em conformidade com o ordenamento jurídico deste Estado, tem efeito pleno e direto, ou pelo menos equivalente, sobre o conjunto do território da União.
Ou seja, esta via funda-se na premissa de que os Estados-Membros confiam mutuamente na qualidade dos seus procedimentos penais nacionais, facilitando e justificando uma cooperação alargada no combate ao crime que vem adquirindo, cada vez mais, uma dimensão e coloração de sofisticação e requinte, que não se compaginam com modelos processuais complexos de intervenção e combate.
Neste desiderato, as autoridades competentes do Estado-Membro de execução devem prestar toda a sua colaboração à execução de tal decisão como se esta proviesse deste mesmo Estado19.
Para além deste princípio estruturante do reconhecimento mútuo e da confiança, a implementação do MDE obedece ainda a um princípio da judicialização, impondo que o processo de entrega seja da competência da autoridade judiciária, e ao princípio da celeridade que determina a estatuição de prazos curtos, quer para a decisão, quer para a entrega.
Registe-se que a simplificação dos procedimentos e celeridade inerente não afasta nem evita a necessidade de compaginação com o princípio da tutela de todas as garantias de defesa, devendo, por isso, serem assegurados à pessoa procurada todos os direitos e garantias de defesa que em cada situação concreta se imponham.
Quanto ao âmbito de aplicação, o MDE pode ser emitido por factos puníveis, pela lei do Estado-Membro de emissão, com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver por finalidade o cumprimento de pena ou de medida de segurança, desde que a sanção aplicada tenha duração não inferior a 4 meses, sem controlo, em muitos casos, da dupla incriminação (artigo 2º, nº 1 do RJMDE). Igualmente, é admissível a emissão de MDE, sem controlo da dupla incriminação do facto, sempre que a materialidade em causa, de acordo com a legislação do Estado-Membro de emissão, se alavanque no leque de infrações constantes do artigo 2º, nº 2 do RJMDE, puníveis no Estado-Membro de emissão com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a três anos. Fora dessas situações, é admissível a entrega da pessoa reclamada se os factos que justificam a emissão do MDE constituírem infração punível pela Lei portuguesa, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação (artigo 2º, nº 1 do RJMDE).
Em matéria de forma, o MDE deve obedecer ao formulário anexo ao RJMDE, contendo as informações relevantes (artigo 3º, nº 1 do RJMDE), entre as quais se destacam os elementos de identificação do visado, a natureza e qualificação jurídica da infração e a descrição das circunstâncias em que a infração foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação do visado. Elementos estes que, à face do princípio da suficiência que orienta o MDE, devem ter-se por bastantes uma vez que, por regra, permitem à autoridade judiciária de execução a efetiva compreensão do quanto lhe é solicitado e decidir.
De outra banda, diga-se, que no constructo atual, são precisas e detalhadas as causas que podem obstar à execução do MDE, constituindo causas de recusa obrigatória ou facultativa. Não se exige, como se disse, o controlo da dupla incriminação do facto, sempre que estejam em presença crimes incluídos no catálogo do artigo 2º, nº 2 do RJMDE, inexistindo, também, a regra da não entrega ou de não extradição de nacionais, sendo estes os dois pressupostos básicos do novo regime20.
Daí que à autoridade judiciária do país da execução compete verificar se o MDE contém as informações constantes do artigo 3º do RJMDE, bem como analisar se ocorre qualquer causa de recusa obrigatória (artigo 11º do RJMDE) ou facultativa (artigos 12º e 12º-A do RJMDE). A recusa obrigatória liga-se aos princípios fundamentais, considerados impostergáveis, tais como os atinentes à amnistia, ao princípio ne bis in idem, à inimputabilidade em razão da idade, à punição da infração com pena de morte ou outra pena de que resulte lesão física irreversível ou à motivação política subjacente à procura e pedido de entrega de determinada pessoa.
De seu lado, a recusa facultativa, baseada no taxativo elenco expresso no artigo 12º, nº 1 do RJMDE, engloba situações relacionadas com um princípio de soberania penal, como resguardo último da mesma, conjugado, em harmonia prática, com as necessidades impostas pela constituição de um espaço comum de liberdade, segurança e justiça.
