RECURSO PENAL
CORREIO DE DROGA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
EMBARCAÇÃO
CRIME COMETIDO A BORDO DE NAVIO OU DE AERONAVE
ORGÃOS DE POLÍCIA CRIMINAL
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
GRAVAÇÃO DA AUDIÊNCIA
TRANSCRIÇÃO
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
MEIOS DE PROVA
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
CADEIA DE CUSTÓDIA DE PROVA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I – Face ao disposto na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (“CNUDM”)- assinada pelo Reino de Marrocos e pela República Portuguesa em 10 de dezembro de 1982, e ratificada pelos mesmos em 31 de maio de 2007 e em 03 de novembro de 1997 – e na Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988 (“CNUTIESP”)- assinada e ratificada pela República Portuguesa em 13 de dezembro de 1989 e 03 de dezembro de 1991, respetivamente, bem como assinada e ratificada pelo Reino de Marrocos em 28 de dezembro de 1988 e 08 de outubro de 1992 - e inexistindo tratado bilateral entre esses países sobre a matéria em causa, a Polícia Marítima, a Força Aérea e a Marinha Portuguesas, ostentando sinais inequívocos que permitiam a sua identificação como aeronaves e navios ao serviço de um governo, tinham legitimidade para intercetar as embarcações – ambas sem pavilhão - na Zona Económica de Marrocos, para apreender o estupefaciente nelas transportado e para deter os arguidos;

II - O que fica consignado, determina, por inerência lógica, a competência dos tribunais portugueses para julgaram o crime de tráfico de droga imputado aos arguidos, nos termos do art. 49.º, nº 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, manifestação do mesmo corolário que subjaz ao disposto no n.º 2 do art. 5.º do Código Penal;

III – Face ao acima exposto, não viola o disposto na Constituição da República a interpretação do estabelecido no al. d) do art.110º CNUDM, segundo a qual tanto a Força Aérea e a Marinha de Guerra Portuguesas como a Polícia Marítima, atuaram na concretização dos deveres que recaem sobre o Estado Português, por força da CNUDM e da CNUTIESP;

IV – Face ao disposto nos nºs 1 e 2 do art 364.º do CPP os requerimentos e despachos formulados/proferidos em audiência de julgamento são gravados em registo áudio, não constituindo nulidade a não transcrição dos mesmos para a ata de julgamento;

V – Face ao estabelecido na alínea f) do artigo 1º do CPP “alteração substancial dos factos” é apenas “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”;

VI – Constituindo a contestação o momento adequado para o arguido indicar as testemunhas que pretende que sejam ouvidas pelo Tribunal e face ao disposto no artigo 340º do CPP, o arrolamento de novas testemunhas durante a audiência de julgamento tem carácter excecional e deve fundar-se na sua estrita necessidade, para melhor se apreciar e decidir a causa, e em circunstâncias supervenientes ocorridas, constituindo ónus do requerente motivar tais necessidade e natureza superveniente, pelo que o indeferimento de requerimento que não reúna esses requisitos ou já tenha sido anteriormente indeferido não consubstancia qualquer nulidade nem viola os direitos constitucionais de defesa do arguido;

VII – A “falta de inquérito” só ocorre quando se verifica ausência absoluta de inquérito ou de atos de inquérito e não se confunde com a “insuficiência de inquérito” (previstas, respetivamente, na alínea d) do art. 119.º e na al. b) do art. 120º, ambas do CPP), sendo que esta última só ocorre quando não tenham sido realizadas diligências legalmente impostas, o que não acontece com a pretendida perícia aos telemóveis e aparelhos de GPS apreendidos, acrescendo que o respetivo pedido foi apresentado extemporaneamente, assim se mostrando sanada a eventual nulidade que pudesse existir;VIII - Não constitui o vício de “erro notório na apreciação da prova” a alegada omissão de diligências “essenciais” para a descoberta da verdade;

IX - A livre apreciação da prova comporta duas vertentes: - por um lado, a entidade que decide fá-lo de acordo com a sua íntima convicção e em face do rol de provas apresentadas no processo, em especial na audiência de julgamento, quer sejam arroladas pela acusação, pela defesa, quer, ainda, aquelas que o Tribunal entende o oficiosamente conhecer e, por outro lado, essa convicção, objetivamente formada com apoio em regras técnicas e de experiência, não deve estar sujeita a quaisquer cânones legalmente pré-estabelecidos;

X - No caso em apreço não ocorreu qualquer quebra da cadeia de custódia dos meios de prova recolhidos e valorados, tendo sido preservada a sua “identidade e autenticidade ab initio ad finem de todo o iter processualis”, pelo que a convicção do tribunal neles suportada se perfila insuscetível de censura, porque baseada na prova documental, pericial e testemunhal constante dos autos e neles validamente recolhida, produzida e/ou reproduzida, examinada e valorada, com integral respeito pelos princípios constitucionais do due process and fair trial consagrados nos arts. 20.º e 32.º da CRP e sem evidência de qualquer desvio ou erro flagrante na sua apreciação, por ilógico ou contrário às disposições legais aplicáveis ou às regras da experiência comum e do normal acontecer;

XI – Dado que que em todas as perícias realizadas pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária se concluiu que a “substância ativa presente” no material que compunha os fardos transportados pelos arguidos é “canábis (RESINA)” - sendo que a sigla “THC” apenas é utilizada para indicar o grau de pureza do estupefaciente analisado – não há dúvida de que essa substância está abrangida na Tabela I-C anexa ao Dec. Lei 15/93, de 22 de janeiro;

XII - Dado ter sido dado como provado que cada um dos grupos dos arguidos atuou “de comum acordo e em conjugação de esforços, com perfeito conhecimento das características estupefacientes e psicotrópicas das substâncias que transportavam e que se destinavam à venda a terceiros” devem os mesmos ser condenados como coautores;

XIII - A sindicabilidade da medida da pena por este Supremo Tribunal de Justiça apenas abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se a quantificação se revelar de todo desproporcionada;

XIV – Assim, tendo em conta os factos dados como provados no caso em apreço – v.g. a enorme ilicitude do comportamento dos arguidos (tráfico internacional de grandes quantidades de droga (5215 Kg e 3430Kg de canábis-resina por cada um dos grupos), transportada nas denominadas “lanchas voadoras”, no alto mar e de noite) o dolo direto, a motivação do lucro fácil para resolver problemas de precariedade económica e as demais condições socioprofissionais dos dois grupos de arguidos e a ausência de antecedentes criminais conhecidas, aliadas às fortes necessidades de prevenção geral e especial – não se vislumbra que as aplicadas penas de 6 anos e 6 meses (FF e QQ) e de 5 a 6 meses (BB, CC, DD e II) sejam excessivas ou ultrapassem a medida da culpa, pelo que não merece o acórdão recorrido qualquer censura.

Texto Integral



ACÓRDÃO

Acordam, em conferência e depois de realizada audiência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:

A - Relatório

A.1. As decisões recorridas

A.1.1. O despacho de 31 de julho de 2024

Na sequência de requerimentos apresentados pelos arguidos, na audiência de discussão e julgamento realizada a 31 de julho de 2024 foi proferida decisão nos seguintes termos:

“(…) decidiu que ao prazo de 48 horas concedido aos arguidos, por despacho judicial, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 348.º n.º 1 do Código de Processo Penal, não é aplicável o art. 107.º-A do Código de Processo Penal, pelo que o prazo em referência terminou às 12:30 horas do dia de hoje, ... de ... de 2024; que, nos termos do n.º 4 do art. 101.º do Código de Processo Penal e ante a existência de registo áudio da sessão da audiência de julgamento ocorrida no dia ..., não é obrigatória a transcrição e que o então requerido pelo Ilustre Mandatário Dr. AA foi ouvido por todos os sujeitos processuais presentes e mereceu despacho, não se patenteando a nulidade, arguida, da ata, que se julga não verificada; que, quanto à invocada alteração substancial dos factos vertidos no libelo acusatório, para que remete a pronúncia, trata-se de mera discordância jurídica quanto ao entendimento do Tribunal sobre a natureza não substancial da alteração comunicada e que as perícias ao estupefaciente foram efetivadas nos termos prescritos por lei, não se julgando verificada qualquer nulidade; que o Tribunal já tomou posição relativamente à desnecessidade da audição dos Fuzileiros da Marinha Portuguesa e que, por identidade de razões, desnecessária se evidencia a inquirição do Comandante da embarcação; que as perícias toxicológicas foram realizadas nos termos prescritos por lei e não suscitam dúvidas ao Tribunal, não sendo de determinar a junção de elementos adicionais nem de inquirir as Especialistas de Polícia Científica, pelo que se indeferem todas as diligências de prova requeridas, o que foi gravado através do sistema de gravação digital disponível e em uso neste tribunal.”

A.1.2.O Acórdão

Através de acórdão proferido a ... de ... de 2024, pelo Juízo Central Criminal de Faro – ..., foram, entre outros, condenados BB, CC, DD, EE, FF e QQ, como coautores materiais e na forma consumada da prática dos seguintes crimes e, designadamente, nas penas a seguir indicadas:

A. QQ e FF, pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-C anexa a esse diploma, na pena de 6 (seis) anos e 6 (meses) de prisão cada, absolvendo-se os mesmos da imputada comparticipação nos factos pelos quais os arguidos GG, HH, II e DD vão condenados em B);

B. Condenar os arguidos BB, CC, II e DD, pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-C anexa a esse diploma, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (meses) de prisão cada, absolvendo-se os mesmos da imputada comparticipação nos factos pelos quais os arguidos JJ, KK, QQ e FF vão condenados em A).

Ainda nesse acórdão, na fase de saneamento do processo, foi proferido o seguinte despacho:

“Em face do exposto, tendo sido praticado o único ato de inquérito obrigatório in casu, não se verifica, igualmente, a nulidade de insuficiência de inquérito, sendo certo ainda que, a ter existido, teria a mesma de ter sido invocada no circunstancialismo temporal previsto na al. c) do n.º 3 do art. 120.º, ou seja, até ao encerramento do debate instrutório, o que o arguido não fez (nem os demais arguidos o fizeram).”

A.2. Os recursos

Os arguidos não se conformaram com essa decisão, pelo que dela recorreu para este supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (transcrições integrais):

A.2.1. Recurso de FF

“Conclusões:

1. Por acórdão datado ...-...-2024 o tribunal “a quo” condenou o arguido pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-C anexa a esse diploma, na pena de 6 (seis) anos e 6 (meses) de prisão.

2. O arguido ora Recorrente veio aos autos arguir a nulidade da gravação das declarações orais prestadas na audiência datada de ...-...-2024 porquanto as mesmas são impercetíveis e arguiu a nulidade da ata de audiência de discussão e julgamento datada de ...-...-2024 por a mesma não reproduzir fielmente tudo o que se passou em sede de audiência de discussão e julgamento e por não se encontrarem transcritos os requerimentos e despachos proferidos em acta.

3. Por despacho proferido em ata datado de ...-...-2024 o tribunal “a quo” indeferiu as arguidas nulidades

4. A ata de audiência de discussão e julgamento não reproduz fielmente tudo o que se passou em sede de audiência de discussão e julgamento, assim como não se encontram transcritos os requerimentos e despachos proferidos em acta.

5. Andou mal o tribunal “a quo” ao decidir que os requerimentos e os despachos recorridos não têm obrigatoriamente de ser transcritos em ata.

6. Os requerimentos ditados em ata pela defesa e bem assim os despachos que recaíram sobre os mesmos têm de constar em ata sob pena de nulidade.

7. O despacho de que ora se recorre viola o disposto nos artigos 362.º, n.º 1, alínea f) e 363.º ambos do Código de Processo Penal.

8. Termos em que e face ao supra exposto deverá o despacho recorrido ser revogado e consequentemente deverá a ata de audiência de discussão e julgamento ser declarada nula nos termos do disposto nos artigos 120.º, n.º 2, alínea d) e 363.º ambos do Código de Processo Penal e em consequência deverá ser repetida a sessão de audiência de discussão e julgamento.

9. Em sede de audiência de discussão e julgamento (...-...-2024) o tribunal “a quo” procedeu à alteração não substancial dos factos vertidos no libelo acusatório.

10. No requerimento apresentado em sede de defesa o arguido ora Recorrente invocou a violação do princípio do acusatório e da vinculação temática.

11. Por despacho proferido em ata datado de ...-...-2024 o tribunal “a quo” indeferiu o requerido

12. O arguido ora Recorrente não se conforma com o despacho de que ora se recorre porquanto em bom rigor a comunicação da alteração não substancial dos factos vem acrescentar novos factos ao libelo acusatório.

13. A omissão de descrição de factos essenciais ao preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito decorre já da peça acusatória, sendo, por isso, insuscetível de ser suprida por via da aplicação do disposto nos artigos 358.º do Código Processo Penal.

14. O que viola desde logo o princípio do acusatório e da vinculação temática.

15. Termos em que deverá ser revogado o despacho de que ora se recorre por violação dos princípios do acusatório e da vinculação temática e em consequência deverá ser declarada a nulidade das alterações efetuadas, pois excedem os limites traçados pela pronúncia.

16. Ainda em sede do exercício dos direitos de defesa o arguido ora Recorrente requereu a realização de diligências probatórias.

17. Por despacho proferido em ata datado de ...-...-2024 o tribunal “a quo” indeferiu a realização de todas as requeridas diligências de prova.

18. O despacho recorrido viola os mais elementares direitos de defesa dos arguidos, isto é o tribunal “a quo” ao indeferir as requeridas diligências probatórias não permitiu aos arguidos exercer o seu direito de defesa.

19. Sendo certo que as diligências probatórias que foram requeridas não são impertinentes, nem são dilatórias, mas sim essenciais para comprovar a tese da defesa, assim como são essenciais para afirmar ou infirmar os factos relacionados com as nulidades invocadas.

20. Termos em que deverá o despacho recorrido ser revogado e consequentemente deverá ser proferido outro despacho que admita os meios probatórios indicados pelo arguido ora Recorrente, anulando-se o acórdão proferido.

21. Em sede de alegações a defesa do arguido ora Recorrente arguiu a nulidade de todo processado por ausência de investigação – uma vez que resulta inequívoco da prova produzida que os telemóveis e aparelho(s) de GPS apreendidos nos autos não foram sujeitos a pesquisa, não tendo a investigação levada a cabo pelo Órgão de Polícia Criminal com competência reservada (Polícia Judiciária) e pelo Ministério Público abrangido todas as diligências pertinentes ao apuramento da verdade material, não sendo possível estabelecer a coautoria entre os arguidos que formavam a tripulação da embarcação de cor azul e aqueloutros que integravam a tripulação da embarcação de cor cinza e preta, ambas apreendidas nos autos.

22. O acórdão recorrido julgou a invocada nulidade totalmente improcedente porquanto entendeu que foi praticado o único ato de inquérito obrigatório in casu e que não se verifica, igualmente, a nulidade de insuficiência de inquérito, sendo certo ainda que, a ter existido, teria a mesma de ter sido invocada no circunstancialismo temporal previsto na al. c) do n.º 3 do art. 120.º, ou seja, até ao encerramento do debate instrutório, o que o arguido não fez (nem os demais arguidos o fizeram).

23. Andou mal o tribunal “a quo” ao julgar improcedente a nulidade invocada.

24. Em primeiro lugar porquanto não poderia o tribunal “a quo” ter feito “tábua raza” de que existiram diligências probatórias obrigatórias que não foram realizadas, nomeadamente as perícias aos telemóveis e aos aparelho(s) de GPS apreendidos nos autos.

25. Tais diligências afiguravam-se essenciais para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa e bem assim para se apurar a coautoria entre os arguidos que formavam a tripulação da embarcação de cor azul e aqueloutros que integravam a tripulação da embarcação de cor cinza e preta, ambas apreendidas nos autos.

26. O acórdão recorrido viola assim os artigos 119.º e seguintes do Código de Processo Penal e o artigo 32.º, n.º 5 da nossa Constituição.

27. Termos em que e face ao supra exposto deverá o acórdão recorrido ser revogado e consequentemente deverá ser declarada procedente a invocada nulidade de todo o processado por ausência de investigação.

28. Pese embora as presentes alegações de recurso interpostas para o Supremo Tribunal de Justiça apenas visem exclusivamente o reexame de matéria de direito nos termos do disposto no artigo 434.º do Código de Processo Penal, mas uma vez que o vício do erro notório na apreciação da prova resulta do texto da decisão recorrida conjugada com as regras da experiência comum temos como fundamento do presente recurso o vício do erro notório na apreciação da prova previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal.

29 Ao que acresce que o acórdão recorrido viola o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal atento a que o tribunal “a quo” decidiu indeferir a produção de prova direta em detrimento de prova indireta.

30. Termos em que deverá o vício do erro notório na apreciação da prova ser julgado totalmente procedente e consequentemente deverá o acórdão recorrido ser declarado nulo, ordenando-se a repetição do julgamento nos termos do disposto no artigo 426.º do Código de Processo Penal e produção das consequentes diligências probatórias.

31. O acórdão recorrido julgou improcedente a invocada incompetência dos tribunais portugueses e a inaplicabilidade da lei portuguesa, bem como a invalidade dos meios de prova obtidos através da intervenção da Polícia Marítima invocadas.

32. Salvo o devido respeito que é muito andou mal o tribunal “a quo” ao julgar improcedente a invocada incompetência dos tribunais portugueses e a inaplicabilidade da lei portuguesa, desde logo porquanto resulta dos presentes autos que os arguidos foram abordados na ZEE Marroquina.

33. Resultando assim dos presentes autos que o tribunal português é territorialmente incompetente.

34. As coordenadas onde os arguidos foram abordados e detidos situam-se fora do território nacional.

35. O produto estupefaciente não se destinava a Portugal.

36. E desconhece-se o país do pavilhão do barco.

37. Sucede que e resulta claramente dos presentes autos que Portugal não foi autorizado a tomar qualquer medida prevista no artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988.

38. Aliás para a embarcação ser abordada teria que ter sido autorizado pelo Estado do Pavilhão do navio, dado que até ao momento da abordagem as autoridades portuguesas desconheciam qual o Estado do pavilhão do barco, o que in casu não se verificou.

39. Pois só após a abordagem é que as autoridades verificaram que a embarcação em que seguiam os arguidos não tinha pavilhão.

40. A decisão recorrida viola claramente as regras da cooperação judiciária e aConvenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

41. Não estando assim o Estado Português legitimado para abordar a embarcação em apreço na ZEE Marroquina.

42. Muito pelo contrário, pois a marinha militar portuguesa entrou sem qualquer autorização na zona territorial de Marrocos, o que em nosso entender constitui um ato de guerra atendendo a que não foi solicitada qualquer autorização e não foi efetuada qualquer comunicação ao Reino de Marrocos, considerando-se que a embarcação não tinha bandeira, estamos perante uma embarcação apátrida.

43. No que concerne a outras matérias como as penais, mormente o tráfico internacional de droga, o navio prevaricador fica sujeito às normas e jurisdição do Estado pavilhão, conforme estabelece o artigo 92.º da dita Convenção, pois para estes efeitos a ZEE é como se fosse alto mar, vigorando as regras internacionais a tal respeito, veja-se neste sentido o doutamente decidido no acórdão datado de ...-...-2014, proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real de Santo António – Círculo Judicial de Faro no âmbito do processo n.º 151/13.1...

44. Não se verificando no presente caso concreto nenhum dos pressupostos para o exercício do direito de visita, pois estamos perante um navio estrangeiro (cujo o Estado do pavilhão do barco se desconhece) e o Estado Português não tem jurisdição sobre o mesmo.

45. Ao que acresce que inexiste qualquer tratado ou convenção bilateral celebrada entre Portugal e Marrocos.

46. Termos em que e por violação dos supra mencionados preceitos legais deverá ser declarada a incompetência internacional do tribunal português e a inaplicabilidade da lei portuguesa, consequentemente deverão ser declarados nulos todos os atos praticados pelo Estado Português, absolvendo-se o arguido ora Recorrente.

47. Sem prescindir, o arguido invocou a quebra da cadeia da custódia de prova uma vez que quem elaborou os autos de notícia e de apreensão não foram as entidades que estiveram no mar.

48. Salvo o devido respeito, que é muito, andou mal o tribunal “a quo” em primeiro lugar porquanto e pese embora o nosso código de processo penal não preveja, nem regule a chamada cadeia de prova a verdade é que não nos podemos olvidar que o conceito existe e que é aplicado no âmbito do direito comparado.

49. Aliás, a cadeia de custódia de prova tem uma grande importância no processo penal porque são estes procedimentos que evitam que o juiz venha a ter qualquer tipo de dúvida sobre a origem da prova e sobre a sua autenticidade.

50. A validade de determinada prova depende da conservação da cadeia de custódia que, caso seja interrompida, pode causar a inadmissibilidade do seu uso e o comprometimento de todo o processo penal.

51. Por outro lado, a manutenção da cadeia de custódia depende dos procedimentos usados para a recolha, análise e preservação da prova.

52. Sendo incompreensível como é que nos presentes autos não há qualquer documento que ateste a entrega do produto estupefaciente apreendido pela Polícia Marítima à Polícia Judiciária.

53. Não tendo assim a cadeia de custódia de preservação da prova sido observada.

54. Termos em que deverá o acórdão de que ora se recorre ser revogado por violação o disposto no artigo 249.º n.º 2 alínea a) do Código de Processo Penal e por violação do artigo 32º, n.º 8 da nossa Constituição e face ao supra exposto deverá ser declarada a nulidade insanável dos presentes autos por quebra da cadeia da custódia de prova.

55. Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que dos factos provados o tribunal “a quo” não consegue identificar de que forma os arguidos gizaram entre si um plano e com que propósito.

56. Ademais os arguidos não praticaram todos os mesmos factos em co-autoria.

57. Pelo que neste caso e de acordo com a nossa jurisprudência dominante não podemos ter o arguido ora Recorrente condenado como co-autor, pois não estão preenchidos os pressupostos do estatuído no artigo 26º do Código Penal, devendo o acórdão recorrido ser revogado por violação do supra mencionado preceito legal.

58. O acórdão recorrido violou os preceitos supra elencados nomeadamente na escolha a medida da pena ao arguido ora Recorrente comparativamente aos arguidos BB, CC, II e DD e à nossa jurisprudência dominante.

59. Veja-se neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de ...-...-2023, proferido no âmbito do processo n.º 304/20.6..., que decidiu no âmbito de crime de tráfico de estupefaciente – transporte de canábis – condenar os arguidos a 5 (anos) de prisão suspensa por igual período.

60. Sem prescindir do que supra se referiu e defendeu temos in casu que o arguido ora recorrente foi condenado na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.

61. Não tendo o tribunal “a quo” ponderado o grau de ilicitude, a quantidade e a qualidade do produto estupefaciente, a forma de execução dos factos, a intervenção do arguido como mero transportador, pessoa em situação de dificuldades económicas.

62. A favor do arguido deveria ter sido valorado o facto de não se ter feito qualquer prova quanto ao seu domínio na escolha dos meios utilizados para efetuar o transporte, nem no acondicionamento do estupefaciente.

63. O que viola as mais elementares regras do direito e os princípios orientadores da teoria dos fins das penas.

64. No caso dos autos, a medida da pela aplicada é manifestamente elevada.

65. O tribunal “a quo” deveria ter sido equacionado o artigo 40º e 70º ambos do Código Penal sobre os fins das penas, a não aplicação daquele dispositivo legal provoca um erro de determinação da pena aplicável in casu.

66. Termos em que e sem prescindir deve ser revogado o douto acórdão devendo ser proferido novo acórdão que tenha como base a aplicação da teoria dos fins das penas existente no nosso sistema penal, devendo o arguido ser condenado numa pena educacional e ressocializadora, próxima dos mínimos legais.

67. Sem prescindir e caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, em sede da apresentação da defesa aquando da comunicação da alteração não substancial dos factos o arguido ora Recorrente requereu que se oficie ao laboratório para vir juntar aos autos o exame pericial realizado ao produto estupefaciente apreendido no qual contenha as fórmulas químicas e a composição química do produto estupefaciente analisado, de forma a que possamos aferir se o produto analisado contém THC ou THC-P; requereu a audição dos Especialistas de Polícia Científica as quais realizaram os relatórios de exame pericial juntos aos autos a fls. 495, 497, 513 e 528.

68. O requerimento probatório em apreço visava esclarecer qual a fórmula química do produto apreendido e se existe a presença dos cinco átomos de carbono ou não na presença do produto apreendido, pois havendo a presença dos 5 átomos, não estamos na presença de qualquer ilícito penal.

69. Os resultados da perícia apenas revelam a presença de THC, porém também não pode desconhecer o tribunal “a quo” que o tetrahydrocannabiphorol é uma substância legal não inserida na tabela IV do DL 15/93 de 22 de janeiro.

70. Ou seja, na verdade o tribunal “a quo” com o relatório pericial não tendo observado ou manuseado o produto em causa, não tendo conhecimento clínicos para o fazer, não pode considerar estes resultados na alteração que produz, uma vez que vai extravasar o que resulta da investigação do libelo acusatório e da pronúncia realizada.

71. Ao que acresce que andou mal o tribunal “a quo” ao não considerar que a pena deve ser valorada em função do bem jurídico protegido pelo tipo de ilícito, que in casu é a saúde pública.

72. Termos em que deverá o acórdão recorrido ser revogado e deverão V. Exas. Ponderar e valorar a evolução legislativa que se vivencia no nosso país.

73. O arguido ora Recorrente não se conforma com o acórdão de que ora se recorre entende que a interpretação dada pelo tribunal “a quo” à alínea d) do n.º 1 do artigo 110.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar no sentido de que tanto a Marinha Portuguesa como a Polícia Marítima atuaram na concretização dos deveres que recaem sob o Estado Português, por força das duas referidas Convenções, no combate ao narcotráfico no alto mar - onde se inclui, como vimos, para esses efeitos, a ZEE do Reino de Marrocos é inconstitucional por violação do artigo 5.º da nossa Constituição.

74. Motivos pelos quais e face ao supra exposto invoca-se desde já a inconstitucionalidade da interpretação dada pelo tribunal “a quo” ao interpretar a alínea d) do nº 1 do artigo 110º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar no sentido de que tanto a Marinha Portuguesa como a Polícia Marítima atuaram na concretização dos deveres que recaem sob o Estado Português, por força das duas referidas Convenções, no combate ao narcotráfico no alto mar - onde se inclui, como vimos, para esses efeitos, a ZEE do Reino de Marrocos para efeito de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional.”

A.2.2. Recurso de QQ

“CONCLUSÕES

I - Por douto Acórdão proferido em ... de ... de 2024, proferido nos autos referenciados, foi decidido pelo Tribunal Coletivo condenar o arguido QQ na pena de 6 anos e 6 mês de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-C anexa a esse diploma.

II - A decisão ora em crise enferma de vício de ponderação na aplicação do comando processual consagrado no artigo 71º do Código Penal, por referência ao art.º 40º do mesmo diploma.

III - Em sede de determinação concreta da pena, importa atender à culpa do agente, às exigências de prevenção de futuros crimes e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do mesmo ou contra ele (cf. nº 1/2 do art.º 71º do Código Penal).

IV - Com efeito, será por via da culpa que se revela a medida da pena na consideração do ilícito típico, ou seja, considerando ou seja, considerando, entre outras circunstâncias, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das suas consequências, bem como ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, como, ainda à intensidade do dolo, sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (cf. alíneas a), b) e c) do nº 2 do art.º 71º do Código Penal).

V - Não se alcança da decisão recorrida nenhuma ilicitude mais acentuada, ou qualquer outro fator de relevo mais gravoso em comparação com os demais arguidos GG, HH, II e DD, que justificasse a que ao recorrente QQ fosse aplicada à sua pena, um ano e seis meses de prisão a mais.

VI - Apresente pena é exarcebada, desproporcional, logo muito injusta!

VII - Recorde-se: o recorrente não tem quaisquer antecedentes criminais, tinha 35 anos à data dos factos, desde ... de ... de 2023 que se encontra privado da liberdade, e dada a distância e a precariedade económica dos seus familiares não recebe qualquer visita desde então, é só mais uma vítima destas redes internacionais, que utilizam pessoas em débil situação socioeconomica, e entregam-nos à sua sorte pelo mar alto, para ganharem, quando ganham, “meia dúzia de tostões”, em comparação aos elevados lucros que os verdadeiros barões da droga ganham como é sobejamente sabido, não se conhece qualquer tipo de provento económico desta atividade ao recorrente, ou tão poucos conhecidos quaisquer sinais de riqueza, antes pelo contrário, o recorrente quis fugir da miséria!

VIII - O arguido tem uma conduta discreta e adequada em meio prisional e não regista sanções disciplinares. P

IX - Não consome produtos estupefacientes e pratica regularmente desporto.

X - A droga em causa que o arguido transportava, de menor danosidade, vulgo droga leve, ainda que fosse para ser vendida a terceiros, nem tão pouco lhe pertencia, pois é deveras sabido que a função dos indivíduos que vão nas embarcações resume-se a marinhagem ou simplesmente de estivador.

XI - Não é o recorrente o verdadeiro “dono” da droga, não era ele que a ia vender e transacionar, não era a ele que iriam calhar as elevadas vantagens económicas com este ilícito.

XII - Uma pena de 6 anos e 6 meses de prisão in casu é demasiado pesarosa, não só olhando desde logo para a pena de 5 anos e 5 meses de prisão aplicada aos outros coarguidos, como a tradição jurisprudencial não se revê na aplicação de penas tão pesadas.

XIII - A aplicação e subsequente cumprimento de uma pena de prisão efetiva acarretarão naturalmente a uma dessocialização total do recorrente.

XIV - Será de relembrar o péssimo ambiente que se respira nos estabelecimentos prisionais, onde, em vez de se erradicar o vício do crime, se adquirem, infelizmente, novos vícios, o que é do conhecimento generalizado as prisões, em vez de corrigirem, são verdadeiras escolas para o cometimento de futuros crimes, para além das parcas condições de higiene e segurança que são de conhecimento publico e notório.

XV - O período já privado da liberdade serviu como castigo, e lição de que se voltar a praticar crimes regressará para a prisão.

XVI - Por conseguinte, igualmente sopesando as mencionadas finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial positiva, conclui-se que o arguido deverá de ser condenado na pena única de 5 anos de prisão, a qual deverá ser suspensa na sua execução.”

