ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECUSA
RECLAMAÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
INDEFERIMENTO
Sumário


I. Não é atendível, e é, por isso, de indeferir, a reclamação que não identifica nenhum concreto fundamento de nulidade do acórdão impugnado, limitando-se a expressar discordância com a decisão impugnada irrecorrível.
II. É igualmente insuscetível de proceder o pedido, alternativo, de revogação de acórdão, relativamente ao qual se esgotou o poder jurisdicional do tribunal.
III. É inadmissível a invocação de inconstitucionalidades por via de reclamação contra acórdão do STJ (insuscetível de recurso ordinário) nos mesmos termos em que o é a invocação e apreciação de qualquer questão diversa das previstas no artigo 425.º, n.º 4 CPP, concretamente nos casos em que o reclamante teve oportunidade de suscitar a questão em momento anterior e não o fez e quando a questão foi suscitada, mas não foi conhecida, por intempestividade do requerimento de recusa.

Texto Integral

Acordam na 5.ª Secção (Criminal) do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. O arguido AA, melhor identificado nos autos, veio, em 04-12-2024 (Ref.ª Citius ...72), apresentar requerimento de recusa da Senhora juíza Desembargadora relatora no julgamento do processo de recurso que o mesmo havia interposto da decisão de 1.ª Instância de 08-07-2024 (Ref.ª Citius ...60), para o Tribunal da Relação de Lisboa (doravante, também TRL).

2. O requerente expõe os fundamentos da sua pretensão nos termos seguintes:

«1º.

Este processo teve origem durante a pandemia, quando o ora A., Advogado, prestou assistência Pro Bono a uma trabalhadora de limpeza que auferia o salário mínimo. Em consequência de uma penhora que recaía sobre o magríssimo salário. Foi solicitado a uma Solicitadora (A.E.) para proceder à suspensão da penhora.

2º.

A A.E. recusou. Respondendo de forma arrogante. Reiterada a solicitação, manteve a recusa. A situação foi então submetida à apreciação da Meritíssima Juíza do processo executivo, que, por razões humanitárias, determinou a imediata suspensão da penhora por um ano.

3º.

Foi enviado um e-mail à A.E. mencionando uma interpretação jurídica, no qual se refere uma citação de Einstein. A solicitadora apresentou queixa-crime, que desencadeou um processo crime.

4º.

O MP propôs a Suspensão Provisória do Processo (SPP), mediante pagamento de €150,00 a uma IPSS. Porém sem que o prazo tenha decorrido, deduziu acusação. Assim dando respaldo ao conceito de chicana processual, má fé substantiva e falta de isenção.

5º.

A Assistente, após ter concordado com a suspensão depois de o donativo ter sido pago, não desistiu da queixa. Assim demonstrando que mais não quis do que uma chicana processual, má fé substantiva e puro ensejo retaliativo.

6º.

Cinco (5) anos (!!!) após os factos, o processo já tem 6 grossos volumes, mais de 5.000 (cinco mil) páginas e já percorreu todas as instâncias dos T. Portugueses, tornando-se desproporcional ao alegado ilícito.

7º.

No julgamento, o arguido provou que o email de onde foram enviadas as mensagens é usado por quase uma dezena de advogados. Está instalado em quase uma dezena de computadores da sociedade de advogados; De que ele nem é sequer o administrador; Que o seu nome aparece no final dos emails, “AA e Associados”, porque foi o fundador da sociedade. Que no processo trabalharam vários advogados. Provou tudo isso e negou a autoria. Pouco importa. Foi condenado na mesma.

8º.

Como não podia deixar de ser, a Assistente deduziu pedido cível. Testemunhas: o marido e a advogada do Banco exequente (!). Disse que temeu perder o cliente (Banco). A advogada do banco disse que tal nunca esteve em causa. Mentiu, mas o pedido cível foi declarado procedente na mesma. Irrecorrível pelo valor.

II. Envolvimento da Exma. Senhora Juíza Desembargadora BB

9º.

A Exma. Senhora Juíza Desembargadora BB era a Juiz titular do processo de instrução n°619/14.2... Proferiu no mesmo decisão instrutória em 12/07/2021.

10º.

Nesse processo-crime, foram investigados crimes relacionados com o surto de Legionella, que matou dezenas de pessoas e deixou centenas com sequelas para a vida.

E foram intervenientes, como Advogados o aqui A. (que representava algumas vítimas) o Dr. CC (que representava a empresa causadora do surto).

11º.

No referido processo, o referido Advogado, afirmou que o aqui A. agiu em representação de uma das vítimas/Intervenientes/Asisstentes, sem estar mandatado para o efeito.

12º.

O A., provou, exibindo documentos escritos assinados por outros Advogados do processo – Dr. DD – que estava, efectivamente, mandatado.

13º.

Em consequência desta troca de “galhardetes” o referido Advogado, apresentou queixa-crime que corre termos no Tribunal Criminal de ..., sob o nº n°7121/21.4...

14º.

Nesse processo, o A. arrolou como testemunha a Senhora Juiz (agora) Desembargadora, Dra. BB.

15º.

Esse processo foi distribuído ao Juiz ... do Tribunal ... de que a (agora) Senhora Desembargadora, arrolada como testemunha, era a titular…

16º.

Gerou obviamente perplexidade ao A. que, depois da sucessão de eventos supra descritos, os estes autos fossem (obra do acaso) distribuídos na Relação de Lisboa à Senhora Desembargadora BB.

17º.

Seja como for, o certo é que a Senhora Desembargadora Dra. BB que é a Relatora destes autos, será testemunha, arrolada pelo A., no outro processo crime.

18º.

Se tal não causa perplexidade e apreensão (no sentido ético, obviamente) a qualquer pessoa juridicamente esclarecida…

19º.

Foi a própria Senhora Desembargadora quem deduziu pedido de escusa ao Supremo Tribunal de Justiça, que o indeferiu.

20º.

Contudo, estes autos, acumulam um histórico de interações entre a MM.ª Senhora Desembargadora e o A., que demonstra que a imparcialidade necessária à boa administração da justiça está gravemente comprometida.

21º.

Foi aliás a própria senhora Desembargadora quem o afirmou, SIC:

«(…) reconhece que a sua intervenção enquanto Relatora em recurso penal em que o Recorrente é sujeito processual que a indicou preteritamente como testemunha noutro processo que ainda corre os seus termos e em que pode ainda assumir tal qualidade possa gerar desconfiança quanto à sua imparcialidade como refere o ora Recorrente.».

22º.

E disse mais (SIC):

«13. Seja como for, cremos que, com toda a naturalidade, não seria consentâneo que um Juiz que se declarou impedido em processo em que um interveniente é arguido, decida outro processo em que o arguido é a mesma pessoa.».