Esta vertente de recusa, ao que pensa, pretende acalentar a possibilidade deixada aos Estados-Membros de salvaguarda de alguns desses interesses ligados à soberania penal do Estado da execução, assim como à efetividade da sua jurisdição, ao respeito por princípios relevantes da natureza do seu sistema penal e a um campo, ainda, de abrigo e proteção dos seus nacionais ou de pessoas que relevem da sua jurisdição.
Faça-se ainda notar que a recusa facultativa constitui uma faculdade / possibilidade do Estado da execução, como resulta da expressão da lei – a execução pode ser recusada -, pesando-se critérios que remontam a aspetos de política criminal, de eficácia projetiva sobre o melhor exercício, de ponderação com outros valores, ou da realização de direitos ou de interesses relevantes que ao Estado da execução cumpra garantir.
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a- O Requerido Recorrente, apresentando em sede recursiva razões que não assolam da oposição que deduziu, suporta a sua discordância quanto ao decidido em argumentos como (…) nenhuma pena há a cumprir por tal decisão Belga não ter, ainda, transitado em julgado (…) o MDE não era o instrumento adequado à situação em concreto, mas antes a carta rogatória (…) já interpôs recurso no Tribunal de primeira instância, de língua neerlandesa, de ... – Vara Correcional, da decisão condenatória de 40 meses de prisão, recurso que tem efeitos suspensivos de tal decisão condenatória.
Por seu turno, compulsando os autos, em sede de oposição, o Requerido Recorrente, o que veio invocar e objeto de apreciação na decisão em dissídio, foram antes razões que se prendem com a verificação, no seu entender, da causa de recusa facultativa expressa no artigo 12º, nº 1, alínea g) do RJMDE.
Relativamente à questão agora trazida, cumpre no imediato afirmar que os recursos, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, ao que se pensa, apenas podem ter como objeto questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que sejam de conhecimento oficioso.
Na verdade, a via recursiva não existe para criar e emitir decisões novas sobre questões novas, mas sim impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do Tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o Tribunal a quo no momento em que a proferiu21.
Acresce, que toda esta nova invocação, por nenhuma forma, integra qualquer dos fundamentos que poderiam conduzir ao preenchimento de alguma das causas de recusa, quer obrigatória, quer facultativa, enunciadas nos artigos 11º e 12º do RJMDE, nem sequer se vislumbrando em que dispositivo legal o Requerido Recorrente se alberga – quiçá, por isso, nenhum enuncia neste particular matiz – para sustentar esta linha de defesa.
Deste modo, parece despontar, no imediato, caso de rejeição do recurso por manifesta improcedência.
Caso assim se não entenda, o que se não concede, e se é intento do Requerido Recorrente questionar o percurso seguido pelo tribunal recorrido, quanto a decidir, na sequência do argumentário trazido em sede de oposição, que não se patenteia a causa de recusa facultativa expressa na alínea g), do nº1, do artigo 12º do RJMDE, o mesmo é igualmente de baquear.
A decisão revidenda, abordando esta questão – a que foi efetivamente trazida em sede de oposição -, enuncia (…) a causa de recusa facultativa prevista na al. g) do nº 1 do artigo 12º pressupõe a existência de uma pena ou medida de segurança transitada em julgado, exequível, pois só quanto a essas se poderá o Estado português comprometer a executar. (…) não é o sucede no caso dos presentes autos (…) resulta efetivamente que o requerido foi detido em território português, tem a nacionalidade portuguesa e reside em Portugal e o mandado de detenção europeu foi emitido para cumprimento de uma pena de 40 meses de prisão sendo que (…) a decisão condenatória não se encontra transitada em julgado (…) resulta inequívoco do mandado de detenção europeu emitido pelas autoridades judiciárias belgas que a pena de 40 meses de prisão, não se encontra transitada em julgado (…) o arguido ainda não foi notificado pessoalmente da decisão condenatória, a assistindo-lhe o direito a novo julgamento ou recurso e a estar presente nesse julgamento ou recurso, para a reapreciação do mérito da causa, incluindo novas provas, reapreciação essa que pode conduzir a uma decisão distinta da inicial (…) o Requerido não manifestou nestes autos qualquer intenção de prescindir do direito ao recurso da decisão condenatória ou a novo julgamento da causa, para alteração da decisão (…) Pela simples leitura do trecho da oposição em que o visado refere que ainda dispõe da possibilidade de interpor recurso para o Tribunal superior, decorre que não se conforma com a decisão condenatória. O Estado de emissão do MDE, nesse mesmo instrumento, informa que a decisão ainda não se encontra estabilizada, podendo ser alterada por via recursiva ou de novo julgamento. Tudo isto nos aparta do âmbito de aplicação do artigo 12º, nº 1, al. g), da Lei nº º 65/2003, de 23 de agosto, e nos reconduz ao regime previsto no artigo 12º-A dessa Lei (…) o MDE refere expressamente que o arguido foi julgado na ausência, não foi notificado, mas logo que seja entregue ao Estado emissor será notificado da decisão, tendo um prazo para solicitar um novo julgamento (15 dias) ou interpor recurso (30 dias) (…) na oposição apresentada o arguido expressamente ressalva essas possibilidades e, por isso, afasta a hipótese de aplicação do regime previsto no artigo 12º da LMDE (…).