A.2.3. Recurso de BB, CC, DD, LL

“Conclusões:

1. As questões apresentadas neste recurso são as seguintes:

a. Da intervenção ilegítima e ilegal da marinha de guerra portuguesa e da polícia marítima

b. Da incompetência internacional dos tribunais portugueses e inaplicabilidade da lei penal e processual penal portuguesa

c. Da medida da pena

2. Quanto à intervenção ilegítima das autoridades portuguesas alegado no ponto I deste recurso

a. As embarcações dos arguidos foram vistas e abordadas na ZEE Marroquina

b. A ZEE portuguesa está sob soberania e jurisdição – artigo 1º e 2 da lei 34/2006;

c. A ZEE Marroquina não é alto Mar, ou águas internacionais, exatamente pela mesma razão que a ZEE Portuguesa está sob soberania nacional e jurisdição nacional

d. Assim, não faz sentido invocar o direito de visita previsto no artigo 110º, 1º da convenção das nações únicas sobre o direito do Mar e art.º. 17º da convenção das nações únicas contra o tráfico de drogas de ...

e. Salvo o devido respeito, não se pode exercer direito de visita numa ZEE

f. Tal decorre de modo muito claro do n. º2 e n.º11 do artigo 17º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de ...

g. Não existe acordo ou tratado entre Portugal e Marrocos neste particular.

h. Nestes termos, as embarcações da autoridade Marítima nacional que abordaram as duas embarcações com os arguidos na ZEE Marroquina, não o podiam ter feito ao abrigo do direito de visita como decidiu o douto acórdão recorrido, tendo atuado assim sem qualquer cobertura legal e invadido uma zona soberana estrangeira com qualquer Portugal nãotemqualqueracordodebilateral–como porex.existecomoReino de Espanha, sendo por isso ilegítima.

3. Quanto à incompetência e inaplicabilidade da lei penal e processual penal portuguesa alegado no ponto II deste recurso

a. Está em causa os artigos 4º e 6º do CPP.

b. Portugal não tem jurisdição para que a Polícia Marítima, PJ, Marinha e FAP possa atuar na Zona Económica exclusiva de Marrocos

c. Decorre do artigo 6º do CPP e 1º da CRP o princípio da territorialidade e da soberania do estado.

d. Ao contrário do que existe com Espanha, não existe qualquer tratado de cooperação emmatéria de trafico de droga pormarcomMarrocos.

e. Pelo que a AMN não pode aplicar a lei penal e a lei processual penal portuguesa dentro da Zona económica exclusiva portuguesa

f. Tal e qual como o Reino de Marrocos, não pode enviar navios de guerra à ZEE Portuguesa ainda que nos termos do artigo 110º da Convenção do Mar

g. Seria aliás, um princípio desastroso para as relações diplomáticas e a quebra do princípio da territorialidade definido no artigo 6º do CPP e 1º da CRP.

h. Deve ser declarada a ilegitimidade da AMN e inaplicável a lei penal e lei processual portuguesa

4. A medida da pena foi discutida no ponto III deste recurso

a. Tendo em conta o grau de lesão do bem jurídico, o que não se apurou até à abordagem, os relatórios sociais e a jurisprudência indicada, defende-se que a pena aplicada não deve ir além dos quatro anos e seis meses de prisão.”

A.3. As respostas do Ministério Público

A propósito dos recursos acima aludidos foram apresentadas, no Juízo Central referenciado, respostas do Ministério Público, nas quais se concluiu da seguinte forma:

A.3.1. Resposta ao recurso de FF

“Conclusões:

1 - O recorrente FF interpôs recurso do acórdão proferido a ... de ... de 2024, no qual o Tribunal Coletivo decidiu condená-lo, pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-C anexa a esse diploma, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2 - Alega o recorrente que as actas referentes às sessões realizadas nos dias ... de ... de 2024 são nulas por não conterem a transcrição dos requerimentos e dos despachos proferidos em sede das mesmas.

3 - O Tribunal a quo, perante a arguição de tal nulidade em momento prévio à realização da audiência realizada a ... de ... de 2024, proferiu nesta, despacho oral no qual decidiu que não se verificava o referido vício, por considerar, que os requerimentos apresentados no decurso da audiência e os despachos proferidos em sede da mesma, não têm que ser transcritos na respectiva acta, conforme resulta da gravação da aludida audiência.

4 - O M.º P.º concorda com a decisão proferida e pugna pela manutenção da mesma, porque conforme com as disposições conjugadas do art.º 362.º, n.º 1 al f) e do art.º 364.º , n.º 4 ambos do C.P.P., queestipula que, “4 - A secretaria procede à transcrição de requerimentos e respetivas respostas, despachos e decisões que o juiz, oficiosamente ou a requerimento, determine, por despacho irrecorrível. (…)”.

5 - No caso concreto, da audição dos registos áudio das audiências realizadas a ... e ........2024, verifica-se que, além do despacho de alteração não substancial dos factos, em momento algum foi determinado pelo tribunal colectivo a transcrição em acta de quaisquer requerimentos, respostas ou despachos, nem tal foi requerido por nenhum dos intervenientes processuais, incluído o ora recorrente.

6 - Face o exposto, por não se verificar a aludida nulidade da(s) acta(s), o M.º P.º pugna pela improcedência do sustentado pelo recorrente, que, sem fundamento válido para tal, requer, a declaração de nulidade da acta de audiência de ........2024, nos termos do disposto nos artigos 120.º, n.º 2, alínea d) e 363.º ambos do C.P.P. e, em consequência, a repetição da sessão de audiência de discussão e julgamento, na qual, note-se, foi proferido o acórdão recorrido.

7- Sustenta ainda o recorrente que, o tribunal a quo procedeu à alteração não substancial dos factos vertidos na acusação (para a qual remeteu o despacho de pronúncia) e acrescentou “novos factos ao libelo acusatório”, por forma a suprir “A omissão de descrição de factos essenciais ao preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito” detráfico deestupefacientes, p. ep. pelo art.º21.ºdoDecreto-Lein.º15/93,de22/01, omissão essa que “decorre já da peça acusatória, sendo, por isso, insuscetível de ser suprida por via da aplicação do disposto nos artigos 358.º do Código Processo Penal.

8 - Considerando que, em seu entender, tal consubstancia uma violação dos princípios do acusatório e da vinculação temática, requereu ao tribunal a quo a declaração de nulidade das alterações efetuadas, pois estas “excedem os limites traçados pela pronúncia”.

9 - Por despacho proferido na audiência de ...-...-2024 o tribunal “a quo” indeferiu, e bem, o requerido.

10 - De facto, a “alteração não substancial dos factos” constitui uma divergência ou diferença de identidade dos factos que não transformem o quadro da acusação em outro diverso, no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo,não têmrelevância para alterara qualificaçãopenaloupara a determinaçãodamoldura penal; a alteração, para ser processualmente considerada, tem de assumir relevo para a decisão da causa.

11 – No caso concreto, ao invés do sustentado pelo recorrente, os factos consubstanciadores dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito imputado ao ora recorrente em ambas as decisões (acusação/ despacho de alteração não substancial/ acórdão), reconduz-se ao mesmo “ pedaço de vida”, à mesma conduta/ acção executada pelo recorrente, nomeadamente – a de participar numa operação de transporte marítimo de canábis (resina), em co-autoria material com os arguidos JJ, KK e FF, pessoas que faziam parte da tripulação da embarcação em cujo interior o ora recorrente veio a ser interceptado por fuzileiros da Marinha Portuguesa, identificados e identificáveis como tal.

12 -Em tal embarcação vinham acondicionados (além do mais), 149 “fardos”, que continham no respectivo interior inúmeras placas de canábis (resina), com um peso bruto global de cerca de 5.215 kg, com os graus de pureza e correspondentes ao número de doses individuais elencados nos pontos 1.1 a 1.20, do elenco da factualidade dada como provada, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, por economia processual.

13 -Tal actuação, conforme ressalta do teor das motivações do recurso interposto ao transcrever uma parte da factualidade dada como provada no acórdão proferido já constava da acusação proferida nos autos, pelo que não se vislumbra qualquer violação dos princípios do acusatório e da vinculação temática.

14 - Daí que, o M.º P.º conclua que a nulidade ora em apreço não deve ser declarada, por ausência de fundamentos de facto ou de direito para esse efeito, mantendo-se o decidido pelo tribunal a quo nesta parte.

15 - Reportando-nos à invocada e requerida declaração de nulidade do despacho proferido em acta na sessão do dia ...-...-2024, no qual o tribunal “a quo” indeferiu a realização de diligências probatórias requeridas pelo recorrente, por violação dos direitos de defesa dos arguidos legalmente previstos no artigo 32.º da nossa Constituição”, afigura-se-nos que, também nesta parte, não assiste qualquer razão ao recorrente.

16 - De facto, se atentarmos no teor da acta da sessão da audiência realizada a ........2024 e respectivo registo áudio, verifica-se desde logo que, contrariamente ao usual e sem qualquerobrigação legal para tal, após comunicar a alteração não substancial dos factos, o tribunal a quo, deferindo o requerido pela defesa de outros co-arguidos, explicitou as provas que fundaram tal decisão de forma exaustiva.

17 - Após, no decurso do prazo concedido para preparação da defesa, o ora recorrente veio requerer ao tribunal a quo: - “(…)a audição dos fuzileiros da Marinha já anteriormente identificados, nomeadamente do MM Alexandre, (…), patrão da embarcação que participou na abordagem e intercepção aos arguidos e do NN, navegador da mesma embarcação da Marinha supra aludida, à data dos factos;

18 - Se oficiasse “ao laboratório para vir juntar aos autos o exame pericial realizado ao produto estupefaciente apreendido no qual contenha as fórmulas químicas e a composição química do produto estupefaciente analisado, de forma a que possamos aferir se o produto analisado contém THC ou THC-P”, e;

19 - A audição de três “Especialistas de Polícia Científica as quais realizaram os relatórios de

exame pericial juntos aos autos a fls. 495, 497, 513 e 528”.

20 - Por despacho proferido na audiência de ...-...-2024, o tribunal “a quo” indeferiu a realização das aludidas diligências de prova, conforme infra se transcreve: “(…) o Tribunal já tomou posição relativamente à desnecessidade da audição dos Fuzileiros da Marinha Portuguesa e que, por identidade de razões, desnecessária se evidencia a inquirição do Comandante da embarcação; que as perícias toxicológicas foram realizadas nos termos prescritos por lei e não suscitam dúvidas ao Tribunal, não sendo de determinar a junção de elementos adicionais nem de inquirir as Especialistas de Polícia Científica”.

21 - Inconformado, sustenta o recorrente que tais diligências probatórias “não são impertinentes, nemsãodilatórias, massimessenciais para comprovar a tese dadefesa,assim como são essenciais para afirmar ou infirmar os factos relacionados com as nulidades invocadas.”, pelo que o decidido viola o disposto nos artigos 30.º e 32.º da nossa Constituição”.

22 - Em consequência, pugna pela revogação do despacho ora em crise, pela anulação do acórdão proferido e pela prolação de “outro despacho que admita os meios probatórios indicados pelo arguido”.

23 – A este propósito, o Ac. do TRE de ........2005, a cujo sumário acedemos no site da PGDL, em anotação ao C.P.P., decidiu que: “1. De harmonia com o disposto no art. 124.º do CPP constituem objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da medida da pena ou da medida de segurança aplicáveis. (…).

24 - No mesmo sentido vai o disposto no art. 339 n.º4 do CPP quando refere que «sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos (cf. art. 358 e 359), a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, (…), tendo em vista as finalidades a que se referem os art. 368 e 369”, ambos do C.P.P..

25 - É certo que sobre factos novos resultantes da discussão da causa e com relevo para a decisão, de que resulte uma alteração não substancial, haverá que ter sempre em consideração e cumprirodisposto noart.358doCPP.Oque não podeé deixar-seporindagar factos essenciais postulados pelo objecto do processo e cruciais para o correcto julgamento da causa. (…).”

26 - Por seu turno, dispõe o art.º 340.º do C.P.P. que: “1 - O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. (…) 4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que: b) As provas requeridas são irrelevantesousupérfluas; c)Omeio deprovaéinadequado, deobtençãoimpossível oumuito duvidosa; ou d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.”

27 – Assim, face a prova documental e pericial (subtraída ao princípio da livre apreciação do julgador) já constante dos autos, e a prova testemunhal já produzida em audiência em momento anterior ao requerimento probatório ora em causa, prova essa exaustivamente analisada na motivação da decisão sobre a matéria de facto no acórdão proferido, e que aqui se dá por integralmente reproduzida, afigura-se-nos que os requeridos exames periciais complementares e a audição das técnicas que realizaram tal exame, nem constituem meio adequado nem são aptas a rebater o resultado do exame pericial realizado ao estupefaciente apreendido.

27 - Note-se ainda que, no quetange ao exame pericial ora em causa, estejá constava dos autos desde oinquérito/ instruçãoejulgamento, queiniciou em ..., nuncaantes tendo o recorrente suscitado qualquer questão em relação ao mesmo, antes vindo a fazê-lo apenas na sequência do despacho de alteração não substancial dos factos, no prazo de 48 horas concedido para preparação da defesa, até à data designada para a leitura do acórdão (........2024), dias antes de se esgotar o prazo máximo da prisão preventiva aplicada ao arguido.

28 - Assim, o M.º P.º conclui ser notório, que as diligências requeridas, além de irrelevantes, tiveram ainda uma finalidade meramente dilatória, razão pela qual bem andou o tribunal a quo ao indeferir a realização das mesmas.

29 - Mais, quanto à requerida audição dos fuzileiros, tal como doutamentereferido pelo Tribunal colectivo, essa matéria já fora apreciada anteriormente no sentido de se prescindir da mesma, não tendo o recorrente manifestado qualquer oposição ao decidido, nada tendo sucedido posteriormente, que justificasse decisão em sentido oposto.

30 - Assim, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir o requerido, não se vislumbrando, considerando o objecto do processo, querquantoao thema probandum quer quanto ao thema decidendum, qualquer violação do direito de defesa do arguido, como sustentado pelo recorrente.

31 - Neste sentido, veja-se o decidido no Ac. do Tribunal Constitucional nº171/2005 , DR, II Sériede ...-...-2005, noqual se concluiu “ que o artigo 340º, nº4,doCódigo de Processo Penal,namedidaem queconfere aojuizpoderes dedisciplinadaprodução deprova,exigindo para o indeferimento desta a notoriedade do seu carácter irrelevante ou supérfluo, inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa, ou, ainda, da sua finalidade meramente dilatória, não viola as garantias de defesa do arguido (...)”,

32 - Face o exposto, o M.º P.º pugna pela manutenção do decidido pelo Tribunal a quo no despacho proferido a ........2024, por inexistirem fundamentos de facto ou de direito que impusessem ou justificassem a realização das diligências probatórias requeridas pelo ora recorrente.

33 - Impugna ainda o recorrente o decidido no acórdão proferido nos autos, no que tange à nulidade por si arguida em sede de alegações, da falta ou insuficiência do inquérito e da violação do disposto no artigo 119.º e seguintes do Código de Processo Penal.

34 -Ora,tendo emconsideração os fundamentosinvocados pelo recorrente nosentido de se mostrar verificada tal nulidade e o decidido pelo tribunal a quo quanto a esta matéria, afigura-se-nos igualmente que não lhe assiste qualquer razão, não merecendo o decidido qualquer censura.

35 – De facto, o despacho a que ora nos reportamos, além de devidamente fundamentado concluiu e bem que: “Em face do exposto, tendo sido praticado o único ato de inquérito obrigatório in casu, não se verifica, (…) a nulidade de insuficiência de inquérito, sendo certoainda que, aterexistido,teria amesma detersidoinvocada nocircunstancialismo temporal previsto na al. c) do n.º 3 do art. 120.º, ou seja, até ao encerramento do debate instrutório, o que o arguido não fez (nem os demais arguidos o fizeram)”.

36 – Face o exposto, o M.º P.º conclui que nenhuma censura merece a decisão proferida, que deve manter-se, não se vislumbrando qualquer violação dos art.ºs 119.º e ss. e do C.P.P. e do art.º 32.º, n.º 5 da C.R.P. citados pelo recorrente.

37 - Sustenta o recorrente que o acórdão proferido padece do vício do erro notório na apreciação daprova,previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), doCódigodeProcesso Penal, assim como violou o art.º 127.º do mesmo compêndio legal, porquanto, no texto da decisão recorrida dão-se porprovados osfactosconstantesdospontos 1e2do elencodafactualidade provada, sem que nenhuma prova directa tivesse sido produzida em relação aos mesmos, quando tal era possível mediante a inquirição dos fuzileiros da marinha portuguesa que participaram na operação de abordagem, intercepção e transporte para o porto de ..., dos tripulantes da embarcaçãousada pelo ora recorrentee pelos seus três co-autores nocometimento docrime.

38 - Écerto que,no decurso dojulgamento,face as dúvidas queforamsendo suscitadas pelas defesas dos recorrentes, a signatária apresentou requerimento probatório nos autos, ao abrigo do disposto no art.º 340.º do C.P.P., solicitando a inquirição de dois dos fuzileiros que intervieram na operação em causa nos autos, mas, por vídeo conferência e com distorção da respectiva imagem e voz, por forma a preservar a segurança dos mesmos enquanto militares da Marinha Portuguesa, que intervêm em inúmeras acções de cariz reservado.

39 - O Tribunal a quo, deferiu o requerido. Contudo, na data designada para as referidas inquirições, constatou-se que o tribunal onde estavam presentes os aludidos militares não dispunha de meios informáticos que permitissem a referida distorção de som e imagem, pelo que os mesmos manifestaram nos autos que não reuniam condições para prestar declarações.

40 - O Tribunal a quo, face as vicissitudes apontadas e tendo em conta a prova já produzida nos autos, decidiu prescindir da audição das referidas testemunhas, decisão essa sobre a qual não recaiu qualquer oposição por parte dos sujeitos processuais, incluído o recorrente, que só agora, em sede de recurso, veio suscitar tal questão.

41 – Sem razão. De facto, resulta claro da motivação da decisão sobre a matéria de facto, quais as provas a que o tribunal atendeu para formar a sua convicção no que tange aos factos provados e não provados, não impondo a lei que, existindo “testemunhas” com conhecimento directo de determinados factos, estas tenham que ser forçosamente inquiridas, quando existem nos autos outros elementos de prova (documental, pericial e testemunhal),

42 - Que, analisados e ponderados de forma crítica e global e de acordo com a regras da lógica e experiência comum, já permitem concluir com segurança pela verificação de tal factualidade, não se vislumbrando no teor do acórdão proferido qualquer desacerto na convicção do julgador, que se mostra devidamente fundamentada e motivada.

43 - Mais, quanto ao alegado vício de erro notório na apreciação da prova, pronunciou-se esse S.T.J., no âmbito do processo n.º 40/11.4..., por acórdão proferido a ........2015 (acessível no site www.dgsi.pt), nos seguintes termos: “I - O STJ, enquanto tribunal de revista, apenas conhece dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, por sua própria iniciativa, nunca a pedido do recorrente, se os mesmos se perfilarem no texto da decisão recorrida, ainda que em conjugação com as regras da experiência comum(…)”.

44 - Por seuturno, conforme sumariadono Acórdão doTribunal daRelação de Coimbra, de ........2019 – Proc. n.º 72/18.1... (acessível no site supra indicado) temos que o erro notório na apreciação da prova : “I – (…) consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, sem possibilidade de recurso a outros elementos juntos aos autos.

II – O erro notório na apreciação da prova tem de ser ostensivo, que não escapa ao homem com uma cultura média, e nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correta face à prova produzida em audiência de julgamento.”

45 – Face o exposto e por considerarmos que do teor do acórdão recorrido não resulta qualquer erro notório na apreciação da prova, afigura-se-nos que o recurso deve improceder igualmente nesta parte.

46 – O mesmo se dirá no que tange à alegada violação pelo Tribunal a quo, do artigo 127.º do Código de Processo Penal, que consagra o princípio da livre apreciação da prova.

47- De facto, analisado o teor do acórdão ora em crise, o Ministério Público considera que a decisão proferida nos autos não merece qualquer reparo nesta parte porquanto, além de a mesma não enfermar de qualquer vício que justifique a revogação da condenação do arguido, a factualidade provada e não provada foi valorada por forma consentânea com a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento;

48-Amotivação dadecisãotraduzumavaloração daprova apreciadaporformacrítica e global, fundada nas regras da experiência comum e de acordo com a livre convicção do julgador, sustentando-se em critérios objectivos e facilmente controláveis, considerando ainda, em particular, as questões então suscitadas pela defesa, ponderando as mesmas e decidindo em conformidade, ao invés do sustentado pelo recorrente.

49 – Mais, as questões a que vimos de aludir foram devidamente apreciadas pelo tribunal a quo no acórdão proferido, em particular na respectiva fundamentação de direito, à qual aderimos, por realizada de forma correcta e adequada, inexistindo qualquer violação do disposto nos arts.º 21.º n.º 1 do DL 15/93, de 22-01 e 21.º do Código Penal ou nos demais preceitos legais indicados pelo recorrente

50 – Pugna ainda o recorrente pela revogação do acórdão proferido, uma vez que, em seu entender, tendo o mesmo sido interceptado a transportar estupefacientes na Zona Económica Exclusiva de Marrocos, sobre a qual tal Estado tem plena soberania e jurisdição, a intervenção no caso concreto da Marinha de Guerra Portuguesa e da Polícia Marítima é ilegítima e ilegal, 51- uma vez que em tais zonas “que não são alto mar ou águas internacionais”, não são aplicáveis as normas previstas na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar nem a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988, ao que acresce a circunstância de inexistir qualquer acordo ou tratado entre Portugal e Marrocos no que tange ao combate ao tráfico de estupefacientes cometido por via marítima.

52 – Consequentemente, pugnam ainda pela Incompetência internacional dos Tribunais portugueses bem como pela inaplicabilidade da lei penal e processual penal portuguesas, face o disposto nos art.ºs 4.º e 6.º do C.P.P. e art.º 1.º da CRP;

53- O M.º P.º considera que não assiste qualquer razão ao recorrente na análise e interpretação das normas jurídicas por si referenciadas nem nas conclusões e consequências jurídicas que extraem das mesmas, antes sufragando o decidido no acórdão recorrido em relação às questões ora suscitadas pelo recorrente.

54 – A este propósito, considerou e bem o tribunal a quo que “A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada e ratificada pelo Reino de Marrocos e pela República Portuguesa(…), estabeleceu, no seu art.º 55.º, um regime jurídico específico quanto à ZEE, configurando-a como “uma zona situada além do mar territorial e a este adjacente, sujeita ao regime jurídico específico estabelecido na presente parte, segundo o qual os direitos eajurisdição doEstadocosteiroe os direitoseliberdades dos demais Estados são regidos pelas disposições pertinentes da presente convenção”. ( sublinhado nosso)

55 – Por seu turno, decorre do disposto no art.º 58.º da aludida convenção, no que concerne aos direitos e deveres da República Portuguesa na Zona Económica Exclusiva (do Reino de Marrocos), queas embarcações e aeronaves nacionais têm liberdade de navegação e sobrevoo, respetivamente, aplicando-se o disposto nos arts. 88.º a 115.º da Convenção.

56 - E, no art.º 108.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar estabelece-se o dever de todos os Estados cooperarem para a repressão do tráfico ilícito de estupefacientese substâncias psicotrópicas praticado pornavios no alto mar, incluindo a ZEE, conforme o art. 58.º, 2, do mesmo diploma.

57 – Mais, a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988, assinada e ratificada pela República Portuguesa e pelo Reino de Marrocos, impõe ao Estado Português o dever de eliminar o tráfico de estupefacientes ilícito por mar e, designadamente, de, no caso de se descobrirem provas de envolvimento no tráfico ilícito, adotar medidas adequadas em relação ao navio, às pessoas e à carga que se encontrem a bordo – cfr. art. 17.º desta última Convenção. (…)”

58 - No caso concreto, “(…) Inexistindo tratado bilateral entre a República Portuguesa e o Reinode Marrocossobre amatéria em causa,temosque,perantea suspeita dotransporte de estupefacientes nas embarcações de que eram tripulantes os arguidos (…) a embarcação da Marinha Portuguesa (…) e a Polícia Marítima (…)” interceptaram a embarcação, sem nacionalidade ou qualquer outro elemento identificativo, da qual eram tripulantes o ora recorrente e os seus co-autores, “nos termos do disposto no art. 110.º, 1, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, conjugado com aquele art. 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988.

59 - Nestes termos, concluiu e bem o tribunal a quo que, “sendo a nacionalidade das duas embarcações desconhecida ou inexistente e sobre elas incidindo suspeitas de que asseguravam o transporte ilícito de produto estupefaciente, a República Portuguesa podia exercer, sobre as mesmas, em todos os espaços marítimos além dos limites externos dos mares territoriais (ou seja, em águas internacionais) - que incluem a zona contígua, a zona económica exclusiva e o alto mar – “ o direito de visita, nos termos do art. 110.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, o direito de busca;

60 - Assim como “A extensão da jurisdição, que pode ser exercida pelo Estado de abordagem, após o exercício do direito de visita em relação a uma embarcação, como, neste caso, sem nacionalidade, nos termos do art. 49.º, 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01”, segundo o qual a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional: quando praticados a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988,

61 - Mais, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 5.º do Código Penal, “a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional que o Estado Português se tenha obrigado a julgar por tratado ou convenção internacional”, tendo-se igualmente considerado, quanto “à aplicação da Lei Processual Penal Portuguesa, é aplicável ao caso dos autos o disposto no art. 20.º, 3, do Código de Processo Penal, sendo competente o Tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia do crime”.

62 – No nosso ordenamento jurídico, a Lei n.º 34/2006, de 28/07, estabelece que “os poderes a exercer pelo Estado Português no mar compreendem, sem prejuízo do estabelecido em legislação especial, aqueles que estejam consagrados: a) em normas e princípios do direito internacional que vinculam o Estado Português(…)”, como sejam as Convenções das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988 e sobre o Direito do Mar.

63 – E, o exercício da autoridade do Estado Português nas zonas marítimas sob a sua soberania ou jurisdição e no alto mar, compete às entidades que exercem o poder de autoridade marítima no quadro do Sistema de Autoridade Marítima, à Marinha e à Força Aérea, no âmbito das respetivas competências – vd. art.º 14.º do ora citado diploma legal

64 – Logo, tais entidades têm o direito de visita em relação a navios estrangeiros ou que não ostentem qualquer identificação - o artigo 18.º al. b), da Lei n.º 34/2006, de 28/07, que circulem em alto mar, onde se inclui, para esses efeitos, a ZEE do Reino de Marrocos.

65 – E, caso se constate a prática de ilícito durante a visita a bordo, como sucedeu no caso concreto, são aplicadas as medidas cautelares adequadas, designadamente a apreensão dos bens e documentos que constituem os meios de prova, a detenção dos tripulantes e o apresamento do navio, que será conduzido para um porto português onde fica à ordem da autoridade competente – art.º 19.º e 20.º da Lei supra referida.

66 – Logo, no caso concreto, tanto a Marinha Portuguesa como a Polícia Marítima atuaram na concretização dos deveres que recaem sob o Estado Português, por força das duas referidas Convenções, posto estarmos numa situação em que se verifica a previsão da al. d) do n.º 1 do art. 110.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

67 – O que fica dito, determina assim a competência dos tribunais portugueses para julgaram os factos imputados na acusação, para a qual remete o despacho de pronúncia, nos termos do art. 49.º, 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, manifestação do mesmo corolário que subjaz ao disposto no n.º 2 do art. 5.º do Código Penal.

68 – No mesmo sentido, pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora no âmbito do processo n.º 90/23.8JAFAR.E1, de 10.09.2024, disponível em texto integral no site www.dgsi.pt, no qual se pode ler “7ª (…) a Zona Económica Exclusiva (de Marrocos) surge na Convenção doDireito do Mar como umespaço marítimo no qualse aplica umregime específico (cfr. art. 55.º).

69 - Assim, “para efeitos de repressão do tráfico de estupefacientes a bordo de embarcações estrangeiras o alto mar começa ultrapassado o limite exterior do mar territorial, facto que convoca a aplicação em exclusivo das regras de jurisdição extraterritorial.

70 - Nos termos do n.º 2 do artigo 5.º do Código Penal, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional que o Estado Português se tenha obrigado a julgar por tratado ou convenção internacional. E, nos termos do artigo 49.º, al. b) do Decreto Lei 15/93, de 22.01 a lei penal portuguesa é aplicável a factos cometidos fora do território nacional quando praticados a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de ....

71 - Deste modo, o M.º P.º conclui pela improcedência do recurso nesta parte, devendo manter-se o decidido no acórdão ora em crise no que tange à legitimidade da intervenção no caso concreto da Força Aérea Portuguesa, da Marinha de Guerra Portuguesa, da Polícia Marítima e da Polícia Judiciária e ao julgar improcedente a exceção da incompetência dos tribunais portugueses e aplicáveis o direito penal e processual português, inexistindo qualquer violação dos normativos legais indicados pelo recorrente no recurso interposto e que aqui damos por reproduzidos.

72 - Alega ainda o recorrente que no caso concreto, se verificou a “quebra da cadeia da custódia de prova”, o que consubstancia a violação do disposto no artigo 249.º n.º 2 alínea a) do Código de Processo Penal e do artigo 32º, n.º 8 da nossa Constituição. Requer a revogação do acórdão e a declaração de “nulidade insanável dos presentes autos”.

73 - A este propósito, o M.º P.º considera que, também nesta parte, não lhe assiste razão. Na verdade, além de inexistir no nosso ordenamento jurídico qualquer regime ou normativo legal referente ao “conceito” de custódia de prova, também não se vislumbra tal“conceito” no elenco das nulidades insanáveis, previstas no art.º 119.º do C.P.P., nem tal resulta de qualquer outra disposição legal.

74 - Mais, da factualidade dada como provada e respectiva motivação e fundamentação de direito, resulta claro que inexistem quaisquer dúvidas em relação ao facto de o produto estupefaciente que os arguidos transportavam nas respectivas embarcações, à data da sua abordagem e intercepção por uma equipa de fuzileiros da Marinha, se trata do mesmo que foi posteriormente conduzido para o porto de ... e aí entregue por aquela à P.J., que realizou a apreensão do mesmo e o veio a remeter para o LPC.

75 - Pelo que, salvo o devido respeito, não tendo o procedimento adoptado quer pela Marinha, quer pela Polícia Marítima, quer pela P.J., violado qualquer preceito legal nem os aludidos art.º 249.º, n.º 2 al. b) do C.P.P. e 32.º, n.º 8 da C.R.P, deve julgar-se improcedente a nulidade ora invocada pelo recorrente.

76 - Invoca ainda o recorrente que “dos factos provados o tribunal “a quo”não consegue identificar de que forma os arguidos gizaram entre si um plano e com que propósito” tanto mais que estes “ não praticaram todos os mesmos factos, razão pela qual não poderia ter condenado como co-autor”. Considera ter sido violado o disposto no art.º 26.º do Código Penal, razão pela qual requer a revogação do acórdão proferido.