Ora,

23º.

O certo é que, mercê do indeferimento da escusa suscitada pela MM.ª Senhora Desembargadora, esta decidiu o recurso interposto de uma sentença que é, no mínimo, objetivamente, bizarra…

24º.

O A. não pretende, neste requerimento, apresentar a respetiva discordância relativamente a qualquer ou quaisquer peças judiciais;

Tem, para isso, outro meio processual ao dispor, que aliás já utilizou:

O recurso!

25º.

E terá outro, quando, caso seja confirmada a bizarra e extraordinária sentença proferida em 1.ª instância, que o condenou por pretensas ofensas à honra que nunca, jamais e em tempo algum passarão no crivo do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (sabido como é, que Portugal acumula, alegremente, condenações atrás de condenações, precisamente por processos desta natureza…).

26º.

Aliás, se depender da Senhora Desembargadora BB, tudo indicia que assim será.

De facto,

27º.

Desde logo, o Ac. relatado pela Senhora Desembargadora, faz corar, indignar, sentir calafrios, causa arrepios, a qualquer pessoa juridicamente esclarecida, desde logo, ao condenar um cidadão, após a própria ter pedido escusa, referindo que os factos em que fundamentou a mesma são susceptíveis de «gerar desconfiança quanto à sua imparcialidade como refere o ora Recorrente.».

28º.

Tudo indicia que, para que não restem dúvidas sobre a “imparcialidade” da Senhora Desembargadora, esta, obviamente até involuntariamente, age eivada de uma grave animosidade e preconceitos, com manifesta má vontade, que exsuda em cada despacho que profere.

29º.

Obviamente, ninguém, senão a própria Senhora Desembargadora BB, poderá melhor avaliar da credibilidade das decisões por si proferidas, pela confiança, ou falta dela, relativamente à sua própria imparcialidade.

30º.

É por isso que, indeferido o pedido de escusa, o Recurso do A. foi decidido…

Em 06.11.2024

Em 23.10.2024 foi proferida decisão pelo S.T.J. sobre o pedido de escusa.

Foi elaborada notificação via CITIUS no mesmo dia, que se considera efectuada no 3º dia útil seguinte.

Que foi o dia 28.10.2024 (segunda feira).

O 10º dia, para reclamar do Acórdão do STJ ou recorrer para o Tribunal Constitucional, foi o dia

07.11.2024.

E ainda existem os 3 dias úteis para prática do acto com multa…

31º.

OU SEJA:

A Senhora Juiz Desembargadora tem o atrevimento de proferir acórdão, num processo em que pediu escusa, antes de transitar em julgado a decisão da mesma!

Decidindo, assim, e ainda que tivesse “pegado” no processo, à cautela, no mesmo dia em que foi proferida a decisão do S.T.J., em menos de uma semana:

a) O Recurso interposto da Sentença;

b) O Recurso interlocutório interposto do despacho judicial proferido a 7 de fevereiro de 2023;

c) O Recurso interlocutório interposto do despacho judicial proferido 18 de outubro de 2023;

d) O Recurso interlocutório interposto dos despachos proferidos em 28 de junho de 2024 e 1 de julho de 2024.

É extraordinário!

Há processos que “correm” termos.

Este, até voa!

32º.

Raramente, se viu tal “coisa” nos Tribunais Portugueses e o A. trabalha nos mesmos há mais de 35 anos, o Mandatário há mais de 25, nem relativamente a processos urgentes, nem sequer em recursos de prisões preventivas…

33º.

Vai, pois, arguido, expressamente:

O recurso foi decidido em tempo verdadeiramente impossível, e necessariamente, privilegiando os presentes autos em detrimento dos demais pendentes.

34º.

Para prova, requer-se que seja junto ao pedido de recusa, listagem (em que deverão ser salvaguardados os respetivos dados pessoais dos intervenientes) dos processos distribuídos à Senhora Desembargadora, Dra. BB, na qualidade de Relatora, nos últimos 3 (três) meses, qualificados como de carácter urgente (uma vez que o presente, vá lá saber-se porquê, foi como tal declarado!),

Data das distribuições

E

Data de depósito na secretaria da decisão proferida.

35º.

Pretende-se, com tal informação (a prestar pela Técnica de Justiça ...) provar que ocorreu tratamento desigual relativamente ao A..

36º.

Mais: só essa manifesta voluntariedade em “parecer” isenta num processo em que a própria confessou estar numa situação suscetível de «gerar desconfiança quanto à sua imparcialidade como refere o ora Recorrente.», justifica os termos em que confirmou a decisão da primeira instância,

37º.

E bem assim, os termos em que proferiu um despacho, objectivamente tabelar, em que rejeitou o recurso interposto dessa decisão para o Tribunal Constitucional, sem expender uma única palavra sobre os fundamentos concretamente alegados no requerimento de interposição de recurso, totalmente desprovido de subsunção.

38º.

Tratando-se de um despacho que poderá ser simplesmente aplicado a qualquer outro processo, na exacta medida em que é tabelar, “chapa 5”.

É grave!

Sobretudo, num tempo em que se suscitam, por escrito, dúvidas quanto à utilização das novas tecnologias na prolação de decisões…

39º.

E o mesmo se passa com o Acórdão que confirmou a inacreditável sentença que sem qualquer prova, apesar de o arguido ter provado que bizarra Sentença proferida em 08/07/2024, que condenou o arguido,

Tendo o Arguido negado a autoria da redacção e envio dos emails,

Que não estão assinados (quirógrafo ou assinatura digital),

Remetidos de endereço de email “geral” de uma sociedade de advogados, da qual nem sequer é o legal representante,

Tendo ficado provado que o Arguido nem faz uso de computador,

E que na sociedade / escritório trabalhavam à data dos factos OITO advogados,

Em SETE computadores,

Todos com acesso ao envio de emails a partir do endereço em causa,

Porque (pretenso fundamento), num desses emails, consta a fotografia do arguido,

O que fez com base numa presunção de culpa, após o julgamento ser conduzido num ambiente de crispação tal que o Defensor, numa inquirição em que não despendeu mais do que 5 minutos, foi constantemente interrompido com comentários da Juiz e chegou a ter de explicar a razão pela qual pretendia colocar determinada questão ao Arguido e os factos que com tais questões pretendia demonstrar, sendo ainda assim interrompido com comentários irónicos a que conseguiu não dar resposta, e após, em anterior sessão de audiência de julgamento, a MM.ª Juiz ter dito, textualmente, ao Arguido, “eu não sou obrigada a falar consigo”…

III. DO DIREITO

40º.

