RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DUPLA CONFORME PARCIAL
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
PROCEDÊNCIA PARCIAL
Sumário


I - Em ação de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, a conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, avaliada em função do benefício que o apelante retirou do acórdão da Relação, é apreciada pelo STJ, separadamente, para cada segmento decisório autónomo e cindível em que a pretensão indemnizatória global se encontra decomposta;
II - Compulsados os acórdãos constantes nos presentes autos verifica-se existir uma coincidência no sentido decisório e respetiva fundamentação, com exceção da parte relativa ao valor indemnizatório atribuído por danos não patrimoniais de perda do direito à vida (a 1.ª instância atribuiu uma indemnização de € 90.000,00 e o Tribunal da Relação aumento esse valor para € 130.000,00) pelo que só relativamente a esta decisão o recurso pode ser admitido;
III - Ao STJ compete, apenas, verificar se o uso dos poderes conferidos pelo art. 662º, 1 e 2, do CPC foi exercido dentro da imposição de reapreciar a matéria de facto de acordo com o quadro e os limites configurados pela lei para o exercício de tais poderes-deveres, não lhe sendo lícito, designadamente, intrometer-se na apreciação do mérito da análise probatória realizada, nem na aferição da sua consistência, nem sindicar o eventual erro desse julgamento nos domínios da apreciação e valoração da prova livre nem da livre e prudente convicção do julgador;

IV - A fixação da indemnização pelo dano morte deverá ser efetuada equitativamente, tendo em consideração o valor da vida em si mesma, o circunstancialismo do caso concreto, a gravidade da conduta e a culpa do arguido, bem como as características pessoais da vítima, devendo ter também em conta a orientação jurisprudencial em casos similares, em decorrência da obediência devida ao princípio da igualdade.

Texto Integral


ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:

A - Relatório

A.1. A decisão da primeira instância

Através de sentença proferida a 09 de março de 2023, pelo Juízo Local Criminal de ... - do Tribunal judicial da Comarca do Porto Este -, AA, foi condenada, pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 69.º, n.º 1 alínea a) e 137.º, n.º 1 do Código Penal, designadamente nos seguintes termos:

na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, a qual se suspende pelo período de 2 (dois) anos, nos termos do disposto no artigo 50.º do Código Penal;

na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 1 (um) ano;

A mesma sentença decidiu condenar a demandada Fidelidade Companhia de Seguros, S.A., no pagamento aos demandantes das seguintes quantias:

1) Aos demandantes BB, CC e DD, a importância de €90.000,00 (noventa mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais de perda do direito à vida, a qual deverá ser repartida, nos termos do disposto no artigo 2139.º, n.º 1 do Código Civil, em três partes iguais, acrescidos de juros à taxa legal desde a data da presente decisão até integral pagamento;

2) À demandante BB a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais por si sofridos, acrescida de juros desde a data da presente decisão até integral pagamento;

3) Ao demandante CC a quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais por si sofridos, acrescida de juros desde a data da presente decisão até integral pagamento;

4) Ao demandante DD a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros), a título de danos não patrimoniais por si sofridos, acrescida de juros desde a data da presente decisão até integral pagamento;

5) Aos demandantes a quantia de €51.793,37 (cinquenta e um mil, setecentos e noventa e três euros e trinta e sete cêntimos) pelos danos patrimoniais, dano futuro, acrescido de juros desde a data da presente decisão, até integral pagamento;

6) Aos demandantes a quantia de €1.000,00 (mil euros), por danos patrimoniais;

A.2. A decisão do acórdão recorrido

A demandada Fidelidade Companhia de Seguros, S.A.,não se conformou com essa decisão, pelo que dela recorreu para o Tribunal da Relação do Porto.

Também, BB, por si e na qualidade de legal representante do seu filho menor CC, e DD, demandantes civis no processo acima identificado, notificados da interposição de recurso, limitado à matéria civil, apresentado pela demandada Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A, vieram, interpor recurso subordinado da sentença.

Em sequência e através de decisão proferida a 10 de abril de 2024 aquele Venerando Tribunal decidiu o seguinte:

Negar provimento ao recurso da demandada, embora se adite aos factos provados o ponto 37 com a redação supra mencionada;

Mais se julga o recurso subordinado dos demandantes parcialmente provido, condenando a demandada seguradora a pagar aos demandantes BB, CC e DD, a importância de €130.000,00 (cento e trinta mil euros), a titulo de indemnização por danos não patrimoniais de perda do direito à vida, a qual deverá ser repartida, nos termos do disposto no artigo 2139.º, n.º 1 do Código Civil, em três partes iguais, acrescidos de juros à taxa legal desde a data da presente decisão até integral pagamento”, assim se alterando o ponto C.1) do dispositivo da sentença, no mais, se mantendo a decisão do Tribunal A Quo, nos seus termos.

O facto que foi aditado sob o nº 37 tem a seguinte redação: “Foi atribuída a BB pensão de sobrevivência no valor de 2.485,60€/ano”,

A.3. O Recurso para este S.T.J.

Continuando inconformada com essa decisão dela recorreu a demandada Fidelidade Companhia de Seguros, S.A, para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas motivações com as seguintes conclusões (transcrição integral):

“CONCLUSÕES:

1.

Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto nos autos em referência e é o mesmo apresentado na firme convicção de que o Tribunal a quo não agiu dentro dos limites traçados pela lei para exercer os poderes de modificação da matéria de facto, matéria que, como este mesmo Supremo Tribunal vem entendendo reiteradamente, não lhe está vedada, por se tratar de saber se o Tribunal da Relação se conformou ou não com a lei (cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 02/03/2011, no proc. 667/06.8TBOHP.CS.S1, e de 06/07/2011, no proc. 645/05.2TBVCD.P1.S1, disponíveis em http://www.dgsi.pt)].

2.

Constituía objecto de recurso de apelação a reapeciação da matéria de facto dada como provada e a alteração da decisão de facto, sendo que Apelante cumpriu o ónus de indicação dos concretos pontos de “facto” que considerava incorrectamente julgados e dos concretos dos meios de prova que impunham resposta distinta, especificando com exactidão, quanto a meios de prova gravados, as concretas passagens dos depoimentos que permitiam resposta distinta, indicando também a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre cada um destes pontos de facto.

3.

Tem entendido a jurisprudência que “a Relação realiza um segundo e diverso julgamento da matéria de facto, apreciando e decidindo, ela própria, as questões controvertidas que lhe foram apresentadas com base nas provas que serviram de base à decisão impugnada e aquelas que as partes lhe indicarem e não uma mera apreciação do julgamento efectuado”; que “para ser efectiva, a chamada segunda instância em matéria de facto impõe que a reapreciação das provas, a efectuar na Relação, assente na análise crítica (efectuada pela Relação) tanto da prova em que se fundamenta a decisão ou a parte da decisão de facto impugnada como da prova indicada pelo recorrente para a contrariar ou alterar e pode conduzir à manutenção ou modificação da decisão de facto”; que “não se limita a aferir a razoabilidade e verosimilhança da convicção que serviu de base à decisão impugnada, antes, mercê da autonomia decisória que, na sindicância da matéria de facto, se lhe reconhece, formula a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova, quer os indicados pelas partes, quer os que serviram de base à decisão recorrida” [cita-se passagens do recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/11/2017, de que foi relator o Exmo. Senhor Juiz-Conselheiro Fernando Bento, proferido no proc. 499/13.5TBVVD.G1.S1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt; em sentido idêntico, cfr, ainda, os acórdãos de 02/03/2011 (proc. 667/06.8TBOHP.C2.S1), de 16/03/2011 (proc. 263/1999.P1.S1), de 16/03/2011 (proc. 48/08.7TBVNG.P1.S1), de 24/05/2011 (proc. 376/2002.E1.S1), de 06/07/2011 (proc. 450/04.3TCLRS.L1.21) e de 21/03/2012 (proc. 41/06)].

4.

O Tribunal a quo limitou-se praticamente a reproduzir ipsis verbis a análise da prova realizada pelo Tribunal da primeira instância, levando a concluir que não procedeu a um novo julgamento, como se lhe impunha, não ouvindo, nem analisando a prova indicada pela Apelante, não retirando as suas próprias ilações dos mesmos, antes se limitando a aferir a verosimilhança e razoabilidade que serviu de base à decisão impugnada.

5.

Assim, deve o doutro acórdão recorrido ser anulado e, em consequência, deve ordenar-se a baixa do processo ao Tribunal a quo para que este profira novo acórdão no qual proceda a um novo julgamento da prova produzida em Primeira Instância, com reanálise crítica de todas as provas indicadas pela Apelante no recurso de apelação e, bem assim, da demais prova produzida nos autos.

Sem prescindir,

6.

A circunstância do infeliz EE circular sem qualquer luz à retaguarda do ciclomotor, deveria ter sido considerado como concausal do sinistro.

7.

Note-se que o sinistro ocorreu numa recta, com inclinação descendente (5,8%), sem qualquer tipo de iluminação pública, com visibilidade inferior a 30 metros, com o ciclomotor a circular sem qualquer luz à retaguarda e a uma velocidade de 40km/h e o veículo conduzido pela arguida circulava a 85km/h.

8.

Nesta dinâmica, é indubitável que a ausência de iluminação à retaguarda foi, também, causal do acidente, pois que se circulasse com luz à retaguarda, o ciclomotor seria visível a uma distância de cem metros, o que permitiria à condutora do veículo seguro adoptar uma outra condução e evitar o sinistro.

9.

A Apelante entende, assim, que se mostra evidenciado o nexo causal entre o sinistro e a culpa do infeliz EE traduzida na circunstância de circular sem qualquer luz à retaguarda.

10.

Culpa esta que, no confronto com a culpa da própria arguida/condutora do veículo seguro deverá ser dividida em partes iguais, devendo a eventual indemnização que é devida ser reduzida a metade.

Sem prescindir e mesmo que assim não se entenda,

11.

Sempre será de ponderar e censurar circunstância do infeliz EE circular sem luz à retaguarda do ciclomotor na causalidade dos danos.

12.

Era previsível para o homem-médio a forte probabilidade da ocorrência de qualquer circunstância fortuita que pudesse vir a originar um sinistro.

13.

A conduta da vítima agravou os danos e, nessa medida, merece a censura prevista no artigo 570.º do Código Civil que, sopesando as consequências resultantes do seu comportamento, deverá a indemnização ser reduzida a metade.

Sem prejuízo,

DOS VALORES ARBITRADOS

14.

Entende a Apelante que o quantum indemnizatório fixado no douto Acórdão de que se recorre

para compensar a lesão do direito à vida e o dano não patrimonial de cada um dos Apelados, viola as normas vertidas nos artigos 483.º, 494.º, 496.º e 566.º, n.º 3 do Código Civil.

15.

Uns e outros mostram-se excessivos, injustos e desproporcionais, até por confronto com os valores

que têm sido atribuídos pela Jurisprudência.

16.

Além de que, no que ao dano vida diz respeito, o valor arbitrado no douto acórdão em crise não respeita os valores indemnizatórios atribuídos pelo próprio Estado nos casos de Ihor Homeniuk e das vítimas dos incêndios em Pedrógão Grande – no valor de €80.000,00.

17.

Assim, deve a douto acórdão ser alterado e o dano vida deverá ser reduzido para a quantia de €80.000,00 (oitenta mil euros).