77 – Sem razão. De facto, face o teor da douta e exaustiva análise vertida no acórdão ora em crise no que tange à “ co-autoria”, quer na apreciação de direito quer na sua posterior aplicação ao caso concreto e atenta a factualidade dada como provada, o M.º P.º concorda e sufraga integralmente as considerações de facto e de direito ali realizadas pelo tribunal a quo - cfr. fls. 63 e ss. do acórdão ora em crise, e pugna pelo indeferimento do requerido, também nesta parte.

78 –Relativamente à medida da pena aplicada, ao invés do que sustenta o recorrente, o Ministério Público considera que na determinação concreta daquela penareferente ao crime de tráfico de estupefacientes, o Tribunal Coletivo valorou corretamente e no seu conjunto os factos e a personalidade do agente assim como todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a favor e contra o recorrente.

79 - Atendeu-se às prementes exigências de prevenção geral do tipo-de-ilícito imputado ao recorrente, atentas as proporções do flagelo da droga, com todas as consequências que daí advêm, sendo certo que na comarca de ..., dadas as suas condições geográficas de costa marítima, este tipo de crime se pratica com muita frequência, o que importa reprimir;

80 - ao elevado grau de ilicitude do facto considerando a quantidade do produto estupefaciente apreendido na embarcação tripulada pelo recorrente e pelos seus co-autores,, com um peso bruto global de cerca de 5215 kg e que excede em cerca de 1785 Kg, a quantidade de estupefaciente apreendido numa outra embarcação, onde eram tripulantes os co-arguidos por si mencionados, o que claramente denota um grau de ilicitude mais elevado da conduta por si assumida e que justifica o agravamento da pena que lhe foi aplicada em relação àqueles.

81 - De igual forma, ao invés do sustentado pelo recorrente, o tribunal a quo atendeu devidamente à circunstância de o mesmo não possuir antecedentes criminais, aofacto de não ter obtido vantagem patrimonial relevante com o cometimento do crime, assim como às suas condições pessoais.

82 -Valorou corretamente e no seu conjunto os factos e a personalidade do agente, nomeadamente, a natureza e a gravidade dos factos praticados pelo ora recorrente, o grau acentuado de culpa manifestado na execução do ilícito, a conduta deste anterior e posterior aos factos.

83 - Note-se ainda, que o recorrente não prestou qualquer colaboração na descoberta da verdade material, remetendo-se ao silêncio, não manifestando qualquer arrependimento, o que denota que o mesmo não possui consciência crítica em relação ao desvalor e à gravidade da sua conduta e os efeitos da mesma.

84 - Deste modo, temos quetais circunstâncias justificamque a penade prisão a impor ao recorrente pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, dentro dos limites consagrados no artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal, se situasse nos 6 ( seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, tal como entendeu o Tribunal Colectivo, que sopesou devidamente todas as circunstânciasrelevantes àdeterminaçãodamedidaconcretadapenaoraemcrise,deacordo com o disposto nos art.ºs 40.º, 70.º e 71.º todos do Código Penal.

85 - Por último, face o anteriormente explanado em relação ao decidido pelo tribunal colectivo no que tange à legitimidade da actuação, tanto da Marinha Portuguesa como da Polícia Marítima, cumpre apenas referir que o M.º P.º considera que o decidido não viola o disposto no artigo 5.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que pugna pela manutenção do decidido pelo Tribunal Colectivo.”

A.3.2. Resposta ao recurso de QQ

Conclusões

1 – O recorrente interpôs recurso do acórdão que o condenou, em co-autoria material com os co-arguidos JJ, KK e FF, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º do D.L. n.º 15/93, pena essa igualmente aplicada aos referidos co-arguidos.

2 - Sustenta que “Não se alcança da decisão recorrida nenhuma ilicitude mais acentuada, ou qualquer outro fator de relevo mais gravoso em comparação com os demais arguidos GG, HH, II e DD, que justificasse a que ao recorrente” fosse aplicada a referida pena, “um ano e seis meses de prisão a mais.” daquelas que foram aplicadas aos ora aludidos arguidos.

3 – Sem razão. Tal alegação padece desde logo de lapso, uma vez que os arguidos que vimos de referir foram condenados nas penas de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão logo, a pena do recorrente excede aquelas apenas em um ano.

4 - Por outro lado, no acórdão recorrido pode ler-se “os arguidos JJ, KK, QQ e FF participaram no transporte de uma quantidade de canábis (resina) elevada, suscetível de ser dividida em vários milhões de doses, o que configura um fator que eleva, de forma acentuada, a ilicitude; quanto aos arguidos GG, HH, DD e II, transportaram uma quantidade relevantemente menor do mesmo produto estupefaciente,(…).”

5 - Mais, resulta da factualidade dada como provada (e não impugnada nesta sede), que o ora recorrente participou numa operação de transporte marítimo de canábis (resina), em co-autoria material, não com os arguidos por si referidos no seu recurso, mas sim com os co-arguidos aludidos em 1;

6 - e que estes transportaram, no interior de uma embarcação, 149 (cento e quarenta e nove) fardos que continham no respectivo interior canábis (resina), com um peso bruto global de cerca de 5215 kg, conforme resulta da prova junta aos autos.

7- Já os co-arguidos referidos em 2., foram interceptados no interior de uma outra embarcação na qual transportavam 99 (noventa e nove) fardos que continham no respectivo interior placas de canábis ( resina), com um peso bruto global de cerca de 3430 kg.

8 - Temos assim, que a quantidade de estupefaciente transportada pelo recorrente e seus co-autores é manifestamente superior àquela que transportaram os demais arguidos por si referenciados, excedendo-a em cerca de 1785 Kg, o que claramente denota um grau de ilicitude mais elevado da conduta por si assumida e que justifica o agravamento da pena que lhe foi aplicada em relação àquelas que foram aplicadas aos arguidos referidos em 2..

9 – De igual forma, ao invés do sustentado pelo recorrente, o tribunal a quo atendeu devidamente à circunstância de o mesmo não possuir antecedentes criminais, aofacto de não ter obtido vantagem patrimonial relevante com o cometimento do crime, assim como às suas condições pessoais.

10 – Valorou corretamente e no seu conjunto os factos e a personalidade do agente, nomeadamente, a natureza e a gravidade dos factos praticados pelo ora recorrente, o grau acentuado de culpa manifestado na execução do ilícito, a conduta deste anterior e posterior aos factos.

11- Note-se ainda, que o recorrente não prestou qualquer colaboração na descoberta da verdade material, remetendo-se ao silêncio, não manifestando qualquer arrependimento, o que denota que o mesmo não possui consciência crítica em relação ao desvalor e à gravidade da sua conduta e os efeitos da mesma,

12 - antes pretendendo fazer crer, já em sede de recurso, que a sua participação no crime foi meramente acidental ou “forçada”, tornando-se uma vítima das circunstâncias inerentes à actividade criminosa desenvolvida pelas organizações que se dedicam ao tráfico internacional de estupefacientes, que se aproveitam de indivíduos como o recorrente, que aceitam participar em operações como a em causa nos autos em troca de escassos valores monetários face a sua situação económica precária, o que também foi considerado pelo tribunal a quo .

13 - Deste modo,temos quetais circunstânciasjustificamque a penade prisão a impor ao recorrente pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, dentro dos limites consagrados no artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal, se situasse nos 6 ( seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, tal como entendeu o Tribunal Colectivo, que sopesou devidamente todas as circunstânciasrelevantes àdeterminaçãodamedidaconcretadapenaoraemcrise,deacordo com o disposto nos art.ºs 40.º, 50.º, 70.º e 71.º todos do Código Penal.

14 - Daí que, inexistam razões que justifiquem a revogação da pena concretamente aplicada e a sua substituição por outra, não superior a 5 anos de prisão, que deverá ser suspensa na sua execução, com regime de prova, como pretende o recorrente, pretensão essa à qual se opõem as prementes exigências de prevenção geral e especial que se verificam no caso concreto.

15 - Note-se ainda, que a alegação de que o tempo de prisão preventiva já sofrida pelo recorrente serviu de “castigo” suficiente à sua conduta e que o cumprimento da pena aplicada acarretará a sua “dessocialização total”, considerando o ambiente nos estabelecimentos prisionais, que “são verdadeiras escolas para o cometimento de futuros crimes, para além das parcas condições de higiene e segurança que são de conhecimento publico e notório”,

16 - Não são fundamentos legais de suspensão da execução da pena, previstos no art.º 50.º do Código Penal, não se vislumbrando qualquer possibilidade de formular um juízo de prognose favorável ao agente, face a todo o circunstancialismo subjacente ao caso concreto.

17 – Pelo exposto e atenta a moldura penal abstracta do crime de tráfico de estupefacientes praticado pelo arguido, uma vez que o douto Acórdão objeto do presente recurso não merece qualquer censura na apreciação que fez das circunstâncias relevantes para a determinação da pena que acabou por aplicar ao ora recorrente, o Ministério Público pugna pela manutenção do decidido.”

A.3.3. Resposta ao recurso de BB, CC, DD, LL

“Conclusões

1 - Os recorrentes supra identificados interpuseram recurso do acórdão proferido nos autos à margem referenciados, no qual o Tribunal Coletivo decidiu condená-los, pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-C anexa a esse diploma, nas penas de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2 – Pugnam pela revogação do acórdão proferido, uma vez que, em seu entender, tendo os recorrentes sido interceptados a transportar estupefacientes na Zona Económica Exclusiva de Marrocos, sobre a qual tal Estado tem plena soberania e jurisdição, a intervenção no caso concreto da Marinha de Guerra Portuguesa e da Polícia Marítima é ilegítima e ilegal,

3 - Uma vez que em tais zonas “que não são alto mar ou águas internacionais”, não são aplicáveis as normas previstas na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar nem a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988, ao que acresce a circunstância de inexistir qualquer acordo ou tratado entre Portugal e Marrocos no que tange ao combate ao tráfico de estupefacientes cometido por via marítima.

4 – Consequentemente, pugnam pela Incompetência internacional dos Tribunais portugueses bem como pela inaplicabilidade da lei penal e processual penal portuguesas, face o disposto nos art.ºs 4.º e 6.º do C.P.P. e art.º 1.º da CRP;

5 - O M.º P.º considera que não assiste qualquer razão aos recorrentes na análise e interpretação das normas jurídicas por si referenciadas nem nas conclusões e consequências jurídicas que extraem das mesmas, antes sufragando o decidido no acórdão recorrido em relação às questões ora suscitadas pelos recorrentes.

6 – A este propósito, considerou e bem o tribunal a quo que “A Convençãodas Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada e ratificada pelo Reino de Marrocos e pela República Portuguesa(…), estabeleceu, no seu art.º 55.º, um regime jurídico específico quanto à ZEE, configurando-a como “uma zona situada além do mar territorial e a este adjacente, sujeita ao regime jurídico específico estabelecido na presente parte, segundo o qual os direitos e a jurisdição do Estado costeiro e os direitos e liberdades dos demais Estados são regidos pelas disposições pertinentes da presente convenção”. (sublinhado nosso)

7 – Por seu turno, decorre do disposto no art.º 58.º da aludida convenção, no que concerne aos direitos e deveres da República Portuguesa na Zona Económica Exclusiva do Reino de Marrocos, que as embarcações e aeronaves nacionais têm liberdade de navegação e sobrevoo, respetivamente, aplicando-se o disposto nos arts. 88.º a 115.º da Convenção.

8 - E, no art.º 108.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar estabelece-se o dever de todos os Estados cooperarem para a repressão do tráfico ilícito de estupefacientese substâncias psicotrópicas praticado pornavios no alto mar, incluindo a ZEE, conforme o art. 58.º, 2, do mesmo diploma.

9 – Mais, a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988, assinada e ratificada pela República Portuguesa e pelo Reino de Marrocos, impõe ao Estado Português o dever de eliminar o tráfico de estupefacientes ilícito por mar e, designadamente, de, no caso de se descobrirem provas de envolvimento no tráfico ilícito, adotar medidas adequadas em relação ao navio, às pessoas e à carga que se encontrem a bordo – cfr. art. 17.º desta última Convenção. (…)”

10 - No caso concreto, “(…) Inexistindo tratado bilateral entre a República Portuguesa e o Reinode Marrocossobre amatéria em causa,temosque,perantea suspeita dotransporte de estupefacientes nas embarcações de que eram tripulantes os arguidos (…) a embarcação da Marinha Portuguesa (…) e a Polícia Marítima (…)” interceptaram a embarcação da qual eramtripulantesos ora arguidos, sem nacionalidade ouqualquer outro elemento identificativo, “nos termos do disposto no art. 110.º, 1, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, conjugado com aquele art. 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988.

11 - Nestes termos, concluiu e bem o tribunal a quo que, “sendo a nacionalidade das duas embarcações desconhecida ou inexistente e sobre elas incidindo suspeitas de que asseguravam o transporte ilícito de produto estupefaciente, a República Portuguesa podia exercer, sobre as mesmas, em todos os espaços marítimos além dos limites externos dos mares territoriais (ou seja, em águas internacionais) - que incluem a zona contígua, a zona económica exclusiva e o alto mar – “ o direito de visita, nos termos do art. 110.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, o direito de busca;

12 - Assim como “A extensão da jurisdição, que pode ser exercida pelo Estado de abordagem, após o exercício do direito de visita em relação a uma embarcação, como, neste caso, sem nacionalidade, nos termos do art. 49.º, 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01”, segundo o qual a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional: quando praticados a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988,

13 - Mais, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 5.º do Código Penal, “a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional que o Estado Português se tenha obrigado a julgar por tratado ou convenção internacional”, tendo-se igualmente considerado, quanto à aplicação da Lei Processual Penal Portuguesa, é aplicável ao caso dos autos o disposto no art. 20.º, 3, do Código de Processo Penal, sendo competente o Tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia do crime.

14 – No nosso ordenamento jurídico, a Lei n.º 34/2006, de 28/07, estabelece que “os poderes a exercer pelo Estado Português no mar compreendem, sem prejuízo do estabelecido em legislação especial, aqueles que estejam consagrados: a) em normas e princípios do direito internacional que vinculam o Estado Português (…)”, como sejam as Convenções das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988 e sobre o Direito do Mar.

15 – E, o exercício da autoridade do Estado Português nas zonas marítimas sob a sua soberania ou jurisdição e no alto mar, compete às entidades que exercem o poder de autoridade marítima no quadro do Sistema de Autoridade Marítima, à Marinha e à Força Aérea, no âmbito das respetivas competências – vd. art.º 14.º do ora citado diploma legal

16 – Logo, tais entidades têm o direito de visita em relação a navios estrangeiros ou que não ostentem qualquer identificação - o artigo 18.º al. b), da Lei n.º 34/2006, de 28/07, que circulem em alto mar, onde se inclui, para esses efeitos, a ZEE do Reino de Marrocos.

17 – E, caso se constate a prática de ilícito durante a visita a bordo, como sucedeu no caso concreto, são aplicadas as medidas cautelares adequadas, designadamente a apreensão dos bens e documentos que constituem os meios de prova, a detenção dos tripulantes e o apresamento do navio, que será conduzido para um porto português onde fica à ordem da autoridade competente – art.º 19.º e 20.º da Lei supra referida.

18 – Logo, no caso concreto, tanto a Marinha Portuguesa como a Polícia Marítima atuaram na concretização dos deveres que recaem sob o Estado Português, por força das duas referidas Convenções, posto estarmos numa situação em que se verifica a previsão da al. d) do n.º 1 do art. 110.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

19 – O que fica dito, determina assim a competência dos tribunais portugueses para julgaram os factos imputados na acusação, para que remete a pronúncia, nos termos do art. 49.º, 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, manifestação do mesmo corolário que subjaz ao disposto no n.º 2 do art. 5.º do Código Penal.

20 – No mesmo sentido, pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora no âmbito do processo n.º 90/23.8JAFAR.E1, de 10.09.2024, disponível em texto integral no site www.dgsi.pt, no qual se pode ler “7ª (…) a Zona Económica Exclusiva (de Marrocos) surge na Convenção doDireito do Mar como umespaço marítimo no qualse aplica umregime específico (cfr. art. 55.º).

21 - Assim, “para efeitos de repressão do tráfico de estupefacientes a bordo de embarcações estrangeiras o alto mar começa ultrapassado o limite exterior do mar territorial, facto que convoca a aplicação em exclusivo das regras de jurisdição extraterritorial.

22- Nos termos do n.º 2 do artigo 5.º do Código Penal, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional que o Estado Português se tenha obrigado a julgar por tratado ou convenção internacional. E, nos termos do artigo 49.º, al. b) do Decreto Lei 15/93, de 22.01 a lei penal portuguesa é aplicável a factos cometidos fora do território nacional quando praticados a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988.

23 - Deste modo, o M.º P.º conclui pela improcedência do recurso nesta parte, devendo manter-se o decidido no acórdão ora em crise no que tange à legitimidade da intervenção no caso concreto da Força Aérea Portuguesa, da Marinha de Guerra Portuguesa, da Polícia Marítima e da Polícia Judiciária e ao julgar improcedente a exceção da incompetência dos tribunais portugueses e aplicáveis o direito penal e processual português, inexistindo qualquer violação dos normativos legais indicados pelos recorrentes no recurso interposto e que aqui damos por reproduzidos.

24 – Por último, no que concerne à medida concreta das penas aplicadas a cada um dos recorrentes, 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, também se nos afigura que inexiste fundamento atendível para a preconizada redução das mesmas para 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses.

25 – Não se vislumbrando no caso concreto qualquer violação do disposto nos artigos 40.º, 70.º, 71.º e 77.º, n.º 2 todos do Código Penal, por devidamente sopesadas todas as circunstâncias relevantes para a determinação damedida das penasde prisão concretamente aplicadas aos recorrentes, o Ministério Público pugna pela manutenção do decidido pelo Tribunal Colectivo.”

A.4. O parecer do Ministério Público

O Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça emitiu extenso e bem fundamentado parecer, no qual concorda com a posição já assumida pelo Ministério Público na primeira instância, e do qual se extrai o seguinte excerto:

“São competentes os Tribunais Portugueses para o julgamento relativo ao objecto do presente processo, por deferimento por Convenção Internacional;

Foi legítima a intervenção da Marinha de Guerra Portuguesa e da Polícia Marítima;

Não foi cometida nulidade insanável por perda da cadeia de custódia de prova.

Não é inconstitucional a disposição do art. 110º/1-d) da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar;

A falta ou insuficiência do inquérito assenta na omissão da realização de diligência processual obrigatória e constitui nulidade sanável arguível até ao encerramento do debate instrutório;

A acta da audiência deve conter, nomeadamente, os requerimentos, decisões e quaisquer outras indicações que, por força da lei, dela devam constar, sendo que, porém, no caso de ser utilizado registo áudio ou audiovisual não há lugar a transcrição;

São critérios de essencialidade, necessidade ou, no mínimo, conveniência que impõem a realização de diligências probatórias ao abrigo do princípio da investigação;

Não constitui “alteração substancial dos factos” a precisão e reconfiguração dos factos constantes da Pronúncia (com referência à Acusação), por integração complementar da matéria da imputação, já de si jurídico-penalmente definida;

O Tribunal “a quo”, ao aplicar as penas, apreendeu e valorou sem excesso a natureza e gravidade dos factos-crime e a personalidade dos arguidos, na sua relação dialéctica e expressão ético-social.”

A.5 Contraditório

Notificados nos termos do disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, responderam apenas os recorrentes BB, CC, DD e LL, os quais se manifestaram em total discordância com o Ministério Público e, em substância, mantiveram o que já tinham consignado nas suas motivações de recurso, terminando a resposta com as seguintes conclusões:

“Foi ilegítima a intervenção da Polícia Marítima;

São incompetentes os Tribunais Portugueses para o julgamento relativo ao objeto do presente processo.”

** *

Colhidos os vistos foi realizada a audiência, na qual e em suma, o recorrente que requereu manteve o exposto nas motivações de recurso, tendo dado especial ênfase às questões relativas às alegadas Ilegitimidades da atuação da Marinha de Guerra e da Polícia Marítima, à alegada incompetência dos Tribunais Portugueses, à quebra da cadeia da prova e à natureza excessiva da medida da pena.

Realizada a conferência cumpre apreciar e decidir.

B - Fundamentação

B.1. âmbito do recurso

O âmbito do recurso delimita-se, como já atrás se referiu, pelas conclusões do recorrente (artigos 402º, 403º e 412º do Código de Processo Penal) sem prejuízo, se necessário à sua boa decisão, da competência do Supremo Tribunal de Justiça para, oficiosamente, conhecer dos vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410º, nº 2, do mesmo diploma legal, (acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/95 in D.R. I Série de 28 de dezembro de 1995), de nulidades não sanadas (nº 3 do aludido artigo 410º) e de nulidades da sentença ( artigo 379º, nº do Código de Processo Penal).

Assim e em suma, as questões a apreciar no presente recurso são as seguintes:

Colocadas pelo recorrente FF:

1. Da alegada Ilegitimidades da atuação da Marinha de Guerra e da Polícia Marítima e da incompetência dos Tribunais Portugueses;

2. Da alegada inconstitucionalidade da interpretação da alínea d) do artigo 110º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar no sentido de que, tanto a Marinha de Guerra Portuguesa como a Polícia Marítima, atuaram na concretização dos deveres que recaem sobre o Estado Português, por força da aludida convenção e da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substância Psicotrópicas de 1988;

3. Da alegada nulidade das gravações feitas na audiência de julgamento de ... de ... de 2024 e da nulidade da respetiva ata;

4. Da alteração (não) substancial dos factos vertidos no libelo acusatório;

5. Da alegada violação dos direitos de defesa do arguido;

6. Da (alegada) ausência de investigação;

7. Do alegado erro notório na apreciação da prova e da alegada violação do princípio da livre apreciação da prova;

8. Da alegada quebra da cadeia de custódia;

9. Do alegado não preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do artigo 21º, por referência à tabela I-C a ele anexa, do Dec. Lei 15/93, de 22 de janeiro e da alteração do bem jurídico protegido;

10. Da inexistência de coautoria;

11. Da medida da pena.

Colocada pelo recorrente QQ:

1. Da excessiva medida da pena.

Colocadas pelos recorrentes BB, CC, DD, LL:

1. Da alegada Ilegitimidades e ilegalidade da atuação da Marinha de Guerra e da Polícia Marítima, da incompetência dos Tribunais Portugueses e da alegada inaplicabilidade da Lei Penal e Processual Penal Portuguesa;

2. Da excessiva medida da pena

B.2. Matéria de facto dada como provada e não provada

Para proceder a essa apreciação importa, antes de mais consignar a matéria de facto dada como provada e não provada.

Assim, foi dada como provada e não provada a seguinte matéria de facto1:

“A.1.) DA PRONÚNCIA, DA DEFESA DOS ARGUIDOS e RESULTANTES DA DISCUSSÃO DA CAUSA

1. No dia ... de ... de 2023, antes das 16:47 horas, os arguidos OO, PP, QQ e FF navegavam na posição geográfica de Latitude 36º 11’ 27’’N e Longitude 007º 44’ 54’’W, numa embarcação com 12,8 metros de comprimento, com o casco de cor branca e flutuadores de cor azul, sem marca, nem número de casco e sem quaisquer inscrições de registo ou pavilhão, com 4 motores fora de borda da marca Yamaha, modelo 200HP V6 e com os números de série .KF N ......., .JE X ......., .JD U ....... e .JD X ......., cada um deles com a potência de 300 HP, na qual se encontravam acondicionadas 149 embalagens contendo:

1.1. 5610 placas de canábis (resina) com o peso de 541808,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 23.1 % (correspondente a 2503152 doses individuais);

1.2. 5940 placas de canábis (resina) com o peso de 573398,000 gramas, com um grau de concentração de THC 31.0% (correspondente a 3555067 doses individuais).

1.3. 5610 placas de canábis (resina) com o peso de 541808,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 31.3% (correspondente a 3391718 doses individuais);

1.4. 5280 placas de canábis (resina) com o peso de 517583,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 23.2 % (correspondente a 2401585 doses individuais);

1.5. 4290 placas de canábis (resina) com o peso de 416706,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 29.5% (correspondente a 2458565 doses individuais);

1.6. 3960 placas de canábis (resina) com o peso de 385481,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 29.1 % (correspondente a 2243499 doses individuais);

1.7. 3300 placas de canábis (resina) com o peso de 318254,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 34.5% (correspondente a 2195952 doses individuais);

1.8. 2310 placas de canábis (resina) com o peso de 222222.000 gramas, com um grau de concentração de THC de 33.9% (correspondente a 1506665 doses individuais);

1.9. 1980 placas de canábis (resina) com o peso de 191027,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 34.9% (correspondente a doses 1333368 individuais);

1.10. 1800 placas de canábis (resina) com o peso de 173700,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 29.8% (correspondente a 1035251 doses individuais);

1.11. 1650 placas de canábis (resina) com o peso de 162329,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 34.3 % (correspondente a 1113576 doses individuais);

1.12. 1650 placas de canábis (resina) com o peso de 158793,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 30.9 % (correspondente a 981340 doses individuais);

1.13. 1200 placas de canábis (resina) com o peso de 115600,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 30.0 % (correspondente a 693600 doses individuais);

1.14. 660 placas de canábis (resina) com o peso de 64582,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 28.6% (correspondente a 369409 doses individuais);

1.15. 660 placas de canábis (resina) com o peso de 64631,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 25.4% (correspondente a 328325 doses individuais);

1.16. 990 placas de canábis (resina) com o peso de 94380,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 40.5% (correspondente a 764478 doses individuais);

1.17. 990 placas de canábis (resina) com o peso de 97860,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 26.5% (correspondente a 518658 doses individuais);

1.18. 350 placas de canábis (resina) com o peso de 34440.000 gramas, com um grau de concentração de THC de 24.8% (correspondente a 170822 doses individuais);

1.19. 330 placas de canábis (resina) com o peso de 32472,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 34.0% (correspondente a 220809 doses individuais);

1.20. 330 placas de canábis (resina) com o peso de 31916,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 36,2%, (correspondente a 231071 doses individuais).

2. No circunstancialismo descrito em 1., a embarcação aí identificada veio a ser avistada pela Força Aérea, o mesmo tendo sucedido com uma outra embarcação, de cores cinza e preta, com quatro motores fora de bordo e quatro tripulantes, que também se encontravam rodeados de embalagens.

3. Nessa sequência, a Força Aérea comunicou à Autoridade Marítima e à Polícia Judiciária as coordenadas geográficas onde avistou as embarcações identificadas em 1. e 2., o que determinou que o Comandante da Zona Marítima do Sul (exercendo funções na Marinha e na Polícia Marítima) desse ordem para pelo menos uma embarcação da Marinha se deslocar para as coordenadas geográficas conhecidas.

4. Pelas 17:50 horas desse dia ... de ... de 2023, a embarcação identificada em 1. com as embalagens ali descritas e os arguidos OO, PP, QQ e FF a bordo, veio a ser localizada pela embarcação da Marinha nas coordenadas de Latitude 35º 39’N e Longitude 007º 31’W, tendo os Fuzileiros que se encontravam a bordo da mesma abordado tal embarcação e colocado os arguidos, seus tripulantes, bem como a embalagem com o conteúdo descrito em 1.20., na embarcação da Marinha, por terem suspeitado de que estes transportavam produto estupefaciente.

5. A hora não concretamente apurada desse dia ... de ... de 2023, na sequência do descrito em 4., o Comandante da Zona Marítima do Sul deu ordem para uma embarcação da Polícia Marítima se deslocar para as coordenadas geográficas aí mencionadas, a fim de apoiar a missão a Marinha, em curso.

6. A hora não concretamente apurada do dia ... de ... de 2023, mas seguramente após as 17:50 horas e antes das 20:20 horas, chegou ao local mencionado em 4. a embarcação da Polícia Marítima denominada “...”, não tendo aí sido avistada, pela respetiva tripulação, a embarcação da Marinha.

7. RR, Agente da Polícia Marítima que integrava a tripulação da embarcação mencionada em 6., tentou estabelecer comunicação com a embarcação da Marinha à qual vinha prestar apoio, tendo-se a mesma inviabilizado, na sequência do que ligou o radar.

8. A dado momento, foi detetada pelo radar a presença de uma outra embarcação, na sequência do que a referida embarcação da Polícia Marítima navegou ao seu encontro.

9. Nessas circunstâncias, pelas 20:20 horas desse dia ... de ... de 2023, os arguidos BB, CC, II e DD navegavam na posição geográfica de Latitude 35º 40’N e Longitude 007º 37’W, numa embarcação com 12,4 metros de comprimento, com o casco de cor cinza escuro e flutuadores de cor preta, sem marca, nem número de casco e sem quaisquer inscrições de registo ou pavilhão, com 3 motores fora de borda da marca Yamaha, modelo XTO ...HP V., sem números de série, cada um deles com a potência de 425 HP, na qual se encontravam acondicionadas 98 embalagens contendo:

9.1. 990 placas de canábis (resina) com o peso de 95520.000 gramas, com um grau de concentração de THC de 37,9 % (correspondente a 724041,000 doses individuais);

9.2. 990 placas de canábis (resina) com o peso de 97800,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 34,2% (correspondente a 668952 doses individuais):

9.3. 990 placas de canábis (resina) com o peso de 95220,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 34,6% (correspondente a 658922 doses individuais);

9.4. 1320 placas de canábis (resina) com o peso de 129916,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 34,2 % (correspondente a 888625 doses individuais);

9.5. 1650 placas de canábis (resina) com o peso de 160993,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 27,2% (correspondente a 875801 doses individuais);

9.6. 1650 placas de canábis (resina) com o peso de 163036,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 26,1 % (correspondente a 851047 doses individuais)

9.7. 660 placas de canábis (resina) com o peso de 64338,000 gramas, com um grau de pureza de 29,7% (correspondente a 382167 doses individuais);

9.8. 990 placas de canábis (resina) com o peso de 96720,000 gramas, com um grau de pureza de 29,7% (correspondente a 574516 doses individuais);

9.9. 1800 placas de canábis (resina) com o peso de 173536,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 30,0% (correspondente a doses 1041215 individuais);

9.10. 1320 placas de canábis (resina) com o peso de 127554,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 31,5% (correspondente a 803590 doses individuais);

9.11. 1320 placas de canábis (resina) com o peso de 127484,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 35,1% (correspondente a 894937 doses individuais);

9.12. 1800 placas de canábis (resina) com o peso de 173373,000 gramas, com um grau de pureza de 30,0 % (correspondente a 1040238 doses individuais);

9.13. 660 placas de canábis (resina) com o peso de 64729.000 gramas, com um grau de concentração de THC de 29,6 % (correspondente a 383195 doses individuais);

9.14. 300 placas de canábis (resina) com o peso de 29479,000 gramas, com um grau de pureza de 35,4% (correspondente a 208711 doses individuais);

9.15. 990 placas de canábis (resina) com o peso de 96420,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 26,6% (correspondente a 512954 doses individuais);

9.16 4290 placas de canábis (resina) com o peso de 418883,000 gramas, com um grau de pureza de 32,1% (correspondente a 2689228 doses individuais);

9.17. 2640 placas de canábis (resina) com o peso de 255034,000 gramas, com um grau de pureza de 34,4% (correspondente a 1754633 doses individuais);

9.18. 3960 placas de canábis (resina) com o peso de 382635,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 31,4% (correspondente a 2402947 doses individuais);

9.19. 3300 placas de canábis (resina) com o peso de 323512,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 25,3% (correspondente a 1636970 doses individuais);

9.20. 330 placas de canábis (resina) com o peso de 32008,000 gramas, com um grau de concentração de THC de 36,2%, (correspondente a 208692 doses individuais).