Todo o circunstancialismo alegado, afronta a exigência constitucional do processo leal, equitativo ou subordinado às regras do fair trial, exigência vazada no art.º 20º, nº 4 C.R.P. e, em sede de direito supra-legal, designadamente no artº 14º-1 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, 6º-1 da Declaração Europeia dos Direitos do Homem e 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia;

41º.

Cfr. refere Maria de Fátima Mata-Mouros, «Juiz das liberdades, Desconstrução de um mito do processo penal», Almedina, 2011, p. 70 ss, imparcialidade não é o mesmo que neutralidade, concretizando a asserção, refere (pág. 70):

“É possível identificar três dimensões na imparcialidade do juiz no processo penal, características que formam o “núcleo duro da imparcialidade no processo penal”, como já tem sido classificado pela doutrina, em especial de origem italiana, na esteira de Di Chiara:

1º Equidistância ou qualidade de terceiro, no sentido de diferenciação das partes;

2º Equidistância ou paridade, no sentido de diferenciação paritária, relativamente a todos os intervenientes no processo;

Dimensão espiritual (ou subjetiva), no sentido da liberdade mental total que deve ser assegurada ao juiz, no seu julgamento ou decisão.

As duas primeiras dimensões constituem a imparcialidade objetiva, aquela que permite evidenciá-la aos olhos de terceiro. Também o regime de impedimentos, escusas e recusas estabelecido nos arts. 39º e ss. do CPP estabelece garantias de imparcialidade”.

42º.

Por seu lado, o Fair Trial Manual, Amnesty International, Second Edition, Amnesty International Publications, 2014, acentua no Capítulo 12, sob a epígrafe RIGHT TO TRIAL BY A COMPETENT, INDEPENDENT AND IMPARTIAL TRIBUNAL ESTABLISHED BY LAW, pág. 108 ss, estabelece na pág. 114, sob 12.5. com a epígrafe Right to be heard by na impartial tribunal:

“The tribunal must be impartial. The obligation of impartiality, which is essencial to the proper exercise of judicial functions, demands that each of the decision-makers in a criminal case, whether they be profesional or lay judjes or members of a jury, be unbiased and be seen to be unbiased. Actual impartiality and the appearence of impartiality are both fundamental for maintaining respect for the administration of the justice.

The right to a tribunal requires that judges and jurors have no interest or stake in particular case, do not have pre-formed opinions about it, and do not act in ways that promote the interest of one the parties.”.

Pág. 116:

“The impartiality of tribunal is test in two ways. One is an objectiv test wich examines whether the judje offered procedural guarantees suficiente to exclude any legitimate doubt of partiality. The other is subjectiv, examining personal beas”.

43º.

No incidente de recusa de Juiz não se aprecia a validade dos atos processuais em si, nem a correção de determinados procedimentos adotados no processo pelo Juiz.

44º.

A lei prevê mecanismos processuais para impugnar as decisões reputadas de “erradas” ou ilegais, não sendo estas, objetivamente, motivo suficiente para fundamentar o pedido de recusa.

45º.

A não se entender assim, estaria aberto o caminho para, ao mínimo pretexto, como a prática de qualquer irregularidade ou nulidade processual, se contornar o princípio do juiz natural, consagrado no art.º 32º, nº 9, da C.R.P..

46º.

O que deve averiguar-se, no âmbito do pedido de recusa, é se existem ou não atitudes, no processo ou fora dele, significativas e relevantes, que permitam legitimamente desconfiar de uma intervenção objetivamente suspeita do Juiz.

47º.

Dispõe o art.º 43º, nº 1, do C.P.P., que “a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”.

48º.

O incidente da recusa apresenta-se, assim, como um expediente que visa impedir a intervenção de um Juiz em determinado processo quando existam razões sérias e graves suscetíveis de gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, sendo que esta - a imparcialidade - é uma exigência específica de uma decisão justa, despida de quaisquer preconceitos ou pré-juízos em relação à matéria a decidir ou em relação às pessoas afetadas pela decisão.

49º.

A lei não define o que deve entender-se por motivo sério e grave, mas deixa claro que ele terá que ser adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do Juiz.

50º.

Como bem se refere no Ac. da R.C. de 10-06-1996 (in C.J., 1996, Tomo IV, pág. 63), a gravidade e a seriedade do motivo ou motivos causadores do sentimento de desconfiança sobre a imparcialidade do Juiz só são suscetíveis de conduzir à recusa ou escusa do Juiz quando objetivamente consideradas.

51º.

Não definindo a lei o que se considera gravidade e seriedade dos motivos, suscetíveis de gerar desconfiança sobre a imparcialidade do Juiz, será a partir do senso e experiência comuns que tais circunstâncias deverão ser avaliadas.

52º.

Posto tudo isto e descendo agora ao concreto, afigura-se-nos claro que a MM.ª Juiz Desembargadora não agiu, e era aliás impossível que agisse, quer com imparcialidade, com neutralidade, serenidade e distanciamento.

53º.

Só assim se compreende que o Ac. proferido sobre um Recurso com 75 (setenta e cinco) páginas (em letra bastante condensada, diga-se de passagem), em que foram suscitadas inúmeras questões, E ainda com 3 (três) outros recursos interlocutórios,

Tudo tenha sido decidido sido num hiato de dias, com tamanha rapidez que foi omitida a realização da audiência a que se reporta o art.º 411.º, n.º 5 do CPP, que não foi nem indeferida, nem admitida…

E, ANTES DE TRANSITAR EM JULGADO A DECISÃO DA ESCUSA REQUERIDA PELA PRÓPRIA JUIZ DESEMBARGADORA RELATORA!!

Termos em que deve a MM.ª Senhora Juiz recusada, MM.ª Juiz Desembargadora BB, ser declarada impedida e consequentemente ordenada a respetiva substituição, sendo declarada a nulidade de todos os atos processuais posteriores à distribuição dos autos no Tribunal da Relação de Lisboa.

Requer-se que o presente requerimento seja instruído com:

a) Recurso da decisão final;

b) Recurso interlocutório interposto do despacho judicial proferido a 7 de fevereiro de 2023

c) Recurso interlocutório interposto do despacho judicial proferido 18 de outubro de 2023

d) Recurso interlocutório interposto dos despachos proferidos em 28 de junho de 2024 e 1 de julho de 2024.

e) Requerimento nos termos do art.º 411.º, n.º 5 do CPP;

f) “ apresentado pela MM.ª Senhora Desembargadora ora recusada, em que suscitou a escusa no Supremo Tribunal de Justiça;

g) Requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional;

h) Despacho proferido em 24/11/2024, que rejeitou o recurso id. na alínea precedente.