18.

De igual modo, os danos não patrimoniais próprios dos Apelados (€50.000,00 para a Apelada BB, €40.000,00 para o Apelado CC e €30.000,00 para o Apelado DD) constitui uma violação evidente do disposto nos artigos 483.º, 494.º, 496.º e 566.º, n.º 3 do Código Civil.

19.

Tais valores, além de exagerados, não encontram equiparação na Jurisprudência.

20.

Deste modo, deverá a Sentença recorrida ser alterada e fixada uma indemnização para compensação do dano não patrimonial da Apelada BB no valor de €30.000,00, €25.000,00 para o Apelado CC e €20.000,00 para o Apelado DD.

Ainda sem prescindir,

21.

Entende a Apelante que a fixação de uma indemnização, que o Tribunal a quo fixou em €51.793,37, pelos danos patrimoniais dos Apelados, na modalidade de dano futuro, se mostra injustificada e manifestamente exagerada.

22.

Desde logo, foi considerado o salário bruto, ao invés de considerar o salário líquido – tanto mais que, para este efeito, o salário líquido é o que releva já que era este o valor que, efectivamente, o infeliz sinistrado levava para casa para ser partilhado com a família e não o salário bruto.

23.

Considerando a taxa de 11% de contribuição para a segurança social (635 – 11% = 69,85€), o vencimento líquido do sinistrado ascendia a 565,15€, pelo que a capacidade do falecido de gerar rendimentos anuais era de 9.066,44€.

24.

Depois, se se considerar a capacidade do falecido de gerar rendimentos anuais era de 9.066,44€; que foi atribuída pensão anual à Apelada no montante de 3.013,30€ e uma pensão de sobrevivência no valor de 2.485,60€.

25.

Ora, o mero somatório destes dois valores (5.498,90€) é muito próximo da quantia que o infeliz

falecido partilharia com a família (leia-se 2/3 de 9.066,44€, ou seja, 6.044,29€) já que é pressuposto que o outro 1/3 eram gastos próprios do falecido.

26.

Donde, no limite, o valor a considerar seria na proporção de 500,00€/ano – o que só por si evidencia que o valor de €51.793,37 se mostra excessivo.

27.

Todavia, se se considerar que à Apelada BB foram atribuídas pensões no valor global de 5.498,90€ (3.013,30 + 2.485,60) e se a este valor se somar o valor de 2.008,87€ atribuído ao Apelado menor CC, o valor total ascende a 7.507,77€ - valor este superior ao que o falecido destinaria à família (6.044,29€), pelo que não é devido qualquer dano patrimonial.

28.

No limite, se se considerar que, entretanto, a pensão do menor CC será suspensa ao fim de 9 anos, dos 17 a considerar como sendo o período de vida profissional útil (66 anos – 49 anos), nos últimos 8 anos apenas será de considerar o valor global das pensões atribuídas à Apelada BB, ou seja, 3.013,30 + 2.485,60€ = 5.498,90€.

29.

Ou seja, a diferença será, assim, de 500,00€/ano, num total de 4.000,00€.

30.

O Tribunal a quo na douta Sentença dos Autos, ao decidir como decidiu, violou o preceituado nos artigos 342.º, 487.º e seguintes e 570.º, todos do Código Civil e, bem assim, o disposto nos artigos 411.º, 413.º e 414.º, todos do CPC.”

A.4. Resposta dos demandantes

Os demandantes responderam nos seguintes termos (transcrição integral):

“A) Quanto a pretensa nulidade do acórdão recorrido na parte relativa a matéria penal e poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça sobre o objeto do recurso.

1. No nosso entender, não cabe nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça a parte do acordão da Relação aqui recorrido relativa a matéria penal, face ao objeto do recurso e aos fundamentos invocados nesse âmbito pela recorrente. Esses fundamentos levam a recorrente a concluir que deve o acórdão recorrido ser anulado, nos termos e para os efeitos expostos na conclusão 5.ª das alegações do recurso

2. A recorrente baseia-se na convicção que o tribunal “a quo” não agiu dentro dos limites traçados pela lei para exercer os poderes de modificação da matéria de facto.

A esse entendimento contrapomos que, por força do disposto no artigo 434.º do Código de Processo Penal o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (sem prejuízo do disposto nos números 2 e 3 do artigo 410.º, que aqui não têm cabimento).

Ou seja, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre o resultado probatório a que as instâncias chegaram com base no critério da “prudente convicção” (assim, professor Miguel Teixeira de Sousa, “a revista do Supremo Tribunal de Justiça”, número 1, página 47, onde o mesmo professor afirma: “trata-se de uma solução Jurisprudencial e doutrinária que é indiscutível e que não importa pôr em causa”).

Sem prescindir, para o caso de assim não se entender.

3. A Recorrente vem interpor o presente recurso quanto à pertença nulidade do acórdão recorrido na sua parte penal, com o fundamento de que o Tribunal da Relação do Porto, no âmbito acórdão que proferiu no presente processo, não realizou um “segundo e diverso julgamento” da matéria de facto contida na sentença da primeira instância e, por esse motivo, pede que o acórdão proferido seja anulado.

Isto porque considera que o mesmo Tribunal não agiu dentro dos limites traçados pela lei para exercer os poderes de modificação da matéria de facto.

Entendem os aqui Recorridos que o acórdão proferido não está ferido de qualquer vício e, por isso, não pode ser anulado, e feita a reanálise crítica de todas as provas indicadas pela recorrente no recurso de apelação e da demais prova produzida.

4. Não constitui um ónus do Tribunal da Relação a realização de um segundo julgamento, visto que, através da fundamentação da matéria de facto da sentença apelada é possível perceber como é que, de acordo com as regras de experiência comum e da lógica, se formou a convicação do Tribunal da primeira instância e, por isso, não pode o Tribunal de recurso, neste caso, o Tribunal da Relação, reformular a decisão recorrida, no sentido de lhe sobrepor outra convicção, visto que, a mesma respeita os pressupostos supra referidos.

Como bem se diz no acórdão aqui recorrido “o poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação. O recurso com esses fundamentos apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em primeira instância.” (cfr. Germano Marques da Silva, in Forum Justitiae, Ano I, Maio de 1999).

Com efeito, “o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a segunda instância aprecia toda a prova produzida e documentada em primeira instância, como seo julgamento alirealizado não existisse, antessedeve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros” (cfr. nesse sentido, Ac. Do STJ de 15-12-2005, processo n.º 05P2951 e Ac. Do STJ de 09-03-2006, processo n.º 06P461 in DGSI, citados no acórdão da relação em análise).

5. O Tribunal de recurso apreciou os fundamentos de impugnação da matéria de facto e os meios de prova indicados pela Recorrente nos termos do artigo 412.º n.º 3 do Código de Processo Penal.

Assim sendo, deve o Tribunal de recurso aferir se o Tribunal de primeira instância apreciou e interpretou os meios de prova conforme os padrões e as regras da experiência comum, não extraindo conclusões estranhas ou fora dos depoimentos, subsistindo sempreumplano deconvencimento do Tribunaldeprimeirainstância, segundo o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal (cfr. citado Acórdão do STJ de 09/03/2006 proferido no âmbito do processo n.º 06P461 in DGSI).

Além de que, o que se extrai do acórdão recorrido é que não só adere simplesmente à fundamentação da sentença quanto à matéria de facto, com a devida explicação ponto por ponto das razões da convicação do Tribunal, mas também teve em conta as alegações da Recorrente e as contra-alegações dos Recorridos para fixar a matéria de facto dada como provada, e onde também específica ponto por ponto a razão da concordância com a fundamentação da sentença e a prova produzida.

Neste sentido, o julgamento da causa foi o que se realizou no Tribunal de primeira instância. O recurso para o Tribunal da Relação visa apenas corrigir erros de procedimento ou julgamento quenelepossamter ocorrido no Tribunaldaprimeira instância, incluindo erros de julgamento da matéria de facto (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/09/2014 proferido no processo n.º 409/11.4GBTMC.P1 in DGSI), o que não se admite como verdadeiro.

6. Mesmo que assim não se entenda, e que se considere que o Tribunal da Relação tem o ónus de realizar novo julgamento, o que não se aceita, no presente caso, ao contrário do que afirma a Recorrente, o Tribunal da Relação não se limitou a “reproduzir ipsis verbis a análise da prova realizada pelo Tribunal da primeira instância”.

7. Para tanto, vejamos a fundamentação do acórdão recorrido quanto aos factos que a Recorrente pretendia alterados no recurso de apelação.

8. O Tribunal da Relação dá como fundamental a exposição do Tribunal de primeira instância quanto aos factos supra referidos, nomeadamente, no que à prova produzida diz respeito. Contudo, analisa por si a prova produzida nesse âmbito, fazendo uma análise crítica desta, fundamentando o porquê de se dar aqueles factos como provados e não provados.

9. Além disto, importa referir que os depoimentos das testemunhas em que se baseou o Tribunal de primeira instância, enquanto prova testemunhal esta é apreciada livremente pelo Tribunal, segundo o artigo 396.º do Código Civil e, por isso, quando é atribuída credibilidade, como foi, a uma fonte de prova pelo julgador e esta se basear na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 01-10-2008, proferido no processo n.º 3/07.4GAVGS.C2 in DGSI).

10. Além da prova testemunhal, a decisão quanto aos factos referidos foi, também, baseada nas declarações da própria arguida, que afirmou não ter tido necessidade de ligar os “máximos”.

11. Acresce que, no que aos factos em questão diz respeito, também foi tido em consideração pelo Tribunal de primeira instância o auto de visionamento (fls. 202 e ss.) que constitui prova documental.

O auto de visionamento é um documento autêntico, segundo a definição do artigo 363.º n.º 2 do Código Civil, e assim, faz prova plena dos factos que nele são atestados e a sua força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade, segundo o artigo 372.º n.º 1 do mesmo diploma.

Ora, não tendo a Recorrente em sede de audiência de julgamento, no Tribunal de primeira instância, alegado e provado essa falsidade, o auto de visionamento faz prova plena de que “à hora da ocorrência do sinistro ainda estava a anoitecer, não sendo ainda noite escura”.

Conclui-se, portanto, que à luz do artigo 169.º do Código de Processo Penal, consideram-se provados os factos atestados no auto de visionamento.

12. Não entendem os aqui Recorridos a razão de ser do presente recurso, visto que, face ao que foi enunciado e explicado anteriormente, tendo em conta os critérios do artigo 374.º do Código de Processo Penal, no que aos requisitos da decisão diz respeito, o acórdão recorrido cumpriu com todos eles.

Do que se acaba de expor, é forçoso concluir que o acórdão recorrido não padece de pretensa nulidade invocada pela Recorrente porque nele não houve omissão de pronúncia sobre as questões que devia conhecer (cfr. artigos 379.º n.º1 c) e 425.º n.º 4 do Código de Processo Penal, entre si conjugados).

Sem prescindir, do que atrás se expôs,

B) Quanto à alegada concorrência de culpas.

13. Conforme resulta das alegações do recurso de revista, entende a Recorrente que o sinistro se ficou a dever, em partes iguais, à culpa do falecido EE e da arguida. Defende a Recorrente esta posição, com os fundamentos de que o ciclomotor conduzido pelo falecido, EE, circulavacomaluztraseira desligada e socorrendo-se de que o sinistro ocorreu numa reta, com inclinação descendente (5,8%), sem qualquer tipo de iluminação pública, com visibilidade inferior a 30 metros, com o ciclomotor a circular sem qualquer luz à retaguarda e a uma velocidade de 40km/h e o veículo conduzido pelo arguida circulava a 85km/h.