10. Os Agentes da Polícia Marítima que se encontravam a bordo da embarcação “...”, percecionando as características de acondicionamento da carga transportada na embarcação descrita em 9., abordaram a mesma e colocaram os arguidos, seus tripulantes, bem como a embalagem com o conteúdo descrito em 9.20., na embarcação da Polícia Marítima, por terem suspeitado de que estes transportavam produto estupefaciente.

11. Na sequência do descrito em 4., os arguidos OO, PP, QQ e FF foram conduzidos, pelos Militares da Marinha, para o Porto Comercial de..., onde chegaram às 03:00 horas do dia ... de ... de 2023.

12. Na sequência do descrito em 10., os arguidos BB, CC, II e DD foram conduzidos, pelos Agentes da Polícia Marítima, para o Porto ..., onde chegaram à 01:00 hora do dia ... de ... de 2023.

13. Para o Porto Comercial de ... foram igualmente conduzidas a embarcação descrita em 1., com a canábis (resina) aí identificada sob os pontos 1.1. a 1.19., e a embarcação descrita em 9., com a canábis (resina) aí identificada sob os pontos 9.1. a 9.19., sendo que ambas, devido ao comprometimento do funcionamento de pelo menos um dos respetivos motores, vieram atreladas, respetivamente, ao Navio da República Portuguesa (NRP) Dragão e ao Navio da República Portuguesa (NRP) Cassiopeia.

14. No Porto Comercial ..., sequencialmente, a Polícia Judiciária recebeu e submeteu o conteúdo de cada uma das embalagens referidas sob os pontos 9.20. e 1.20. a teste rápido DIK 12, tendo reagido positivamente para canábis.

15. Nessa sequência, a Polícia Judiciária apreendeu as embalagens referidas em 14. e conduziu às suas instalações da ..., em ..., os arguidos BB, CC, II e DD e OO, PP, QQ e FF, os quais foram constituídos arguidos.

16. Na sequência do descrito em 13., a Polícia Judiciária apreendeu a embarcação descrita em 9., as embalagens contendo canábis (resina) identificadas nos pontos 9.1. a 9.19., bem como a embarcação descrita em 1. e as embalagens contendo canábis (resina) identificadas sob os pontos 1.1. a 1.19..

17. No interior da embarcação identificada em 1., foram ainda encontrados e apreendidos:

17.1. Um telefone satélite da marca Inmarsat, modelo IsotPhone 2.1. (com o valor comercial de 550,00€), com a respetiva bateria, de cor preta, com um cartão SIM da Operadora Fleet One Coastal com o n.º ...;

17.2. Um telefone satélite da marca Iridium, modelo 9555N (com o valor comercial de 450,00€), com a respetiva bateria, de cor preta, com um cartão SIM da Operadora Iridium Everywhere com o n.º ...;

17.3. Um telefone satélite da marca Iridium, modelo 9555N (com o valor comercial de 450,00€), com a respetiva bateria, de cor preta, com um cartão SIM da Operadora Iridium Everywhere com o n.º ...;

17.4. Um telefone satélite da marca Iridium, modelo 9555N (com o valor comercial de 450,00€), com a respetiva bateria, de cor preta, com um cartão SIM da Operadora Iridium Everywhere com o n.º ...;

17.5. Um telemóvel da marca Apple, modelo iPhone A1779, de cor preta, com o IMEI ... e com um cartão nano SIM da Operadora Vodafone com o n.º ...;

17.6. Um telemóvel da marca Nokia, modelo TA-1174, de cor preta, com o IMEI1 ... e o IMEI2 ..., com bateria e com um cartão SIM da Operadora Vodafone com o n.º ...;

17.7. Um aparelho GPS da marca Garmin, modelo GPSMAP276CX, de cor preta, com a respetiva bateria e sem cartão;

17.8. 28 jerricans, alguns contendo combustível;

17.9. Uma saqueta contendo no seu interior 19,667 gramas de canábis (resina) com um grau de concentração de THC de 34,4% (correspondente a 135 doses individuais).

18. No interior da embarcação identificada em 9., foram ainda encontrados e apreendidos:

18.1. Um telefone satélite da marca Iridium, modelo 9555N, com a respetiva bateria, de cor preta, com o IMEI ... (com o valor comercial de 450,00€), com um cartão SIM da Operadora Iridium Everywhere com o n.º ...;

18.2. um telemóvel da marca Nokia, modelo TA-1203, de cor preta, com o IMEI ..., com bateria e com um cartão SIM da Operadora Vodafone com a referência n.º ...;

18.3. um telemóvel da marca Nokia, modelo TA-1203, de cor preta, com o IMEI ..., com bateria e com um cartão SIM da Operadora Vodafone com a referência n.º ...;

18.4. um telemóvel da marca Nokia, modelo TA-1203, de cor preta, com o IMEI ..., com bateria e com um cartão SIM da Operadora Vodafone com a referência n.º ...;

18.5. Um aparelho GPS da marca Garmin, modelo GPSMAP 78S, de cor preta e cinzenta, com 2 pilhas Kodak tipo AA, sem cartão SIM, contendo um cartão de memória da marca Phillips, com 8GB de armazenamento;

18.6. Um aparelho GPS da marca Garmin, modelo GPSMAP 276CX, de cor preta e cinzenta, com a respetiva bateria, sem cartão SIM, contendo um cartão de memória da marca Phillips, com 8GB de armazenamento;

19. Os telefones de satélite e os GPS descritos em 17.1. a 17.4, em 17.7., em 18.1, 18.5. e 18.6. visavam permitir que a embarcação em que foram encontrados conseguisse rumar até às coordenadas fornecidas aos arguidos e para comunicar com as pessoas que davam orientações sobre o rumo e destino da respetiva embarcação.

20. Os seguintes arguidos tinham ainda na sua posse:

20.1. O arguido OO trazia consigo um telemóvel da marca Samsung, modelo A31 (com o IMEI1 .../01 e IMEI2 355870115705482/01), respetivos cartões nano SIM, 250,00€ em notas do Banco Central Europeu e um pedaço de canábis (resina) com o peso líquido de 4,291gramas, correspondente a 21 doses individuais diárias;

20.2. O arguido PP detinha um telemóvel da marca Apple, modelo iPhone 13 (com o IMEI1 ... e o IMEI2 ...), respectivo cartão nano SIM e um pedaço de canábis (resina) com o peso líquido de 1,446 gramas, correspondente a 7 doses individuais diárias;

20.3. O arguidoQQ trazia consigo a quantia de 60,00€ em notas do Banco Central Europeu e um telemóvel da marca Xiaomi, modelo 9C NFC (com o IMEI1 ... e IMEI2...);

20.4. O arguido DD trazia consigo a quantia de 170,00€ em notas do Banco Central Europeu;

20.5. O arguido II trazia consigo a quantia de 255,00€ em notas do Banco Central Europeu.

21. Os arguidos previram e quiseram agir da forma descrita.

22. Atuaram os arguidos GG, HH, II e DD de comum acordo e em conjugação de esforços, com perfeito conhecimento das características estupefacientes e psicotrópicas das substâncias que transportavam e que se destinavam à venda a terceiros.

23. Atuaram os arguidos JJ, KK,QQe FF de comum acordo e em conjugação de esforços, com perfeito conhecimento das características estupefacientes e psicotrópicas das substâncias que transportavam e que se destinavam à venda a terceiros.

24. Os arguidos agiram voluntária, livre e conscientemente, sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.

A.2) RELATIVOS ÀS CONDIÇÕES PESSOAIS E SOCIOECONÓMICAS E PASSADO CRIMINAL DE GG:

25. O arguido GG nasceu no dia ... de ... de 1999.

26. É natural de Ceuta, no Reino de Espanha e nacional deste país, onde residia, até à sua detenção, em habitação própria dos seus progenitores, com estes e com 3 irmãos, com 30, 26 e 13 anos de idade.

27. O relacionamento intrafamiliar caracterizava-se pelo respeito entre os seus elementos, sendo a habitação descrita como detentora de adequadas condições de habitabilidade.

28. O arguido mantém uma relação afetiva com uma jovem estudante da sua cidade.

29. O arguido frequentou o ensino secundário, que completou.

30. Iniciou vida laboral como taxista, profissão que desenvolveu por conta de terceiro – auferindo, então, cerca de 600,00€/mês – até 2020, ano em que ficou desempregado, sendo o seu sustento suportado pelos seus progenitores.

31. As condições económicas da família do arguido assentam nos rendimentos do trabalho, sendo que o seu pai trabalha como ....

32. O arguido GG encontra-se sujeito à medida coativa de prisão preventiva desde o dia ... de ... de 2023.

33. Está atualmente preso no Estabelecimento Prisional..., apresentando um comportamento institucional adaptado.

34. Tem sido visitado pela família, de forma espaçada, devido a restrições económicas, mantendo com a esta contactos telefónicos e realizando videochamadas com a avó.

35. Em contexto de reclusão, o arguido frequenta aulas de português.

36. O arguido GG não possui averbamentos no seu Certificado do Registo Criminal.

A.3) RELATIVOS ÀS CONDIÇÕES PESSOAIS E SOCIOECONÓMICAS E PASSADO CRIMINAL DE JESUS TIRADO:

37. O arguido HH nasceu no dia ... de ... de 1992.

38. É natural de Ceuta, no Reino de Espanha e nacional deste país.

39. O arguido é o terceiro de quatro irmãos e cresceu integrado numa família de base muçulmana. Economicamente, a família dispunha de condições suficientes para assegurar uma subsistência básica, sem ser desafogada.

40. O arguido como habilitações literárias o 10.º ano de escolaridade; deixou de estudar aos 14/ 15 anos de idade, mas frequentou e concluiu mais tarde cursos profissionais de ..., ... e ... numa fase em que esteve desempregado, mas nunca exerceu profissionalmente estas atividades.

41. O arguido é casado e pai de 3 filhos (com 14 anos, 4 anos e 11 meses, respetivamente), tendo a descendente mais velha – que sempre integrou o agregado familiar de HH e que presentemente está aos cuidados dos avós paternos – nascido na constância de um relacionamento anterior.

42. Até à sua detenção, o arguido residia com a esposa e com os 3 descendentes em casa pertença da família do seu cônjuge, em ....

43. Até ao final de ..., o arguido trabalhou como ajudante numa empresa de distribuição de produtos alimentares, auferindo mensalmente cerca de 1000,00€. A partir do final de ..., HH ficou em situação de desempregado, fazendo trabalhos irregulares indiferenciados; a sua esposa também não exercia atividade profissional.

44. Durante o período de desemprego, o agregado familiar do arguido recebia, a cada 6 meses, a quantia global de 300,00€, a título de abono de família.

45. O arguido HH encontra-se sujeito à medida coativa de prisão preventiva desde o dia ... de ... de 2023.

46. Está atualmente preso no Estabelecimento Prisional ....

47. Depois de o arguido ter sido preso, a sua esposa integrou-se no mercado de trabalho, trabalhando por conta própria na organização de pequenos eventos numa sala/espaço comercial que possui.

48. Em contexto prisional, o arguido beneficia de visitas da esposa de 2 em 2 meses, mas mantém contacto telefónico com esta, que se manifesta disponível para continuar a prestar-lhe apoio.

49. O arguido HH não possui averbamentos no seu Certificado do Registo Criminal.

A.4) RELATIVOS ÀS CONDIÇÕES PESSOAIS E SOCIOECONÓMICAS E PASSADO CRIMINAL DE II:

50. O arguido II nasceu no dia ... de ... de 1992.

51. É natural de Marrocos e nacional deste país.

52. O arguido residiu, até à sua detenção, em casa própria dos seus progenitores, com estes e com 3 irmãos, com 35, 33 e 18 anos de idade.

53. Aquando da sua detenção, o arguido encontrava-se desempregado, situação que se mantinha desde o período da pandemia de Covid-19, não sendo beneficiário de subsídio Estatal; antes, trabalhara na construção civil, auferindo 20,00€/dia.

54. O arguido possui, como habilitações literárias, o 9.º ano de escolaridade.

55. O arguido II encontra-se sujeito à medida coativa de prisão preventiva desde o dia ... de ... de 2023.

56. Está atualmente preso no Estabelecimento Prisional ....

57. O arguido II não possui averbamentos no seu Certificado do Registo Criminal.

A.5) RELATIVOS ÀS CONDIÇÕES PESSOAIS E SOCIOECONÓMICAS E PASSADO CRIMINAL DE MUSTAFA AMAR:

58. O arguido SS nasceu no dia ... de ... de 1985.

59. É natural de Ceuta, no Reino de Espanha, e nacional deste país.

60. O arguido é casado e tem um descendente, com 9 anos de idade.

61. Até à sua detenção, o arguido vivia com o cônjuge e filho em casa própria, adquirida com recurso ao crédito bancário, sita em Ceuta.

62. O valor da amortização do crédito referido em 61. ascende a cerca de 370,00€/mês.

63. Até à sua detenção, o arguido estava integrado no mercado de trabalho, explorando um estabelecimento de quiosque de venda de doces, do qual retirava rendimentos ascendiam ao valor médio mensal de 800,00€; a esposa não trabalhava, situação que se alterou a partir da privação da liberdade do arguido, sendo ela quem atualmente explora aquele estabelecimento.

64. O agregado familiar do arguido não recebe subsídios Estatais.

65. O arguido possui, como habilitações literárias, o 8.º ano de escolaridade.

66. O arguido SS encontra-se sujeito à medida coativa de prisão preventiva desde o dia ... de ... de 2023.

67. Está preso no Estabelecimento Prisional ....

68. O arguido SS não possui averbamentos no seu Certificado do Registo Criminal.

A.6) (…)

A.7) (…)

A.8) RELATIVOS ÀS CONDIÇÕES PESSOAIS E SOCIOECONÓMICAS E PASSADO CRIMINAL DE QQ:

99. O arguido QQ nasceu no dia ... de ... de 1988.

100. É natural de ..., no Reino de Marrocos, e nacional deste país.

101. Oriundo de um meio rural empobrecido do norte de Marrocos, o arguido é o quarto de nove filhos de um casal de agricultores de modesta condição económica e social.

102. QQ terá crescido junto dos pais e irmãos numa pequena aldeia, dedicando-se todo o agregado a uma agricultura de subsistência, principal motivo pelo qual o arguido nunca terá frequentado o sistema de ensino, não sabendo ler e escrever.

103. Apesar de ter residência habitual junto do seu grupo familiar em Marrocos, o arguido deslocava-se com regularidade a ..., no ..., onde tinha vários amigos.

104. Aquando da sua detenção, o arguido estava em situação de desemprego.

105. O arguido QQ encontra-se sujeito à medida coativa de prisão preventiva desde o dia ... de ... de 2023.

106. Está preso no Estabelecimento Prisional de Silves.

107. O arguido não recebe visitas no Estabelecimento Prisional, mas tem contactos telefónicos semanais com a sua mãe, TT

108. O arguido tem uma conduta discreta e adequada em meio prisional e não regista sanções disciplinares.

109. Apesar de não estudar ou desenvolver atividade laboral no Estabelecimento Prisional, o arguido pratica regularmente desporto.

110. O arguido QQ não possui averbamentos no seu Certificado do Registo Criminal.

A.9) RELATIVOS ÀS CONDIÇÕES PESSOAIS E SOCIOECONÓMICAS E PASSADO CRIMINAL DE FF:

111. O arguido FF nasceu no dia ... de ... de 1982.

112. É natural do Reino de Marrocos, e nacional deste país.

113. O arguido é o oitavo de uma fratria de dez elementos e cresceu, integrado no agregado de origem, constituído pelo próprio, pelos seus pais e irmãos, numa aldeia rural na província de ..., tendo tido um processo de desenvolvimento normativo e afetivamente gratificante.

114. A vicissitude mais significativa e negativamente marcante foi a precariedade económica, atenta a extensão do agregado.

115. O pai do arguido, já falecido, era ....

116. Aos 24 anos de idade, FF emigrou para Espanha em busca de melhores condições de vida, onde obteve residência legal em ....

117. FF concluiu o equivalente ao 6.º ano de escolaridade aos 13 anos, tendo abandonado os estudos para ajudar financeiramente a família, tendo começado a trabalhar com o pai na agricultura; aos 18 anos, começou a trabalhar como lavador de carros, em Ceuta, Espanha.

118. Depois de ter emigrado para Espanha, o arguido trabalhou na área da jardinagem e, posteriormente, na lavagem de carros, tendo ficado desempregado em ... de ... de 2020, auferindo, até então, em média, 800,00€/mês.

119. FF contraiu matrimónio no dia ... de ... de 2016, sendo o relacionamento conjugal descrito como positivo e o arguido tido pela sua esposa como sendo bom pai.

120. Tem 2 descendentes, atualmente com 5 e 2 anos de idade, respetivamente.

121. A esposa do arguido não trabalha e é atualmente auxiliada financeiramente por 3 irmãos de FF também residentes em Espanha.

122. FF foi diagnosticado com transtornos ansiosos depressivos profundos, em evolução desde ..., mas agravados a partir de ..., associados a dificuldades financeiras e familiares; pelo menos em ... de ... de 2022, foi medicado com Paroxetina 20 mg, requerendo o estado de saúde em que se encontrava tratamento regular e acompanhamento de longa duração.

123. Pelo menos entre ... e ..., o saldo da conta bancária titulada por FF, aberta na ..., com o ... de penhora para cobrança de uma dívida à ..., incidindo sobre o valor do subsídio de desemprego que o mesmo então recebia.

124. Antes da sua detenção, o arguido vivia com a esposa e com os filhos numa casa arrendada pelo valor mensal de 300,00€, sita em ..., na Província de Málaga, Espanha.

125. O arguido FF encontra-se sujeito à medida coativa de prisão preventiva desde o dia ... de ... de 2023.

126. Está preso no Estabelecimento Prisional ....

127. O arguido recebe visitas dos seus irmãos residentes em Espanha, bem como da sua esposa, no ....

128. Em meio prisional, o arguido tem mantido uma conduta ajustada ao normativo disciplinar vigente, não registando sanções.

129. No ..., o arguido encontra-se a frequentar aulas de português e trabalha na faxina desde o final do ano de 2023.

130. O arguido FF não possui averbamentos no seu Certificado do Registo Criminal.

A. FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a decisão a proferir não se provou que:

a. Aquando do descrito nos pontos 1. e 4. dos factos julgados demonstrados, no interior da embarcação de que eram tripulantes os arguidos OO, PP, QQ e FF se encontrassem apenas 148 embalagens contendo placas de canábis (resina);

b. Aquando do descrito no ponto 9. dos factos julgados provados, no interior da embarcação de que eram tripulantes os arguidos BB, CC, II e DD se encontrassem apenas 97 embalagens contendo placas de canábis (resina);

c. As placas de canábis (resina) mencionadas no ponto 9.16. dos factos julgados demonstrados correspondessem a 2989228 doses individuais;

d. O pedaço de canábis (resina) que o arguido OO trazia tivesse o peso líquido de 4,294 gramas;

e. A embarcação de cores cinza e preta, mencionada no ponto 2. dos factos julgados provados fosse a embarcação descrita no ponto 9., de que eram tripulantes os arguidos BB, CC, II e DD;

f. Aquando da abordagem descrita no ponto 4. dos factos julgados demonstrados, a embarcação de que eram tripulantes os arguidos BB, CC, II e DD tenha encetado fuga;

g. As embarcações descritas nos pontos 1. e 9., ou a terceira embarcação, mencionada no ponto 2. dos factos julgados provados navegassem em direção à costa marítima portuguesa;

h. Os lugares a que correspondem as coordenadas indicadas nos pontos 4. e 9. dos factos julgados demonstrados se situem a cerca de 80 milhas náuticas a sul do farol de ...;

i. As placas de canábis (resina) transportadas na embarcação de que eram tripulantes os arguidos OO, PP, QQ e FF tivessem a composição descrita sob os pontos 9.1 a 9.19 dos factos julgados provados;

j. Os arguidos OO, PP, QQ e FF tenham atuado conforme apurado, de comum acordo e em conjugação de esforços com os arguidos BB, CC, II e DD.

* *

B.3. Motivação da matéria de facto dada como provada e não provada

Com vista à análise de algumas das questões suscitadas pelos recorrentes importa consignar o que motivou a decisão sobre os factos provados e não provados2.

Assim:

“Todavia, para lograr a concreta apreciação das questões prévias acima dilucidadas, foram já indicados os meios probatórios documentais, periciais e testemunhais (e a concreta medida ou extensão) em que foram valorados para consignação de parte da materialidade consignada como demonstrada e que relevava diretamente para a decisão de tais questões. Nessa parte e para evitar repetições desnecessárias, faremos as necessárias remissões.

Começar-se-á por dizer que os arguidos, tendo exercido o seu direito ao silêncio, não prestaram declarações, não tendo tomado posição sobre os factos por que vinham pronunciados.

Assim, no que concerne à materialidade constante dos pontos 1. a 4., 11. e 13. a 16. (no que concerne à embarcação azul), a convicção assentou na análise crítica e conjugada, à luz das regras da lógica e da experiência (exceto no que tange à prova pericial, subtraída à livre apreciação do julgador), do teor das mensagens de correio eletrónico juntas a fls. 4 dos autos, do auto de notícia de fls. 5 e seguintes [valorado apenas na medida em que reflete os conhecimentos diretos/perceções do Inspetor Autuante, UU], das imagens recolhidas pela aeronave da Força Aérea Portuguesa (constantes do DVD de fls. 766, a cujo visionamento se procedeu no decurso da audiência de julgamento), do auto de apreensão de fls. 31, da reportagem fotográfica de fls. 32, do ofício dirigido ao Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária solicitando a realização de exame laboratorial de fls. 242 (com o número ...), do relatório de exame pericial toxicológico de fls. 749, do auto de apreensão de fls. 61, do ofício dirigido ao Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária solicitando a realização de exame laboratorial de fls. 244 (com o número ...), do relatório de exame pericial toxicológico de fls. 663 a 664, do auto de apreensão de fls. 62, da avaliação de fls. 374 a 375 (com descrição das características da embarcação de cor azul) e da reportagem fotográfica da embarcação de cor azul de fls. 64 a 65, elementos que foram conjugados com os depoimentos das testemunhas já acima identificadas, que depuseram, de modo objetivo, isento e escorreito sobre tal materialidade, esclarecendo o fundamento da sua razão de ciência e a extensão dos factos de que tinham conhecimento direto, dando-se por reproduzido, para todos os efeitos legais, o acima expendido.

Valerá acrescentar que, da valoração, conjugada, desses meios de prova, não resultam dúvidas de que, conforme anteriormente se disse, o estupefaciente transportado no interior da embarcação de cor azul corresponde concretamente aquele que foi formalmente apreendido pela Polícia Judiciária, em dois momentos, mediante entrega pela Marinha Portuguesa (1 “fardo” aquando da condução e entrega das pessoas de JJ, KK, QQe FF e, algumas horas volvidas, 148 “fardos”, recolhidos do interior da dita embarcação, rebocada pela ...).

Como dúvidas se não suscitam de que eram os arguidos acabados de identificar quem fazia o transporte dessas 149 embalagens contendo no seu interior canábis (resina) aquando da sua abordagem pelos Fuzileiros da Marinha Portuguesa. Com efeito, conforme também já se alinhavou, os arguidos JJ, KK, QQe FF foram verbalmente identificados, mormente, pela Inspetora VV, aquando da sua constituição nessa qualidade; tais identidades foram, conforme está documentado nos autos, confirmadas junto dos respetivos países de nacionalidade (cf. fls. 273 e seguintes); ademais, em sede de audiência de julgamento, os arguidos identificaram-se com os mesmos sinais.

Para consignação da materialidade descrita sob os pontos 5. a 8., valorou-se, desde logo, o depoimento prestado, nessa conformidade, por WW, em conjugação com o teor do auto de notícia de fls. 269 [valorado apenas na medida em que reflete os conhecimentos diretos/perceções da pessoa que o assina], nos termos acima expostos.

A convicção sobre a verificação da materialidade consignada como demonstrada sob os pontos 9., 10. 12., 13, 14., 15. e 16. (no que tange à embarcação de cores cinza e preta) assentou na análise crítica e conjugada, à luz das regras da lógica e da experiência (exceto no que tange à prova pericial, subtraída à livre apreciação do julgador), do auto de notícia de fls. 5 e seguintes [valorado apenas na medida em que reflete os conhecimentos diretos/perceções do Inspetor Autuante, UU], do auto de apreensão de fls. 10, do teste rápido e pesagem de fls. 11, do ofício dirigido ao Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária solicitando a realização de exame laboratorial de fls. 241 (com o número ...), do relatório de exame pericial de fls. 751, reportagem fotográfica de fls. 12, do auto de apreensão de fls. 56, do ofício dirigido ao Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária solicitando a realização de exame laboratorial de fls. 243 (com o número ...), do relatório de exame pericial de fls. 666 a 667, do auto de apreensão de fls. 57, da avaliação fls. 288 a 290, das reportagens fotográficas de fls. 238 a 240 e do auto de notícia de fls. 269 [valorado apenas na medida em que reflete os conhecimentos diretos/perceções de quem o assinou], elementos que foram conjugados com os depoimentos das testemunhas já supra identificadas, que depuseram, de modo objetivo, isento e escorreito sobre tal materialidade, esclarecendo o fundamento da sua razão de ciência e a extensão dos factos de que tinham conhecimento direto, dando-se por reproduzido, para todos os efeitos legais, o acima expendido.

Relevará aditar que, da valoração, conjugada, desses meios de prova, não resultam dúvidas de que o estupefaciente transportado no interior da embarcação de cor cinzenta corresponde concretamente aquele que foi formalmente apreendido pela Polícia Judiciária, em dois momentos, mediante entrega, sequencial, pela Polícia Marítima e pela Marinha Portuguesa (1 “fardo” aquando da condução e entrega, por WW, das pessoas de GG, HH, II e DD e, algumas horas volvidas, 97 “fardos”, recolhidos do interior da dita embarcação, rebocada pela ...).

Como dúvidas não podem existir de que eram os arguidos acabados de identificar quem fazia o transporte dessas 99 embalagens contendo no seu interior canábis (resina) aquando da sua abordagem pela Polícia Marítima. Com efeito, conforme também já se adiantou supra, os arguidos GG, HH, II e DD foram verbalmente identificados, mormente, pela Inspetora VV, aquando da sua constituição nessa qualidade; as identidades que forneceram foram, conforme está documentado nos autos e à semelhança do que sucedeu com os demais arguidos, confirmadas junto dos respetivos países de nacionalidade (cf. fls. 273 e seguintes); ademais, em sede de audiência de julgamento, os arguidos identificaram-se com os mesmos sinais.

A convicção sobre a materialidade constante do ponto 17. radicou-se na análise crítica e conjugada, à luz das regras da lógica e da experiência (exceto no que tange à prova pericial, subtraída à livre apreciação do julgador), do auto de apreensão de fls. 63, do auto de exame direto fls. 234 (cujo teor e assinatura foi confirmado em sede de audiência de julgamento pela testemunha XX), do 1.º fotograma da reportagem fotográfica de fls. 66, da informação de fls. 221, do auto de teste rápido e pesagem de fls. 222, do ofício dirigido ao Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária solicitando a realização de exame laboratorial de fls. 246 (com o número ...), do relatório de exame pericial de fls. 497, do auto de apreensão de fls. 223 e da reportagem fotográfica de fls. 224, elementos que foram conjugados com os depoimentos prestados pelas testemunhas YY, XX, UU e ZZ, que confirmaram o teor e a assinatura de tais autos e informação.

A consignação da materialidade vertida no ponto 18. sustentou-se na análise crítica e conjugada, à luz das regras da lógica e da experiência (exceto no que tange à prova pericial, subtraída à livre apreciação do julgador), do auto de apreensão de fls. 58, do auto de exame direto fls. 234 (cujo teor e assinatura foi confirmado em sede de audiência de julgamento pela testemunha XX) e do 2.º fotograma da reportagem fotográfica de fls. 66, elementos que foram conjugados com os depoimentos prestados pelas testemunhas VV e XX, que confirmaram o teor e a assinatura de tais autos.

A convicção sobre o descrito sob o ponto 19. fluiu da análise crítica e conjugada da demais materialidade objetiva demonstrada, sendo manifesto que, atenta a natureza e funções de tais objetos/equipamentos, os mesmos só podiam ter tal destinação, no contexto em que estavam na posse dos arguidos, no interior das embarcações em referência.

Para a formação da convicção sobre os factos constantes do ponto 20., valoraram-se, crítica e conjugadamente, o auto de apreensão de fls. 36, a reportagem fotográfica de fls. 37, o ofício dirigido ao Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária solicitando a realização de exame laboratorial de fls. 247 (com o número ...), o relatório de exame pericial de fls. 511, o auto de apreensão de fls. 47, a reportagem fotográfica de fls. 49, o ofício dirigido ao Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária solicitando a realização de exame laboratorial ao produto de fls. 245 (com o número ...), o relatório de exame pericial de fls. 495 e os autos de apreensão de fls. 18, 27 e 55, elementos que foram conjugados com os depoimentos prestados, desde logo, pelas testemunhas AAA e VV, que confirmaram o teor e a assinatura de tais autos.

Uma nota mais geral se deixa, para dizer que, no que se refere ao número de doses individuais que a canábis apreendida era suscetível de gerar, resulta da conjugação da quantidade de canábis e grau de pureza da mesma, apurado pelo Laboratório de Polícia Científica nos exames de toxicologia forense documentados, já suprarreferidos.

Com efeito, a Portaria n.º 94/96, de 26/03, que de acordo com o seu preâmbulo, teve o propósito de viabilizar a realização da perícia médico-legal e do exame médico referidos nos artigos 52.º e 43.º do Decreto-Lei n.º 15/93, determinou no seu artigo 9.º que “Os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de consumo mais frequente, são os referidos no mapa anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante”.

Nessa tabela e no que respeita à canábis (resina) é indicado o valor de 0,5 gr, tendo subjacente a “dose média diária com base na variação do conteúdo médio do THC existente nos produtos da Cannabis” e como referência “uma concentração média de 10% de A9THC”, conforme se encontra anotado nessa tabela.

Por sua vez e de acordo com o art. 10.º, 1, da mesma Portaria, “Na realização do exame laboratorial referido nos n.ºs 1 e 2 do artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 15/93, o perito identifica e quantifica a planta, substância ou preparação examinada, bem como o respetivo princípio ativo ou substância de referência”.