E sobretudo,

i) Informação (a prestar pela Técnica de Justiça ...) da qual conste listagem, em que deverão ser salvaguardados os respetivos dados pessoais dos intervenientes, dos processos distribuídos à Senhora Desembargadora, Dra. BB, na qualidade de relatora, nos últimos 6 (seis) meses, qualificados como de carácter urgente (uma vez que o presente, vá lá saber-se porquê, foi como tal declarado!)

Data das distribuições e data de depósito na secretaria da decisão proferida.

Pretendendo o A. provar que ocorreu tratamento desigual na tramitação e decisão deste recurso, desde logo atento o prazo em que foi proferido Ac. relatado pela Senhora Desembargadora recusada, vai, desde já, arguida a inconstitucionalidade da recusa de junção da informação supra requerida, por violação do direito à prova e a um processo justo, leal, equitativo ou subordinado às regras do fair trial, imposto pelo artº 20º da C.R.P., 14º-1 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, art.º 6º-1 da Declaração Europeia dos Direitos do Homem e art.º 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da UniãoEuropeia;

(…)».

3. A Senhora juíza Desembargadora visada pelo requerimento de recusa pronunciou-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 43.º do CPP, nos seguintes termos:

«Nos presentes autos veio o arguido AA deduzir incidente de recusa de juiz relativamente à ora signatária.

Destarte e ora signatária ao abrigo do disposto no artigo 45º nº3 do Código de Processo Penal pronuncia-se nos seguintes termos:

Os presentes autos foram, na sequência de impedimento da Exma Juíza a que foram preteritamente distribuídos, redistribuídos como recurso penal à ora signatária em 17 de setembro de 2024 sendo nos mesmos recorrente AA, insurgindo-se, além do mais, relativamente a sentença que o condenou:

- pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de injuria agravada, previsto e punido pelo artigo 181º, nº 1, 182º e 184º, com referência à alínea l) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal, na pena de 150 dias de multa;

- pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelo artigo 180º, nº 1, 182º e 184º, com referência à alínea l) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal, na pena de 200 dias de multa;

Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º do Código Penal na pena única de 300 dias de multa à taxa diária de € 12,00, o que perfaz o montante global de € 3.600,00.

No dia 18 de setembro de 2024 deu entrada neste Tribunal da Relação requerimento do recorrente requerendo a realização de audiência nos termos do art. 411º nº5 do CPP bem como requerimento da assistente insurgindo-se relativamente a tal requerimento por intempestividade.

Foi aberta conclusão à ora signatária para exame preliminar a 23 de setembro de 2024 tendo após exame dos mesmos a 2 de outubro de 2024 sido proferido despacho a convidar o recorrente a esclarecer a manutenção do seu interesse relativamente aos recursos interlocutórios admitidos a subirem a final no prazo de dez dias nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 417º nº3 e 412º nº5 ambos do Código de Processo Penal.

Por requerimento que deu entrada neste Tribunal da Relação em 7 de outubro de 2024 o recorrente veio solicitar que se declare a nulidade do despacho proferido em 17.04.2024, pela 1ª Instância na parte relativa à natureza urgente do processo de que o recorrente nunca interpôs qualquer recurso.

Tendo-se determinado que se aguardasse o decurso do prazo a que se refere o despacho proferido a 2 de outubro de 2024.

Por requerimento que deu entrada a 10 de outubro de 2024 neste Tribunal da Relação veio o recorrente manifestar a manutenção do seu interesse nos recursos interlocutórios e noutro requerimento da mesma data suscitar que a ora signatária ponderasse pelos motivos aí invocados suscitar incidente de escusa.

A ora signatária suscitou pelas razões que constam do seu requerimento pedido de escusa junto do Supremo Tribunal de Justiça tendo tido conhecimento da decisão de indeferimento no dia 23 de outubro de 2024.

Atenta a irrecorribilidade legalmente prevista de tal decisão foi aberta conclusão à ora signatária que em exame preliminar a 26 de outubro de 2024 indeferiu a realização da audiência por intempestividade, apreciou dos pressupostos inerentes aos recursos interpostos e determinou que aos autos fossem aos vistos aos adjuntos e que conhecimento dos recursos seria feito em conferência.

Em 6 de novembro de 2024 realizou-se conferência tendo sido por unanimidade proferido acórdão que não concedeu provimento aos recursos ou determinou a sua irrecorribilidade parcial nos termos que constam do mesmo.

O despacho proferido no exame preliminar bem como o acórdão foram notificados ao recorrente que desde então já dirigiu diversos requerimentos aos autos suscitando inúmeras questões cuja arguição se repete reclamando do despacho e do acórdão estando em curso o contraditório dos mesmos.

O recorrente interpôs, também, recurso para o Tribunal Constitucional que não foi admitido.

O recorrente foi informado que as reclamações pelo mesmo suscitadas serão decididas em conferência oportuna tendo ora suscitado incidente de recusa em que repristina fundamentação já apreciada no incidente de escusa bem como questões relativamente às quais foi já proferido acórdão ou ainda questões a apreciar em sede de reclamação e relativamente às quais está em curso o contraditório.

Além do mais questiona a produtividade (excessiva afigura-se-me) da ora signatária na prolação do acórdão pretendendo sindicar quantos acórdãos em processos urgentes entretanto proferiu e se deu prioridade a este em detrimento dos demais.

Ora, a informação referente à distribuição e prolação de acórdãos pela ora signatária enquanto relatora é pública pelo que carece de qualquer fundamento a solicitação da informação pretendida pelo requerente e, por outro lado, a secção não poderá prestar informação inexistente, posto, que o requerente solicita tal informação com referência aos últimos seis meses e a ora signatária apenas tomou posse neste Tribunal da Relação no dia 5 de setembro de 2024 e a primeira distribuição de processos em que teve intervenção ocorreu em 6 de setembro de 2024.

Ademais tal requerimento olvida a tramitação processual legalmente prevista do recurso no Tribunal da Relação posto que existe uma tramitação processual a ser observada até os autos estarem prontos para serem conclusos para apreciação dos recursos em conferência.

Não tem a ora signatária qualquer objeção a que a referida informação seja prestada mas, naturalmente, com referência ao período compreendido entre a data da primeira distribuição (6 de setembro de 2024) até à presente data e com a indicação da data em que proferido em tais processos urgentes o despacho de exame preliminar com a determinação dos vistos aos adjuntos e conhecimento dos recursos em conferência e data dos respetivos acórdãos ou a informação de que tal ainda não ocorreu por não ser ainda devida a abertura de tal conclusão.