14. Assim sendo, coloca-se a questão primordial de o veículo automóvel conduzido pela arguida transitar com as luzes de cruzamento (médios) em vez das luzes de estrada (máximos), tal como impõem os artigos 60.º n.º 1 a) e b) e 61.º n.º 1 b) e c) do Código da Estrada, em situações análogas à do sinistro em causa.

Na hipótese, que não se aceita, de no caso concreto ter ocorrido uma situação de existir reduzida visibilidade, não superior a 30 metros, à frente do veículo automóvel conduzido pela arguida, sem iluminação pública, que se verificava na ocasião do acidente, impunha-se, por força dos referidos preceitos legais, e até derivado do dever de cuidado exigível a um condutor medianamente prudente, que a arguida AA usasse as luzes de estrada (máximos) destinadas a iluminar a via à frente do veículo numa distância não inferior a 100 metros, já que não circulava trânsito em sentido contrário (cfr. Ponto n.º 11 da matéria de facto dada como provada na sentença, que não foi posta em causa).

Se assim tivesse feito e conduzisse com o devido cuidado e atenção, a arguida teria a possibilidade de avistar o ciclomotor da vítima à sua frente, na hemi-faixa de rodagem em que este veículo e o automóvel seguiam.

Acresce que, dispõe o artigo 24.º n.º1 do Código da Estrada que “O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, emparticular osvulneráveis, àscaracterísticaseestado daviaedo veículo, àcarga transportada, àscondiçõesmeteorológicasou ambientais, àintensidadedo trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar asmanobrascujanecessidadesejadeprever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.”.

15. Ora, é importante ressalvar que a arguida, apesar de circular abaixo da velocidade legalmente permitida no local do sinistro (85 km/h), circulava no limiar da velocidade legalmente permitida (90 km/h) e, por isso, não regulou a velocidade conforme as condições meteorológicas e ambientais (estava a anoitecer) e às características da via (5,8% de inclinação descendente), não praticando, assim, uma condução defensiva, como se lhe impunha.

Do exposto, pode concluir-se que a arguida conduzia a uma velocidade excessiva, tendo em conta as condições da via em que circulava e as condições atmosféricas e metereológicas e, por isso, não praticava uma condução diligente e defensiva.

16. Posto isto, mesmo na hipótese, que se concede, apenas para mero efeito de raciocínio, de o ciclomotor circular com a luz da retaguarda desligada, a arguida tê-lo-ia avistado ou pelo menos podia/devia avistá-lo a tempo e com o espaço suficientesparadelesedesviar ou atéparar, travando, deformaaevitar o acidente.

17. Por essas razões, concluem os aqui Recorridos que a culpa da ocorrência do sinistro cabe exclusivamente à arguida AA, não relevando para este efeito o facto de o ciclomotor transitar, eventualmente, com a luz traseira desligada, o que não se aceita. Mesmo que se entenda que a eventual falta de luz na retaguarda do ciclomotor contribuiu para a produção do acidente ou gravidade das suas consequências, deverá, salvo o devido respeito por opinião contrária, concluir-se que o grau de culpa da arguida é de tal modo superior à proporção de culpa da vítima que a indemnização em causa deverá ser totalmente concedida, conforme dispõe o artigo 570.º n.º1 do Código Civil.

Não seaceitaaessepropósito, o alegado pelaRecorrentenassuasfundamentações do presente recurso, já que, mesmo que se entenda que a conduta do falecido EE contribuiu para a agravação dos danos, o que não se aceita, nunca o concurso de culpas faria com que a indemnização pudesse ser reduzida para metade, isto porque a culpa da arguida seria sempre manifestamente superior à do falecido.

Sem prescindir,

C) Quanto à indemnização para compensar a lesão do direito à vida do falecido EE e o dano não patrimonial de cada um dos demandantes civis.

18. A Recorrente não se conforma com o quantum indemnizatório fixado no acórdão recorrido para compensar o direito à vida e o dano não patrimonial de cada um dos recorridos considerando que foram violadas as normas vertidas nos artigos 483.º, 494.º, 496.º e 566.º n.º 3 do Código Civil.

No que à compensação da lesão do direito à vida do falecido EE diz respeito, regista-se alguma oscilação nos tribunais quanto aos valores atribuídos a título de indemnização do dano de perda do direito à vida. Contudo, a jurisprudência vem evoluindo, no sentido de uma progressiva atualização de tais indemnizações, indo mesmo, em alguns dos mais recentes acórdãos, para o montante na ordem dos 100.000,00€. Coaduna-se essa evolução da jurisprudência com o agravamento dos índices de inflação que vêm degradando os valores monetários.

Então, fixando-se o montante indemnizatório de acordo com um juízo de equidade, que concretize e dimensione o dano pela perda do direito à vida em discussão no caso concreto, nomeadamente, quanto à esperança de vida da vítima (tendo em conta que à data do sinistro o falecido tinha 49 anos de idade (cfr. Ponto n.º 17 do elenco dos factos provados da sentença)) e que a esperança de vida dos homens em 2020 estava fixada nos 78 anos, então, a esperança média de vida da vítima seriam 29 anos), e a sua qualidade de vida, tendo em conta a sua projeção na vida familiar e social (cfr. Pontos n.ºs 21, 22, 23 24, 26, 27 e 28 do elenco dos factos provados da sentença), consideram os Recorridos que o montante de 130.000,00€, fixado no acórdão recorrido, para indemnizar a lesão do direito à vida da vítima, deve ser mantido.

Quanto à referida evolução jurisprudêncial neste âmbito, atente-se na seguinte jurisprudência:

- O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2014 proferido no âmbito do processo n.º 1229/10.9TAPDL.LA.S1 (in DGSI), dispôs que “No caso concreto, importa considerar os valores que em termos jurisprudenciais têm sido fixadas pelo STJ e as condições concretas de idade e de vida da vítima que não só era um profissional de nível superior e de reconhecido mérito como também um pai e um marido extremoso, considerando-se equitativa a compensação de € 100 000 pelo direito à vida.” Importa salientar que a idade da vítima à data do sinistro, no referido processo, era, também, de 49 anos.

19. Atente-se agora à indemnização fixada a título de dano não patrimonial sofrido por cada um dos demandantes civis.

Não se aceita o alegado pela Recorrente quanto aos montantes indemnizatórios por esta invocados, que oscilam entre 20.000,00€ e 30.000,00€, visto que, existem critérios de diversas ordens que têm de ser considaderados para aferir o valor a indemnizar no caso concreto.

Para tanto, os Recorridos socorrem-se da fundamentação da sentença do Tribunal de primeira instância, nomeadamente:

- O facto de a Recorrida, BB, “viverá o resto da sua vida sem o seu marido com quem casou há vinte e cinco anos, com quem formou uma família, sendo ele o seu companheiro de vida.”

-Ofacto deo filho menor deidade, CC, “àdatado falecimento do pai, com apenas nove anos idade, ficou o mesmo privado da presença do seu pai em muito tenra idade. A idade do menor à data do falecimento do seu pai privá-lo-à da sua companhia e convívio durante toda a sua vida, bem como do seu afecto.”

- O facto de o filho, DD, “com vinte e um anos à data do falecimento do seu pai, tem-se em consideração que a perda de um pai tem um impacto profundo na vida de um filho, tratando-se de alguém a quem estava emocionalmente ligado e com quem tinha fortes laços afectivos, vendo-se privado da presença do pai para o resto da vida.”

20. A Recorrente alega que os valores indemnizatórios fixados neste âmbito pelo Tribunal de primeira instância e, consequentemente, confirmados pelo Tribunal da Relação, violam o disposto nos artigos 483.º, 494.º, 496.º e 566.º n.º 3 do Código Civil, o que não se aceita, muito pelo contrário, salvo o devido respeito por opinião contrária, as decisões em causa concretizam o disposto nos preceitos legais enunciados, sendo estes, assim, respeitados.

21. Quanto à indemnização fixada a título de dano não patrimonial sofrido por cada um dos demandantes civis, na modalidade de dano futuro, a Recorrente não se conforma com o valor fixado a este título pelo Tribunal de primeira instância e, posteriormente, confirmado pelo Tribunal da Relação, ressalvando-se que a forma de cálculo e o raciocínio utilizado por este Tribunal reconduzia a um resultado diferente, mas que entendem os Recorridos ser o mais justo.

Desde logo, não se entende o porquê da Recorrente considerar que na fórmula de cálculo se deve considerar o salário líquido em vez do salário bruto do falecido, como se passa a explicar.

Apesar de ser, efetivamente, o salário líquido que o falecido levava para casa para ser partilhado com a família, não é de esquecer que o desconto de 11% das contribuições para a segurança social releva para efeitos da futura pensão por velhice que a esposa do falecido iria receber, apesar de não suportar o valor total. Por este motivo, entendem os Recorridos que, para efeitos de cálculo, tem de ser levado em conta o salário bruto, tal como foi considerado pelo Tribunal de primeira instância.

22. Mesmo que assim não se entenda, o que não se aceita, salvo o devido respeito por opinião contrária, o Tribunal da Relação, no acórdão recorrido, efetuou o cálculo referido utilizando o salário líquido como critério e, mesmo assim, apurou um resultado superior, em relação ao Tribunal de primeira instância, a saber: 75.714,13€.

23. É de salientar que o Tribunal de primeira instância, na sentença, não considerou, para efeitos de cálculo, os rendimentos que a vítima auferiria após a reforma. Baseando-se os Recorridos na fundamentação do acórdão sob recurso, a vítima iria receber pensão por velhice, ainda que em valor inferior ao seu salário, continuando a beneficiar desses rendimentos até à esperança de vida dos homens, que à data do sinistro, se fixava em 78 anos, então, entre os 66 e estes 78 anos, haverá que contar os correspondentes 12 anos de pensão por velhice que a vítima teria direito a receber.

24. Quanto à pensão de sobrevivência de 2485,60€ por ano que foi atribuída à Recorrida, BB, tem de se considerar que se baseia nos descontos efetuados pela vítima para a segurança social ou sistema de proteção social. Nada justifica que o lesante possa beneficiar do pagamento de tal pensão, para a qual em nada contribuiu e que não foi criada em seu benefício (tal como dispõe o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-02-1992).

25. Quanto à pensão anual de 3.013,30€ atribuída à Recorrida, BB, no âmbito do acidente de trabalho por morte do seu marido, que foi remida, tendo a mesma recebido a título de remição a quantia de 43.126,38€ (cfr. pontos n.ºs 29 e 30 da fundamentação de facto da sentença), há que considerar, como é conforme à doutrina e jurisprudência correntes, que as indemnizações por acidente simultaneamentedeviação etrabalho não seacumulam, apenassecomplementam até ao ressarcimento total do dano causado. Razão pela qual, na sentença recorrida, se fixou a indemnização pelos danos patrimoniais futuros em 51.793,37€, ao deduzir a quantia de 111.000,00€ (cfr. Pontos n.º 5.3 da sentença recorrida) e de 16.079,67€ (a receber pelo Recorrido CC até completar 18 anos de idade).