No caso em apreço, cada um dos relatórios dos exames laboratoriais em referência identifica a substância em causa, o seu peso líquido, e bem assim a concentração de A9THC, nos termos acima especificados, sendo por via destas que estabelece o número de doses que ali menciona.

Estando em causa prova pericial, o resultado de tais exames presume-se subtraído à livre convicção do julgador, devendo este fundamentar qualquer divergência desse juízo.

In casu, inexistem quaisquer fundamentos que determinem que o Tribunal Coletivo formule uma convicção divergente, pelo que se entende estar demonstrada a natureza das substâncias apreendidas, o grau de THC e o número de doses individuais, tal como apuradas pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária.

A convicção sobre a materialidade descrita sob os pontos 21. a 24. fluiu da materialidade objetiva demonstrada, analisada à luz das regras da lógica e da experiência, da qual se inferem.

Para consignação da factualidade atinente à situação socioeconómica e familiar, bem como processual e relativa aos antecedentes criminais dos arguidos, valoraram-se conjugadamente:

- as declarações prestadas, nessa sede, pelos mesmos;

- o relatório social referente ao arguido HH de fls. 1109 a 1111-verso;

- o relatório social referente ao arguido GG de fls. 1120 a 1121-verso;

- o relatório social do FF de fls. 1136 a 1138, conjugado com os documentos de fls. 1269 a 1309 (traduzidos na língua portuguesa a fls. 1347 a 1397) e com os depoimentos prestados pelas testemunhas BBB e CCC no decurso da audiência de julgamento, tendo aquela descrito o arguido como sendo bom pai e, ambas, reportado a situação económica precária em que FF se encontrava desde 2020, fruto da situação de desemprego e da execução contra ele proposta pelo Instituto da Segurança Social do Reino de Espanha, bem como a situação atual do agregado familiar e o apoio familiar que é dispensado ao arguido;

- do relatório social referente ao arguido QQ de fls. 1141 a 1144;

- do relatório social referente ao arguido KK de fls. 1146 a 1150, conjugado com o teor dos documentos juntos com a contestação (cfr. fls. 1001 e seguintes);

- do relatório social referente ao arguido JJ de fls. 1171 a 1173;

- do auto de primeiro interrogatório de arguidos detidos de fls. 121 a 137; e,

- dos Certificados do Registo Criminal juntos aos autos.

* * *

Atentemos, agora, na factualidade consignada como não demonstrada.

Dir-se-á, desde logo que, da materialidade inserta na alínea a., fez-se a demonstração de coisa diversa, sendo manifesto, do conjunto da prova pericial, documental e testemunhal produzidas e já acima mencionadas que os arguidos OO, PP, QQe FF, tripulantes da embarcação de cor azul, aí transportavam 149 embalagens contendo placas de canábis (resina).

O mesmo se dirá no que tange à alínea b., resultando inequivocamente demonstrado, em nosso entendimento, que os arguidos BB, CC, II e DD transportavam, no interior da embarcação de cores cinza e preta, 98 embalagens contendo placas de canábis (resina).

No que concerne às alíneas c. e d., dir-se-á que resulta coisa distinta da simples leitura do teor dos relatórios periciais de toxicologia que lhes dizem respeito.

Do descrito sob as alíneas e. e f., nenhuma prova se fez, antes se fez prova de coisa distinta. Com efeito, da compulsa do teor dos ficheiros de vídeo constantes do DVD junto pela Força Aérea Portuguesa a fls. 766, bem como da reportagem fotográfica de fls. 59 e 60, resulta manifesto que a embarcação de cores cinza e preta detetada pela Força Aérea Portuguesa, lado a lado, com a embarcação descrita no ponto 1. dos factos julgados provados (azul) – e que encetou fuga aquando da abordagem efetivada pelos Fuzileiros da Marinha – é distinta da tripulada pelos BB, CC, II e DD. Aquela primeira ostenta 4 motores, esta, apenas 3; aquela contém no seu interior vários jerricans de cor verde, nesta, visionam-se jerricans de cor azul.

Impôs-se, pois, consignar tal materialidade como não demonstrada, conforme se fez.

Do que consta da alínea g. nenhuma prova se fez, sendo mister considerar que não houve submissão dos aparelhos apreendidos, mormente, de GPS, a pesquisa/exame.

No que tange ao vertido na alínea h., dir-se-á que, pese embora conste do auto de notícia que faz fls. 5 e seguintes, o certo é que nenhum elemento junto aos autos confirma, de modo minimamente seguro, tal distância; ademais, consultada a aplicação GoogleMaps, disponível em fonte aberta na internet, verifica-se que tal distância será, na verdade, um pouco superior.

Quanto ao constante da alínea i., resulta coisa diversa da prova pericial produzida (cfr. o relatório de exame de fls. 663 a 664).

Por fim, no que concerne à alínea j., dir-se-á que absolutamente prova nenhuma se fez, remetendo-se para o que de afirmou relativamente às alíneas e. e f.”

B.4. O Direito

B.4.1. Da alegada Ilegitimidade e ilegalidade da atuação da Marinha de Guerra e da Polícia Marítima, da incompetência dos Tribunais Portugueses e da alegada inaplicabilidade da Lei Penal e Processual Penal Portuguesa.


Em síntese muito apertada, os recorrentes consideram que as alegadas ilegitimidade, ilegalidade, incompetência e inaplicabilidade se verificam dado que a abordagem das embarcações e a apreensão da droga referidas nos autos ocorreram na Zona Económica Exclusiva de Marrocos.

Antes de mais, importa verificar o que foi consignado e decidido, a este propósito, no acórdão recorrido.

Assim

“Ainda, da compulsa, especificamente, do teor dos mapas enviados pelo ... constantes da referência 12670795 (fls. 1415 a 1417), resulta que as duas embarcações, de cor azul [da qual eram tripulantes os ora arguidos OO, PP, QQ e FF] e de cor cinza e preta [da qual eram tripulantes os ora arguidos BB, CC, II e DD] foram abordadas, respetivamente, pelos Fuzileiros da Marinha (na posição geográfica de Latitude 35º 39’N e Longitude 007º 31’W) e pelos Agentes da Polícia Marítima (na posição geográfica de Latitude 35º 40’N e Longitude 007º 37’W), em locais integrados na Zona Económica Exclusiva [ZEE] do Reino de Marrocos.

Vejamos então.

Através do Dahir n.º ...-...-17 de ..., o Reino de Marrocos estabeleceu a sua ZEE abarcando 200 milhas de largura em toda a sua costa.

Por sua vez, a Lei 38-17 delimitou a Zona Económica Exclusiva (ZEE) de Marrocos estendendo-a de 200 milhas náuticas da costa marroquina, juntamente com os limites da sua plataforma continental, a 350 milhas náuticas da sua costa.

Esta mesma Lei, que passou a vigorar no Reino de Marrocos no ano de ..., fixou o exercício da sua soberania na ZEE abarcando os direitos a nela estabelecer ilhas artificiais, equipamentos e a explorá-los, bem como o direito à pesquisa científica e à instalação de condutas e cabos submersos.

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada pelo Reino de Marrocos e pela República Portuguesa em ... de ... de 1982, e ratificada pelos mesmos em ...0...733 e em ... de ... de 1997, respetivamente, estabeleceu, no seu art.º 55.º, um regime jurídico específico quanto à ZEE, configurando-a como “uma zona situada além do mar territorial e a este adjacente, sujeita ao regime jurídico específico estabelecido na presente parte, segundo o qual os direitos e a jurisdição do Estado costeiro e os direitos e liberdades dos demais Estados são regidos pelas disposições pertinentes da presente convenção”.

No que diz respeito aos direitos e deveres da República Portuguesa na Zona Económica Exclusiva do Reino de Marrocos, estabelece o art.º 58.º daquela Convenção que as embarcações e aeronaves do nosso país têm liberdade de navegação e sobrevoo, respetivamente, aplicando-se o disposto nos arts. 88.º a 115.º da Convenção.

E, no art.º 108.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar estabelece-se o dever de todos os Estados cooperarem para a repressão do tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas praticado por navios no alto mar [incluindo, como vimos, a ZEE, conforme o art. 58.º, 2, do mesmo diploma] em violação das convenções internacionais.

A Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de ..., assinada e ratificada pela República Portuguesa em ... de ... de 1989 e ... de ... de 1991, respetivamente, bem como assinada e ratificada pelo Reino de Marrocos em ... de ... de 1988 e ... de ... de 1992, respetivamente, também impõe à República Portuguesa o dever de eliminar o tráfico de estupefacientes ilícito por mar e, designadamente, de, no caso de se descobrirem provas de envolvimento no tráfico ilícito, adotar medidas adequadas em relação ao navio, às pessoas e à carga que se encontrem a bordo – cf. art. 17.º desta última Convenção.

Com efeito, aí se prescreve que:

“1 - As Partes cooperam o mais amplamente possível para eliminar o tráfico ilícito por mar, em conformidade com o direito internacional do mar.

2 - A Parte que tenha motivos razoáveis para suspeitar que um navio com o seu pavilhão, ou sem qualquer pavilhão ou matrícula, é utilizado para o tráfico ilícito, pode solicitar auxílio às outras Partes a fim de pôr termo a essa utilização. As Partes assim solicitadas prestam essa assistência no limite dos meios de que dispõem.

3 - A Parte que tenha motivos razoáveis para suspeitar que um navio no uso da liberdade de navegação de acordo com o direito internacional e que arvore o pavilhão ou tenha matrícula de uma outra Parte é utilizado para o tráfico ilícito, pode notificar desse facto o Estado do pavilhão e solicitar a confirmação da matrícula; se esta for confirmada, pode solicitar ao Estado do pavilhão autorização para adotar as medidas adequadas em relação a esse navio.

4 - De acordo com o n.º 3 ou com os tratados em vigor entre as Partes ou com qualquer outro acordo ou protocolo por elas celebrado, o Estado do pavilhão pode autorizar o Estado requerente a, inter alia:

a) Ter acesso ao navio;

b) Inspecionar o navio;

c) Se se descobrirem provas de envolvimento no tráfico ilícito, adotar medidas adequadas em relação ao navio, às pessoas e à carga que se encontrem a bordo.

5 - Quando uma medida é adotada de acordo com o presente artigo, as Partes interessadas devem ter devidamente em conta a necessidade de não pôr em perigo a segurança da vida no mar nem do navio ou da carga e de não prejudicar os interesses comerciais e jurídicos do Estado do pavilhão ou de qualquer outro Estado interessado.

6 - O Estado do pavilhão pode, em conformidade com as obrigações previstas no n.º 1 do presente artigo, subordinar a sua autorização a condições que sejam acordadas entre o referido Estado e a Parte requerente, incluindo condições relativas à responsabilidade.

7 - Para os efeitos dos n.ºs 3 e 4 do presente artigo, as Partes respondem sem demora aos pedidos de outras Partes com vista a determinar se um navio arvorando o seu pavilhão está autorizado a fazê-lo, assim como aos pedidos de autorização formulados nos termos do n.º 3. Cada Estado designa, no momento em que se tornar Parte da presente Convenção, a autoridade ou, se for caso disso, as autoridades encarregadas de receber e de responder a esses pedidos. Essa designação será notificada pelo Secretário-Geral a todas as outras Partes no mês seguinte ao da designação.

8 - A Parte que tiver adotado qualquer das medidas previstas no presente artigo informa de imediato o Estado do pavilhão dos resultados dessa medida.

9 - As Partes devem considerar a possibilidade de celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou regionais com vista a dar aplicação às disposições do presente artigo ou a reforçar a sua eficácia.

10 - As medidas adotadas nos termos do n.º 4 do presente artigo só são aplicáveis por navios de guerra ou aeronaves militares ou quaisquer outros navios ou aeronaves devidamente assinalados e identificáveis como navios ou aeronaves ao serviço de um governo e autorizados para esse fim.

11 - Qualquer medida adotada nos termos do presente artigo terá devidamente em conta a necessidade de não interferir nos direitos e obrigações dos Estados costeiros ou no exercício da respetiva competência, de acordo com o direito internacional do mar, nem de afetar esses direitos, obrigações ou competências”.

O art. 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988 fornece uma orientação expressa aos Estados na implementação do art. 108.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

Por conseguinte, in casu, a Força Aérea Portuguesa, que se encontrava numa operação conjunta com a Marinha e a Autoridade Marítima Nacional (sendo os poderes desta exercidos através da Polícia Marítima) tendente à repressão do tráfico de estupefacientes por mar, avistou uma embarcação suspeita (face aos volumes/embalagens, que transportava) e suscitou a intervenção, desde logo, da Marinha de Guerra Portuguesa.

A Polícia Marítima foi acionada para coadjuvar a Marinha de Guerra, na execução da sua missão, referida.

Inexistindo tratado bilateral entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos sobre a matéria em causa, temos que, perante a suspeita do transporte de estupefacientes nas embarcações de que eram tripulantes os arguidos OO, PP, QQe FF, por um lado, e os arguidos OO, PP,QQ e FF, por outro, a embarcação da Marinha Portuguesa (de alta velocidade, conforme se visiona nos ficheiros de vídeo carreados para os autos pela Força Aérea Portuguesa, sendo também inarredável que a mesma ostenta sinais inequívocos que permitem a sua identificação como navio ao serviço de um governo) e a lancha “...” da Polícia Marítima4 (esta, como se disse, acionada inicialmente para cooperar com aquela, sendo do conhecimento geral que igualmente ostenta sinais que permitem identificá-la como navio ao serviço de um governo) intercetaram as embarcações de cor azul e de cores cinzenta e preta, respetivamente, ambas sem nacionalidade, nos termos do disposto no art. 110.º, 1, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, conjugado com aquele art. 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988.

As embarcações devem ter registo válido num Estado ou, na falta de registo, o direito de arvorar a bandeira desse Estado, o que corresponde à sua nacionalidade - o direito de navegação pertence, exclusivamente, aos Estados, nos termos do disposto nos arts. 90.º e 91.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

No caso dos presentes autos, sendo a nacionalidade das duas embarcações desconhecida ou inexistente e sobre elas incidindo suspeitas de que asseguravam o transporte ilícito de produto estupefaciente, a República Portuguesa podia exercer, sobre as mesmas, em todos os espaços marítimos além dos limites externos dos mares territoriais (ou seja, em águas internacionais5), os seguintes direitos:

a. O direito de visita, nos termos do art. 110.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, ou seja, o direito das autoridades das embarcações autorizadas a abordar a embarcação suspeita para verificar se esta não tem nacionalidade (direito de abordagem);

b. O direito de busca, posto que, persistindo a suspeita e inexistindo documentos a bordo, o Estado de abordagem pode proceder a um novo exame a bordo do navio;

c. A extensão da jurisdição, que pode ser exercida pelo Estado de abordagem, após o exercício do direito de visita em relação a uma embarcação, como, neste caso, sem nacionalidade, nos termos do art. 49.º, 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, que é do seguinte teor: “para efeitos do presente diploma, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional: quando praticados a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988”, manifestação do mesmo corolário que subjaz ao disposto no n.º 2 do art. 5.º do Código Penal, segundo o qual “a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional que o Estado Português se tenha obrigado a julgar por tratado ou convenção internacional”.

Quanto à aplicação da Lei Processual Penal Portuguesa, é aplicável ao caso dos autos o disposto no art. 20.º, 3, do Código de Processo Penal, sendo competente o Tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia do crime.

No auto de notícia de fls. 5 e seguintes consta que a notícia do crime foi transmitida pela Força Aérea ao Órgão de Polícia Criminal – Comando da Zona Marítima do Sul (da Autoridade de Polícia Marítima) em ... - bem como à Diretoria de Sul/... da Polícia Judiciária - também com sede em Faro, os quais desencadearam, em cooperação com a Polícia Marítima, as medidas cautelares de polícia tendentes à detenção dos arguidos em flagrante delito.

As operações de abordagem documentadas nos autos, levadas a cabo pela Marinha Portuguesa, bem como pela Polícia Marítima, e subsequente transporte, para a cidade de ..., das embarcações de cor azul e de cores cinza e preta, respetivas tripulações e carga estupefaciente, traduziram, pois, o cumprimento, pela República Portuguesa, do direito do mar, segundo o qual, na situação em concreto, se incluíam as ações de:

- Sinalização e imobilização de embarcações suspeitas;

- Abordagem de embarcações suspeitas;

- Revistar embarcações suspeitas bem como pessoas e carga em tais embarcações;

- Efetivar a detenção ou prisão de pessoas em embarcações suspeitas e/ou as próprias embarcações suspeitas;

- Proceder à apreensão de itens em embarcações suspeitas;

- Conduzir ou transportar navios suspeitos, bem como as pessoas e cargas nesses navios, para um porto do Estado costeiro ou local similar, para investigação;

- Conduzir tais investigações.6

No direito interno, o art. 13.º da Lei n.º 34/2006, de 28/07, estabelece que “os poderes a exercer pelo Estado Português no mar compreendem, sem prejuízo do estabelecido em legislação especial, aqueles que estejam consagrados: a) em normas e princípios do direito internacional que vinculam o Estado Português”, como sejam as Convenções das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988 e sobre o Direito do Mar.

Por sua vez, nos termos do disposto no art. 14.º do mesmo diploma, “o exercício da autoridade do Estado Português nas zonas marítimas sob a sua soberania ou jurisdição e no alto mar, nos termos definidos nos artigos seguintes e em legislação própria, compete às entidades, aos serviços e organismos que exercem o poder de autoridade marítima no quadro do Sistema de Autoridade Marítima, à Marinha e à Força Aérea, no âmbito das respetivas competências”, sendo certo que, nos termos do art. 15.º do mesmo diploma, “todas as entidades e todos os serviços ou organismos do Estado têm o dever de cooperar entre si no sentido de serem assegurados, na medida das suas necessidades e disponibilidades, os meios adequados ao cumprimento das respetivas missões”.

Efetivamente, no que à Marinha diz respeito, estabelece o art. 2.º, 3, a) do Decreto-Lei n.º 185/2014, de 29/12, que “compete ainda à Marinha assegurar o cumprimento das missões reguladas por legislação própria, designadamente: a) exercer a autoridade do Estado nas zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional e no alto mar, garantindo o cumprimento da lei no âmbito das respetivas competências”.

Por outro lado, o art. 2.º, 2, g), do mesmo diploma determina que incumbe ainda ao cumprimento da missão da Marinha, nos termos da Constituição e da lei, “disponibilizar recursos humanos e materiais necessários ao desempenho das competências de órgãos e serviços da Autoridade Marítima Nacional (AMN)”.

Acresce ainda, quanto à Polícia Marítima, exercendo o poder de autoridade marítima no quadro do sistema da autoridade marítima (SAM) - que tem por fim garantir o cumprimento da lei nos espaços marítimos sob jurisdição nacional, no âmbito dos parâmetros de atuação permitidos pelo direito internacional e demais legislação em vigor – tem como atribuição a prevenção e a repressão da criminalidade, nomeadamente no que concerne ao combate ao narcotráfico, nos termos do art. 6.º, 1 e 2, k), do Decreto-Lei n.º 43/2002, de 02/03.

Dispõe ainda o artigo 18.º, b), da Lei n.º 34/2006, de 28/07, que o direito de visita no alto mar pode ser exercido quando relativamente a navios estrangeiros, o Estado Português tiver jurisdição em conformidade com o direito internacional, concretizando o art. 19.º da mesma lei que caso se constate a prática de ilícito durante a visita a bordo, é levantado auto de notícia relativo às infrações verificadas, sendo aplicadas as medidas cautelares adequadas, designadamente a apreensão dos bens e documentos que constituem os meios de prova, a detenção dos tripulantes e o apresamento do navio, determinando o art. 20.º do mesmo diploma que, em caso de apresamento, do navio é ordenado o trânsito para porto português onde fica à ordem da autoridade competente.

Forçoso é de concluir que tanto a Marinha Portuguesa como a Polícia Marítima atuaram na concretização dos deveres que recaem sob o Estado Português, por força das duas referidas Convenções, no combate ao narcotráfico no alto mar7 - onde se inclui, como vimos, para esses efeitos, a ZEE do Reino de Marrocos – posto estarmos numa situação em que se verifica a previsão da al. d) do n.º 1 do art. 110.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

Com efeito, em suma e recapitulando, as abordagens feitas pelos Fuzileiros da Marinha de Guerra Portuguesa e pelos Agentes da Polícia Marítima Portuguesa, operadas por embarcações devidamente identificadas e identificáveis como estando ao serviço do Estado Português, a duas embarcações sem nacionalidade na qual eram transportadas, à vista, 149 embalagens (no caso da embarcação de cor azul, abordada pela Marinha) e 98 embalagens (no caso da embarcação de cores cinza e preta, abordada pela Polícia Marítima) que, pelo seu formato – correspondendo ao que sobejamente bem conhecido, pelas autoridades, como sendo placas de canábis resina agregadas em “fardos” – logo faziam suspeitar de que se tratava de transporte ilícito de produto estupefaciente, foram efetivadas no âmbito das referidas convenções internacionais e têm correspondência com o conteúdo das normas relativas ao direito de visita a que se reporta a Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar e aos deveres a que Portugal está adstrito relativamente à Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.

O que fica dito, determina, por inerência lógica, a competência dos tribunais portugueses para julgaram os factos imputados na acusação, para que remete a pronúncia, nos termos do art. 49.º, 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, já anteriormente transcrito, manifestação do mesmo corolário que subjaz ao disposto no n.º 2 do art. 5.º do Código Penal.

Ora, por força das normas atrás invocadas, as autoridades portuguesas estavam legitimadas a intervir no caso dos autos.

Tal legitimação estende-se à intervenção da Polícia Judiciária (órgão de polícia criminal competente por via do art. 7.º, 3, i), da Lei 49/2008, de 27/08), que, mediante a comunicação operada pela Força Aérea Portuguesa e no âmbito da coordenação com a Marinha e a Autoridade Marítima Nacional, por sua vez, fez deslocar os seus Inspetores ao ..., formalizou a detenção em flagrante delito dos arguidos, após a confirmação da suspeita natureza estupefaciente do conteúdo das embalagens que transportavam na embarcação em que, respetivamente, seguiam, e que, de imediato comunicou ao Ministério Público DIAP de Faro (cf. art. 264.º, 2, do Código de Processo Penal), às autoridades espanholas e às autoridades marroquinas, através das respetivas embaixadas, dada a nacionalidade dos detidos.

Face ao supra exposto e em conformidade:

- indefere-se a alegada ilegitimidade da intervenção da Força Aérea Portuguesa, da Marinha de Guerra Portuguesa, da Polícia Marítima e da Polícia Judiciária e, concomitantemente,

- julga-se improcedente a exceção da incompetência dos tribunais portugueses e a alegação que os meios de prova obtidos através da ação da Força Aérea Portuguesa, da Marinha de Guerra Portuguesa, da Polícia Marítima e da Polícia Judiciária consubstanciam meios de prova proibidos,

- indefere-se o requerido envio de certidões ao Reino de Marrocos e/ou a qualquer Tribunal com Jurisdição Comunitária ou outro, com vista à instauração de processo contra o Estado Português, e

- declara-se a aplicabilidade das Leis Penal e Processual Penal portuguesas.”

A longa, minuciosa e muito bem alicerçada fundamentação do acórdão recorrido que se acaba de transcrever merece a nossa concordância e dispensaria outros considerandos para se negar provimento a esta parte do recurso.

Contudo, alguns esclarecimentos e notas complementares podem ser acrescentadas, o que se irá fazer seguindo o que foi consignado no acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça a 28 de novembro de 20248.

Assim e desde logo se impõe algum esclarecimento sobre as Zonas Económicas Exclusivas (doravante “ZEE”) que, historicamente, representam um compromisso entre Estados costeiros, desejosos de assumir o controlo da conservação e do aproveitamento dos recursos naturais junto às suas costas, e outros Estados, principalmente interessados em ver assegurados uma ampla liberdade de navegação.

Nos planos político-económico e político-jurídico, é um conceito que condensa a repartição dos benefícios resultantes da utilização do mar numa determinada faixa. A premência dos interesses subjacentes à discussão do conceito de ZEE determinou que numerosos Estados costeiros reivindicassem ZEE's com base apenas nos consensos mínimos verificados no seio da Conferência atrás referida, contribuindo, desse modo, para a formação de uma nova regra consuetudinária: a permissão de estabelecer uma ZEE adjacente ao mar territorial, com uma largura máxima de 200 milhas, em que seja reservado ao Estado costeiro o aproveitamento económico do mar, respetivo leito e subsolo e a camada aérea sobrejacente, exceto enquanto via de comunicação. Muitos outros Estados reagiram às limitações que o estabelecimento destas ZEE's implicou para os seus interesses e no sentido de assegurar uma posição negocial forte, alargando as suas ZEE's.

A Convenção da Nações Unidas sobre o Direito no Mar (doravante “CNUDM”) já depois da criação de várias daqueles espaços prevê a ZEE como um espaço marítimo adjacente ao mar territorial do Estado costeiro, submetido a um regime específico tendente a estabelecer uma relação equilibrada entre os poderes do Estado costeiro e os dos outros Estados no mesmo espaço.

A ZEE, nos termos da CNUDM, abrange o mar, o respetivo leito e o seu subsolo e a camada área sobrejacente numa faixa adjacente ao mar territorial que não se estenderá além de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial.

A estrutura dos poderes do Estado costeiro no âmbito das suas jurisdições funcionais indicia uma ideia de complementaridade entre estas e os direitos soberanos: o aproveitamento económico da ZEE pelo Estado costeiro deve ser apoiado pela necessária informação e por uma efetiva capacidade de defesa. Os outros Estados gozam na ZEE de um Estado costeiro das liberdades de navegação e sobrevoo e de colocação de cabos e duetos submarinos, bem como de outros usos do mar internacionalmente lícitos relacionados com estas liberdades, i.e., podem exercer todas as atividades ligadas às comunicações internacionais.

Ou seja, o regime específico da ZEE procura assegurar uma repartição das utilidades do mar nessa zona — enquanto reservatório de riquezas, deve aproveitar principalmente ao Estado costeiro; enquanto via de comunicação, mantém-se aberto a todos os Estados — prevendo um sistema de distribuição de competências estruturado na base de «direitos de soberania» e de «liberdades» e coordenado a partir de regras de boa conduta (consideração recíproca dos direitos e deveres de outros Estados) e de regimes especiais respeitantes a certos atividades (i. e. os casos de jurisdição referidos no art. 56º, nº 1, al. b) da CNUDM). Por isso, diversamente do que acontece no mar territorial em que o direito aplicável a cada caso depende do próprio espaço (jurisdição territorial) ou da nacionalidade das pessoas (jurisdição pessoal), respetivamente, na ZEE o facto determinante da competência dos Estados é a atividade concretamente desenvolvida (jurisdição funcional).

Os poderes atribuídos aos Estados costeiros e aos outros Estados no espaço marítimo correspondente à ZEE cobrem todos os aspetos do seu aproveitamento económico designadamente enquanto reservatório de riquezas e vias de comunicação.

Quanto às utilizações com outros fins, nomeadamente militares ou outros igualmente não previstos, há que integrar o regime específico da ZEE recorrendo à equidade e considerando a importância dos interesses em causa para as partes e para o conjunto de comunidade internacional.

No que respeita aos deveres do Estado costeiro correlativos dos novos poderes, há que distinguir as obrigações gerais de respeitar as liberdades dos outros Estados, de deveres especiais em matéria de acesso aos recursos, uma vez que as primeiras, ao contrário das segundas, encontram perfeita correspondência nos modelos consuetudinários. Com efeito, no domínio da definição das condições de acesso de embarcações estrangeiras para pescar na sua ZEE, a prática dos Estados costeiros, sem deixar de reconhecer obrigações de carácter geral referentes à conservação dos recursos vivos do mar e à respetiva utilização ótima, tem-se orientado pelos respetivos interesses nacionais não se sentindo vinculada por quaisquer regras especiais relativas a determinado tipo de Estado.

A ZEE é, do ponto de vista dogmático, um espaço marítimo de jurisdição funcional, essencialmente distinto do mar territorial e do alto mar, subordinada a um regime jurídico que representa o quadro de acomodação de várias utilizações do mar ordenado à repartição dos respetivos benefícios entre o Estado costeiro e os outros Estados. Os poderes e deveres de cada Estado na ZEE, embora estruturalmente idênticos àqueles que são exercidos no mar territorial ou no alto mar, conexionam-se com determinadas atividades que têm de coexistir no mesmo espaço, e em resultado dessa necessidade de acomodação recíproca, ficam sujeitos a uma particular forma de compressão.

Neste sentido, A Zona Económica Exclusiva: um novo conceito no direito internacional do mar, Pedro Machete, artigo publicado e acessível através do seguinte link https://journals.ucp.pt/index.php/direitoejustica/article/download/10758/10401.

A repressão do tráfico de droga por mar obedece a dois regimes bem distintos no direito do mar, cujos pressupostos gerais são estabelecidos pela CNUDM, na sua vocação de “Constituição dos Oceanos”. Em primeiro lugar, há o regime aplicável nas águas territoriais, sobressaindo, quanto ao mar territorial, o disposto no artigo 27.º da CNUDM. Dentro das águas territoriais, a jurisdição do Estado do pavilhão cede, dando-se prevalência à jurisdição do Estado costeiro. Em segundo lugar, para lá do limite exterior do mar territorial, o regime que governa é o do alto mar, constante dos artigos 108.º e 110.º da CNUDM, onde impera a jurisdição do Estado do pavilhão.

Assim e em conclusão, ultrapassada a fronteira do mar territorial, em matéria de tráfico de droga a bordo de embarcações estrangeiras, o conceito de ZEE não tem qualquer expressão. Por força do n.º 2 do artigo 108.º da CNUDM, toda a área da ZEE é governada pelo regime dos crimes internacionais praticados no alto mar, aspeto que concorre para a afirmação comum de que na área da ZEE é aplicável um regime de natureza híbrida, que tanto favorece a jurisdição do Estado costeiro (disposições da ZEE), como a jurisdição do Estado do pavilhão (disposições do alto mar), consoante a matéria de que se trate, por exemplo, respetivamente, aproveitamento económico de recursos ou repressão de crimes marítimos. Assim, para efeitos de repressão do tráfico de droga a bordo de embarcações estrangeiras o alto mar começa ultrapassado o limite exterior do mar territorial, facto que convoca a aplicação em exclusivo das regras de jurisdição extraterritorial.