Na presença deste explicativo, em imediata e pronta apreciação, crê-se que está suportada a razão do não acalento do entendimento do Requerido Recorrente, e claramente justificado o percurso tido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora.
Por outra banda, importa ainda trazer à colação demais notas que, o eventual apelo ao uso da condição de recusa facultativa em referência, impedem a procedência do intento do Requerido Recorrente.
Como se apontou, o MDE emitido, declarando que o Requerido Recorrente fora já condenado, igualmente refere, como fim da sua entrega, a notificação daquele do decidido, o ser informado de que poderá ter um novo julgamento ou a recorrer, a estar presente nesse novo julgamento onde pode apresentar provas e obter uma decisão distinta, sendo assim absolutamente cristalino que a decisão de condenação não transitou em julgado.
Ora, o requisito da definitividade ou trânsito em julgado e executoriedade da decisão condenatória constitui pressuposto base e necessário do reconhecimento de sentença penal estrangeira que aplique penas de prisão (ou outra medida privativa da liberdade), como decorre da aplicação conjugada dos artigos 12º, nº 4, do RJMDE e 1º, 2º, nºs 1, alínea d) e 2, alínea j)22, 17º, nº 1, alínea i), § iii23, e 26º da Lei nº 158/2015, de 17 de setembro, que estabelece o regime jurídico da transmissão, (…) do reconhecimento e da execução, em Portugal, das sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas da liberdade tomadas pelas autoridades competentes dos outros Estados membros da União Europeia (…).
Faceando a normação em evidência, o reconhecimento da pena de prisão aqui em apreço na própria decisão a proferir neste processo, exigiria, sem margem para dúvidas, além de pedido do Ministério Público nesse sentido, que se trate de uma “sentença”, que nelas se faz equivaler a uma decisão transitada em julgado, e que, nas situações como a presente, de julgamento na ausência da pessoa condenada e após a sua notificação da decisão proferida no Estado requisitante, esta renuncie, expressamente, ao direito a requerer novo julgamento ou a interpor recurso, precisamente em vista do seu trânsito em julgado e, com ele, da respetiva definitividade, sem o que o reconhecimento não pode ter lugar24.
Ora, como se vem notando, não se está perante uma decisão transitada em julgado.
Adite-se, de outra banda, que o Requerido Recorrente, tal como expressamente declara, além de não ter renunciado ao direito de recorrer (…) já interpôs recurso no Tribunal de primeira instância, de língua neerlandesa, de ... – Vara Correcional, da decisão condenatória de 40 meses de prisão.
Neste desiderato, tanto quanto se pensa, e na linha do afirmado pelo Requerido Requerente (…) nenhuma pena há a cumprir por tal decisão Belga não ter, ainda, transitado em julgado (…), não pode o Estado Português comprometer-se a executar qualquer pena, como na lei se exige para fazer funcionar o artigo 12º, nº 1, alínea g) do RJMDE.
Posto isto, nada mais resta que não seja concluir pela falência deste traço recursivo.
Salvo melhor e mais avisada opinião, para além de se não vislumbrar qualquer inconstitucionalidade, é patente que o Requerido Recorrente, por nenhuma forma, explica / concretiza / demonstra o que aqui afirma.