26. A este montante (51.793,37€) há que acrescentar a indemnização fixada em 1.000,00€ pelos danos patrimoniais decorrentes da perda do ciclomotor da vítima, o queperfazo totalde52.793,37€, talcomo foidecidido pelo Tribunaldeprimeira instância.

Ao montante supra referido acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da sentença até integral pagamento.

Portanto, em conclusão,

27. Para tanto, os Recorridos, ao contrário da Recorrente, não entendem que o valor fixado, pelaRelação, paraindemnizar os demandantes civis, sejaexcessivo, muito pelo contrário, visto que, segundo a fundamentação do acórdão recorrido, no caso concreto deveria ter sido utilizada outra fórmula de cálculo expressa no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-05-1994 in Coletânea de Jurisprudência do STJ, Tomo II, pág. 86, citado no acórdão do Tribunal da Relação.

28. Ao utilizar a referida fórmula de cálculo, a conclusão seria um valor superior aos 75.714,13€, pelo que não se concede que o valor fixado pelo Tribunal da primeira instância e, posteriormente, confirmado pelo acórdão recorrido seja excessivo.”

A.5. Parecer do Ministério Público

O Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto neste Alto Tribunal emitiu parecer, circunscrito à questão do uso, pelo Tribunal da Relação, dos seus poderes de modificação da matéria de facto, tendo designadamente, consignado o seguinte (transcrição parcial):

“Vencida (mas não convencida) na sua luta pela alteração da matéria de facto para ver consagrada a sua versão dos acontecimentos, veio agora a recorrente dizer que, em suma, só não lhe foi dada razão porque o tribunal de segunda instância não usou devidamente os seus poderes de modificação da matéria de facto.

E para explicar que tem razão, repetiu os argumentos que usou para impugnar, junto do Tribunal da Relação, a matéria de facto fixada pela primeira instância, assim trazendo à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça a questão de facto disfarçada de questão de direito.

(…)

Da simples leitura do acórdão recorrido resulta que foram cumpridas todas as exigências de reapreciação da prova e de fundamentação que acabámos de citar.

(…)

Sobre esta questão, podemos ler no acórdão recorrido o seguinte:

“Sobre as concretas divergências suscitadas pela recorrente quanto à circunstância do motociclo não ter ligada a iluminação traseira, (…)como se viu, torna-se insindicável, não podendo este Tribunal de recurso sobrepor uma outra convicção.”

Assim, quando a recorrente afirma que “uma coisa é saber se tal facto deveria ter sido dado como provado” e outra distinta é “perceber se os factos colocados em crise foram ou não bem julgados” tropeça no seu próprio argumento. É que só pode, validamente, ser dado como provado um facto que tenha sido bem julgado, ou seja, que tenha sido julgado sem violação das regras de apreciação da prova. Ora, sobre isto pronunciou-se definitivamente e sem possibilidade de recurso, o Tribunal a quo.

Com efeito, do segmento do acórdão recorrido que acabámos de transcrever resulta, claramente, que o Tribunal a quo, revisitando a prova e a fundamentação da primeira instância, considerou bem julgado aquele facto, que deu como não provado.

A competência do Supremo Tribunal de Justiça cinge-se ao reexame da matéria de direito (artigo 434.º, do CPP).

Fora destas situações, este Supremo Tribunal apenas pode/deve aferir se do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugado com as regras da experiência, emergem os vícios elencados no artº. 410.º, n.º 2, do CPP (sem prejuízo, naturalmente, da competência para conhecer questões que oficiosamente deva apreciar, como sejam as nulidades ou invalidades que encontre no processo), o que não é, manifestamente, o caso aqui em apreço.

Face ao exposto, somos de parecer que o presente recurso deve, nesta parte, ser rejeitado por inadmissível.”

A.6. Contraditório

Devidamente notificados nos termos do disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, nem o recorrente nem os demandantes apresentaram qualquer resposta.

* * *

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B - Fundamentação

B.1. âmbito do recurso

O âmbito do recurso delimita-se, como já atrás se referiu, pelas conclusões do recorrente (artigos 402º, 403º e 412º do Código de Processo Penal) sem prejuízo, se necessário à sua boa decisão, da competência do Supremo Tribunal de Justiça para, oficiosamente, conhecer dos vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410º, nº 2, do mesmo diploma legal, (acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/95 in D.R. I Série de 28 de dezembro de 1995), de nulidades não sanadas (nº 3 do aludido artigo 410º) e de nulidades da sentença ( artigo 379º, nº do Código de Processo Penal).

Assim e em suma, as questões a apreciar no presente recurso são as seguintes:

a. Se o acórdão recorrido é nulo, por ter violado os seus poderes de apreciação da matéria de facto, ao não efetuar uma análise crítica dos diversos meios de prova indicados pela Apelante no recurso de apelação;

b. Subsidiariamente, se a arguida é a única e exclusiva responsável, a título de culpa, pelo sinistro, ou, inversamente, é a vítima corresponsável pela ocorrência do mesmo, em igual proporção, por conduzir o ciclomotor sem qualquer luz à retaguarda, numa estrada sem iluminação pública;

c. Subsidiariamente, mesmo que se entenda que essa circunstância não releva para a ocorrência do sinistro, a título de culpa, se ao abrigo do disposto no artigo 570.º, n.º 1 do Código Civil, houve a concorrência de um facto culposo da vítima para a produção dos danos, pelo que deve a eventual indemnização ser reduzida a metade.

d. Se o quantum indemnizatório fixado no acórdão recorrido para compensar a lesão do direito à vida e os danos não patrimoniais e patrimoniais, de cada um dos Apelados, é excessivo.

B.2. Matéria de facto dada como provada e não provada

Para proceder a essa apreciação importa, antes de mais consignar a matéria de facto dada como provada e não provada que serviu de fundamento à decisão recorrida

Assim, foi dada como provada e fixada a seguinte matéria de facto:

«1. No dia 13 de janeiro de 2020, pelas 18h, a vítima mortal EE conduzia o ciclomotor, de marca YAMAHA, modelo ..., com a matrícula ..-FV-.., na Variante ..., no sentido de marcha ..., na freguesia de ..., neste município de ..., desta comarca, numa reta, com inclinação descendente de 5,8%, a uma velocidade aproximada de 40 Km/h;

2. O condutor do ciclomotor de matrícula ..-FV-.. fazia uso de capacete;

3. A arguida AA, por seu turno, conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de marca TOYOTA, modelo ..., com a matrícula ..-ZR-.., também no mesmo sentido de marcha, a uma velocidade de cerca de 85 Km/h, quando embateu, com a sua parte dianteira do lado direito, na parte traseira do ciclomotor, com a matrícula ..-FV-.., fazendo com que a vítima mortal fosse projetada e ficasse imobilizada na vegetação ali existente, a cerca de 5 metros da faixa de rodagem;

4. Como consequência, resultaram para EE as seguintes lesões:

- Cabeça: solução de continuidade com bordos irregulares, profunda, com sete centímetros de comprimento, na região parietal esquerda, escoriações lineares na hemiface esquerda e região do mento;

- Abdómen: extensa equimose com carateristicas abrasivas de vinte por quinze centímetros na região abdominal esquerda, com duas soluções de continuidade de carateristicas perfurantes;

- Membro superior esquerdo: pequenas escoriações e equimoses no dorso da mão;

- Membro inferior esquerdo: presente irregularidade/dismorfia da coxa pequenas escoriações e equimoses na face anterior da perna;

- Clavícula, Cartilagens e Costelas Direitas: presente fratura cominutiva dos arcos costais do 20 ao 70;

- EXAME DO HÁBITO INTERNO

- Cabeça: Partes moles: sinais de infiltração sanguínea, dos tecidos moles na região parietal direita e esquerda em continuidade com a solução de continuidade descrita na região parietal esquerda;

- Meninges: presença de hemorragia subaracnoidea na região cerebelosa e tronco cerebral;

- Encéfalo: hemisférios cerebrais simétricos; tecido cerebral de aspeto congestivo; ventrículos laterais sem conteúdo hemático;

- Gânglios: com sinais de infiltração sanguínea nos topos ósseos e tecidos adjacentes;

- Clavícula, Cartilagens e Costelas Esquerdas: presente fratura cominutiva dos arcos costais do 10 ao 100 com sinais de infiltração sanguínea nos topos ósseos e tecidos adjacentes;

- Coração: coração ligeiramente aumentado de tamanho. Hipertrofia ventricular esquerda concêntrica. Sem malformações aparentes dos grandes vasos. O miocárdio apresenta-se nas diferentes secções de corte congestionado, de tonalidade vermelho-acastanhada; Endocárdio liso e brilhante;

- Fígado: laceração do lobo direito do fígado, com sinais de infiltração sanguínea;

- Baço: laceração completa do baço, com sinais de infiltração sanguínea;

- Membro inferior esquerdo: fratura cominutiva do terço médio do fémur esquerdo, com sinais de infiltração sanguínea nos to os ósseos e tecidos adjacentes;

5. Tais lesões foram causa directa e necessária da morte de EE;

6. O acidente ocorreu ao anoitecer;

7. No local não existe iluminação pública;

8. As condições ambientais eram boas;

9. O piso estava limpo e seco;

10. A velocidade máxima permitida no local do acidente é de 90 km/h;

11. Não circulava transito em sentido contrário;

12. A arguida era titular de carta de condução há cerca de quatro meses;

13. Porque conduzia sem o devido cuidado e atenção à condução, a arguida não atentou ao transito que circulava no mesmo sentido ao seu;

14. A arguida não viu o ciclomotor que circulava na sua frente, quando podia e devia ter evitado o acidente, uma vez que circulando com as luzes de cruzamento ligadas a arguida poderia ter visto o ciclomotor a pelo menos 30 metros e distância e actuar de forma a evitar o seu embate, travando ou desviando-se;

15. A arguida podia e devia ter agido com o cuidado exigido na condução de veículos automóveis;

16. Sabia que o seu comportamento era proibido e punido por lei.

Do pedido de indemnização civil deduzido pelos demandantes:

17. EE nasceu a ........1970, e faleceu a ........2020, com 49 anos de idade;

18. Contraiu casamento com BB, a ........1995, no regime de comunhão de bens adquiridos;

19. CC nasceu a ........2010, e DD nasceu a ........1998, encontrando-se registados como filhos de BB e de EE;

20. Em consequência do acidente EE sofreu as lesões melhor descritas em 4) da matéria de facto provada;

21. O falecido era uma pessoa saudável, com gosto pela vida, que amava e era amado pelos demandantes, os quais lhe dedicavam atenção, amor e carinho;

22. O falecimento de EE trouxe um grande desgosto à sua esposa, com quem vivia, partilhava a vida, sentido esta um grande desgosto em perder a pessoa do companheiro com quem viveu durante cerca de 25 anos;

23. A demandante BB sente hoje a solidão e a saudade da falta do companheiro da sua vida, dor que se perpetuará pelo resto da sua vida;

24. O falecimento de EE trouxe para os seus filhos, CC, com 9 anos de idade à data do óbito do seu pai, e DD, com 21 anos à data do óbito, com quem sempre viveram, um grande desgosto e saudade pela perda prematura do seu pai;

25. Em consequência do acidente perdeu-se o ciclomotor conduzido pelo falecido, sendo que o embate que sofreu, o seu arrastamento pela via e o posterior incêndio o deixaram destruído;