Por outro lado e como lembram Jorge de Figueiredo Dias, no 9.º Capítulo, sobre “o âmbito de validade espacial da lei penal”, em Direito Penal, Parte Geral, Tomo 1, Questões Fundamentais a Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2004 e Manuel António Lopes Rocha, em “Aplicação da Lei Criminal no Tempo e no Espaço”, pp. 85 a 151, em Jornadas de Direito Criminal, O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, Fase I, CEJ, Lisboa, Abril de 1983, na esteira de Jescheck, o princípio basilar da territorialidade que conforma a aplicação da lei penal estadual no espaço, em Portugal e na generalidade dos Estados soberanos, além do alargamento pelo designado “critério do Pavilhão”, relativamente a crimes cometidos a bordo de navios ou de aeronaves, pode sofrer modelações decorrentes de princípios acessórios ou complementares, designadamente, no que aqui releva, do “princípio da universalidade, da competência universal ou do direito universal”.

Este princípio, nas palavras de ambos os mencionados autores, legitima a aplicação da lei penal portuguesa pelo tribunal português, material e territorialmente competente no lugar onde se encontra o agente do crime, independentemente da geografia onde foi cometido e da sua nacionalidade ou da vítima, quando estejam em causa crimes lesivos de relevantes “bens jurídicos de carácter supranacional”, como tal generalizadamente reconhecidos e punidos pelas leis internas de cada país ou pelo direito convencional internacional e princípios gerais de direito internacional.

Não se trata de conferir a cada Estado o poder de perseguir e punir qualquer crime previsto na sua legislação interna, sob pena de surgimento de constantes diferendos e conflitos de soberania entre os vários Estados, mas de permitir essa perseguição e punição quando esteja em causa algum daqueles bens jurídicos e a provável impunidade da sua violação sem recurso a esse princípio da universalidade, da competência universal ou do direito universal, expressamente refletido no artigo 5º do Código Penal Português, em particular no seu n.º 2, conjugado com instrumentos de direito internacional relacionados a que Portugal se encontre vinculado.

Entre vários exemplos de criminalidade internacional perigosa e violadora daqueles bens jurídicos, surge o do tráfico internacional de estupefacientes, cujo combate a nível mundial se mostra consagrado na Convenção das Nações Unidas de 1988, conjugada com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982, referenciados no transcrito trecho do acórdão recorrido.

Deste modo, mesmo para aqueles que não reconhecem “a emergência de um costume internacional, seja geral ou regional, legitimador de exercício de jurisdição universal”, como conclui DDD, no artigo publicado na RMP, n.º 176, a verdade é que o ordenamento jurídico português dispõe de um complexo normativo disperso por diferentes diplomas legais, que, conjugados entre si e com aqueles instrumentos de direito internacional, permite concluir, como no acórdão recorrido, pela legitimidade e licitude da intervenção da Marinha e da Força Aérea e pela aplicação da lei penal portuguesa pelos tribunais portugueses ao caso em apreço, como referem os autores antes citados, em sintonia com o que também sustenta Henriques Gaspar, em anotação aos artigos 6º e 22º do Código de Processo Penal Comentado.

Desde logo, os artigos 48º e 49º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, cuja razão determinante levada ao respetivo preâmbulo, foi assumidamente a referida Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, oportunamente assinada por Portugal e aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/91, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 45/91, publicados no Diário da República, de 6 de setembro de 1991, que, remetem precisamente para os artigos 4º a 6º do Código Penal, de que também se extrai a possibilidade de aplicação da lei penal portuguesa a crimes cometidos fora do território nacional e sem qualquer conexão pessoal a Portugal, como decorre da previsão do artigo 5º, n.º 2.

Depois, a Lei n.º 34/2006, de 28 de julho, que “determina a extensão das zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional e os poderes que o Estado Português nelas exerce, bem como os poderes exercidos no alto mar”, cujas disposições, nos termos do seu artigo 3º, (…) “são interpretadas em conformidade com os princípios e normas do direito internacional, designadamente os previstos na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 10 de Dezembro de 1982

E que, nos artigos 13º e 14º, estabelece, respetivamente, que “Os poderes a exercer pelo Estado Português no mar compreendem, sem prejuízo do estabelecido em legislação especial, são aqueles que estejam consagrados:

a) Em normas e princípios do direito internacional que vinculam o Estado Português;

b) Nas disposições da presente lei” e que “O exercício da autoridade do Estado Português nas zonas marítimas sob a sua soberania ou jurisdição e no alto mar, nos termos definidos nos artigos seguintes e em legislação própria, compete às entidades, aos serviços e organismos que exercem o poder de autoridade marítima no quadro do Sistema de Autoridade Marítima, à Marinha e à Força Aérea, no âmbito das respectivas competências”.

Disciplinando, nos artigos 16º a 20º, as “actividades de fiscalização e exercício do direito de visita (…) sobre todos os navios, embarcações ou outros dispositivos flutuantes, nacionais ou estrangeiros, à excepção daqueles que gozem de imunidade”, que podem culminar no apresamento do navio e seu reboque/trânsito para porto português, ficando à ordem da entidade competente, com levantamento de auto de notícia da ocorrência.

Os Decretos-Lei n.ºs 43/2002, de 2 de Março, que cria o sistema da autoridade marítima, e 44/2002, de 02 de Março, que “estabelece, no âmbito do sistema da autoridade marítima, as atribuições, a estrutura e a organização da autoridade marítima nacional e cria a Direcção-Geral da Autoridade Marítima” e que, no artigo 15º, define a Polícia Marítima como “ (…) uma força policial armada e uniformizada, dotada de competência especializada nas áreas e matérias legalmente atribuídas ao SAM e à AMN, composta por militares da Armada e agentes militarizados”, cujo pessoal se rege por estatuto próprio, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248/95, de 21.09, na redação atual conferida pelo Decreto-Lei n.º 235/2012, de 31.10, em cujo artigo 2º se definem as respetivas competências e se lhe confere o estatuto de Órgão de Polícia Criminal para efeitos de aplicação da legislação processual penal, conforme desenvolvidamente refere Rui Cardoso, em “Órgãos de Polícia Criminal – os que são e os que não são”, na RMP, Ano 41, n.º 161, pp. 171 e ss., em particular, pp. 202 a 206.

Face a todo o acima exposto, conclui-se que, relativamente a estes pontos, improcedem, assim, as questões suscitadas pelos recorrentes.

B.4.2. Da alegada inconstitucionalidade da interpretação da alínea d) do artigo 110º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar no sentido de que, tanto a Marinha de Guerra Portuguesa como a Polícia Marítima, atuaram na concretização dos deveres que recaem sobre o Estado Português, por força da aludida convenção e da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substância Psicotrópicas de 1988

Em síntese, o recorrente FF fundamenta essa alegada inconstitucionalidade nos seguintes termos

“É inconstitucional a interpretação alínea d) do n.º 1 do artigo 110.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar no sentido que o reconhecimento à outra parte de um direito de representação que legítima a intervenção dos seus navios de guerra ou aeronaves militares ou outros navios ou aeronaves com sinais exteriores bem visíveis ou identificados de que estão ao serviço do Estado e devidamente habilitados para o efeito sobre os navios do outro Estado que se encontrem a operar fora das suas águas territoriais no sentido de que se permite o livre arbítrio de verificação de patrulhamento exclusivo de águas de ZEE do país não costeiro, podendo operar livremente o Estado não costeiro por violação do disposto no artigo 5.º da Constituição.”

Do que ficou exposto no ponto anterior resulta já a nossa discordância com este entendimento, não se vislumbrando como pode o mesmo ser concebido, sobretudo quando as embarcações em causa não ostentavam qualquer pavilhão, ou seja, não tinham qualquer nacionalidade conhecida.

Para além disso, poder-se-á acrescentar, citando o Digníssimo Procurador-Geral- Adjunto que, “para além da vigência do princípio do primado do Direito Internacional convencional (cf. art. 8º/2 da Constituição da República), decisivo é que a previsão e o exercício do Direito de Visita nas circunstâncias em questão em nada relevam para a definição constitucional do Território Nacional.”

Estando essencialmente em causa acautelar a persecução e punição criminal de factos que, de outro modo, poderiam ficar impunes e sem perseguição de qualquer Estado, não conflituando – como atrás se demonstrou – a jurisdição dos tribunais nacionais com os de outra qualquer ordem jurídica, a interpretação normativa que o tribunal recorrido empreendeu não se mostra violadora de qualquer norma, princípio ou parâmetro constitucional.

Portanto também nesta parte não se reconhece razão ao recorrente.

B.4.3. Da alegada nulidade das gravações feitas na audiência de julgamento de 29 de julho de 2024 e da nulidade da respetiva ata

Em requerimento apresentado a ... de ... de 2024 (refª Citius 12733911) FF veio invocar as aludidas nulidades tendo, na sessão da audiência de dia ... do mesmo ano, esse requerimento sido indeferido, através de despacho com o seguinte teor:

“(…) que, nos termos do nº 4 do art. 101º do Código de Processo Penal e ante a existência de registo áudio da sessão da audiência ocorrida no dia ..., não é obrigatória a transcrição e que o então requerido pelo Ilustre Mandatário Dr. AA foi ouvido por todos os sujeitos processuais presentes e mereceu despacho, não se patenteando a nulidade, arguida, da ata, que se julga não verificada.”

A este propósito e depois de se proceder à verificação do registo áudio – que, como refere o recorrente, é audível – importa, antes de mais, sublinhar que, durante a sessão de audiência referenciada, não foram produzidas quaisquer “declarações”, ou seja, não foi produzida qualquer prova.

Com efeito, nessa sessão o Tribunal comunicou aos arguidos, de forma detalhada, eventual alteração substancial dos fatos vertidos no libelo acusatório tendo, em seguida, sido apresentados um conjunto de requerimentos pelos Mandatários dos arguidos, os quais foram objeto de despacho.

Esta realidade encontra-se devidamente refletida na ata da sessão de audiência de ... de ... de 2024, sendo completamente compreensível o que foi comunicado e, em sequência, o que foi requerido pelos mandatários e decidido pelo Tribunal.

Face ao exposto e tendo em conta o disposto no artigo 364º do Código de Processo Penal, não se nos afigura ter sido cometido alguma irregularidade.

Com efeito dispõem os nºs 1 a 4 desse artigo 364.º do C.P.P., sob a epígrafe “Forma da documentação”, o seguinte:

“1- A audiência de julgamento é sempre gravada através de registo áudio ou audiovisual, sob pena de nulidade, devendo ser consignados na ata o início e o termo de cada um dos atos enunciados no número seguinte.

2 -Além das declaraçõesprestadas oralmente emaudiência, sãoobjeto doregisto áudio ou audiovisual as informações, os esclarecimentos, os requerimentos e as promoções, bem como as respetivas respostas, os despachos e as alegações orais.

3 - -(Revogado.)

4 - A secretaria procede à transcrição de requerimentos e respetivas respostas, despachos e decisões que o juiz, oficiosamente ou a requerimento, determine, por despacho irrecorrível.

No caso concreto, não foi determinado pelo Juiz a quo – oficiosamente ou na sequência de requerimento de um dos sujeitos processuais – que se procedesse à transcrição integral dos requerimentos e despachos proferidos, tendo-se, contudo, e ainda assim, deixado registado a essência do que foi requerido e decidido.

Aliás e complementarmente, refira-se que, no acórdão de ... de ... de 2024, também se consignou o seguinte:

“Na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia ... de ... de 2024 (agendada para as 09:00 horas, mas que apenas teve início pelas 10:33 horas, por motivo do atraso verificado dos Ilustres Mandatários dos arguidos GG, II, HH e DD), foi comunicada aos arguidos a alteração não substancial dos factos descritos na acusação para que a pronúncia remete.

Perante tal comunicação, os arguidos GG, II, HH e DD requereram que fossem indicados os concretos meios de prova que fundamentam a comunicada alteração, o que foi deferido, tendo sido comunicados os meios de prova nucleares9.

Os arguidos requereram prazo para preparação da defesa, nos termos previstos no art. 358.º, 1, do Código de Processo Penal, tendo-lhes sido inicialmente concedido o prazo de 24 horas.

Os arguidos arguiram a irregularidade do despacho que lhes concedeu esse prazo de 24 horas para preparação de defesa (sustentando que o prazo teria de ser de 10 dias, por ser o prazo geral previsto no Código de Processo Penal, invocando, ainda, o disposto nos arts. 18.º e 32.º, 5, a Lei Fundamental).

Nessa sequência, foi proferido despacho, julgando não verificada a arguida irregularidade, vincando-se que o prazo preconizado pelo legislador português no art. 358.º, 1, do Código de Processo Penal é o estritamente necessário (ficando expressamente afastado o prazo geral de 10 dias previsto nesse código) à preparação da defesa e, bem assim, que atenta a reduzida extensão da comunicação operada e a escassa complexidade dos meios de prova indicados, tal prazo de 24 horas correspondia ao estritamente necessário, nos termos e para os efeitos da norma.

Sem prejuízo, o Tribunal decidiu conferir 24 horas aos arguidos, por se tratar do prazo em que, normalmente, devem ser praticados os atos nos processos de natureza urgente (natureza que os presentes autos revestem, nos termos do preceituado no art. 103.º, 2, a), do Código de Processo Penal)”

Face ao exposto e ao ali decidido – a cuja fundamentação se adere – também nesta parte improcede o recurso.

B.4.4. Da alegada alteração (não) substancial dos factos vertidos no libelo acusatório

No decorrer da sessão de julgamento realizada a 29 de julho o Tribunal a quo comunicou aos arguidos “eventual alteração não substancial dos factos vertidos no libelo acusatório” e concedeu-lhes o prazo de 48 horas para, em função dessa alteração, prepararem a sua defesa.

Porém, em requerimento apresentado a ... de ... de 2024, o arguido FF veio manifestar o entendimento de que o transmitido pelo Tribunal consubstanciava uma alteração substancial dos factos, concluindo que deveria “declarar-se nulas as alterações efetuadas pois excedem os limites traçados pela pronúncia

Na sessão da audiência do mesmo dia o Tribunal a quo indeferiu essa pretensão nos seguintes termos: “(…) quanto à invocada alteração substancial dos factos vertidos no libelo acusatório, para que remete a pronúncia, trata-se de mera discordância jurídica quanto ao entendimento do Tribunal sobre a natureza não substancial da alteração comunicada e que as perícias ao estupefaciente foram efetivadas nos termos prescritos por lei, não se julgando verificada qualquer nulidade.”

No recurso interposto e ora em apreciação o arguido FF retoma este tema, consignando na conclusão nº 12 da peça recursória que a alteração operada pelo Tribunal a quovem acrescentar novos factos ao libelo acusatório.”

E, percorrendo as motivações desse recurso, percebe-se que fundamenta essa alegação nos seguintes termos:

1 - “Sobre esta comunicação da alteração não substancial dos factos, cabe dizer que da leitura da acusação, não consta o grau de concentração de THC, nem é realizada qualquer referência ao dia e hora em que os arguidos foram vistos a navegar, nem quando foram os mesmos avistados.”

2 - “Dos relatórios periciais realizados de fls. 495, 496 não resulta de que embarcação foram recolhidas estas amostras pelo que o preenchimento realizado pelo tribunal separando o produto alegadamente estupefaciente não se encontram minimamente esclarecido na documentação suporte, como bem assim resulta de fls. 528 o produto seguiu para análise todo junto, sem separação.

Retirar ainda que se trata de produto proibido por lei, pois que resulta dos exames que se tratará de THC também viola os poderes do próprio tribunal que se encontra vinculado às perícias legais nomeadamente no que concerne ao resultado da prova pericial, conforme artigo 63.º do Código de Processo Penal.”

Vejamos,

A alínea f) do artigo 1º do Código de Processo Penal estabelece que se considera:

f) “Alteração substancial dos factos” aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”

Sobre este conceito escreve Paulo Pinto de Albuquerque10 o seguinte: “(…) só constitui alteração substancial dos factos a modificação que se reporta a factos constitutivos do crime e a factos que tenham um efeito de imputação de um crime punível com uma pena abstracta mais grave. A modificação dos restantes factos que constam da acusação ou da pronúncia constitui alteração não substancial dos factos, desde que sejam relevantes para a decisão da causa.”

Do exposto resulta, desde logo, que a referência feita no segundo parágrafo referenciado, aos relatórios periciais, não tem, no âmbito da matéria que estamos a abordar, o sentido pretendido pelo recorrente, devendo recordar-se que, no que concerne à matéria de facto e face ao disposto no artigo 434º do Código de Processo Penal, este Supremo Tribunal de Justiça só tem competência para a apreciar nos termos do estabelecido no artigo 410º nºs 2 e 3 do mesmo diploma legal. Ou seja, o referido nesse parágrafo só fará, neste âmbito, sentido, caso na acusação/pronúncia11 não se tivesse consignado que o produto traficado pelo recorrente era estupefaciente.

Contudo, assim não acontece.

Com efeito no artigo 2º da acusação/pronúncia constava o seguinte:

“Nesse dia12, às 17h50, no interior da embarcação semirrígida de alta velocidade, com cerca de 10 m de comprimento, sem nome e/ou matrícula, de cor azul, com 4 motores fora de bordo, da marca Yamaha, de 300 hp cada, que navegava nas citadas coordenadas 35.º 39`N (latitude) e 7º 31 W (longitude), a cerca de 80 milhas náuticas a sul do farol de ..., encontravam-se os arguidos QQ, FF, PP e EEE, transportando consigo 148 fardos de haxixe (canábis - resina).”

Ora, uma das substâncias que vem incluída na Tabela I-C anexa ao Dec. Lei nº 15/93, de 22 de janeiro é, justamente, a “Canábis, resina de - resina separada, em bruto ou purificada, obtida a partir da planta Cannabis”

Assim, quanto a este ponto e citando o Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto, “Por outro lado, quanto à adição, em julgamento, dos elementos relativos à percentagem de THC em muitos dos fardos de placas de canábis (resina) apreendidos, diga-se que a quantidade comprovada de tal substância já permitia afirmar, com evidência, a tipicidade-penal dos factos, pelo menos, à luz do crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. na disposição do art. 21º/1 do DL-15/93, de 22/01, com referência à Tabela-IC.”

Por outro lado, a inclusão da referência “ao dia e hora em que os arguidos foram vistos a navegar, nem quando foram os mesmos avistados” também não consubstancia a noção de alteração substancial acima referida.

Com efeito e voltando a citar o Digníssimo Procurador-Geral Adjunto:

“Com todo o respeito, optando por uma apreciação à luz de uma normatividade material, avessa a rigorismos estéreis, cremos que o Tribunal recorrido se limitou a fazer um “arranjo”, uma integração, de dois concretos pontos da matéria acusatória, não modificando ou aditando o seu conteúdo essencial, mormente através da “alteração substancial de factos” (cfr, o art. 359º do Código de Processo Penal).

25 Concretizando.

-Se no articulado 1º da Acusação se descrevem as posições geográficas, no Mar Alto, das duas lanchas, azul e cinza e preta, respectivamente (cada uma com o seu grupo de ocupantes), às 17.45 – Latitude 35º 39’N e Longitude 007º 31’W;

-Se no articulado 2º da Acusação se descreve a posição geográfica da lancha de cor azul às 17.50 – 35.º 39`N (latitude) e 7º 31 W;

-Se no articulado 4º da Acusação se descreve a posição geográfica da lancha de cor cinza e preta às 20.20 – 35.º 40`N (latitude) e 007º 37’W.

26

O Colectivo complementa, apenas precisando: -Factos-provados 1. e 2.:

No dia ... de ... de 2023, antes das 16:47 horas, na posição 36º 11’ 27’’N e Longitude 007º 44’ 54’’W, as duas lanchas, azul e branca e cinzenta e preta, foram detectadas pela Força-Aérea;

Facto-provado 4.:

Pelas 17:50 horas desse dia ... de ... de 2023, na posição Latitude 35º 39’N e Longitude 007º 31’W, a Marinha localiza o primeiro barco, de cor branca e azul;

-Facto-provado 9.: Pelas 20:20 horas desse dia ... de ... de 2023, na posição Latitude 35º 40’N e Longitude 007º 37’W, a Polícia Marítima localizou o segundo barco, de cor cinza e preta.

27

Resulta à evidência que se trata de um mero rearranjo dos factos – que se mantêm os mesmos, na sua significação penal – que o Colectivo se limitou a adequá-los, lógica e julgamento.”

Face a todo o exposto e voltando agora a ter em conta a noção legal contida na al. f) do artigo 1º do Código de Processo Penal, resulta claro que com a alteração dos factos introduzida pelo Tribunal a quo não foi imputada ao recorrente a prática de “um crime diverso” nem dessa alteração resultou “a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”, inexistindo qualquer violação do princípio da vinculação temática.

Na verdade, para concluir e usando agora palavras do Ministério Público junto da primeira instância, com as quais se concorda, “Na verdade, aoinvés dosustentadopelo recorrente, osfactosconsubstanciadores dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito imputado ao ora recorrente em ambas as decisões (acusação/ despacho de alteração não substancial/ acórdão), reconduz-se ao mesmo “ pedaço de vida”, à mesma conduta/ acção executada pelo arguido – a de participar numa operação de transporte marítimo de canábis (resina), em co-autoria material com os arguidos (…) pessoas que faziam parte da tripulação da embarcação em cujo interior o ora recorrente veio a ser interceptado por fuzileiros da Marinha Portuguesa, identificados e identificáveis como tal.”

Portanto, também quanto a esta matéria o recurso é improcedente.

B.4.5. Da alegada violação dos direitos de defesa

No mesmo requerimento de ... o arguido e ora recorrente FF veio requerer a seguinte produção de prova:

- Audição dos fuzileiros da Marinha Cabos FFF eGGG;

- Se oficiasse ao laboratório para vir juntar aos autos o exame pericial realizado ao produto estupefaciente apreendido no qual contenha as fórmulas químicas e a composição química do produto estupefaciente analisado, de forma que possamos aferir se o produto analisado contém THC ou THC-P;

- Audição dos Especialistas de Polícia Científica HHH, III e JJJ.

Na sessão de audiência do mesmo dia 31 de julho o Tribunal a quo indeferiu tais diligências através do seguinte despacho: “(…) que o Tribunal tomou posição relativamente à desnecessidade da audição dos Fuzileiros da Marinha Portuguesa e que, por identidade de razões, desnecessária se evidencia a inquirição do Comandante da embarcação; que as perícias toxicológicas foram realizadas nos termos prescritos por lei e não suscitam dúvidas ao Tribunal, não sendo de determinar a junção de elementos adicionais nem de inquirir as Especialistas de Polícia Científica”

Vem agora o mesmo arguido recorrer desse despacho alegando que o mesmo “(…) viola os mais elementares direitos de defesa dos arguidos, isto é o tribunal “a quo” ao indeferir as requeridas diligências probatórias não permitiu aos arguidos exercer o seu direito de defesa”, acrescentando que tais diligências probatórias “não são impertinentes, nemsãodilatórias, massimessenciais para comprovar a tese dadefesa,assim como são essenciais para afirmar ou infirmar os factos relacionados com as nulidades invocadas”, razão pela qual considera que o decidido “viola o disposto nos artigos 30.º e 32.º da nossa Constituição”.

Ora,

Nos termos do disposto no artigo 311º-B do Código de Processo Penal, o arguido indica o rol de testemunhas na contestação.

Subsequentemente, nos termos do disposto no artigo 316º do mesmo diploma legal, pode o arguido indicar novas testemunhas, desde que essa alteração possa ser comunicada aos demais sujeitos processuais até três dias antes da data fixada para julgamento.

Finalmente, nos termos do estabelecido no artigo 340º, ainda do mesmo diploma legal:

Artigo 340.º

(Princípios gerais)

1 - O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

2 - Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta.

3 - Sem prejuízo do disposto no artigo 328.º n.º 3, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis.

4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:

a) (Revogada.);

b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;

c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou

d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.

A este propósito escreve Paulo Pinto de Albuquerque13 “A faculdade de requerer provas na própria audiência reconhecida aos sujeitos processuais deve, todavia, ter-se por excecional. A despeito de a audiência de julgamento ser a sede natural da produção de prova, os requerimentos para a sua produção são apresentados aliunde. Com o propósito de assegurar a regularidade da tramitação e o respeito pelo princípio da lealdade processual, o legislador estabelece momentos próprios para os requerimentos probatórios dos sujeitos processuais (…) a prova não deve ser requerida para além desses momentos a menos que alguma circunstância especial o justifique (…)”

Também a nossa jurisprudência tem tido o mesmo entendimento, podendo citar-se, por todos, o seguinte acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa14:

I – O arrolamento de novas testemunhas durante a audiência de julgamento tem carácter excepcional e deve fundar-se na sua estrita necessidade, para melhor se apreciar e decidir a causa, e em circunstâncias supervenientes ocorridas. É ónus do requerente motivar tais necessidade e natureza superveniente.

II – De outro modo, estaria encontrada a forma de acrescer à prova anteriormente indicada nova prova, num indefinido devir, protelando-se o processo e defraudando-se as regras gerais de arrolamento de prova.

Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de fevereiro de 2012 Proc. 827/11.8GAEPS.G1

Volvendo ao caso dos autos, na contestação que apresentou a ... de ... de 2024 (refª citius ...) o recorrente indicou o “merecimento dos autos” e indicou como testemunhas “todas as que são referidas e identificadas na acusação.”

Por requerimento apresentado a ... de ... de 2024 (refª citius ...) o mesmo arguido/ recorrente solicitou e foi deferido o adicionamento das testemunhas BBB e CCC.

E, por requerimento apresentado a ... (refª citius 12605694), já depois de iniciada a audiência de julgamento15, pediu e foi deferida a junção de vários documentos.

Entretanto, a ... de ... de 2024, o Ministério Público solicitou (refª citius ...) a audição dos ..., Cabos FFF e GGG, o que, tendo sido inicialmente aceite, acabou por ser indeferido, através de despacho proferido na sessão de audiência do dia ... de ... de 2024, por razões de ordem técnica16, tendo-se consignado designadamente nesse despacho o seguinte: “Inviabilizando-se, pelos motivos expostos, a audição determinada e porque o estatuto processual dos arguidos impõe que se confira celeridade à conclusão da produção da prova e ao encerramento da audiência de julgamento [posto que o prazo máximo da prisão preventiva será alcançado no dia ... de ... de 2024], o Tribunal Coletivo decide que não irá proceder à inquirição das testemunhas em causa e os autos prosseguirão os seus termos.

Para além do mais, ressalta-se, a diligência deferida no dia de hoje podia ser útil à descoberta da verdade material, mas não se mostra absolutamente indispensável a assegurar tal desiderato, em vista à boa decisão da causa.”

Face a todo o exposto, sendo ainda certo que o arguido e ora recorrente não impugnou oportunamente o despacho atrás referido, nem invocou no requerimento inicialmente referido nenhuma nova circunstância específica que justificasse alteração do decidido, não se vislumbra razão para censurar o decidido pelo Tribunal a quo quando à pretendida audição dos Fuzileiros da Marinha Portuguesa.

O mesmo se diga quanto à pretensão de novo relatório sobre a perícia efetuada ao produto estupefaciente e no que concerne à requerida audição dos técnicos do Laboratório de Polícia Científica onde aqueles foram realizados.

Com efeito e como bem recorda a magistrada do Ministério Público junto da primeira instância - e resulta da indicação da prova constante do despacho de acusação - as perícias toxicológicas à droga apreendida foram realizadas ainda durante a fase de inquérito, não se percebendo porque é que, só agora, o arguido/recorrente vem suscitar questões sobre os respetivos relatórios, os quais se mostram elaborados nos termos prescritos na lei e nos quais se indica, claramente, a presença de THC (e não de THC-P)17.

E não se diga que tais pretensões poderiam encontrar justificação na alteração não substancial dos factos narrados no libelo acusatório já que, como atrás se demonstrou, essas alterações apenas consubstanciaram um mero rearranjo dos factos constantes na acusação /pronúncia – que se mantêm os mesmos, na sua significação penal – sendo que o Coletivo se limitou adequá-los, à lógica e à dinâmica revelada em sede de julgamento.

Em conclusão e face a todo o acima exposto, dado que o recorrente não solicitou oportunamente a produção prova posteriormente requerida em fase final da audiência de julgamento e dado que o Tribunal entendeu – e bem – que a mesma era desnecessária para a descoberta da verdade material e tendo ainda em conta o disposto no artigo 340º do Código de Processo Penal, não se vislumbra que se tenham sido violados os direitos de defesa do recorrente.

Termos em que, também quanto a esta matéria, improcede o recurso.

B.4.6. Da alegada ausência de investigação

O recorrente FF arguiu a “nulidade de todo o processado por ausência de investigação – uma vez que resulta inequívoco da prova produzida que os telemóveis e aparelho(s) de GPS apreendidos nos autos não foram sujeitos a pesquisa, não tendo a investigação levada a cabo pelo Órgão de Polícia Criminal com competência reservada (Polícia Judiciária) e pelo Ministério Público abrangido todas as diligências pertinentes ao apuramento da verdade material, não sendo possível estabelecer a coautoria entre os arguidos que formavam a tripulação da embarcação de cor azul e aqueloutros que integravam a tripulação da embarcação de cor cinza e preta, ambas apreendidas nos autos.”

Na secção relativa ao saneamento do processo o acórdão recorrido tomou posição sobre esta matéria consignando, designadamente, o seguinte:

“Conforme vem sendo entendimento unânime da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, a “falta de inquérito” a que se reporta a alínea d) do art. 119.º do Código de Processo Penal ocorre quando se verifica ausência absoluta de inquérito ou de atos de inquérito. Refere-se, pois, à falta do conjunto de diligências ou atos compreendidos no art. 262.º, 1, do Código de Processo Penal, ocorrendo quando se verifica ausência absoluta ou total de inquérito ou falta absoluta de atos de inquérito.

Verificar-se-á tal nulidade sempre que, perante uma notícia/denúncia criminal, o Ministério Público profira despacho de arquivamento sem que seja realizada qualquer diligência, a menos que estejamos perante uma situação em que se revele evidente, manifesto, “em face da denúncia, não serem os factos denunciados (…) suscetíveis de integrar qualquer crime ou, sendo-o, a prossecução da ação penal revelar-se, em função v.g. da extinção do direito de queixa, da prescrição do crime, de amnistia, inquestionavelmente comprometida” – vide, neste sentido, a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 05.02.2020 e do Tribunal da Relação do Porto de 15.06.2011 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt, proferidos nos processos n.ºs 830/19.0T9LRA.C1 e 1645/08.6PIPRT.P1, respetivamente).

Tal situação não se confunde com a “insuficiência de inquérito”, reconduzindo-se esta figura à nulidade relativa prevenida na alínea d) do n.º 2 do art. 120.º do Código de Processo Penal, traduzida, não já na ausência total da dita fase processual, mas, tão-só, na omissão de certos atos legalmente obrigatórios.

Ensina, com efeito, Germano Marques da Silva (in Curso de Direito Processual Penal, Volume III, 2.ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, p. 91) que “a insuficiência do inquérito é uma nulidade genérica, que só se verifica quando se tiver omitido a prática de um ato que a lei prescreva como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha de forma diversa, e que a omissão de diligências de investigação não impostas por lei não determina a nulidade do inquérito por insuficiência, pois a apreciação da necessidade dos atos de inquérito é da competência exclusiva do Ministério Público”.