Refira-se, ainda, que a questão da natureza urgente dos autos decorre de despacho proferido na 1ª Instância e do qual o requerente nunca recorreu, não sendo, pois, questão cujo mérito este Tribunal da Relação tenha apreciado.

E que não se alcança qual a produtividade excessiva relativamente a um acórdão que foi redistribuído à ora signatária em 17 de setembro de 2024 e cujas questões a ora signatária foi estudando e elaborando o respetivo projeto de acórdão até à data em que suscitou o pedido de escusa pelos motivos que no mesmo constam tendo retomado o seu estudo e elaboração após conhecimento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, proferido despacho de exame preliminar em 26 de outubro de 2024 e tendo o acórdão sido proferido em 6 de novembro de 2024.

Relativamente às alegadas desconfianças quanto à neutralidade, serenidade, isenção e imparcialidade da ora signatária importa salientar que no se reporta aos motivos que, na nossa ótica, poderiam suscitar alguma desconfiança foi formulado o pedido de escusa já apreciado e decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça que os dissipou não se vislumbrando, objetivamente, qualquer razão para a nossa recusa e até se suscitando sérias dúvidas atinentes à sua oportunidade e tempestividade, posto, que foi já proferido acórdão decidindo de mérito.

Não obstante caberá a Vossa Excelência Colendo Conselheiro a decisão relativa a este incidente de recusa da ora signatária.

*

Autue em separado como incidente de recusa instruindo o mesmo com certidão do requerimento de recusa e deste despacho, dos despachos proferidos em 2 e 26 de outubro de 2024 e do acórdão proferido e do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça relativo ao incidente de escusa e, ainda, dos requerimentos de interposição dos recursos da sentença e interlocutórios apreciados no referido acórdão, do requerimento do arguido de 18 de setembro de 2024, do requerimento de escusa formulado pela ora signatária, do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e do despacho que sobre o mesmo recaiu e, ainda, informação referente aos processos urgentes que lhe foram distribuídos ou redistribuídos no período compreendido entre a data da primeira distribuição (6 de setembro de 2024) até à presente data e com a indicação de data em que foi proferido despacho de exame preliminar com a determinação dos vistos aos adjuntos e conhecimento em conferência e data dos respetivos acórdãos ou informação de que tal, ainda, não ocorreu por não ser, ainda, devida a abertura de tal conclusão.

Oportunamente abra conclusão no respetivo apenso.

D.N.»

4. O apenso respetivo deste incidente foi instruído com os elementos necessários e, por despacho da Senhora Desembargadora relatora no TRL, de 12-12-2024 (Ref.ª Citius ...58), foi ordenada a remessa a este Supremo Tribunal de Justiça.

5. Após distribuição do presente processo, foram consultados todos os documentos indicados pelo recorrente e recusante, na plataforma Citius, não se tendo afigurado ser necessário determinar a realização de outras diligências probatórias, considerando-se reunidos todos os elementos pertinentes e necessários para a decisão do presente incidente.

Colhidos os vistos, remeteram-se os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

6. São relevantes para a decisão os factos seguintes, cuja convicção resulta da análise do teor dos elementos documentais pertinentes, indicados pelo requerente e cuja junção foi determinada pelo despacho de instrução do presente incidente, bem como os que tivemos acesso no processos principal:

- O arguido e requerente foi julgado no Juízo Local Criminal de .../Juiz ..., e absolvido e condenado por sentença de 08-07-2024 (Ref.ª Citius ...60), entre outras determinações, designadamente em sede de pedido de indemnização civil, nos seguintes termos:

“a) Absolvo o arguido AA, pela prática, como autor material e na forma consumada, de dois crimes de injuria agravada, previsto e punido pelo artigo 181º, nº 1, 182º e 184º, com referência à alínea l) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal;

b) Condeno o arguido AA, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de injuria agravada, previsto e punido pelo artigo 181º, nº 1, 182º e 184º, com referência à alínea l) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal, na pena de 150 dias de multa;

c) Condeno o arguido AA, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelo artigo 180º, nº 1, 182º e 184º, com referência à alínea l) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal, na pena de 200 dias de multa;

d) Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º do Código Penal, condeno o arguido AA, na pena única de 300 dias de multa à taxa diária de € 12,00, o que perfaz o montante global de € 3.600,00;”

- Em 06-08-2024 (Ref.ª Citius ...01), o ora requerente interpôs recurso de tal sentença para o TRL, englobando quatro outros recursos de despachos interlocutórios, que deveriam ser julgados com o que subisse da decisão final;

- Esse recurso foi (re)distribuído à Senhora Desembargadora no TRL, Dra. BB, como relatora;

- O requerente veio, por requerimento de 10-10-2024 (Ref.ª Citius ...60) sugerir que a Senhora Desembargadora relatora no TRL suscitasse a própria escusa;

- Por despacho de 16-10-2024 (Ref.ª Citius ...59), a Senhora Desembargadora relatora no TRL consignou que iria formular pedido de escusa junto do STJ, o que ocorreu em 17-10-2024 (Ref.ª Citius ...23), passando a ser tramitado sob o n.º 4500/20.8...-A.

- Tal pretensão veio a ser apreciada por Acórdão da 3.ª Secção do STJ de 23-10-2024 (Ref.ª Citius ...26), o qual deliberou «(…) negar o pedido de escusa deduzido pela Veneranda Senhora Juíza Desembargadora BB, para intervir no Processo nº 4500/20.8... a correr os seus termos na ...ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, devendo manter-se a mesma, na qualidade de Relatora, a processar os mesmos.»

- A Senhora Desembargadora relatora no TRL tomou conhecimento da decisão de indeferimento no dia 23 de outubro de 2024, a qual, atenta a irrecorribilidade legalmente prevista de tal decisão, em exame preliminar no dia 26 de outubro de 2024, indeferiu a realização da audiência por intempestividade, apreciou dos pressupostos inerentes aos recursos interpostos e determinou que aos autos fossem aos vistos aos adjuntos e que o conhecimento dos recursos seria feito em conferência;

- Por conferência de 06-11-2024, foi proferido o Acórdão do TRL (Ref.ª Citius ...24), subscrito pela Senhora Desembargadora Dra. BB como relatora, e pelos Senhores Desembargadores adjuntos Drs. EE e FF, por unanimidade, pelo qual não se concedeu provimento aos recursos interlocutórios (pontos 1. a 4. do dispositivo) – em que eram sindicados os despachos judiciais proferidos em 07-02-2023, em 18-10-2023, em 17-04-2024 e em 28-06-2024 e 01-07-2024 –, rejeitando, por inadmissibilidade, o recurso quanto ao pedido de indemnização civil (ponto 5. do dispositivo) e não concedeu provimento ao recurso da sentença, confirmando-se a mesma (ponto 6. do dispositivo).