Na verdade, para apreciação / ponderação desta vertente recursiva, imperioso é que se vá para além da mera citação de uma norma ou conjunto de normas, reclamando-se que seja indicado o critério normativo cuja sindicância se pretenderia, reportando-o ao específico segmento legal ou conjugação de segmentos legais de que seria extraível, e enunciando-o de tal forma que, caso o Tribunal Constitucional concluísse por um juízo de inconstitucionalidade, pudesse limitar-se a reproduzir tal enunciação, assim permitindo que os destinatários da decisão e os operadores do direito em geral ficassem esclarecidos sobre o específico sentido normativo considerado desconforme à Constituição25.
Exigindo-se, neste caminho, a indicação do dispositivo e / ou dispositivos da CRP que se consideram beliscados – o Requerido Recorrente apenas sugere a final do seu articulado – (…) Normas Violadas (…) Art. 32º, nº 2 da CRP (…) - impõe-se também que se aponte o sentido normativo que se considera que choca com determinadas normas constitucionais, aspeto que aqui não se respeita.
Assim sendo, sucumbe, também, este matiz recursivo.
III. Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 3ª Secção Criminal, em negar provimento ao recurso interposto pelo Requerido Recorrente, AA, mantendo-se o acórdão recorrido.
Custas pelo Requerido Recorrente, fixando-se a Taxa de Justiça em 5 UC (artigo 34º da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto, artigos 513º, nºs 1 e 3, do CPPenal, e artigo 8º, nº 9, do RCP e Tabela III, anexa).
Carlos de Campos Lobo (Relator)
Antero Luís (1º Adjunto)
Jorge Raposo (2º Adjunto)
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1. Cf. o que consta do TIR de fls. 28, do mandado de detenção e condução de fls. 31, do Auto de Audição de Detido de fls. 33 a 36 dos autos e de cópias de fls. 51 dos autos, e não ......17, como certamente por lapso, se refere no Requerimento do Digno Mº Pº de fls. 2 e ss.
2. Regulamento relativo ao estabelecimento, ao funcionamento e à utilização do Sistema de Informação de Schengen (SIS) no domínio da cooperação policial e da cooperação judiciária em matéria penal, e que altera e revoga a Decisão 2007/533/JAI do Conselho e revoga o Regulamento (CE) nº 1986/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho e a Decisão 2010/261/UE da Comissão.
3. Cf. Referência Citius .....69, fls. 25 dos autos.
4. Cf. Referência Citius .....87, fls. 33 a 36 dos autos.
5. Cf. Auto de Audição de Detido, fls. 34 dos autos.
6. Cf. fls. 44 a 47 dos autos.
7. Cf. Referência Citius ......27.
8. Cf. fls. 79 a 81 dos autos.
9. Cf. fls. 108 dos autos - Referência Citius .....75.
10. Cf. fls. 141 a 146 dos autos.
11. Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.
12. SILVA, Germano Marques da, Direito Processual Penal Português, vol. 3, 2015, Universidade Católica Editora, p. 335; SIMAS SANTOS, Manuel e LEAL-HENRIQUES, Manuel, Recursos Penais, 8ª edição, 2011, Rei dos Livros, p. 113.
13. Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do STJ, de 12/09/2007, proferido no Processo nº 07P2583, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria, disponível em www.dgsi.pt.↩︎
14. Registe-se que o Acórdão em sindicância, sem descrever com clareza os factos que constam como assentes, limitou-se a reproduzir a invocação do Digno Mº Pº.
Trata-se de forma pouco rigorosa. Conquanto, ainda assim, é possível extrair o que se entendeu como factualidade relevante.
15. Consigna-se que pese embora o Tribunal recorrido não o tenha mencionado expressamente, decorre de todo o decidido que os elementos em que se apoiou são os indicados.
16. Neste sentido, RODRIGUES, Anabela Miranda, O mandado de detenção europeu – Na via da construção de um sistema penal europeu: um passo ou um salto? in RPCC, Ano 13, nº 1, Janeiro-Março, 2003, pg. 27 e, ainda, MATOS, Ricardo Jorge Bragança de, O princípio do reconhecimento mútuo e o mandado de detenção europeu, in RPCC, Ano 14, n.º 3, Julho-Setembro, 2004, p. 325.