26. À data do sinistro o falecido auferia a remuneração de €635,00x14+€104,94x11;

27. No momento do falecimento EE era o único membro da família remunerado, uma vez que a esposa sempre foi doméstica e o seu filho mais velho naquela data estava desempregado e sem subsidio de desemprego;

28. Era com o salário do falecido que o casal providenciava pela sua alimentação e pela alimentação dos filhos;

29. Foi atribuída a BB no âmbito do acidente de trabalho por morte do seu marido a pensão anual de €3.013,30, devida desde ........2020, calculada em função de 30% do salário do falecido, no total anual de €10.044,34;

30. A demandante civil a titulo de remição de pensão a quantia de €43.126,35;

31. Foi atribuída ao menor CC no âmbito do acidente de trabalho por morte do seu pai a pensão anual no montante de €2.008,87, devida desde ........2020, calculada em função de 20% do salário do falecido, no total anual de €10.044,34, pensão que receberá até completar 18 anos de idade, no total de €16.079,67;

Da contestação da demandada Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.:

32. À data do sinistro, o veículo de matrícula ..-ZR-.., encontrava-se seguro pela demandada Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., através da apólice n.º ...67;

Mais se apurou que:

33. A arguida trabalha, auferindo quantia equivalente ao salário mínimo nacional;

34. Reside em casa dos seus pais, contribuindo para as despesas com a quantia de €150,00 por mês;

35. Tem o 12.º ano de escolaridade;

36. Do certificado de registo criminal da arguida não consta qualquer condenação;

37. Foi atribuída a BB pensão de sobrevivência no valor de 2.485,60€/ano.»1

B.4. O Direito

B.4.1. Introdução

O presente recurso respeita, tão-somente, à condenação no pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes BB, por si e na qualidade de legal representante do seu filho menor CC, e DD.

Nesta medida, no que respeita à condenação civil, o pedido deduzido pelas demandantes foi julgado parcialmente procedente, em 1.ª instância, tendo a demandada Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. sido condenada no pagamento das seguintes quantias:

«1) Aos demandantes BB, CC e DD, a importância de €90.000,00 (noventa mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais de perda do direito à vida, a qual deverá ser repartida, nos termos do disposto no artigo 2139.º, n.º 1 do Código Civil, em três partes iguais, acrescidos de juros à taxa legal desde a data da presente decisão até integral pagamento;

2) À demandante BB a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais por si sofridos, acrescida de juros desde a data da presente decisão até integral pagamento;

3) Ao demandante CC a quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais por si sofridos, acrescida de juros desde a data da presente decisão até integral pagamento;

4) Ao demandante DD a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros), a título de danos não patrimoniais por si sofridos, acrescida de juros desde a data da presente decisão até integral pagamento;

5) Aos demandantes a quantia de €51.793,37 (cinquenta e um mil, setecentos e noventa e três euros e trinta e sete cêntimos) pelos danos patrimoniais, dano futuro, acrescido de juros desde a data da presente decisão, até integral pagamento;

6) Aos demandantes a quantia de €1.000,00 (mil euros), por danos patrimoniais;»

Tendo sido interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, este veio a alterar parcialmente os termos da referida condenação tendo decidido:

«Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso da demandada, embora se adite aos factos provados o ponto 37 com a redação supra mencionada.

Mais se julga o recurso subordinado dos demandantes parcialmente provido, condenando a demandada seguradora a pagar aos demandantes BB, CC e DD, a importância de €130.000,00 (cento e trinta mil euros), a titulo de indemnização por danos não patrimoniais de perda do direito à vida, a qual deverá ser repartida, nos termos do disposto no artigo 2139.º, n.º 1 do Código Civil, em três partes iguais, acrescidos de juros à taxa legal desde a data da presente decisão até integral pagamento”, assim se alterando o ponto C.1) do dispositivo da sentença, no mais, se mantendo a decisão do Tribunal A Quo, nos seus termos.»

B.4.2. Da admissibilidade do recurso

Ora, no que respeita à condenação civil, dispõe o artigo 400.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que «Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada». Acresce que, nos termos do n.º 3 desse normativo, se estabelece que «Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.»

A redação de tal normativo foi conferida pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, diploma que, para além de acrescentar a expressão ‘só’, fez constar uma nova exigência anteriormente não existente – a de que o valor do pedido tem de ser superior à alçada do tribunal recorrido2.

Por sua vez, o n.º 3 do artigo 400.º do Código de Processo Penal veio estabelecer a autonomia das regras respeitantes à admissibilidade dos recursos civis face às dos penais, podendo aqueles ser admitidos, não obstante exista irrecorribilidade em termos criminais. Tal normativo foi introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, constando da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que lhe deu origem, que «Para garantir o respeito pela igualdade, admite-se a interposição de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil mesmo nas situações em que não caiba recurso da matéria penal». É, assim, manifesto que mesmo não sendo admissível o recurso penal, nos termos do artigo 400.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, as partes, poderão recorrer da decisão em matéria civil, ficando a ação civil independente da penal.

Como tal, e não dispondo expressamente o Código de Processo Penal os termos relativamente aos quais os recursos cíveis são admissíveis, necessariamente se terá de recorrer às regras constantes do Código de Processo Civil, em conformidade com o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal.

In casu, atendendo à pena concreta em que a arguida foi condenada em 1.ª instância [pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa pelo período de 2 anos, pela prática de um crime de homicídio por negligência], condenação confirmada pelo Tribunal da Relação, essa decisão é irrecorrível, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal, que dispõe que «Não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância».

Conforme decorre do estabelecido pelo artigo 629.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a admissibilidade da revista depende, desde logo, da verificação dos pressupostos atinentes ao valor da causa e da sucumbência. Nesta medida, a interposição de recurso ordinário apenas é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal. Atendendo, em concreto, ao valor da causa e da sucumbência (superior a € 15.000,00) e à legitimidade da recorrente, não se verificam quaisquer obstáculos gerais à admissibilidade do recurso de revista agora interposto.

Ademais, relativamente ao recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, preceitua o artigo 671.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que «Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos», estabelecendo-se, no n.º 3 desse normativo, que «Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte».

Como tal, e ressalvados os casos em que há sempre recurso, ou na situação de revista excecional (artigo 672.º do Código de Processo Civil), não haverá lugar a recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nas situações da denominada “ dupla conforme” – em que o acórdão do Tribunal da Relação confirma a decisão proferida pela 1.ª instância – a não ser que se verifique uma das seguintes circunstâncias: haja voto de vencido ou a fundamentação utilizada pelo tribunal seja essencialmente diferente.

In casu, é manifesto não se trata de uma decisão que admita sempre recurso, conforme se encontra previsto no artigo 629.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, não tendo sido alegados quaisquer pressupostos integradores do recurso de revista excecional.

No que respeita à dupla conforme, a mesma verifica-se sempre «que tenha havido coincidência integral das decisões de cada uma das instâncias»3, concordância decisória que nos conduz à conclusão de que se tratará de uma decisão adequada e correta.

Para além de tal circunstância, que não suscitará dúvidas relevantes, a dupla conforme também existirá quando o Tribunal de 2.ª instância profere uma decisão mais favorável, relativamente ao recorrente, face à decisão de 1.ª instância. Tal melhoria da situação jurídica do recorrente consubstancia uma confirmação in mellius que será, também, impeditiva do conhecimento do recurso, porquanto deve entender-se que “a dupla conforme contida no artigo 671.º, n.º 3 do CPC, que obsta à admissão do recurso, se considera verificada não só quando há total coincidência decisória, mas também quando, para o recorrente, se configure uma situação de «confirmação in mellius»”4.

Como tal, haverá possibilidade de recurso quando as decisões proferidas sejam em sentido contrário, bem como quando o recorrente vê a sua posição agravada, desde que, naturalmente, preenchidos os demais requisitos legais.

Por sua vez, mesmo existindo dupla conforme, poderá o recurso ser admissível quando estejamos perante uma fundamentação essencialmente diferente, aqui se fazendo referência a «uma diversidade de percurso na fundamentação»5.

Acresce que, em conformidade com o estabelecido no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/20226 «Em acção de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, a conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, avaliada em função do benefício que o apelante retirou do acórdão da Relação, é apreciada, separadamente, para cada segmento decisório autónomo e cindível em que a pretensão indemnizatória global se encontra decomposta.»

Assim, «Havendo diversos segmentos decisórios (uns favoráveis, outros não), distintos e autónomos, o conceito de dupla conforme terá de se aferir, separadamente, relativamente a cada um deles […] só não há dupla conforme (havendo revista normal nessa parte) no segmento em que a Relação não confirme a decisão da 1.ª instância (ou confirme, mas com fundamentação essencialmente diferente), ou no segmento em que o adjunto votou vencido.»7.

Desta forma, numa situação de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, como sucede nos presentes autos, dever-se-á apreciar a existência, ou não, de dupla conforme, relativamente a cada um dos segmentos decisórios concretamente considerados.

Ora, compulsados os acórdãos constantes nos presentes autos, de 1.ª e 2.ª instância, o que se verifica existir é uma coincidência no sentido decisório e respetiva fundamentação, com exceção da parte relativa ao valor indemnizatório atribuído por danos não patrimoniais de perda do direito à vida, em que a demandada viu a sua posição agravada (a 1.ª instância havia fixado esse montante em € 90.000,00 e a 2.ª instância aumento tal indemnização para € 130.000,00).

Tal agravamento motivou, aliás, a elaboração de um voto de vencido, relativamente a esse segmento decisório.

Deste modo, ambos os acórdãos apreciaram da mesma forma os pressupostos da responsabilidade civil da aqui recorrente, considerando-os verificados, em face da factualidade assente, o que conduziu necessariamente à sua condenação, nos termos já transcritos. A fundamentação utilizada aplica de forma uniforme o mesmo quadro legal, convergindo em absoluto.

Verifica-se, assim, que, relativamente às duas decisões em confronto temos apenas uma discrepância decisória, relativamente à qual foi emitido um voto de vencido, no que respeita ao montante indemnizatório atribuído aos demandantes por danos não patrimoniais de perda do direito à vida, questão que, como tal, poderá ser submetida à apreciação deste Tribunal, nos termos do artigo 629.º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Civil.

Nesta medida, não existindo qualquer voto de vencido, nem uma fundamentação essencialmente diversa, relativamente aos demais segmentos decisórios, necessariamente se conclui que o acórdão do Tribunal da Relação veio confirmar a condenação anterior pelo que estamos perante uma situação de dupla conforme que, em conformidade com o disposto no artigo 671.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, obsta à admissão do recurso.

* *

Todavia, e não obstante a referida confirmação, por parte do Tribunal da Relação, sem voto de vencido, nem fundamentação essencialmente diferente, da sentença de 1.ª instância, a qual será, em tese, impeditiva da admissibilidade de recurso de revista ordinário, importa debruçarmo-nos sobre os concretos fundamentos de recurso apresentados pela recorrente, em particular a invocada violação, por parte do Tribunal da Relação dos poderes elencados no artigo 662.º do Código de Processo Civil.

Ora, tal alegação, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, consubstancia um fator descaracterizador da dupla conforme decisória8.

Resulta, assim, que, na parte em que a recorrente imputa ao Tribunal da Relação a violação do disposto no art. 662.º do Código de Processo Civil, é admissível o presente recurso de revista, embora apenas relativamente à apreciação deste concreto fundamento.