Com grande interesse, nesta matéria, pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06.11.2017 (proferido no processo n.º 220/14.0GBCMN.G1 e disponível em www.dgsi.pt): “A revisão do Código de Processo Penal levada a cabo pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, introduziu na redação da citada alínea o segmento «por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios». Esta alteração, que teve em vista promover a aceleração das fases preliminares e evitar a proliferação de recursos interlocutórios, consagrou o entendimento, que era corrente na doutrina e na jurisprudência, de que a insuficiência do inquérito ou da instrução só se verifica quando o ato omitido for prescrito pela lei como obrigatório.

De acordo com este entendimento maioritário, apenas a omissão de ato que a lei prescreva como obrigatório pode consubstanciar a nulidade de insuficiência do inquérito prevista na al. d) do n.º 2 do art. 120º. Já a omissão de diligências, nomeadamente de produção de prova, cuja obrigatoriedade não resulte de lei, não dá origem a essa nulidade [Cf. o acórdão do STJ de 23-05-2012 (processo n.º 687/10.6TAABF.S1), disponível em http://www.dgsi.pt.].

A realização de inquérito consiste em dar-lhe formalmente início, com a respetiva abertura e autuação, e em levar a cabo o conjunto de diligências a que alude o art. 262.º, n.º 1, traduzidas na investigação da existência de um crime, na determinação dos seus agentes e da respetiva responsabilidade, e na recolha de provas, com vista a ser proferida uma decisão sobre a acusação.

No entanto, a lei processual penal não impõe a prática de quaisquer atos típicos de investigação, atento o modelo de autonomia que, em sede de exercício da ação penal, foi desenhado para a atividade do Ministério Público.

Segundo esse modelo, a titularidade e a direção do inquérito pertencem ao Ministério Público (arts. 262.º e 263.º), sendo este livre, dentro do quadro legal e estatutário em que se move e a que deve estrita obediência (arts. 53.º e 267.º), de promover as diligências que entender necessárias ou convenientes com vista a fundamentar uma decisão de acusar ou arquivar, com exceção dos atos de prática obrigatória no decurso do inquérito.

É certo que, residualmente, a lei prevê a obrigatoriedade da realização de determinados atos específicos, embora não propriamente de investigação, entre os quais, porém, não se inclui a inquirição de testemunhas nem, obviamente, a sua reinquirição.

E só a falta absoluta da prática dos atos que a lei obrigatoriamente imponha é passível de gerar aquela nulidade e não já a eventual insuficiência material do inquérito, que é aquilo que a recorrente sustenta ter ocorrido no caso”.

Quanto aos atos cuja prática é legalmente obrigatória no decurso da fase de inquérito, importa considerar as previsões constantes dos arts. 271.º, 2 e 272.º, 2, ambos do Código de Processo Penal, sendo obrigatória, tão-somente, a tomada de declarações para memória futura ao ofendido nos processos por crime contra a liberdade e a autodeterminação sexual de menor (desde que a vítima não seja, ainda, ao tempo, maior) e a submissão a interrogatório, na qualidade de arguido, de pessoa determinada contra a qual corra inquérito, havendo suspeita de que a mesma praticou um crime (salvo se não for possível notificá-la).

Posto isto e em primeiro lugar, dúvidas inexistem de que, in casu, existiu um inquérito que correu contra todos os arguidos, no âmbito do qual os mesmos foram, desde logo, na sequência da sua detenção em flagrante delito e constituição naquela qualidade (de arguidos), sujeitos a 1.º interrogatório judicial, tendo, assim, sido praticados atos de inquérito.

Flagrante é, pois, não se patentear a nulidade prevista na alínea d) do art. 119.º do Código de Processo Penal.

Por seu turno, a diligência que, na alegação do arguido FF, devia ter sido realizada em inquérito e não o foi – exame/pesquisa de dados informáticos específicos e determinados, armazenados num em sistema informático, no caso, nos telemóveis e aparelho(s) de GPS apreendidos (cfr. art. 15.º da Lei n.º 109/2009, de 15/09) – não constitui meio de prova cuja produção seja legalmente imposta, nos termos supra expostos, razão pela qual a omissão da sua realização não acarreta a nulidade de insuficiência do inquérito, na medida em que a apreciação da necessidade da realização dessas diligências, com vista a fundamentar uma decisão de acusar ou de arquivar o inquérito, é da competência exclusiva do Ministério Público, sem prejuízo das formas de reação previstas nos art. 278.º e 279.º do Código de Processo Penal, das quais não foi, refira-se, lançada mão.

Por outro lado, conforme é referido no já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06.11.2017, “o segmento da «omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade», igualmente incluído na al. d) do n.º 2 do art. 120.º, reporta-se à nulidade derivada da omissão de atos processuais na fase de julgamento e de recurso.

Só pode ser esse o sentido do adjetivo «posterior» utilizado na sua redação [Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª Edição, pág. 306]. Com efeito, partindo da correta ponderação da estrutura acusatória do processo penal (art. 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa), bem como dos princípios do contraditório e da oficialidade, a solução maioritariamente seguida pela jurisprudência é a de que a insuficiência do inquérito respeita apenas à omissão de atos obrigatórios e já não também a quaisquer outros atos de investigação e de recolha de prova necessários à descoberta da verdade”.

Em face do exposto, tendo sido praticado o único ato de inquérito obrigatório in casu, não se verifica, igualmente, a nulidade de insuficiência de inquérito, sendo certo ainda que, a ter existido, teria a mesma de ter sido invocada no circunstancialismo temporal previsto na al. c) do n.º 3 do art. 120.º, ou seja, até ao encerramento do debate instrutório, o que o arguido não fez (nem os demais arguidos o fizeram).

Improcede, pois, in totum, a alegação, pelo arguido FF, da(s) nulidade(s).”

Concorda-se inteiramente com esta decisão, a qual nos dispensaria de outros desenvolvimentos e nos autorizaria a julgar improcedente o recurso quanto à aludida matéria.

Contudo, ainda assim, consignar-se-ão, a este propósito, as seguintes notas, forçosamente breves.

Com efeito, uma vez que o recorrente alega terem sido violados “os artigos 119.º e seguintes do Código de Processo Penal” importa começar por referir que não faz qualquer sentido defender a “ausência de investigação”, no sentido de que teria ocorrido a nulidade a que se reporta a al. d) do artigo 119º do Código de Processo Penal, já que é patente a existência de inquérito e, até, de instrução.

Por outro lado, e quanto à nulidade a que se reporta a al. b) do nº 2 do artigo 120º do mesmo diploma legal, é correta a afirmação de que inexiste norma que imponha a realização das diligências a que alude o recorrente.

Finalmente, também se concorda que, quanto a esta alegada nulidade, a mesma sempre estaria sanada dado que o recorrente não a arguiu oportunamente, ou seja, até ao encerramento do debate instrutório (cf. al. c) do nº 3 do artigo 120 do Código de Processo Penal).

Face a todo o exposto, também quanto a esta matéria improcede o recurso.

B.4.7. Do alegado erro notório na apreciação da prova e da alegada violação do princípio da livre apreciação da prova

O recorrente FF vem invocar a existência do vício de erro notório na apreciação da prova e, também, a violação do princípio da livre apreciação da prova

Em síntese, sustenta essa alegação nos seguintes termos:

O ponto 1 e 2 dos factos dos factos dados como provados segundo o tribunal “a quo “resultam das regras da lógica e da experiência, da comunicação de fls. 4, das imagens recolhidas pela aeronave, da avaliação da embarcação e dos depoimentos prestados em audiência de julgamento pelas testemunhas KKK, WW e LLL.

Sucede que as indicadas testemunhas não presenciaram os factos que ora se alteram.

Nem foi produzida nenhuma prova direta acerca dos mesmos.

O que resulta dos autos e da prova testemunhal produzida é que os arguidos foram abordados pelos fuzileiros da Marinha.

Esses sim presenciaram os factos e têm conhecimento direto acerca dos mesmos.

Motivo pelo qual e existindo prova direta que se impunha produzir não pode e não deve o tribunal socorrer-se de prova indireta e das regras da lógica e da experiência.

Afigurava-se assim necessária a audição dos referidos indivíduos da marinha que realizaram a abordagem ou pelo menos a audição do Comandante da embarcação em que os mesmos seguiam

(…) Impunha-se assim a audição dos militares da marinha e das Especialistas de Polícia Científica que realizaram os exames periciais para esclarecer qual a fórmula química e se existe a presença dos cinco átomos de carbono ou não na presença do produto apreendido, pois havendo a presença dos 5 átomos, não estamos em presença de qualquer ilícito penal, o que não foi apurado in casu.”

Apreciando, desde logo se consigna que o alegado não corresponde inteiramente à verdade.

Com efeito, a testemunha WW, agente da Polícia Marítima, esteve no local onde ocorreram parte dos factos; por outro lado e como já atrás se deixou escrito, os fuzileiros da Marinha não se recusaram a prestar depoimento, apenas se dispensou o seu depoimento por não ser possível realizar a diligência com distorção do voz e da imagem dos mesmos, necessidade justificada ao abrigo da lei de proteção de testemunhas (Lei 93/99, de 14 de julho)

Aliás, quando à dispensa do depoimento dos fuzileiros da Marinha o recorrente não reagiu oportunamente ao despacho que dispensou a sua audição pelo, que neste momento, não pode validamente impugnar tal despacho.

Por outro lado, já atrás nos pronunciámos sobre o indeferimento da produção de prova no qual o recorrente vem, agora, sustentar o alegado vício de erro notório na apreciação da prova e a violação do princípio da livre apreciação da prova, pelo que para esse trecho se remete, apenas se consignado que tal indeferimento não merece qualquer censura.

Finalmente, mas não menos importante, o recurso nesta parte decorre de uma má interpretação do que sejam o vício e o princípio acima referidos e que, in casu, inexistem.

Com efeito, no que concerne ao erro notório na apreciação da prova, previsto na al. c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal é pacífico, na doutrina e jurisprudência que:

“Por isso fica excluída da previsão do preceito toda a tarefa de apreciação e ou valoração da prova produzida, em audiência ou fora dela, nomeadamente a valoração de depoimentos, mesmo que objeto de gravação, documentos ou outro tipo de provas, tarefa reservada para o recurso em matéria de facto.

(…) O erro notório na apreciação da prova é o terceiro dos vícios da matéria de facto aqui em causa. Estão incluídas, evidentemente, as hipóteses de erro evidente, escancarado, de que qualquer homem médio se dá conta. (…) Mas basta para assegurar essa notoriedade que ela resulte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha de ser devidamente escrutinada - ainda que para além das perceções do homem comum – e sopesada à luz da de regras de experiência.”18

Não constituem o vício de erro notório na apreciação da prova, os seguintes casos:

d. A omissão de diligências “essenciais” para a descoberta da verdade, este vício constitui uma nulidade do julgamento (artigo 120º, nº 2, al. c)”19

“A livre apreciação da prova comporta 2 vertentes: - por um lado, a entidade que decide fá-lo de acordo com a sua íntima convicção em face do rol de provas apresentadas no processo, em especial na audiência de julgamento, quer sejam arroladas pela acusação, pela defesa, quer, ainda, aquelas que o Tribunal entende o oficiosamente conhecer e, por outro lado, essa convicção, objetivamente formada com apoio em regras técnicas e de experiência, não deve estar sujeita quaisquer cânones legalmente pré-estabelecidos.”20

“I -Como é jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, o erro notório na apreciação da prova, como os demais vícios elencados no nº 2 do art. 410º do CPP, deve resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência, e tem de ser de tal modo evidente que uma pessoa de mediana compreensão o possa descortinar;

II - E existe quando se dão por provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fática provada ou excluindo dela algum facto essencial;

III - Os vícios previstos no ar. 410º, nº 2, do CPP, nomeadamente o erro notório na apreciação da prova, não podem, por outro lado, ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova inscrito no art. 127º do CPP.

IV - Nesse aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo Tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410º, nº 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.”21

Finalmente, resta acrescentar que, da leitura da motivação acima transcrita e dos factos dados como provados e não provados igualmente consignados, não resulta – e muito menos de forma flagrante – que o Tribunal a quo tenha apreciado incorretamente a prova produzida e,

por outro lado, não impondo a lei que, existindo “testemunhas” com conhecimento direto de determinados factos, estas tenham que ser forçosamente inquiridas, não obstante existirem nos autos outros elementos de prova (documental, pericial e testemunhal) que, analisados e ponderados deforma crítica e global e de acordo com as regras a lógica e experiência comum, já permitem concluir com segurança pela verificação de tal factualidade,

não se vislumbra no teor do acórdão proferido qualquer desacerto na convicção do julgador, a qual se mostra devidamente fundamentada e motivada.

Concluindo, não se vislumbra que o acórdão padeça do vício referido ou que haja ocorrido violação do princípio enunciado pelo que, também quanto a esta parte, improcede o recurso.

B.4.8. Da alegada quebra da cadeia de custódia

Ainda o mesmo recorrente FF vem invocar ter ocorrido quebra da cadeia de custódia da prova.

E fundamenta essa alegação nos seguintes termos:

“O arguido ora Recorrente invocou a quebra da cadeia da custódia de prova uma vez que quem elaborou os autos de notícia e de apreensão não foram as entidades que estiveram no mar.

(…) Sendo incompreensível como é que nos presentes autos não há qualquer documento que ateste a entrega do produto estupefaciente apreendido pela Polícia Marítima à Polícia Judiciária.

(…) Não tendo assim a cadeia de custódia de preservação da prova sido observada.

(…) a inadmissibilidade da prova no processo e a proibição da sua valoração, uma vez que os dados aprendidos não transmitem a confiabilidade necessária para um processo justo e democrático.

Termos em que deverá o acórdão de que ora se recorre ser revogado por violação do disposto no artigo 249.º n.º 2 alínea a) do Código de Processo Penal e por violação do artigo32º, nº 8 da nossa Constituição.”

Entretanto, a este propósito consignou-se no acórdão recorrido o seguinte:

Neste âmbito, a defesa do arguido FF sustentou que não está documentada nos autos qual era a mercadoria transportada pela embarcação de cor azul no momento da sua abordagem por banda da Marinha Portuguesa, pelo que se desconhece se os “fardos” descarregados daquela embarcação no Porto Comercial de... e retratados nos registos fotográficos juntos aos autos coincidem com aqueles que eram transportados ab initio nessa mesma embarcação, de que eram tripulantes OO, PP,QQe FF.

Ora, partindo do pressuposto de que a defesa não põe em causa que a mercadoria transportada pela embarcação azul no momento da sua abordagem fosse superior àquela que foi descarregada no Porto Comercial ..., não foi invocado qualquer ponto de compromisso da integridade da mercadoria.

Da visualização do registo de vídeo efetuado pela aeronave da Força Aérea, constante do DVD que faz fls. 766, é percetível que tanto o volume como as características do embalamento da mercadoria transportada, nesse momento, pela embarcação azul, correspondem àquelas ostentadas pela mercadoria contida na mesma embarcação quando retratada nos registos fotográficos colhidos no Porto Comercial ... pela Polícia Judiciária – vide a reportagem fotográfica de fls. 64 a 65, que pode, desde logo, ser comparada com a impressão de uma frame daqueles vídeos e que está a fls. 232.

No mais, conforme já acima se disse, resulta, desde logo, do depoimento prestado em sede de audiência de julgamento pelo Agente da Polícia Marítima WW ter o mesmo presenciado, no dia ... de ... de 2023, a chegada ao Porto Comercial ... da embarcação azul (já decorrida uma hora sobre a chegada da embarcação que ele próprio abordara), sendo rebocada por navio da Marinha (resultando do auto de notícia de fls. 269 que se trataria da ...); Também as testemunhas UU e KKK relataram as condições dessa chegada ao ... e que o estado da embarcação correspondia ao que foi documentado na reportagem fotográfica mencionada, explicando que os tripulantes dessa embarcação de cor azul, acompanhados de uma embalagem de amostra, haviam sido transportados para ..., numa embarcação de alta velocidade (sendo que a testemunha VV especificou, concretamente, ter ideia de ter visto os Fuzileiros aquando da entrega, no cais, dessa tripulação), tendo chegado pelas 3:00 horas desse dia ... de ... de 2023.

Sobre esta matéria há que ter em conta inexistir no ordenamento jurídico português uma definição de cadeia de custódia positivada na Lei sendo certo que, as referências doutrinárias são escassas, merecendo destaque, pela sua importância relativamente ao nosso ordenamento jurídico, a obra de MMM onde se define a cadeia de custódia como “uma técnica jurídico processual que garante a identidade e autenticidade da prova ab initio ad finem de todo o iter processualis – desde o meio de obtenção da prova (busca e apreensão), a submissão a meio de prova (perícia) que termina a ser submetida à apreciação do Tribunal e ao contraditório, próprio das jurisdições processuais de estrutura acusatória (prova como resultado), ou seja, está presente em todas as fases importantes do instituto da prova”.

Ora, pelas 11:15 horas do dia ... de ... de 2023 foi lavrado pelos Inspetores da Polícia Judiciária UU e AAA o auto de apreensão que consta de fls. 61 - cujo teor e assinatura os mesmos confirmaram e cuja autenticidade não foi posta em causa -, onde se documentou a apreensão de 148 embalagens, vulgo “fardos”, em sarapilheira, retirados do interior da embarcação azul, ali identificada como “Embarcação A”.

Nenhum facto ou circunstância apurados consentem qualquer dúvida sobre se a Marinha Portuguesa, no transporte que efetuou da embarcação, adulterou a mercadoria (!).

Da conjugação de todos os elementos probatórios, é, pois, entendimento do Tribunal que inexiste dúvida de que a mercadoria transportada pela embarcação azul no momento da sua abordagem por parte da Marinha Portuguesa é a mesma que foi apreendida pela Polícia Judiciária no Porto Comercial ... - com exceção do “fardo” cuja apreensão está documentada no auto de fls. 31, retirado da embarcação azul aquando a sua abordagem por parte da Marinha e transportado para ..., juntamente com os ora arguidos OO, PP, QQe FF, num barco de alta velocidade da Marinha, a fim de ser entregue à Polícia Judiciária e sujeito a teste rápido de despistagem, conforme documentado no ponto 6 do auto de notícia de fls. 5 e seguintes.

Termos em que se julga improcedente a alegada quebra da cadeia de custódia da prova.”

Assim o despacho acima transcrito já seria suficiente para se considerar não existir motivo de censura à decisão recorrida.

Contudo, ainda assim, algumas notas, mais uma vez necessariamente breves, se acrescentarão, desde logo para evidenciar algumas incorreções no alegado pelo recorrente.

Começaremos por notar que, como resulta logo na primeira comunicação ao Ministério Público feita pela Polícia Judiciária (mensagem eletrónica de ... de ... de 2023 -refª citius ...) – e confirmada posteriormente pelas demais autoridades intervenientes – o tráfico de droga narrado os autos foi descoberto na sequência de uma operação conjunta da Polícia Judiciária, Força Aérea e Marinha Portuguesas e Autoridade Marítima (nela se incluindo a Polícia Marítima), existindo nos autos diversas evidências de que estas entidades estiveram em contacto permanente durante a operação realizada no alto mar.

A segunda nota serve para referir que, ao contrário do alegado pelo recorrente, o auto de notícia foi subscrito pela testemunha WW, agente da Polícia Marítima que esteve presente durante a operação em alto mar e prestou depoimento em audiência de julgamento.

Nesse auto de notícia (enviado a coberto da mensagem eletrónica de ... de ... de 2023 – refª citius 10936804) consta, designadamente e contrariando o alegado pelo recorrente:

• A descrição de toda a operação, indicando-se, designadamente, a atividade realizada por cada uma das entidades envolvidas e a cooperação e articulação existente entre todas elas durante toda a operação;

• Que às 01,00H e 03,00 horas do dia ... de ... de 2023 foram desembarcados os tripulantes de ambas as embarcações abordadas, bem como 2 fardos de droga (sendo um de cada uma das embarcações), tendo sido tudo (pessoas e fardos de droga) entregue à Polícia Judiciária que os aguardava no ...;

• Que, as 10,45 e às 11,15 horas do mesmo dia, logo que as embarcações abordadas chegaram ao Porto ... - rebocadas pela Marinha Portuguesa -, foram entregues à Polícia Judiciária, provenientes dessas embarcações, 97 (noventa e sete) mais 148 (cento e quarenta e oito) fardos de droga.

Por outro lado, no processo enviado pela Polícia Judiciária ao Ministério Público a ... de ... de 2023 (refª citius ...) constam, designadamente, os seguintes elementos:

• Imagens - retiradas, em parte de vídeo produzido pela Força Aérea Portuguesa que filmou a operação de abordagem às embarcações com os fardos de droga - onde se vê as embarcações com os fardos de droga no mar e, depois, esses mesmos fardos de droga no ...;

• Quatro pedidos ao Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária de realização de perícia à droga apreendida, sendo indicado como objeto dessas perícias o conteúdo de, respetivamente, 1(um) + 1(um) + 97 (noventa e sete) + 148 (cento e quarenta e oito) fardos apreendidos;

• Quatro guias de entrega, no cofre forte da UNCTE da Polícia Judiciária, da droga apreendida, sendo igualmente indicado nessas guias, respetivamente 1(um) + 1(um) + 97 (noventa e sete) + 148 (cento e quarenta e oito) fardos apreendidos.

Face a todo o exposto e dado que, como refere a decisão recorrida, “(n)enhum facto ou circunstância apurados consentem qualquer dúvida sobre se a Marinha Portuguesa, no transporte que efetuou da embarcação, adulterou a mercadoria (!)”, não se vê como se pode colocar em causa que a substância apreendida aos arguidos é a substância que foi apreendida, objeto de perícia e que justificou a condenação do recorrente pela prática do crime de tráfico de estupefacientes…

Em suma, no caso sub judice não ocorreu qualquer circunstância passível de afetar a validade ou a identidade e autenticidade dos meios de prova valorados pelo tribunal em audiência de julgamento e com base nos quais formou a respetiva convicção, a qual se perfila insuscetível de censura, porque baseada na prova documental, pericial e pessoal constante dos autos e neles validamente recolhida, produzida e/ou reproduzida, examinada e valorada, com integral respeito pelos princípios constitucionais do due process and fair trial consagrados nos artigos 20º e 32º da CRP e sem evidência de qualquer desvio ou erro flagrante na sua apreciação, por ilógico ou contrário às disposições legais aplicáveis ou às regras da experiência comum e do normal acontecer, pelo que, sem necessidade de outras considerações, forçoso é concluir pela improcedência da questão aqui em apreço.

Termos em que, também nesta parte improcede o recurso.

B.4.9. Do alegado não preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do artigo 21º, por referência à Tabela I-C a ele anexa, do Dec. Lei 15/93, de 22 de janeiro e da alteração do bem jurídico protegido

Sob esta epígrafe o recorrente FF retoma o indeferimento do requerimento a que aludimos em B.4.5. insistindo na necessidade de se esclarecer se o produto apreendido continha THC ou THC-P “pois havendo a presença dos 5 átomos (de carbono), não estamos na presença de qualquer ilícito penal.”

Voltando a consignar a correção desse indeferimento, desde já se sublinha que, em todas as perícias realizadas à droga apreendida se refere a presença de “THC” (e não de THC-P22), o que desde logo conduziria ao fracasso da argumentação aduzida pelo recorrente.

Porém, para além disso, importa referir que, em todos os relatórios das perícias referenciadas, o Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária consignou que a “substância ativa presente” é a “canábis (RESINA)” - sendo que a sigla “THC” apenas é utilizada para indicar o grau de pureza do estupefaciente analisado – indicando-se, ainda, nas respetivas conclusões, que tal substância está incluída no “DL 15/93 Tabela I-C”.

Aliás, na Tabela I-C anexa ao Dec. Lei 15/93, de 22 de janeiro, a substância que é indicada como proibida é justamente a “canábis (resina)” (e não o “THC”) pelo que não há dúvida de que o produto transportado pelo recorrente está incluído nessa tabela.

Concluindo, e não sendo suscitada qualquer outra questão sobre esta matéria, não restam dúvidas de que o comportamento do arguido e ora recorrente é subsumível ao crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º, nº 1 do Dec. Lei 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela I-C a ele anexa.

Uma nota complementar sobre a circunstância de o recorrente aludir, na parte final das motivações feitas a propósito do ponto em análise, que terá ocorrido “omissão de pronúncia”.

Não se compreende esta “conclusão” já que o requerimento formulado e atrás referenciado foi objeto de decisão – da qual o arguido recorreu e sobre a qual já nos pronunciámos – sendo que, quanto ao que consta nos relatórios periciais, o tribunal a quo esclareceu que os mesmos foram feitos de acordo com o estabelecido na lei e neles se fundamentou para condenar o ora recorrente…

Face a todo o exposto, o recurso igualmente improcede quanto a este ponto.

B.4.10. Da alegada inexistência de coautoria

O recorrente FF impugna a decisão recorrida, considerando que não estão reunidos os pressupostos para que seja condenado como coautor.

E, nas suas motivações de recurso defende que, dos factos apurados “Só se pode concluir que não, pois resulta dos factos provados que o tribunal “a quo” não consegue identificar de que forma os arguidos gizaram entre si um plano e com que propósito.

Ademais os arguidos não praticaram todos os mesmos factos em co-autoria”.

A este propósito importa começar por referir que, não tendo o arguido impugnado a decisão recorrida ao abrigo do disposto no artigo 412º nº 323 e não se verificando nenhum dos vícios ou nulidades a que alude o artigo 410º, nº 2 e 3, ambos do Código de Processo Penal, a resposta para a questão ora colocada tem de ser dada em função da matéria de facto dada como assente no acórdão recorrido.

Ora, face à matéria de facto dada como assente, não se vê como é possível defender a inexistência de coautoria.

Com efeito e começando pelo fim, no acórdão recorrido não se refere que os arguidos “praticaram todos os mesmos factos em co-autoria”

Pelo contrário, a circunstância de a matéria de facto relativa à afirmação da existência de uma decisão conjunta estar repartida em dois artigos (22 e 23) desde logo indicia que apenas se considerou a existência de coautoria entre os arguidos que transportava droga em cada uma das embarcações abordadas.

Aliás, ao fundamentar juridicamente a sua decisão, o acórdão recorrido consignou o seguinte:

“Todavia, a comparticipação, sob qualquer forma, não pode, de todo em todo, afirmar-se entre nenhum dos arguidos tripulante de uma das embarcações, relativamente aos tripulantes da outra embarcação.”

Por outro lado, e quanto à não comprovação da forma como os arguidos “gizaram entre si um plano e com que propósito”, só temos a comentar que tal não é indispensável para que se possa concluir ter existido coautoria entre o ora recorrente e os demais tripulantes da embarcação em que aquele transportava droga e, sobretudo, que foi isso que foi cristalinamente dado como provado.

Com efeito, ficou designadamente dado como provado que:

“23. Atuaram os arguidos JJ, KK,QQe FF de comum acordo e em conjugação de esforços, com perfeito conhecimento das características estupefacientes e psicotrópicas das substâncias que transportavam e que se destinavam à venda a terceiros.”

Aliás, todo o circunstancialismo descrito nos factos dados como assentes no que concerne à conduta dos arguidos mostra à saciedade, à luz das regras da experiência e dispensando qualquer outra argumentação que, só através de um acordo comum e em conjugação de esforços, seria possível concretizar o propósito dos arguidos e, designadamente do recorrente.

Seria, no mínimo, ilógico e destituído de qualquer razoabilidade, que pudesse ser concebível que quatro pessoas tivessem, cada um, separadamente, aprovisionado numa embarcação determinadas quantidades de canábis, para as transportar por via marítima, sem que houvessem previamente contactado entre si e estabelecido os meios e circunstâncias concretas de embarque, de rota e de destino.

A finalizar e ainda a este propósito, remete-se para a doutrina e jurisprudência indicada pelo recorrente, a qual confirma o que acabámos de deixar consignado. Com efeito, e apenas para dar um exemplo, veja-se o que escreveu o Supremo Tribunal de Justiça no seguinte acórdão, citado pelo Recorrente24:

“XIV- A decisão conjunta pressupõe um acordo que pode ser tácito, pode bastar-se com a consciência e vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado tipo legal de crime.

XV - As circunstâncias em que os arguidos actuaram nos momentos que antecederam o crime podem ser indício suficiente, segundo as regras da experiência comum, desse acordo tácito.”

Concluindo, também quanto a esta matéria o recurso é improcedente.

B.4.11. Das medidas das penas

B.4.11.1. Introdução

Nos termos do disposto nos nº 1 e 2 do artigo 40º do Código Penal e como refere Figueiredo Dias25, “(a)s finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade”, sendo que, “a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa” pois isso, “mesmo que em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assim, logo por razões jurídico constitucionais, inadmissível.”

Por outro lado, continuando a acompanhar esse Mestre e citando o acórdão recorrido, a determinação definitiva da pena é alcançada através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira investiga-se e determina-se a moldura penal (medida abstrata da pena) aplicável ao caso; na segunda investiga-se e determina-se a medida concreta (dita também individual ou judicial); na terceira escolhe-se (de entre as penas postas à disposição pelo legislador e através dos mecanismos das penas alternativas ou das penas de substituição) a espécie de pena que, efetivamente, deve ser cumprida.

Como decorre do nº 1 do artigo 71º do Código Penal, a medida concreta da pena tem como limite máximo a culpa do agente, como limite mínimo razões de prevenção geral (consubstanciadas no quantum da pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos e das expetativas da comunidade), sendo subsequentemente afinada por razões de prevenção especial espelhadas nas funções que a mesma desempenha (seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou segurança ou inocuização26).

Escrito de outra forma e usando as palavras de Anabela Miranda Rodrigues, sobre o exposto modelo de determinação concreta da medida da pena:

«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas27

Para terminar este excurso falta referir que, nos termos do nº 2 daquele mesmo artigo 71º, na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente as elencadas exemplificativamente nessa mesma norma.

Sobre as circunstâncias, que relevam para a determinação da medida da pena, quer pela via da culpa, quer pela da prevenção, refere Figueiredo Dias28, que as mesmas se podem agrupar em:

“1. Fatores relativos à execução do facto”, esclarecendo que: Toma-se aqui a “execução do facto” num sentido global e complexo, capaz de abranger “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência” e ainda “os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins e os motivos que o determinaram (...);

“2) Fatores relativos à personalidade do agente”, em que inclui: a) Condições pessoais e económicas do agente; b) Sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado; e c) Qualidades da personalidade manifestadas no facto; e

“3) Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”, esclarecendo que no que respeita à vida anterior ao facto há que averiguar se este surge como um episódio ocasional e isolado no contexto de uma vida de resto fiel ao direito, que poderá atenuar a pena ou se existem condenações anteriores, que poderão servir para agravar a medida da pena.