- O requerente apresentou requerimentos de reclamação para a conferência no TRL e de recurso para o Tribunal Constitucional em 19-11-2024 (Ref.ª Citius ...33), o qual não foi admitido por despacho da Senhora Desembargadora relatora no STJ, de 26-11-2024 (Ref.ª Citius ...40);

- Em 04-12-2024, o arguido deu entrada do requerimento de recusa de juíza (Ref.ª Citius ...72) que ora se aprecia.

7. Importa apreciar da verificação dos elementos formais do pedido de recusa – competência para a apreciação e tempestividade do pedido – e, em seguida, eventualmente, dos seus fundamentos substantivos:

7.1. Competência:

Dispõe o art. 45.º, n.º 1, a), do CPP que o pedido de recusa deve ser apresentado, juntamente com os elementos em que se fundamenta, perante «O tribunal imediatamente superior».

Estando em causa pedido de recusa de uma Senhora juíza Desembargadora no TRL, e estando o processo em fase de recurso pendente na Relação de Lisboa, mostra-se o mesmo corretamente apresentado perante este Supremo Tribunal de Justiça - artigos 210.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, 29.º, n.º 1, al. a), 31.º, n.º 1 e 55.º, al. i) da Lei n.º 62/2013, de 26-08 e 11.º, n.º 4, al. f) e 45.º, n.º 1, al. a) do CPP.

7.2. Tempestividade:

7.2.1. Compete aos tribunais, enquanto órgãos de soberania, administrar a justiça em nome do povo (art. 202.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa). Nesta função, os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei (artigos 203.º, da Constituição da República Portuguesa e 22.º da Lei n.º 62/2013).

O princípio constitucional da independência dos tribunais supõe, e impõe, a independência dos juízes e a sua imparcialidade, qualidades igualmente garantidas pela Constituição da República Portuguesa (cfr. art. 216.º), e asseguradas pela lei ordinária (artigos 4.º da Lei n.º 62/2013 e 6.º-C, da Lei n.º 21/85, de 30-07). Com efeito, o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, bem como, a decisão das causas em prazo razoável e mediante processo equitativo, que a Constituição da República garante a todos os cidadãos no seu art. 20.º, nºs 1 e 4, têm como pressuposto a imparcialidade de quem julga pois, sem ela, é impossível a realização do direito no caso concreto.

Visando assegurar a efetiva imparcialidade do julgador, o Código de Processo Penal regula, no Livro I, Título I, Capítulo VI, o regime dos impedimentos, recusas e escusas do juiz.

Relativamente às recusas e escusas, estabelece o art. 43.º:

«1 – A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.”.

2 – Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do nº 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40º.

3 – A recusa pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis.

4 – O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos nºs 1 e 2

5 – (…) .»

Recusa e escusa são pois, figuras processuais que comungam o mesmo objeto, o de obstar a que um juiz intervenha num processo quando exista um motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, distinguindo-as a diferente legitimidade para a respetiva dedução: a recusa pode ser deduzida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis (art. 43.º, n.º 3, do CPP), enquanto a escusa só pode ser pedida pelo próprio juiz (n.º 4 do mesmo artigo).

A imparcialidade, enquanto atributo do juiz, vem sendo analisada numa perspetiva subjetiva e numa perspetiva objetiva.

Na perspetiva subjetiva, ela respeita à posição pessoal do juiz sobre qualquer circunstância que possa favorecer ou desfavorecer qualquer interessado na decisão. Como afirma Paulo Pinto de Albuquerque, «O teste subjetivo da imparcialidade visa apurar se o juiz deu mostras de um interesse pessoal no destino da causa ou de um preconceito sobre o mérito da causa» (Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, vol. I, 5.ª ed. atualizada, Lisboa: Universidade Católica Portuguesa Editora, 2023, p. 151). Esta imparcialidade presume-se, pelo que, só a existência de provas da parcialidade, podem afastar a presunção.

Por seu turno, no plano objetivo, relevam as aparências – circunstâncias de carácter orgânico e funcional, ou circunstâncias externas – que, sob o ponto de vista do cidadão comum, e não tanto do destinatário direto da decisão, possam afetar a imagem do juiz e, nessa medida, suscitar dúvidas sobre a sua imparcialidade. Aqui, a dúvida sobre a imparcialidade do juiz resulta de uma especial relação sua com algum dos sujeitos processuais, ou com o processo.

Como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 06-07-2005 (CJ, S, XIII, II, 236), «os motivos que podem afectar a garantia da imparcialidade objectiva, que mais do que juiz e do “ser” relevam do “parecer”, têm de se apresentar, nos termos da lei, “sério” e “grave”. (…) não basta um qualquer motivo que impressione subjectivamente o destinatário da decisão relativamente ao risco de algum prejuízo ou preconceito que possa ser tomado contra si, mas, antes, que o motivo invocado tem de ser de tal modo relevante que, objectivamente, pelo lado não apenas do destinatário da decisão, mas também de um homem médio, possa ser entendido como susceptível de afectar, na aparência, a garantia da boa justiça, por poder ser externamente (…) como susceptível de afectar (gerar desconfiança) a imparcialidade

O motivo sério e grave referido no n.º 1, do art. 43.º, do CPP, tem, pois, de resultar de uma concreta situação de facto, onde os elementos processuais ou pessoais se revelem objetivamente adequados a fazer nascer e suportar a dúvida sobre a imparcialidade do juiz.

A concordância prática entre o princípio do juiz natural e a suspeita fundamentadora da escusa exige uma especial gravidade desta, suportada em factos objetivos, por forma a que o afastamento do juiz não resulte de motivos menores.

Com efeito, o princípio do juiz natural, constitucionalmente previsto no art. 32.º, n.º 9, da Lei Fundamental, constitui uma das garantias de defesa em processo penal visando, ao proibir a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para decidir um caso concreto, assegurar a imparcialidade e isenção da decisão a proferir.

Por isso, vem a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça adotando um critério exigente para a aferição da seriedade e gravidade do motivo que suporta a suspeição, critério que, partindo do caso concreto, deve ser conjugado com as regras da experiência e do senso comum, conforme o juízo do bonus pater familiae (acórdãos deste Supremo Tribunal de 19 de abril de 2023, processo n.º 37/23.1JAFAR-A.E1-A.S1 e de 26 de outubro de 2022, processo nº 193/20.0GBABF.E1-A.S1, ambos in www.dgsi.pt).

7.2.2. Não perdendo, pois, de vista que o deferimento de qualquer recusa constitui, sempre, uma derrogação do princípio do juiz natural, bem como, o mencionado critério interpretativo, atentemos, então, se o requerimento do incidente de recusa é, ou não, tempestivo.