B.4.3. Da violação do disposto no artigo 662.º do Código de Processo Civil

Imputa o recorrente ao Tribunal da Relação a violação do disposto no artigo 662.º do Código de Processo Civil por considerar, em suma, que este não reapreciou efetivamente a matéria de facto impugnada, por referência aos meios de prova que este havia indicado nas suas alegações de recurso.

Ora, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da matéria de facto visa, no essencial, garantir que foram cumpridas as normas de direito probatório material, sendo as decisões da Relação, tomadas a abrigo dos n.os 1 e 2, do artigo 662.º do Código de Processo Civil, irrecorríveis.

Todavia, «esta delimitação não é totalmente rígida. Com efeito, é admissível recurso de revista quando sejam suscitadas questões relacionadas com o modo como a Relação aplicou as normas de direito adjectivo conexas com a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, maxime quando seja invocado pelo recorrente o incumprimento de deveres previstos no art. 662º” ou quando se trate de “sindicar a decisão da matéria de facto nas circunstâncias referidas no art. 674º, nº 3, e apreciar criticamente a suficiência ou insuficiência da matéria de facto provada e não provada em conexão com a matéria de direito aplicável, nos termos do art. 682º, nº 3»9.

Trata-se, assim, do entendimento que tem vindo, aliás, a ser propugnado de forma reiterada e constante por este Supremo Tribunal de Justiça. Neste sentido, veja-se, exemplificadamente, o acórdão deste Tribunal onde consta que «Ao STJ permite-se verificar se o uso dos poderes conferidos pelo art. 662º, 1 e 2, do CPC foi exercido dentro da imposição de reapreciar a matéria de facto de acordo com o quadro e os limites configurados pela lei para o exercício de tais poderes(-deveres) – não uso ou uso deficiente ou patológico –, que, no essencial e no que respeita ao n.º 1 do art. 662º, resultam da remissão do art. 663º, 2, para o art. 607º, 4 e 5, do CPC (o n.º 2 já é reforço dos poderes em segundo grau)»10.

Refira-se, contudo, que o referido poder de apreciação do cumprimento das regras referentes à reapreciação de facto não se confunde com a consistência da argumentação levada a cabo pelo tribunal recorrido. De facto, “não cabe ao tribunal de revista intrometer-se na apreciação do mérito da análise probatória realizada nem tão pouco na aferição da sua consistência. (…) ao tribunal de revista não [compete] sindicar o eventual erro desse julgamento nos domínios da apreciação e valoração da prova livre nem da livre e prudente convicção do julgador11.

Perscrutando as alegações de recurso apresentadas pela demandada perante o Tribunal da Relação, resulta que esta impugnou a matéria de facto que resultou provada e não provada, tendo, no essencial, suscitado as seguintes questões:

a. Alteração dos factos n.º 13 a 15 provados, associada aos factos 7. e 9. dados como não provados e que a Apelante pretende que resultem como provados;

b. Aditamento dos seguintes factos:

«Porque o acidente ocorreu ao anoitecer e que no local não existe iluminação pública, a visibilidade da arguida para a hemi-faixa, porque circulava com as luzes de cruzamento ligadas, não era superior a 30 metros ou, no limite, apenas que a visibilidade da arguida para a hemi-faixa não era superior a 30 metros»;

c. Tal alteração decorre do «auto de visionamento de fls. 150 e ss., com especial enfoque nos fotogramas de fls. 151 a 154; testemunha FF (depoimento gravado no Habillus Media Studio, no dia 12 de Dezembro de 2022, nome do ficheiro áudio ...60), mais concretamente aos minutos 26:20 a 27:59; testemunha GG (depoimento gravado no Habillus Media Studio, no dia 12 de Dezembro de 2022, nome do ficheiro áudio ...60) aos minutos 03:10 e minutos 12:00 a 13:15»;

d. -Aditamento do seguinte facto:

«Porque o acidente ocorreu ao anoitecer e que no local não existe iluminação pública, a visibilidade da arguida para a hemi-faixa, porque circulava com as luzes de cruzamento ligadas, não era superior a 30 metros»;

e. Tal aditamento decorre do «Auto de visionamento de fls. 202 a 215, e depoimento da testemunha FF (…) aos minutos 25:40 a 25:54»;

f. Aditamento do seguinte facto:

«Foi atribuída a BB pensão de sobrevivência no valor de 2.485,60€/ano.»;

g. Tal aditamento decorre da «declaração de IRS de 2018 a 2020 (fls. 560 a 565) e depoimento da Apelada BB (depoimento gravado no Habillus Media Studio, no dia 12 de Dezembro de 2022, nome do ficheiro áudio ...60) minutos 06:00 a 07:05.».

Perante a aludida impugnação da matéria de facto, referiu o Tribunal da Relação que:

«Sobre as concretas divergências suscitadas pela recorrente quanto à circunstância do motociclo não ter ligada a iluminação traseira, o que condicionou a sua visibilidade pela arguida, a ponto de pretender a recomposição dos contributos para a causalidade do sinistro de ambos os condutores, a recorrente visa a alteração da redação dos pontos 13, 14 e 15 dos factos provados, e que os pontos 7 e 9 do factos não provados passem a constar do elenco dos factos provados; mais pretende a adição de novos factos conforme as conclusões 5 e 13 do recurso.

De fundamental a este respeito e quanto à visibilidade em causa, o Tribunal “A Quo” referiu

“Mais foi tida em consideração a seguinte prova testemunhal constante dos autos: a testemunha HH, militar da GNR de ... que se dirigiu ao local do acidente, afirma que à sua chegada, cerca de 10 a 15 minutos depois de terem sido chamados ao local, estava ainda a anoitecer, sendo final de dia. A testemunha II, Bombeiro de ..., afirma ter chegado ao local cerca de cinco minutos depois da chamada, e que se encontrara a escurecer, na transição do dia para a noite. A testemunha JJ, afirma ter sido a primeira pessoa a contactar com a arguida após a ocorrência do acidente, dizendo que estava a escurecer, mas que ainda havia alguma visibilidade, apesar de o local não ter iluminação.

Foi ainda tida em consideração a prova documental de fls. 202 e ss, auto de visionamento, elaborado três dias após a ocorrência do sinistro, do qual se extrai que à hora da sua ocorrência do sinistro ainda está a anoitecer, não sendo ainda noite escura.”.

Todos estes depoimentos são relevantes, particularmente o da testemunha da GNR HH, os quais referem ter comparecido no local cerca de 5 a 15 minutos depois de ter sido dado o alerta, e considerando que o sinistro ocorre por volta das 18.00 horas (demorando sempre algum tempo entre o sinistro e o acionamento do socorro), as referidas testemunhas quando chegam ao local, segundo referiram ainda “estava a anoitecer”, “estava a escurecer”, “existindo alguma visibilidade”, significando que estando o sol “baixo”, ainda existia visibilidade embora em declínio, o que motivou a arguida a ligar as luzes de cruzamento (chamados médios), mas não ligou os máximos (que teriam o alcance mínimo de 100 metros) dado que não circulavam veículos em sentido contrário. Também o depoimento de KK que passou no local por volta das 18 horas menos 10/15 minutos (portanto, a 10/15 minutos antes do sinistro) a cerca de 50/60 km/hora, seguindo com os seus “médios” ligados, referiu que passou por um motociclo na berma, que seguia muito devagar, e o mesmo via-se perfeitamente (viu-o com bastante antecedência “lá ao fundo”, “talvez a 50 metros” e aproximando-se, viu bem ser um motociclo que circulava muito devagar), havia essa visibilidade, embora fosse fim de tarde, já a escurecer, “nunca tendo usado os máximos”, não conseguindo precisar se visibilidade que tinha nesse local, teve algum contributo da iluminação que vem da lixeira ali perto existente. Ora, este quadro probatório impossibilita que se integre no elenco dos factos provados, os factos que a recorrente pretende aditar sob as conclusões nº5 e 13, dado que, manifestamente, não se apura que a visibilidade era limitada a 30 metros, embora fosse reduzida.

A circunstância da arguida não ter visto o motociclo à sua frente, associado à ausência de rastos de travagem, num condicionamento de tempo com alguma visibilidade embora em declínio, mas com a visibilidade de pelo menos 30 metros disponíveis à sua frente, evidencia a sua completa distração naquele instante, associada a uma velocidade excessiva de 85 km/hora (no limiar do limite máximo), em condições de visibilidade condicionada.

Sobre a relevância dos depoimentos invocados das testemunhas, o agente da GNR LL que fez o relatório e o croquis, 2 dias depois do acidente fez uma gravação sobre as condições de visibilidade no local, mas nesse dia estava mais escuro por o tempo estar nebulado, acresce que das imagens que solicitou a uma empresa privada onde se visiona um motociclo mais ou menos “compatível” ao da vítima EE (mas sem que possa dizer ser o veículo da vítima) e que traria as luzes dianteiras ligadas e as traseiras desligadas; a testemunha MM refere ter-se apercebido que o ciclomotor da vítima levava as luzes da frente ligadas, mas não se apercebeu se a parte traseira do veículo tinha a iluminação a funcionar; do mesmo modo a testemunha KK confirma que naquela estrada passou pelo local às 6 menos 15 ou menos 10 minutos, e passou por um ciclomotor que seguia pela berma, muito devagar, seguindo sem luzes, nem na retaguarda, nem à frente (não podendo identificar se seria a vítima). Ou seja, destes depoimentos não existe prova de que o ciclomotor “FV” tinha a iluminação traseira desligada, desde logo, porque não foi o mesmo identificado a conduzir nessas condições de falta de iluminação.

O Tribunal “A Quo” fundou a sua convicção em premissas válidas, apoiando-se no relatório pericial (com valor probatório qualificado) que, em questões fundamentais coincidem, quer quanto à velocidade, e ausência de rastos de travagem, quer quanto à velocidade prosseguida pelo ciclomotor. E o conjunto de juízos probatórios que elaborou, encontram-se bem estruturados, não assentando em premissas pouco seguras, fora da lógica ou da experiência comum. O Tribunal “A Quo” bem explicitou criticamente o raciocínio probatório. Este Tribunal de recurso aceita e considera perfeitamente admissível dentro da lógica a dinâmica do sinistro explicada pelo Tribunal “A Quo”, porquanto, existindo parâmetros de visibilidade condicionados pelo escurecimento progressivo, a arguida manteve uma velocidade excessiva para as condições do local circulando com evidente falta de atenção.

E não se detectando falha no exame crítico realizado pelo Tribunal a quo, a convicção formada por este, como se viu, torna-se insindicável, não podendo este Tribunal de recurso sobrepor uma outra convicção.

Contudo, atento o acordo entre a recorrente demandada companhia de seguros e os recorridos demandantes quanto ao facto “Foi atribuída a BB pensão de sobrevivência no valor de 2.485,60€/ano.”, defere-se o seu aditamento ao elenco dos factos provados.

Face ao conjunto da prova produzida, este Tribunal de recurso concorda com o juízo de prova que foi realizado pelo Tribunal a quo, não existindo qualquer erro manifesto, ditado em qualquer desconformidade na formulação lógica ou pelas regras da experiência comum, que imponham alteração de convicção, devendo deste modo improceder a impugnação movida à decisão a matéria de facto, exceto quanto à matéria “Foi atribuída a BB pensão de sobrevivência no valor de 2.485,60€/ano”, que deverá ser aditada como ponto 37 dos factos provados.»