17. Neste sentido, o Acórdão do STJ, de 20/06/2012, proferido no Processo nº 445/12.3YRLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt.
18. O objectivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduz à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias. Acresce que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permite suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos actuais procedimentos de extradição. As relações de cooperação clássicas que até ao momento prevaleceram entre Estados-Membros devem dar lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré-sentencial como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça.
19. Neste sentido, os Acórdãos do STJ, de 25/06/2009, proferido no Processo nº 1087/09.6YRLSB.S1 - O mandado de detenção europeu, executado com base no princípio do reconhecimento mútuo das decisões penais, para fins de procedimento criminal ou cumprimento de pena ou medida de segurança (…) veio substituir o processo de extradição, que se mostrou incapaz de, por forma agilizada, mercê da abertura de fronteiras e da livre circulação de pessoas, responder aos problemas de cooperação judiciária entre Estados (…) constituiu a primeira concretização no âmbito do direito penal do princípio do reconhecimento mútuo, havido como pedra angular da cooperação judiciária: tem subjacente uma ideia de mútua confiança, sem embargo do respeito pelos direitos fundamentais e princípios de direito de validade perene e afirmação universal (…)desde que uma decisão seja tomada por uma autoridade judiciária competente à luz do direito interno do Estado membro de onde procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União, o que significa que as autoridades do Estado onde a decisão deve ser executada devem causar-lhe o mínimo de embaraço (…) – e de 20/06/2012, proferida no Processo nº 445/12.3YRLSB.S1, já atrás referido, - (…) para além do respeito pelos princípios da confiança, cooperação mútua e celeridade, por um critério de suficiência, ou seja, o Estado da execução não deve precisar de mais informações do que aquelas que figuram no formulário pré-estabelecido, e também por uma eficiência de teor quase automático, na medida em que só em casos taxativamente limitados se possam erguer barreiras de inexecução (…) A sindicância judicial a exercer no Estado receptor é muito limitada, sem abandono, contudo, do respeito por direitos fundamentais, produzindo a decisão judiciária do Estado emitente efeitos pelo menos equivalentes a uma decisão tomada pela autoridade judiciária nacional. Desde que uma decisão seja tomada por uma autoridade judiciária competente à luz do direito interno do Estado membro de onde precede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União, o que significa que as autoridades do Estado onde a decisão deve ser executada devem causar-lhe o mínimo de embaraço (…)-, disponíveis em www.dgsi.pt.
20. Neste sentido, o Acórdão do STJ, de 10/09/2009, proferido no Processo nº 134/09.6YREVR.S1 – (…) As referências fundamentais do regime e que moldam os conteúdos material e operativo resumem-se a dois pressupostos base: o afastamento, como regra, do princípio da dupla incriminação, substituído por um elenco alargado em catálogo de infracções penais e a abolição da regra, típica da extradição, da não entrega ou extradição de nacionais (…) – disponível em www.dgsi.pt.
21. Neste sentido, os Acórdãos do STJ, 9/04/2015, proferido no Processo nº 353/13.0PAPNI.L1.S1 – (…) O STJ não pode apreciar questão que não tenha sido suscitada perante a Relação, na medida em que os recursos servem apenas para reexaminar as decisões tomadas pelas instâncias e não para apreciar questões novas, de 04/12/2008, proferido no Processo nº 08P2507 – (…) - Os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu (…) Sendo os recursos meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais, e não meio de obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido (…) O tribunal superior, visando apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente e não de outras novas, não pode conhecer de argumentos ou fundamentos que não foram presentes ao tribunal de que se recorre (…) os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a obter decisões ex novo sobre questões não colocadas ao tribunal a quo, mas sim a obter o reexame das decisões tomadas sobre pontos questionados, procurando obter o cumprimento da lei, disponível em www.dgsi.pt.
22. Artigo 2.º
Definições
1 - Para efeitos do disposto no título ii, entende-se por:
a) «Condenação», qualquer pena de prisão ou medida de segurança privativa de liberdade, proferida por um período determinado ou indeterminado, em virtude da prática de uma infração penal, no âmbito de um processo penal;
b) (…)
c) (…)
d) «Sentença», uma decisão transitada em julgado ou uma ordem de um tribunal do Estado de emissão que imponha uma condenação a uma pessoa singular.