A formulação do pedido de recusa é admissível, nos termos do disposto no art. 44.º do CPP, até ao início da audiência, até ao início da conferência nos recursos ou até ao início do debate instrutório, só o sendo posteriormente, e apenas até à sentença ou até à decisão instrutória, quando os factos que o fundamentam sejam supervenientes ou de conhecimento posterior ao início da audiência ou do debate.

In casu, o pedido de recusa formulado pelo arguido foi formulado no dia 04-12-2024;

O julgamento do recurso no processo ocorreu em conferência, de 06-11-2024, data em que o respetivo acórdão da ....ª Secção do TRL foi publicado e notificado.

Objetivamente, dos factos supra elencados resulta ser indiscutível que o recusante apresentou o seu pedido de recusa da Senhora Juíza Desembargadora relatora no TRL em momento posterior à prolação do referido acórdão neste tribunal, no processo principal (quase um mês depois).

O requerente não pode ignorar tal circunstância, nem o facto de, anteriormente, ter sido indeferido o pedido de escusa da mesma Senhora magistrada, pelo acórdão do STJ de 23-10-2023, mediante pedido da própria, face à sua sugestão.

É certo que o requerente ensaia uma fundamentação parcialmente distinta dos fundamentos do referido acórdão denegatório do STJ, pretendendo extrair implicações e um significado impeditivo específicos do “excesso de eficiência” da Senhora Desembargadora em causa, bem como da (suposta) violação do princípio da igualdade, por tratamento processual discriminatório: o facto de o acórdão do TRL de 06-11-2024 ter sido proferido sem que transitasse o acórdão do STJ de 23-10-2024 seria indiciador da falta de imparcialidade da Senhora Desembargadora relatora e o facto de o mesmo não justificar uma tramitação tão célere faz aumentar tal suspeita.

O argumento é insuscetível de ser considerado procedente, uma vez que o acórdão em causa é uma decisão colegial, não sendo suficiente o voto da Senhora Desembargadora relatora para fazer vencimento quanto a qualquer uma das sete decisões que encerra.

O facto de o referido acórdão, de 06-11-2024, ter sido proferido um dia antes da data do trânsito em julgado do acórdão do STJ de 23-10-2024 apenas ocorreu, de acordo com a Senhora Desembargadora relatora, por entender que o mesmo não consentiria, como não consente, recurso ordinário.

Não se divisa, em tal procedimento – que consubstanciaria o alegado “novo argumento” ou “facto superveniente” –, que o mesmo, por si só, ou conjugado com outras circunstâncias ocorridas nos autos, pudesse levar a concluir por distinta conclusão a que chegou o acórdão do STJ de 23-10-2024, perante o mesmo núcleo de factos que poderiam virtualmente fundamentar o deferimento da escusa da Senhora Desembargadora visada, mas que conheceram decisão em contrário.

Se é verdade que o incidente de recusa, como o da escusa, regulados nos artigos 43.º a 47.º do CPP, se devem analisar, no dizer de Henriques Gaspar1, como instrumentos processuais de reforço suplementar da garantia da imparcialidade do juiz, completando a função dos impedimentos, cujo regime se mostra regulado nos artigos 39.º a 42.º do mesmo diploma legal, não o é menos, como diz o mesmo autor2, que os mesmos «(…) não podem ser utilizados a todo o tempo, como estratégia eventualmente escolhida (e guardada) pelos interessados para utilizar no momento que entenderem oportuno: a lei previne o uso do meio como elemento da “teoria dos jogos”».

Por isso, o artigo 44.º, n.º 1, do CPP, estabelece um prazo limite para a formulação do pedido, que relativamente aos juízes dos tribunais superiores coincide com o início da conferência nos recursos, pressupondo a lei ser razoável admitir que o interessado teve oportunidade de se aperceber da existência do motivo “sério e grave”, subjetivo ou objetivo, passível de gerar “desconfiança sobre a imparcialidade do juiz”.

Ou, como pode ler-se no ponto III do sumário do acórdão do STJ, de 24-01-2023, proferido no processo n.º 299/22.1YRPRT-A.S1-A (relat. Conselheiro António Latas), «O art. 44.º do CPP não prevê que o requerimento possa ser tempestivamente apresentado depois da decisão final, como sucedeu no caso presente, pois o que se pretende é impedir que um juiz suspeito de parcialidade chegue a decidir o processo ou determine o curso ulterior do processo numa das suas fases fundamentais. Pretende-se, assim, com o estabelecido no art. 44.º do CPP sobre os prazos de dedução do incidente de recusa, não só evitar a utilização surpreendente e abusiva, conforme as conveniências do requerente da recusa, quando os factos são conhecidos anteriormente, como, fundamentalmente, uma “utilização inútil” nos casos em que a decisão final foi já proferida»3 (negrito e sublinhado nossos).

No caso em apreço, o incidente de recusa formulado revela-se indiscutivelmente intempestivo, considerando que o acórdão prolatado pelo TRL, em 06-11-2024, foi proferido em data anterior à sua instauração e depois de ser conhecida a decisão do acórdão do STJ de 23-10-2024, pela qual se indeferiu o pedido de escusa da Senhora juíza Desembargadora relatora no TRL.

Para melhor compreensão da posição assumida a este propósito transcreve-se parcialmente a fundamentação do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 143/2004, de 10-03-2004, proferido no processo n.º 509/2003, rel. Conselheira Maria Fernanda Palma, que culminou com a afirmação da conformidade constitucional do artigo 44.º do CPP, a que se adere e dispensaria quaisquer outras considerações sobre o ponto em discussão:

«Ora, o instituto da recusa do juiz é destinado, conforme resulta do artigo 43º, nº 1, do Código de Processo Penal, a impedir a intervenção de um juiz no processo quando tal intervenção suscitar “o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”. O valor constitucional que o instituto jurídico de recusa serve é, inequivocamente, o da garantia de imparcialidade do juiz. Tal garantia ancora‑se, desde logo, na garantia de acesso ao direito, consagrada, genericamente, no artigo 20º, nº 1, da Constituição e, mais concretamente, no direito a um processo equitativo, configurado como garantia de defesa no sentido do artigo 32º, nº 1. Radica também implicitamente, na própria definição constitucional da função jurisdicional: “a administração da Justiça em nome do povo” (artigo 202º, nº 1, da Constituição).

8. Sendo esses os parâmetros constitucionais, qual é a resposta no caso proposto? A questão é tão‑somente esta: se os factos que poderiam suscitar o risco de parcialidade são conhecidos apenas antes da decisão sobre uma arguição de nulidade suscitada, não será afectado o valor da imparcialidade, se já não puder ser conhecida a questão que motiva o pedido de recusa?