Verifica-se, assim, que, não obstante o invocado pela recorrente, a Relação apreciou a matéria de facto, fundamentando a sua decisão de modo autónomo e distinto do que havia sido referido pela 1.ª instância. Nesta medida, e apesar de transcrever parte dessa decisão proferida pelo juízo local, concluindo no sentido de que a considerava adequada e correta, não se cingiu a uma mera remissão ou à prolação de afirmações genéricas respeitantes à fundamentação de facto.

Deste modo, a Relação analisou efetivamente a prova indicada pela recorrente, tendo concluído, de forma ponderada e crítica, que esses meios de prova não conduziam a uma alteração da matéria de facto – para além do facto 37. que decidiu acrescentar no acervo da matéria provada.

Afigura-se que a o tribunal a quo formou uma convicção própria e autónoma, indicando, embora de forma sucinta, os concretos pontos de facto apreciados e os elementos probatórios em causa, explicitando, de modo compreensível e claro os motivos pelos quais decidiu como o fez relativamente a cada um dos factos impugnados pela recorrente.

Nesta senda, considera-se que o Tribunal da Relação procedeu a uma apreciação crítica dos meios de prova indicados pelo recorrente, tendo formado uma convicção própria e autónoma relativamente à matéria de facto, pelo que não se verifica a invocada violação do disposto no art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, em face do exposto, improcede o invocado pela recorrente.

B.4.4. Da indemnização atribuída aos danos não patrimoniais pela perda de vida

Em face da referida improcedência, importa, agora, debruçarmo-nos relativamente ao único aspeto distintivo entre as duas decisões, que respeita à circunstância de o Tribunal da Relação ter procedido a um aumento do montante indemnizatório, referente aos danos não patrimoniais pela perda de vida.

Segundo invoca a recorrente, o quantum indemnizatório fixado no Acórdão recorrido fixado a título de compensação da lesão do direito à vida viola as normas vertidas nos artigos 483.º, 494.º, 496.º e 566.º, n.º 3 do Código Civil, mostrando-se excessivo e desproporcional, por confronto com os valores que têm sido atribuídos pela Jurisprudência. Considera, assim, que deve a douto acórdão ser alterado e reduzida a indemnização para a quantia de € 80.000,00.

Compulsada a decisão recorrida, verifica-se que o Tribunal da Relação revogou a decisão da 1.ª instância, que havia atribuído o montante de € 90.000,00, a título de danos não patrimoniais pela perda de vida, tendo aumentado o mesmo para € 130.000,00. Sustentou essa alteração nos seguintes termos:

«No caso concreto pode dizer-se que o autor tinha uma relevante qualidade de vida, sendo saudável, com gosto pela vida, que amava e era amado pelos demandantes, os quais lhe dedicavam atenção, amor e carinho, onde os afetos que expandia à sua mulher e filhos, eram retribuídos, constituindo esse fator de comunhão social, elemento valorizador da vida. A circunstância de estar a trabalhar, embora modesto, provia às necessidades do seu agregado familiar, melhorando a qualidade de vida de sua mulher e filhos, representa uma dimensão que afetava o familiar e social de modo significativo, igualmente valorizando a sua vida.

Pelo exposto, considerando a sua esperança de vida ainda por um período expectável de 29 anos de vida, a qual era assistida por uma qualidade de vida dotada de saúde e cercado de afetos pela sua mulher e filhos, este condicionalismo é valorizador da vida que se perdeu, devendo ser superior ao montante de 90€, o qual redutor, fica aquém e não é representativo nem tem tradução na apurada concreta dimensão de vida da vítima, perspetivada pela esperança de vida, com a aludida qualidade de vida, parecendo mais adequado e proporcional o montante de 130.000€, o qual será repartido em partes iguais pela mulher e seus dois filhos, nessa medida, respetivamente, procedendo parcialmente o recurso subordinado dos demandantes, e improcedendo o recurso da demandada companhia de seguros nestas conclusões.»

Vejamos.

Dispõe o artigo 496.º do Código Civil que

«1 - Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.

3 - Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.

4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.».

Nesta medida, em face do transcrito normativo legal, verifica-se que, a par do direito de indemnização por danos não patrimoniais que possam ter ocorrido ainda em vida da vítima, surge um direito de indemnização distinto que abrange, por um lado, a indemnização pela perda da vida – direito que se origina na esfera jurídica da vítima e é subsequentemente transmitido aos herdeiros do de cujos – e, por outro, uma indemnização pelos danos não patrimoniais que a morte provocou aos titulares do direito especificados nos n.os2 e 3 da norma citada12.

Por seu turno, o artigo 494.º do Código Civil preceitua que: «Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem».

Tendo em consideração a remissão operada pelo artigo 496.º, n.º 4 para o 494.º, ambos do Código Civil, a fixação da indemnização pelo dano morte deverá ser efetuada equitativamente, tendo em consideração a culpa do agente, a sua situação económica e a do lesado, bem como as demais circunstâncias do caso. Como tal, emergindo da conduta ilícita danos cujo valor não é quantificável, «A equidade é um critério para a correção do direito, um princípio moderador do direito positivo, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto»13.

Nesta senda, «o valor a atribuir deve refletir uma censura à conduta lesante e sinalizar a importância do bem jurídico supremo sacrificado, conferindo-lhe uma tutela que satisfaça as exigências de um Estado de direito democrático, necessariamente atento à reparação dos danos injustamente provocados pela conduta de outrem»14.

Por outro lado, a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça destaca a circunstância de deverem ser adotados certos padrões uniformizados de indemnização, por razões de igualdade. Como tal, «A decisão segundo a equidade não exclui o pensamento analógico. Está em causa o princípio da igualdade, que manda “tratar o igual de modo igual e o diferente de modo diferente, na medida da diferença”»15.

Em face de tal necessidade, é, assim, «aconselhável uma orientação padronizadora, avultando como fator diferenciador o grau de culpabilidade do agente in casu, atenta a dimensão sancionatória desta indemnização. Mesmo, quando são entidades seguradoras a responder pelo pagamento desta indemnização, como sucede neste caso, apesar do aspeto sancionatório perder relevância, o seu valor não deve deixar de refletir a censurabilidade do ato praticado»16. Como tal, o recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios17.

A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça neste âmbito deverá, assim, limitar-se à verificação do cumprimento da Lei, do recurso aos critérios habituais usados na aferição jurisprudencial e aos princípios do tratamento igualitário e não injustificado18. Nesta senda, “caberá, tão-somente, verificar se o referido juízo equitativo formulado pela Relação (tendo em pano de fundo o previamente arbitrado pela I.ª Instância), dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida, se revela ou não colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspetiva atualista, generalizadamente vêm sendo adotados, e se tal choque ocorreu de forma grosseira ou gritante. Ou seja, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade, devendo, para tanto, ter-se em consideração «todos os casos que mereçam tratamento análogo», como o exige o art. 8.º, n.º 3 do CC.”19.

No caso de que ora nos ocupamos, e uma vez que a responsabilidade pelo pagamento da indemnização recairá sobre a demandada seguradora, não se deverá atribuir relevância à situação económica do lesante. Do mesmo modo, tendo em consideração que o beneficiário da indemnização não é o lesado, também a sua situação económica não assumirá particular relevância para o efeito de fixação do montante indemnizatório20.

Nestes autos, a vítima encontrava-se a circular na sua faixa de rodagem, conduzindo um ciclomotor, quando o veículo conduzido pela arguida embateu naquele, o que lhe causou a morte. Resulta, ainda, da factualidade provada que o acidente ocorreu por a arguida se encontrar a conduzir sem a atenção devida. A vítima tinha, à data do acidente, 49 anos, estando casado e tendo dois filhos. O Tribunal da Relação deu particular ênfase à circunstância de a mesma ter uma qualidade de vida relevante, sendo saudável e com gosto pela vida, bem como ao facto de que teria, ainda, um período expectável de 29 anos de esperança de vida, motivo pelo qual aumentou em € 40.000,00 o valor de ressarcimento do dano morte que havia sido atribuído pela 1.ª instância.

Sucede que, na linha das decisões jurisprudenciais mais recentes e dos critérios adotados pelo Estado para fixação de indemnizações, tem-se vindo a assistir a uma gradual desconsideração, para este efeito, de fatores como seja a idade e a qualidade de vida da vítima. De facto, tem-se vindo a entender que «Estando em causa a vida, em si, como bem absolutamente protegido pela ordem jurídica, ela deve ser uniformemente valorada, em correspondência com a igual dignidade de todas as pessoas, sendo uma orientação padronizadora e normalizadora - uma compensação uniforme, para todos os beneficiários, do dano da perda de vida - especialmente aconselhável em mecanismos de compensação com estes fundamentos e objetivos»21. Nesta senda, «na impossibilidade desta indemnização ter um efeito compensatório, atento o decesso do lesado, a dimensão da esperança de vida que cessa perde relevância, não sendo um elemento que deva pesar significativamente no cálculo do valor indemnizatório»22.

Entende-se, assim, que uma vez que «a vida não tem um preço, não fazendo sentido, equacionar a valoração, para mais ou menos, da vida de uma pessoa à de qualquer outra, temos de admitir que, em razão da necessidade de atribuir uma indemnização pela sua perda, temos que aceitar que a vida, não só tem um valor de natureza – igual para toda a gente – mas também um valor social, uma vez que o homem é um ser em situação, levando-nos a encarar o valor da vida em termos muito relativos.

[…] Tratando-se de uma indemnização fixada segundo a equidade, mais do que discutir a aplicação de puros juízos de equidade que, em rigor, não se traduzem na resolução de uma “questão de direito”, importa, essencialmente, num recurso de revista, verificar se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados e se se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis.»23.

Deste modo, a conceção basilar deverá ser a da existência de uma idêntica dignidade de toda e qualquer vida humana, devendo ter-se em consideração, a título secundário, as circunstâncias pessoais de cada vítima24.

Ora, in casu, é certo que o circunstancialismo do acidente revela um grau de culpa particularmente elevado tendo, inclusivamente, a arguida sido condenada pela prática de um homicídio por negligência. Tal motivo justificará, desde logo, a atribuição de uma indemnização um pouco superior à média.

Afigura-se, contudo, inexistirem razões que fundamentem um aumento tão significativo como aquele que foi operado pelo Tribunal recorrido. De facto, perscrutando as decisões judiciais deste Supremo Tribunal, verifica-se que o montante indemnizatório atribuído se situa, por norma, entre os € 60.000,00 a € 90.000,00, sendo, em casos muito excecionais, superior, na ordem dos € 100.000,0025.

Como tal, tendo em consideração o princípio da igualdade, atendendo à avaliação que tem sido efetuada em casos semelhantes – morte causada por acidente de viação, na mesma faixa etária e sem concorrência de culpa da vítima – verifica-se que a jurisprudência deste Tribunal tem fixado valores manifestamente inferiores ao agora determinado pelo Tribunal recorrido26. Sucede que, e não obstante a insusceptibilidade de avaliação pecuniária do direito à vida, verifica-se inexistirem neste caso circunstâncias excecionais, particularmente mais gravosas que os demais, que justifiquem um desvio ao padrão orientador e consistente que se tem verificado nas decisões judiciais.