2 - Para efeitos do disposto no título iii, entende-se por:
a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) (…)
e) (…)
f) (…)
g) (…)
h) (…)
i) (…)
j) «Sentença», uma decisão transitada em julgado ou uma ordem de um tribunal do Estado de emissão que determine que uma pessoa singular cometeu uma infração penal e que lhe aplique uma pena de prisão ou outra medida privativa de liberdade, se a liberdade condicional tiver sido concedida com base nessa sentença ou numa decisão subsequente relativa à liberdade condicional, uma pena suspensa, uma condenação condicional ou uma sanção alternativa.
3 - As medidas de vigilância previstas na alínea i) do número anterior podem estar previstas na própria sentença ou ser determinadas numa decisão relativa à liberdade condicional tomada separadamente por uma autoridade competente.
23. Artigo 17.º
Motivos de recusa de reconhecimento e de execução
1 - A autoridade competente recusa o reconhecimento e a execução da sentença quando:
a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) (…)
e) (…)
f) (…)
g) (…)
h) (…)
i) (…)
i) (…)
ii) (…)
iii) Depois de ter sido notificada da decisão e expressamente informada do direito a novo julgamento ou a recurso que permita a reapreciação do mérito da causa, incluindo a apresentação de novas provas, que pode conduzir a uma decisão distinta da inicial, declarou expressamente que não contestava a decisão ou não requereu novo julgamento ou recurso dentro do prazo aplicável;
j) (…)
k) (…)
l) A sentença disser respeito a infrações penais que, segundo a lei interna, se considere terem sido praticadas na totalidade ou em grande parte ou no essencial no território nacional, ou em local considerado como tal.
2 – (…)
3 – (…)
24. Neste sentido, os Acórdãos do STJ, de 03/01/2024, proferido no Processo nº 3032/23.7YRLSB.S1 - (…) a recusa facultativa de execução de um MDE emitido para cumprimento de uma pena de risão, prevista no artigo 12º, n.º 1, al. g), da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, exige (…) o trânsito em julgado da sentença condenatória como condição do seu reconhecimento e execução em Portugal, como decorre da aplicação conjugada do artigo 12º, n.ºs 3 e 4, com os artigos 1º, 2º, n.ºs 1, al. d), e 2, al. j), 17º, n.º 1, al. i), § iii, e 26º da Lei n.º 158/2015, de 17.9, aplicável, com as necessárias adaptações, ex vi daquele artigo 12º, n.º 4 -, de 07/04/2022, proferido no Processo nº 30/22.1YRPRT.S1 – (…) Sendo o arguido residente em Portugal (com título de residência) e a estarmos perante um MDE para cumprimento de pena, o Estado português poderá recusar a sua execução se se comprometer a executar a pena determinada na decisão; mas, o Estado português só pode estabelecer um compromisso perante uma decisão transitada em julgado, isto é, perante todas aquelas situações que não se integrem no âmbito do art. 12.º-A, da LMDE (…) o Estado emissor afirma expressamente que a decisão ainda pode ser objeto de recurso, não poderá agora o Estado português comprometer-se a executar uma pena que ainda não está estabilizada. Além disto, era necessário que tivesse havido um requerimento do Ministério Público para que o Tribunal da Relação tivesse declarado exequível a decisão em Portugal, confirmando a pena aplicada (…) -, de 09/07/2014, proferido no Processo nº 220/14.0YRLSB.S1 – (…) não se mostra, por ora, aqui exequível, considerando a respetiva precariedade, é dizer ainda não ter transitado em julgado nos termos exigidos pelo ordenamento jurídico português (…), disponíveis em www.dgsi.pt.
25. Ver neste sentido o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 379/2023, de 7/07/2023, proferido no Processo nº 472/2023, disponível em www.dgsi.pt. onde se pode ler (…) a exigência de identificar a/(s) norma/(s) cuja apreciação se pretende não se compadece com a mera remissão para o disposto noutros elementos processuais, recaindo sobre o requerente o ónus de identificar claramente o preceito legal e o sentido normativo que considera colidente com determinadas normas constitucionais