Também Maria João Antunes refere que podem ser agrupados nas alíneas a), b), c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º, do Código Penal, os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto. 29

Passando agora ao caso concreto, importa desde logo recordar as críticas feitas pelos recorrentes à decisão em análise para, em seguida e confrontando-as com o que ficou consignado no acórdão recorrido, verificar se lhes assiste razão, apurando num segundo momento se, assim sendo, as penas parcelares devem ser alteradas e, na afirmativa, em que sentido.

Tudo isto sem esquecer que é jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça que:30

“A sindicabilidade da medida da pena por este Supremo Tribunal de Justiça apenas abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”

B.4.11.2. A decisão recorrida

A decisão recorrida fundamentou as penas aplicadas em dois segmentos: por um lado numa apreciação geral dos factos (fazendo uma ligeira distinção entre a atividade dos dois grupos, em função da quantidade apreendida a cada um deles) e, por outro, numa avaliação das condições pessoais de cada arguido.

Desde já se consigna concordar com esta metodologia – que, volta-se a sublinhar, ainda assim, estabelece diferenças entre os comportamentos dos arguidos - pois os factos dados como provados não permitem outra fundamentação das penas a aplicar a cada um dos envolvidos no crime a todos imputado.

Assim, em termos mais genéricos, a decisão recorrida fundamentou as penas que aplicou nos seguintes termos:

“Tendo presentes estas considerações, é nosso entendimento que, no caso concreto revestem relevância os seguintes fatores:

A qualidade dos produtos estupefacientes transportados pelos arguidos GG, HH, DD e II, por um lado, e pelos arguidos JJ, KK, QQe FF, por outro: a canábis consubstancia um estupefaciente com menor potencial aditivo [caracterizando-se, vulgarmente, como sendo uma «droga leve»], o que atenua o grau de ilicitude do facto;

A dimensão da logística envolvida em cada uma das duas operações de transporte da canábis: cada uma das operações de transporte envolveu o uso de uma embarcação de alta velocidade e bem assim, já, alguma envergadura, todavia, não patenteia sofisticação, na medida em que o produto estupefaciente seguia à vista de todos;

A quantidade da canábis transportada: os arguidos JJ, KK, QQ e FF participaram no transporte de uma quantidade de canábis (resina) elevada, suscetível de ser dividida em vários milhões de doses, o que configura um fator que eleva, de forma acentuada, a ilicitude; quanto aos arguidos GG, HH, DD e II , transportaram uma quantidade relevantemente menor do mesmo produto estupefaciente, embora também suscetível de ser dividido num número de doses individuais na ordem de vários milhões; com efeito e neste conspecto, embora as quantidades máximas fixadas no mapa anexo à Portaria n.º 94/96, de 26/03, indicado nas perícias efetuadas ao produto apreendido não sejam de aplicação automática, constituem indicadores fortes dos quantitativos máximos de consumo médio individual, tendo o valor de prova reforçada, pelo que o julgador só pode divergir desse juízo se recolher elementos de prova que permitam, fundadamente, pôr em causa tais valores, nomeadamente, apurando o consumo médio de cada consumidor em concreto. Daí que o valor reforçado dos valores determinados nos exames periciais e limites fixados na identificada Portaria servirão para fixar o valor de referência no caso concreto se, dos autos, não resultarem elementos de prova sobre o consumo médio individual das pessoas a quem se destinavam (neste sentido, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.02.2021, proferido no processo n.º 1079/18.4GDVFR.P1, disponível em www.dgsi.pt);

A coautoria entre os dois grupos de arguidos, repartidos pelas duas embarcações, enquanto união de esforços que diminui as possibilidades de proteção do bem jurídico e maximiza as hipóteses de êxito da realização típica, constitui motivo de agravação;

O lugar de cada um dos arguidos na estrutura da operação de tráfico de canábis: não se identificam fatores que permitam ao Tribunal distinguir, em qualquer caso, o grau de participação ou de responsabilidade de cada um dos arguidos, sendo manifesto que, atenta a situação socioeconómica que evidenciam, é de presumir que não seriam titulares do estupefaciente nem dos meios logísticos que asseguravam a operação;

Desconhece-se o valor do ganho que cada um dos arguidos poderia ter obtido, caso a operação tivesse tido sucesso;

A intensidade do dolo: todos os arguidos agiram com dolo direto, sob a forma mais gravosa de culpa, a merecer um maior juízo de censura;

As motivações que estiveram na base da prática do crime: os arguidos não prestaram declarações; todavia, a análise da sua situação socioeconómica, apurada, remete-nos para a provável conclusão de que atuaram conforme apurado para satisfação de carências;

(…)

Sopesando todos os fatores supra evidenciados, patenteia-se que a imagem global do ilícito praticado revela, em qualquer caso (relativamente a cada um dos dois grupos de arguidos que comparticiparam num transporte de canábis (resina)) elevadas exigências de prevenção geral, pois ambos os arguidos aceitaram ser uma peça na cadeia que leva a droga do produtor aos consumidores, ultrapassando fronteiras, desse modo participando na globalização deste crime e não se importando de serem usados como instrumento descartável nas mãos dos grandes traficantes, tendo como segura motivação, angariar rendimentos, com total indiferença para os malefícios que do produto adviriam para a vida e saúde dos futuros consumidores, suas famílias e da sociedade em geral.

Os tráficos de droga constituem, hoje, nas sociedades desenvolvidas, um dos fatores que provocam maior perturbação e comoção social, tanto pelos riscos (e incomensuráveis danos) para bens e valores fundamentais como a saúde física e psíquica de milhares de cidadãos, especialmente jovens, com as fraturas devastadoras nas famílias e na coesão social primária, os comportamentos desviantes conexos sobretudo nos percursos da criminalidade adjacente e dependente, como pela exploração das dependências que gera lucros subterrâneos, alimentando economias criminais, que através de reciclagem contaminam a economia legal.

O reconhecimento do fenómeno e da comoção social que provoca, faz salientar a necessidade de acautelar as finalidades de prevenção geral na determinação das penas como garantia da validade das normas e de confiança da comunidade.

O transporte internacional de estupefacientes, pela difusão rápida e eficiente das drogas junto dos mercados que abastecem os consumidores, constitui uma conduta especialmente danosa, cuja perseguição se mostra essencial para dificultar e impedir a circulação das drogas e o abastecimento daqueles mercados.

O que fica dito, não obsta a que, para efeitos de diferenciação da pena concreta a aplicar, se possa levar em consideração o tipo de contributo individual de cada um dos coautores, não podendo, concomitantemente, ser descuradas as finalidades de reinserção dentro do modelo de prevenção especial. Todavia, tal distinção, entre os arguidos que compõem um mesmo grupo de comparticipantes, não se mostra, nos termos expostos, possível.

Relevar-se-á, em qualquer caso, que os arguidos em nada contribuíram para a descoberta da verdade, posto que, tendo exercido o direito de não prestar declarações, também não manifestaram qualquer arrependimento perante o Tribunal, relativamente à atuação que empreenderam.”

B.4.11.3. Recurso de FF

Este recorrente contesta a pena que lhe foi aplicada entendendo, designadamente, que a medida da sanção foi excessiva e desproporcionada – comparativamente com a aplicada aos arguidos BB, CC, II e DD e ao que tem sido a jurisprudência dominante nesta matéria –, que o tribunal a quo não ponderou “o grau de ilicitude, a quantidade e a qualidade do produto estupefaciente, a forma de execução dos factos, a intervenção do arguido como mero transportador, pessoa em situação de dificuldades económicas”, que a seu favor “deveria ter sido valorado o facto de não se ter feito qualquer prova quanto ao seu domínio na escolha dos meios utilizados para efetuar o transporte, nem no acondicionamento do estupefaciente”, concluindo que foram violados os artigos 40º e 70º do Código Penal e os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, solicitando que a pena seja substituída por outra que fique próxima do limite mínimo da respetiva moldura penal.

Porém, constata-se que, na fundamentação da pena aplicada ao recorrente, foram tidas em consideração as circunstâncias “gerais” atrás referidas bem como as específicas condições pessoais e socioeconómicas deste arguido, bem como o seu passado criminal, dados como provados.

Com efeito,

Analisando o recurso do arguido FF no que concerne à medida da pena importa, antes de mais, começar por esclarecer que, como é evidente, este Supremo Tribunal de Justiça não pode ter em conta factos que não foram dados como provados.

Assim e dado que os arguidos, usando o legítimo direito ao silêncio, não quiseram prestar declarações, não é possível apurar qual foi, em concreto e em detalhe, o papel de cada um, designadamente no que concerne à “escolha dos meios utilizados para efetuar o transporte” ou “no acondicionamento do estupefaciente”.

Ou seja, os arguidos têm o direito de não prestar declarações, mas, assim procedendo, têm de compreender que não é na fase de recurso que vêm indicar novos factos, que não foram sujeitos ao contraditório em sede de investigação nem durante a audiência de julgamento…

De qualquer forma, saliente-se que, ainda assim - e beneficiando claramente o recorrente e seus companheiros - o acórdão recorrido caracterizou a atuação do recorrente como “mero transportador”, acrescentando ainda que, “sendo manifesto que, atenta a situação socioeconómica que evidenciam, é de presumir que não seriam titulares do estupefaciente nem dos meios logísticos que asseguravam a operação”

Quanto ao grau de ilicitude, é por demais evidente que assume uma gravidade muito considerável, como é descrito no acórdão recorrido, assim nos dispensando de maiores comentários…

Também a quantidade e qualidade do estupefaciente transportado foi devidamente tido em consideração pelo acórdão recorrido quando se consignou que:

“A qualidade dos produtos estupefacientes transportados pelos arguidos GG, HH, DD e II, por um lado, e pelos arguidos JJ, KK, QQ e FF, por outro: a canábis consubstancia um estupefaciente com menor potencial aditivo [caracterizando-se, vulgarmente, como sendo uma «droga leve»], o que atenua o grau de ilicitude do facto”

e

“A quantidade da canábis transportada: os arguidos JJ, KK, QQ e FF participaram no transporte de uma quantidade de canábis (resina) elevada, suscetível de ser dividida em vários milhões de doses, o que configura um fator que eleva, de forma acentuada, a ilicitude; quanto aos arguidos GG, HH, DD e II , transportaram uma quantidade relevantemente menor do mesmo produto estupefaciente, embora também suscetível de ser dividido num número de doses individuais na ordem de vários milhões”

Aliás, aproveita-se a abordagem deste ponto para nos pronunciarmos sobre a alegada violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade. E, a este propósito, importa referir que a pena aplicada ao Recorrente FF (e demais companheiros que com ele seguiam na embarcação com casco branco e flutuadores azuis) foi diversa da aplicada ao grupo que seguia na embarcação com casco cinza e preto muito em função do número de fardos que seguiam naquela (149 contendo 5215 kilos de cannabis) e nesta última (97, contendo 3430 kilos de canábis) já que, quanto mais, os factos apurados são muito similares.

Portanto, não se vislumbra qualquer violação do princípio da igualdade, que se traduz em tratar igual o que é igual e a aplicar um tratamento diferente ao que é diverso…

Por outro lado, e quanto à “forma de execução dos factos” foi consignado no acórdão que:

“A dimensão da logística envolvida em cada uma das duas operações de transporte da canábis: cada uma das operações de transporte envolveu o uso de uma embarcação de alta velocidade e bem assim, já, alguma envergadura, todavia, não patenteia sofisticação, na medida em que o produto estupefaciente seguia à vista de todos;

Finalmente e relativamente à alegada “situação de dificuldades económicas” do recorrente, o acórdão recorrido teve designadamente em conta que o recorrente é oriundo de uma família que vivia em “precariedade económica”, que estava “desempregado auferindo 800€ por mês”, que a “esposa não trabalha e é atualmente auxiliada por 3 irmãos do FF” e que “(p)elo menos entre novembro de 2020 e setembro de 2021, o saldo da conta bancária titulada por FF, aberta na Unicaja Banco, com o IBAN..., foi objeto de penhora para cobrança de uma dívida à Segurança Social Espanhola, incidindo sobre o valor do subsídio de desemprego que o mesmo então recebia.”

Ou seja, parece-nos evidente que todos os fatores indicados pelo recorrente para solicitar uma alteração da pena que lhe foi aplicada foram tidos em conta pelo acórdão recorrido.

Por outro lado, face a toda a matéria dada como provada é por demais evidente – e o acórdão recorrido bem o demonstra…! - que as necessidades de prevenção geral são muitíssimo elevadas, sendo as necessidades de prevenção especial também muito significativas já que - e designadamente - o recorrente atuou para obter lucros fáceis e com os quais pretendia resolver a sua situação económica, a qual se mantém em grande precariedade.

Face a todo o exposto e ao demais que consta no acórdão recorrido (v.g. o dolo direto e a ausência de arrependimento), e tendo em conta que a moldura abstrata do crime praticado se situa entre 4 e 12 anos de prisão, não se afigura inadequada – pelo menos no sentido de excessiva… - a pena de 6 anos e 6 meses de prisão aplicada ao recorrente.

Aliás, traduzindo-se sobretudo o princípio da proporcionalidade na “proibição de excesso, e que se desdobra nos sub-princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito (ponderação razoável entre meios e fins)”31, entende-se que tal pena – que se situa muito ligeiramente acima de ¼ da moldura abstrata – é exigida pela comunidade e não ultrapassa a medida da culpa, afigurando-se proporcional aos factos dados com provados.

De qualquer forma, dado que, como já atrás referido, “a sindicabilidade da medida da pena por este Supremo Tribunal de Justiça apenas abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” não se vislumbra, de modo algum, razão para censurar o acórdão recorrido.

Pelo que, também nesta parte, o recurso do arguido FF improcede.

B.4.11.4. Recurso de QQ

Também este recorrente entende que a pena que lhe foi aplicada é desadequada e enferma de vício de ponderação na aplicação dos artigos 71º e 40º do Código Penal, mostrando-se também desproporcionada relativamente à aplicada aos arguidos BB, CC, II e DD e noutros casos similares.

Conclui que lhe devia ser aplicada pena “única de 5 anos de prisão, a qual deverá ser suspensa na sua execução.

Sustenta, sobretudo, essa pretensão na falta de antecedentes criminais, na sua idade (35 anos à data dos factos), na precariedade da sua situação económica (que alega ter sido a impulsionadora para a prática do crime) no bom comportamento prisional, na ausência de adição por estupefacientes, no tipo de droga transportada, na circunstância de a droga não lhe pertencer, de não ser ele o beneficiário da sua venda e de ter atuado como mero marinheiro e ..., invocando ainda o péssimo ambiente e as más condições prisionais, concluindo que a prisão é um “escola para o cometimento de futuros crimes”.

Porém, constata-se que, na decisão recorrida, foi tida em consideração, na fundamentação da pena aplicada a este arguido, as circunstâncias “gerais” atrás referidas, bem como as específicas condições pessoais e socioeconómicas deste arguido, bem como o seu passado criminal, dados como provados.

E, também neste caso importa recordar – nos mesmíssimos termos expostos no ponto anterior – que este Supremo Tribunal de Justiça não pode ter em conta factos que não foram dados como provados, designadamente que não seria o recorrente “o beneficiário da sua venda” e que atuou “como mero marinheiro e ...

Aliás, relativamente a este ponto, embora o acórdão recorrido tivesse considerado que os recorrentes “não seriam titulares do estupefaciente”, parece-nos evidente, à luz das regras de experiência, que os benefícios económicos que o arguido procurava e iria obter não seriam certamente apenas os que poderia alcançar um mero marinheiro ou ... que estivesse a participar no transporte de matérias legais…

Quanto ao mais, tudo foi considerado pelo acórdão recorrido.

Com efeito:

Assim acontece no que concerne à idade (nasceu no dia ... de ... de 1988) e à falta de antecedentes criminais (não possui averbamentos no seu Certificado do Registo Criminal).

E assim também acontece, como já deixámos consignado no ponto anterior, quanto ao tipo de droga transportada (“droga leve”).

Também a sua situação económica foi devidamente ponderada já que do acórdão recorrido consta, designadamente que o recorrente é “oriundo de um meio rural empobrecido”, filho “de um casal de agricultores de modesta condição económica e social” e “estava em situação de desemprego”.

Finalmente, não querendo comentar a apreciação que o recorrente faz do sistema prisional, também o seu comportamento em reclusão foi considerado quando se escreveu no acórdão recorrido que:

“O arguido tem uma conduta discreta e adequada em meio prisional e não regista sanções disciplinares.” e “Apesar de não estudar ou desenvolver atividade laboral no ..., o arguido pratica regularmente desporto”

Por outro lado, e nos mesmíssimos termos em que deixámos consignado quanto ao arguido FF, as necessidades de prevenção geral são muitíssimo elevadas e as necessidades de prevenção especial são, também, muito significativas.

Portanto, face a todo o exposto e ao demais que consta no acórdão recorrido (v.g. o dolo direto e a ausência de arrependimento), e tendo em conta que a moldura abstrata do crime praticado se situa entre 4 e 12 anos de prisão, não se afigura inadequada – pelo menos no sentido de excessiva… - a pena de 6 anos e 6 meses de prisão aplicada ao recorrente.

Concluindo, face ao papel que deve ser desempenhado por este Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria – já atrás devidamente exposto –, não se vislumbra fundamento para censurar o acórdão recorrido, o qual aplicou uma pena que não ultrapassa a medida da culpa e não é desproporcional – pelo menos no sentido pretendido pelo recorrente… - face aos factos dados com provados

Termos em que o recurso improcede.

B.4.11.5. Recurso de BB, CC, NNN e de DD

Estes recorrentes entendem que a pena que lhes foi aplicada é desadequada, designadamente face a outros casos similares decididos pela nossa jurisprudência, propugnando pela aplicação de uma pena de prisão de prisão que não vá alem dos 4 anos e 6 meses”.

Justificam essa pretensão nos seguintes tópicos:

• O grau de nocividade para a saúde pública do tipo de estupefaciente transportado;

• A circunstância de todo o estupefaciente ter sido apreendido;

• A modalidade de transporte;

• A boa inserção social de todos e o facto de terem atuado devido a um quadro de dificuldades económicas;

• A falta de antecedentes criminais.

Porém, constata-se que, na decisão recorrida, foram tidas em consideração, na fundamentação da pena aplicada a estes arguidos, as circunstâncias “gerais” atrás referidas, bem como as suas específicas condições pessoais e socioeconómicas, bem como o seu passado criminal, dados como provados.

Apreciando em detalhe, começaremos por notar que o acórdão recorrido ponderou o grau de nocividade da droga apreendida (“estupefaciente com menor potencial aditivo [caracterizando-se, vulgarmente, como sendo uma «droga leve»]”, bem como os antecedentes criminais dos recorrentes (“não possui averbamentos no seu Certificado do Registo Criminal”)

No que concerne à “boa inserção social de todos e o facto de terem atuado devido a um quadro de dificuldades económicas” também se ponderou no acórdão recorrido que:

GG

“(…) residia, até à sua detenção, em habitação própria dos seus progenitores, com estes e com 3 irmãos, com 30, 26 e 13 anos de idade.

O relacionamento intrafamiliar caracterizava-se pelo respeito entre os seus elementos, sendo a habitação descrita como detentora de adequadas condições de habitabilidade.

O arguido mantém uma relação afetiva com uma jovem estudante da sua cidade.

O arguido frequentou o ensino secundário, que completou.

Iniciou vida laboral como taxista, profissão que desenvolveu por conta de terceiro – auferindo, então, cerca de 600,00€/mês – até ..., ano em que ficou desempregado, sendo o seu sustento suportado pelos seus progenitores.”

As condições económicas da família do arguido assentam nos rendimentos do trabalho, sendo que o seu pai trabalha como ....”

HH

“O arguido é o terceiro de quatro irmãos e cresceu integrado numa família de base muçulmana. Economicamente, a família dispunha de condições suficientes para assegurar uma subsistência básica, sem ser desafogada.

O arguido como habilitações literárias o 10.º ano de escolaridade; deixou de estudar aos 14/ 15 anos de idade, mas frequentou e concluiu mais tarde cursos profissionais de ..., ... e ... numa fase em que esteve desempregado, mas nunca exerceu profissionalmente estas atividades.

O arguido é casado e pai de 3 filhos (com 14 anos, 4 anos e 11 meses, respetivamente), tendo a descendente mais velha – que sempre integrou o agregado familiar de HH e que presentemente está aos cuidados dos avós paternos – nascido na constância de um relacionamento anterior.

Até à sua detenção, o arguido residia com a esposa e com os 3 descendentes em casa pertença da família do seu cônjuge, em ....

Até ao final de ..., o arguido trabalhou como ajudante numa empresa de distribuição de produtos alimentares, auferindo mensalmente cerca de 1000,00€. A partir do final de ..., HH ficou em situação de desempregado, fazendo trabalhos irregulares indiferenciados; a sua esposa também não exercia atividade profissional.

Durante o período de desemprego, o agregado familiar do arguido recebia, a cada 6 meses, a quantia global de 300,00€, a título de abono de família.”

II

“O arguido residiu, até à sua detenção, em casa própria dos seus progenitores, com estes e com 3 irmãos, com 35, 33 e 18 anos de idade.

Aquando da sua detenção, o arguido encontrava-se desempregado, situação que se mantinha desde o período da pandemia de ..., não sendo beneficiário de subsídio Estatal; antes, trabalhara na construção civil, auferindo 20,00€/dia.

O arguido possui, como habilitações literárias, o 9.º ano de escolaridade”

SS

“O arguido é casado e tem um descendente, com 9 anos de idade.

Até à sua detenção, o arguido vivia com o cônjuge e filho em casa própria, adquirida com recurso ao crédito bancário, sita em ....

O valor da amortização do crédito referido em 61. ascende a cerca de 370,00€/mês.

Até à sua detenção, o arguido estava integrado no mercado de trabalho, explorando um estabelecimento de quiosque de venda de doces, do qual retirava rendimentos que ascendiam ao valor médio mensal de 800,00€; a esposa não trabalhava, situação que se alterou a partir da privação da liberdade do arguido, sendo ela quem atualmente explora aquele estabelecimento.

O agregado familiar do arguido não recebe subsídios Estatais.

O arguido possui, como habilitações literárias, o 8.º ano de escolaridade.”

A circunstância de todo o estupefaciente ter sido apreendido não nos parece que possa ter grande impacto na fixação da medida da pena, já que a mesma ocorreu por circunstâncias alheias à vontade dos arguidos.

Finalmente e no que concerne à “modalidade de transporte”, parece-nos que o meio utilizado não diminui a ilicitude do comportamento dos arguidos. Pelo contrário, tratando-se do que vulgarmente se designa por “lanchas voadoras”, é evidente que a modalidade de transporte – associada ao local (alto mar) e tempo (noite) da infração - facilitava a concretização do crime, o qual só foi detetado devido aos imensos meios que, in casu, foram usados pelas autoridades (v.g. aviões e navios das forças armadas). Aliás, é do conhecimento geral que a principal razão para a conceção e equipagem (v.g. em termos de propulsão) deste tipo de embarcações é a sua utilização no tráfico de droga internacional…

Por outro lado, e nos mesmíssimos termos em que deixámos consignado quanto ao arguido FF e QQ, as necessidades de prevenção geral são muitíssimo elevadas e as necessidades de prevenção especial são, também, muito significativas.

Portanto, face a todo o exposto e ao demais que consta no acórdão recorrido (v.g. o dolo direto e a ausência de arrependimento), e tendo em conta que a moldura abstrata do crime praticado se situa entre 4 e 12 anos de prisão, não se afigura inadequada – pelo menos no sentido de excessiva… - a pena de 5 anos e 6 meses de prisão aplicada aos recorrentes (abaixo do ¼ da moldura penal abstrata), apenas se justificando que a mesma seja inferior à aplicada aos demais recorrentes devido à diferença de estupefaciente apreendido (menos 1785kg).

Finalmente, face ao papel que deve ser desempenhado por este Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria – já atrás devidamente exposto – não se vislumbra fundamento para censurar o acórdão recorrido, o qual aplicou uma pena que não ultrapassa a medida da culpa e não é desproporcional – pelo menos no sentido pretendido pelos recorrentes… - face aos factos dados com provados.

B.4.11.6. A suspensão da execução da pena

Do que fica exposto e face ao estabelecido no artigo 50º do Código Penal, torna-se inútil abordar a pretensão de suspensão da execução da pena já que a mesma é superior a 5 anos de prisão.

C – Decisão

Por todo o exposto, decide-se:

1 - Não conceder provimento aos recursos interpostos pelos recorrentes BB, CC, DD, EE, FF e QQ;

2 - Vai ainda cada um dos recorrentes condenado no pagamento de 6 (seis) U.C., relativas às custas devidas, nos termos do disposto nos artigos 513º, nº 1 do Código de Processo Penal e 1º, 2º, 3º e 8º, nº 8 do Regulamento das Custas Judiciais e da Tabela III a este anexa.

Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada

(Processado e revisto pelo relator - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)

Os Juízes Conselheiros,

Celso Manata (Relator)

Vasques Osório (1º Adjunto)

Jorge Bravo (2º Adjunto)




1. Suprimiu-se, apenas a matéria de facto dada como assente relativamente às condições pessoais dos arguidos não recorrentes.↩︎

2. Adiante se consignará a motivação constante do acórdão recorrido relativo a questões prévias.↩︎

3. Com relevo para a matéria dos autos, consigna-se que o Reino de Marrocos fez a seguinte Declaração:

  “As leis e regulamentos relativos às zonas marítimas em vigor em Marrocos permanecerão aplicáveis ​​sem prejuízo das disposições da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar”.↩︎

4. De acordo com McLaughlin, R. J., Galani, S. & Ralby, I. (2020), Maritime crime: a manual for criminal justice practitioners (3 ed.), Vienna, United Nations, para efeitos de aplicação do direito do mar são embarcações autorizadas: as embarcações oficiais do Estado, incluindo navios de guerra, embarcações da polícia marítima e outras embarcações do Estado especificamente identificadas em serviço não comercial, que estão autorizadas a participar em operações marítimas de aplicação do direito do mar em nome do seu Estado.↩︎

5. De acordo com McLaughlin, R. J., Galani, S. & Ralby, I. (2020), Maritime crime: a manual for criminal justice practitioners (3 ed.), Vienna, United Nations, para efeitos de aplicação do direito do mar são águas internacionais: águas sobre as quais nenhum Estado tem soberania, embora possam ser atribuídos certos poderes de aplicação do direito aos Estados costeiros e aos Estados de bandeira, dependendo da atividade e da localização. As águas internacionais incluem a zona contígua, a zona económica exclusiva e o alto mar.↩︎

6. Vide, McLaughlin, R. J., Galani, S. & Ralby, Ob. Cit., p. 56.↩︎

7. Conforme flui do regime estabelecido no art. 58.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, para questões não relacionadas com a zona económica exclusiva, a zona económica exclusiva deve ser considerada como parte do alto mar.↩︎

8. Proc. 99/23.1JAFAR.S1., relatado pelo Juiz Conselheiro João Rato e disponível em www.dgsi.pt↩︎

9. O que o Tribunal Coletivo decidiu fazer para que lhe não fosse assacada qualquer compressão dos direitos de defesa dos arguidos, sem prejuízo de conhecer o entendimento do Tribunal Constitucional de que a interpretação normativa extraída da conjugação dos arts. 358.º, 1, e 379.º, 1, b), do Código de Processo Penal, no sentido de que a comunicação de alteração não substancial dos factos, efetuada no decurso da audiência de julgamento, não carece de ser acompanhada de referência especificada aos meios de prova indiciária em que se fundamenta, não padece de inconstitucionalidade – neste sentido, veja-se o Acórdão do TC n.º 216/2019, proferido no processo n.º 558/18, disponível, em texto integral, no sítio da internet https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190216.html.↩︎

10. Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos”, 5ª edição, 2023, I Vol., pág. 47.↩︎

11. Da leitura da decisão instrutória de ... de ... de 2023 (refª citius ...) resulta que na mesma foi proferido despacho de pronúncia “nos exatos termos da acusação”.↩︎

12. O dia ... de ... de 2023, referido no artigo 1º da acusação.↩︎

13. Ob. citada, II Vol., pág. 330.↩︎

14. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de fevereiro de 2012 – Proc. 827/11.8... in www.dgsi.pt↩︎

15. A primeira sessão ocorreu a ... de ... de 2024↩︎

16. Ao abrigo do disposto na Lei nº 93/99, de 14 de julho, havia sido determinado que as testemunhas seriam ouvidas por vídeo e com a voz e a imagem distorcidas, o que não foi possível assegurar por razões de ordem técnica.↩︎

17. “THC” é a sigla de tetrahidrocanabinol – cuja fórmula química é “6,6,9-trimetil-3-pentil-6H-dibenzo[b,d]piran-1-ol” - substancia ativa encontrada na cannabis sativa e que tem propriedades alucinógenas e capacidades de modificar a atividade cerebral de um indivíduo. Já a “THC-P” é a sigla de tetrahydrocannabiphorol que ultimamente tem sido objeto de investigação científica para usos medicinais. De acordo cm alguma literatura a diferença entre as duas estabelece-se através do número de átomos de carbono (5 para a THC e 7 para a THC-P).↩︎

18. Pereira Madeira in “Código de Processo Penal Comentado”, de António Gaspar e outros, 2014, pág.1358/9.↩︎

19. Paulo Pinto de Albuquerque, ob. citada, Vol. II, pág. 651.↩︎

20. Santos Cabral, in “Código de Processo Penal Comentado”, de Antonio Gaspar e outros, 2014, pág. 465↩︎

21. Ac. do STJ de 09 de abril de 2008 – Proc. 1188/06 disponível in www.dgsi.pt↩︎

22. A propósito das diferenças entre estas duas substâncias cf. nota 17 na parte acima indicada.↩︎

23. O que, nesta perspetiva, teria de ser feito através de recurso para o Tribunal da Relação.↩︎

24. Que não vem por ele identificado, mas que é o ac. de 18 de outubro de 2016 – Proc. 06P2812, disponível in www.dgsi.pt↩︎

25. “Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime” 4ª reimpressão, pág. 227 e sgs..↩︎

26. Figueiredo Dias, ob. citada 223 e sgs..↩︎

27. Cf. “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n. º2, abril-junho de 2002, págs. 181 e 182.↩︎

28. Cf. “Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime”, Editorial Notícias, pág. 245 a 255.↩︎

29. Cf. “Consequências Jurídicas do Crime”, Lições para os alunos da FDC, Coimbra, 2010-2011.↩︎

30. Cf., entre muitos outros Ac. do STJ de 14 de novembro de 2024 – Proc. 194/21.1GACDV.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt↩︎

31. Cf. Ac. do STJ de 06 de outubro de 2004 – Proc. 04P1875 disponível em www.dgsi.pt↩︎