Nesta medida, atendendo ao circunstancialismo do caso concreto, à gravidade da conduta e a culpa acentuada, bem como as características pessoais da vítima, já referidas e elencadas na factualidade provada, e ao fenómeno inflacionário, considera-se que o valor de € 90.000,00, a título de indemnização pelo dano da perda de vida, será adequado e equitativo, bem como consentâneo com a orientação da Jurisprudência deste Tribunal, em decorrência do princípio da igualdade que deverá nortear as decisões judiciais.

C – DECISÃO

Nestes termos, e com tais fundamentos, decide-se:

a. Revogar parcialmente o acórdão recorrido e condenar a recorrente Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. a pagar aos demandantes BB, CC e DD, a importância de € 90.000,00 (noventa mil euros), a titulo de indemnização por danos não patrimoniais de perda do direito à vida, a qual deverá ser repartida, nos termos do disposto no artigo 2139.º, n.º 1 do Código Civil, em três partes iguais, acrescidos de juros à taxa legal desde a data da presente decisão até integral pagamento;

b. Negar provimento ao demais invocado no recurso interposto pelos demandados.

c) Condenar as partes no pagamento das custas processuais, na proporção do respetivo decaimento.

Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada

(Processado e revisto pelo relator - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)

Os Juízes Conselheiros,

Celso Manata (Relator)

Agostinho Torres (1º Adjunto)

Vasques Osório (2º Adjunto)

______________




1. O ponto 37 foi aditado aos factos provados pelo Tribunal da Relação do Porto.↩︎

2. Nos termos do artigo 44.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, a alçada dos tribunais de 1.ª instância é de € 5.000,00, sendo a da Relação de € 30.000,00.↩︎

3. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de janeiro de 2017, processo n.º 3931/12.1TBBCL.G1.S1, relatado pelo Conselheiro João Bernardo.↩︎

4. Neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de dezembro de 2021, processo n.º 923/09.1T3SNT.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Lopes da Mota, disponível em www.dgsi.pt, citando, nesse aresto, para sustentar tal afirmação «(…) na doutrina, entre outros, Miguel Teixeira de Sousa, Recursos em Processo Civil (de acordo com o CPC de 2013), Quid Juris, 91-92, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil (novo regime – DL 303/2007, de 24-08), 2.ª ed., Almedina, 339-342, e Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., 2018, Almedina, 371-374 e Pinto Furtado, Recursos em Processo Civil (de acordo com o CPC de 2013), novembro de 2013, Quid Juris, 88-89]. Também a jurisprudência deste Tribunal tem vindo a seguir um conceito de dupla conforme na sua interpretação mais ampla, abrangendo a confirmação in mellius (neste sentido, entre outros, os acórdãos de 25-01-2017, proc. n.º 1729/08.0JDLSB.L1.S1, de 24.05.2018, revista n.º 37/09.4T2ODM-B.E2.S1, de 22.03.2018, revista n.º 3705/11.7TBSTS.P1.S1, de 08.02.2018, revista n.º 22083/15.9T8PRT.P1.S1, de 27.04.2017, revista n.º 805/15.8T8PNF.P1.S1, de 19.04.2016, revista n.º 540/11.6TVLSB.L2.S1, de 07.04.2016, revista n.º 397/09.7TBPVL.G1.S1, de 04.06.2015, revista n.º 7412/08.0TBCSC.L1.S1, em www.dgsi.pt.↩︎

5. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de julho de 2016, processo n.º 850/09.2TVLSB.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Bettencourt de Faria.↩︎

6. Relatado pela Conselheira Graça Amaral, de 20 de setembro de 2022, disponível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/7-2022-202345719.↩︎

7. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-05-2021, processo n.º 10157/16.3T8LRS.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Fernando Baptista, disponível em

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7a594a66f71684fc802586d80058e944?OpenDocument.↩︎

8. Neste sentido, veja-se, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 6.ª edição, págs. 415 a 418 e, exemplificativamente, os Acórdãos do STJ de:

  - 14-09-2021, proc. n.º 864/18.1T8VFR.P1.S1, relatado por Manuel Capelo, disponível em

  http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3cb608f12d97e0ff80258751003bd722?OpenDocument;

  - 26-11-2020, proc. n.º 11/13.6TCFUN.L2.S1, relatado por Maria da Graça Trigo, disponível em

  http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a6eccdbfc6951c43802586410045a56a?OpenDocument;

  - 16-12-2020 proc. n.º 277/12.9TBALJ-B.G1.S1, relatado por Rijo Ferreira disponível em

  http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cc3dfea6e403bf8d802586680061c87c?OpenDocumen;

  - 17-12-2020, proc. n.º 7228/16.0T8GMR.G1.S1, relatado por Fátima Gomes disponível em

  http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2ac7f7e29bbc7a7980258679003402f1?OpenDocument.↩︎

9. In Recursos em Processo Civil, 6.ª edição, Almedina, pág 358.↩︎

10. De 03-11-2021, processo n.º 4096/18.0T8VFR.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Ricardo Costa, disponível em

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/af14fa923bb8ccc08025878300330e5a?OpenDocument.↩︎

11. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30-11-2021, processo n.º 212/15.2T8BRG-B.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Tomé Gomes, cujo sumário se encontra disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2024/06/sumarios-civel-2021.pdf.↩︎

12. Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-03-2021, processo n.º 3710/18.2T8FAR.E1.S1, relatado pela Conselheira Maria do Rosário Morgado, disponível em

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/fdb108698c1665b1802586c40048fe1a?OpenDocument.↩︎

13. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-11-2022, processo n.º 8340/18.6T9PRT.P1.S1, relatado pela Conselheira Teresa de Almeida, disponível em

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2e0fb17bc4c67ba980258903005ed2a1?OpenDocument↩︎

14. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-01-2023, processo n.º 3437/21.8T8PNF.P1.S1, relatado pelo Conselheiro João Cura Mariano, disponível em

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e1254c9ed5f6c8f08025893d003474a0?OpenDocument.↩︎

15. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-06-2021, processo n.º 2261/17.7T8PNF.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Maria João Vaz Tomé, disponível em

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a7593cfc3628295b802586f5004a3b31?OpenDocument.↩︎

16. Neste sentido, v. o referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-01-2023.↩︎

17. Neste sentido, v. o mencionado Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 23-11-2022.↩︎

18. Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-09-2022, processo n.º 2374/20.8T8PNF.P1.S1, relatado pela Conselheira Fátima Gomes, disponível em

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/721097d0f5d474bc802588bf0047b4b4?OpenDocument.↩︎

19. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-06-2020, processo n.º 313/12.9TBMAI.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha, disponível em

  https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:313.12.9TBMAI.P1.S1/.↩︎

20. Neste sentido, v. o referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-01-2023.↩︎

21. Aviso n.º 4949/2018, de 13 de abril, publicado no Diário da República n.º 73/2018, Série II de 2018-04-13, disponível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/aviso/4949-2018-115093549.↩︎

22. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-01-2023, processo n.º 3437/21.8T8PNF.P1.S1, relatado pelo Conselheiro João Cura Mariano, disponível em

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e1254c9ed5f6c8f08025893d003474a0?OpenDocument.↩︎

23. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-04-2019, processo n.º 465/11.5TBAMR.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Oliveira Abreu, cujo sumário se encontra disponível em

  https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2024/06/sumarios-civel-2019.pdf.↩︎

24. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-05-2021, processo n.º 10157/16.3T8LRS.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Fernando Baptista, pode ler-se que «Não obstante a idêntica dignidade de toda e qualquer vida humana, uma vida não tem apenas um valor de natureza, mas sobretudo um valor social. Pelo que as circunstâncias pessoais de cada vítima não são (nem podem ser) irrelevantes para a atribuição da compensação pelo dano da morte (da lesão do direito à vida – sendo que tal indemnização ou compensação deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista), sob pena de, em nome de um conceptualismo extremo, se olvidarem as realidades da vida e a ordem natural das coisas.», disponível em

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7a594a66f71684fc802586d80058e944?OpenDocument↩︎

25. Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-01-2023, processo n.º 3437/21.8T8PNF.P1.S1, relatado pelo Conselheiro João Cura Mariano, disponível em

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e1254c9ed5f6c8f08025893d003474a0?OpenDocument. Do mesmo modo, no Aviso do Diário da República n.º 494/2018, pode ler-se que «Tendo como referência os critérios fixados pelo Conselho instituído pela Resolução 157-C/2017 (v. Despacho n.º 10496-A/2017, Diário da República, 2.ª série, de 30 de novembro) a operacionalização deste critério terá, necessariamente, que levar em conta, como valor referencial, um montante não inferior a 70 mil euros. Esse valor, a que haverá que acrescentar as outras componentes indemnizatórias, encontra-se dentro do espectro das indemnizações ultimamente atribuídas pelo Supremo Tribunal de Justiça, para esta categoria de danos, levando em conta, mesmo na ausência de culpa provada de um lesante, as circunstâncias gravosas em que as mortes ocorreram.»

  No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-05-2020, processo n.º 16/15.2GTCBR.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Francisco Caetano, com o sumário disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2024/06/sumarios-criminal-2020.pdf, pode ler-se que «Havendo que prevenir-se a uniformização de critérios, enquanto decorrência do princípio da igualdade, importa atentar no que os tribunais têm decidido em casos similares susceptíveis de comparação pelo dano da supressão ou privação da vida, sendo que o STJ tem fixado valores que oscilam entre os € 50 000,00 e os € 100 00,00 e pontualmente mais (€ 120 000,00)».

  Do mesmo modo, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-2020, processo n.º 5/05.5TBPTS.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Olindo Geraldes, disponível em

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4d491158e58f983f8025865a004212ea?OpenDocument consta que «Situando-se as indemnizações atribuídas pelo Supremo, nos últimos anos, em regra, entre € 60 000,00 e € 80 000,00, não há motivo para alterar a indemnização fixada no valor de € 70 000,00, pelo dano de perda do direito à vida.».↩︎

26. Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-11-2022, processo n.º 8340/18.6T9PRT.P1.S1, relatado pela Conselheira Teresa de Almeida, que, em situação equivalente, confirmou a indemnização por dano morte em € 85.000,00, tendo ainda efetuado a seguinte resenha:

  «É possível apreciar, igualmente, uma aproximação consistente ao valor de 80000€, no que respeita à indemnização pela perda do direito à vida, e na medida dos fixados no Acórdão recorrido quanto a danos não patrimoniais próprios do cônjuge e filhos menores, nos seguintes Acórdãos deste Tribunal:

  - de 22.06.2021, no Proc. n.º 151/19.8T8AVR.P1.S1, Rel. Jorge Arcanjo - indemnização por danos não patrimoniais de 40 000,00€ e 35 000.00€ para os filhos menores;

  - de 03.03.2021, no Proc. n.º 3710/18.2T8FAR.E1.S1, Rel. Maria do Rosário Morgado - falecido em acidente de viação com 45 anos de idade, indemnização pelo dano morte de 80 000,00€;

  - de 11.02.2021, no Proc. n.º 625/18.8T8AGH.L1.S1, Rel. Abrantes Geraldes - vítima de acidente de viação com 53 anos, compensação pela perda do direito à vida fixada em 80 000,00€ e da compensação pelos sofrimentos próprios do filho da vítima e da pessoa com quem esta vivia em união de facto desde há 6 anos, em € 35 000,00.»↩︎