Como se viu, o Código de Processo Penal estabelece restrições à possibilidade de suscitar a recusa de juiz, estabelecendo momentos a partir dos quais a recusa não pode ser invocada – o início da audiência, o início da conferência e o início do debate instrutório – quanto a factos conhecidos anteriormente. Pretende‑se, assim, não só evitar a utilização surpreendente e abusiva, conforme as conveniências do demandante, da recusa como, fundamentalmente, uma “utilização inútil”.

Por outro lado, admite ainda o referido artigo 44º a recusa do juiz quanto a factos conhecidos após o início da audiência e do debate instrutório, quando tais factos tiverem sido conhecidos supervenientemente (após o início da audiência ou do debate instrutório). Também aí a “lógica” subjacente é a de se impedir que um juiz suspeito de parcialidade chegue a decidir o processo ou determine o curso ulterior do processo numa das suas fases fundamentais. Mas já o conhecimento de factos que justificariam a recusa posterior à sentença, mesmo que anterior ao trânsito em julgado, não é pertinente. Por já ter sido tomada a decisão, a recusa não seria já adequada a evitar o risco de parcialidade. No que se refere à fase de recurso, vigora a mesma “lógica”, sendo possível a recusa de juiz até ao início da conferência. Se os factos forem conhecidos posteriormente, já não se evitaria adequadamente o risco de uma decisão parcial. Estando‑se perante um tribunal colectivo, em que o juiz suspeito de parcialidade já poderia ter influenciado a decisão do recurso, entende‑se que o risco da parcialidade não será evitável com uma possível decisão favorável do pedido de recusa.

9. Tanto no que se refere às decisões de primeira instância como à decisão do recurso, a não admissão da arguição de nulidade poderá justificar‑se numa perspectiva de razão de ser da recusa, a qual consiste em evitar o risco da desconfiança dos intervenientes processuais e de todos em geral. Com efeito, tal risco já não será verdadeiramente evitável quando as decisões, embora não transitadas, já tiverem sido tomadas e tornadas públicas.

Se é certo que uma nulidade pode ser consequência da não imparcialidade anterior de uma decisão e que a decisão da própria arguição pode vir a convalidar a situação anterior, também é verdade que a arguição de nulidade não é meio adequado para reparar uma eventual anterior parcialidade da decisão, destinando‑se antes a corrigir vícios da decisão (por exemplo, quanto à sua fundamentação ou à sua articulação lógica ou ao conhecimento de questões). Assim, não só uma decisão de uma arguição de nulidade não é o meio típico de uma decisão parcial, como não pode, em si mesma, evitar ou sanar a eventual não imparcialidade anterior.

O sentido fundamental do impedimento do risco de não imparcialidade está ligado, indiscutivelmente, à decisão principal, ao “poder de decidir” do juiz suspeito e não tem de cobrir decisões sobre incidentes em que o poder jurisdicional do juiz fica esgotado quanto à matéria da causa (artigo 666º, nº 1, do Código de Processo Civil) – e em que, portanto, já não é possível impedir que uma decisão não imparcial do processo seja tomada.

Por outro lado, não deixa o Direito, também, de fornecer meios reparadores de uma situação efectiva de não imparcialidade que se venha a detectar tardiamente, em face dos prazos legais justificados pela natureza do instituto da recusa de juiz. Assim, tanto a revisão da sentença (artigo 449º do Código de Processo Penal), como, de algum modo, a responsabilidade penal e civil do juiz são formas de reparar os danos de uma decisão não imparcial de um juiz, impedindo que o valor constitucional em causa, agora na perspectiva da sua reparação e não já da sua prevenção, seja postergado». (Disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/).

A possibilidade de indevido entorpecimento ou paralisação dos processos, e, em consequência, a realização da justiça em tempo útil e comunitariamente aceitável é algo que o Estado não pode consentir, através de princípios e direitos fundamentais de igual valor e consagração constitucional aos dos reclamados pelo recusante, designadamente o do princípio do Estado de direito, do pleno exercício da função jurisdicional, das tarefas fundamentais do Estado, do direito universal de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e de obtenção de uma decisão judicial em tempo razoável e mediante processo equitativo, tudo como decorre dos artigos 2.º, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, 202.º, n.ºs 1 e 2, 9.º, al. b), e 18.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), também eles com força jurídica direta e necessariamente objeto de apreciação e consideração concreta por todos os tribunais, nos termos dos seus artigos 18.º e 204.º.

Em suma, como se afirmou no citado acórdão do TC, a restrição temporal estabelecida no artigo 44.º, n.º 1, do CPP, mediante a fixação de um momento processual até ao qual a recusa tem de ser desencadeada, não é materialmente inconstitucional, por si mesma ou conjugada com os artigos 43.º, n.º 1 e 103.º do CPP, na interpretação aplicativa aqui sufragada, que não pode ser tida como arbitrária, desproporcional ou desrazoável e por não vulnerar qualquer princípio, direito ou parâmetro constitucional.

Em conclusão, não tendo sido deduzido no prazo assinalado no artigo 44.º do CPP, ou seja, até ao início da conferência de julgamento do recurso (no TRL), o pedido de recusa aqui em apreciação é extemporâneo e, como tal, é rejeitado, ficando prejudicada a determinação e apreciação das restantes questões suscitadas pelo arguido-requerente, das quais não se toma conhecimento.

III. Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes Conselheiros da 5.ª Secção (Criminal) do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar, por intempestividade, o pedido de recusa formulado pelo arguido-requerente AA.

Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em cinco (5) UC (cfr. artigos 513.º e 524.º do CPP e 1.º, 2.º e 7.º, n.ºs 4 e 7, do RCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26-02 e Tabela II anexa).

*

Lisboa, STJ, data e assinatura supra certificadas

Texto elaborado e informaticamente editado, integralmente revisto pelo Relator (art. 94.º, n.ºs 2 e 3, do CPP), sendo assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

Os juízes Conselheiros

Jorge dos Reis Bravo (Relator)

Jorge Gonçalves (1.º Adjunto)

Celso Manata (2.º Adjunto)

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1. Cfr. anotações ao artigo 43.º do CPP, in Código de Processo Penal Comentado, de António Henriques Gaspar, et al., 3.ª Edição revista, Coimbra: Almedina, 2021.↩︎

2. Anotações ao artigo 44.º, Código de Processo Penal Comentado, cit., que aqui se acompanha de perto.↩︎

3. Disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, e também no “Sumário dos acórdãos das Secções Criminais”, N.º 303, de Janeiro de 2023, disponível no sítio https://www.stj.pt/.↩︎