I. Devendo o acórdão cumulatório ser uma peça autónoma e autossuficiente, constata-se que o acórdão recorrido observa a exigência de descrição dos factos praticados pelo arguido, em cada uma das decisões condenatórias que integram o concurso superveniente, o modo de atuação do arguido, as suas motivações e consequências e as suas condições pessoais e sociofamiliares, tudo factos necessários à revelação da ilicitude global e da personalidade unitária do arguido, a ponderar no juízo de aplicação da pena conjunta, pelo que não corre qualquer nulidade do acórdão por falta de fundamentação.
II. Sendo a moldura penal do cúmulo jurídico estabelecida entre o limite mínimo de 4 anos de prisão (pena parcelar aplicada mais elevada) e os 13 anos e 3 meses de prisão (soma total de todas as penas parcelares aplicadas) – art. 77.º, n.º 2, do CP, não se afigura excessiva, desproporcional ou injusta a pena única de 6 anos e 2 meses de prisão, conquanto todas as penas parcelares fixada tenham sido suspensas na sua execução, sem que tivessem sido cumpridas ou extintas.
III. Verifica-se existir nulidade (parcial) do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, na estrita medida em que não ponderou a aplicabilidade do perdão a pessoas entre 30 e 30 anos, 11 meses e 29 dias – como é o caso do arguido –, ao abrigo do disposto das disposições combinadas dos artigos 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08, devendo, por isso, o tribunal do julgamento pronunciar-se expressamente sobre tal questão (art. 14.º, da Lei n.º 38-A/2023), atenta a relevância jurídica da questão, cuja solução se encontra pendente de decisão de uniformização de jurisprudência do STJ.
Acordam na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
I. Relatório
1. Por acórdão (cumulatório) do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de .../Juiz ..., de 23 de setembro de 2024 (Ref.ª Citius ...88), foi o arguido e ora Recorrente AA, melhor identificado nos autos, julgado e condenado nos termos seguintes:
«Pelo exposto e nos termos das normas legais supracitadas, elaborado o cúmulo jurídico das penas aplicadas nos autos de processo n.º 9/19.0...; 6/21.6...; 290/20.2...; 349/20.6..., decide-se condenar o arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de seis anos e dois meses de prisão.»
2. Dessa decisão recorreu o arguido AA para este Supremo Tribunal de Justiça (doravante, também STJ), em 22-10-2024 (Ref.ª Citius ...44).
No final da motivação do referido recurso do acórdão do tribunal de 1.ª instância, o arguido apresentou as seguintes conclusões (transcrição):
«(…)
a) O presente recurso vem interposto do Acórdão Cumulatório que condenou o arguido, ora recorrente, no cúmulo jurídico das penas aplicadas nos Processos n.ºs 9/19.0...; 6/21.6...; 290/20.2...; 349/20.6..., que decidiu condenar o arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de seis anos e dois meses de prisão.
b) Considera-se que o Acórdão recorrido viola as regras dos artigos 379.º, n.º 1, al. a) e al. c) e 374.º, n.º 2 do CPP e, bem assim, as normas dos artigos 42.º, n.º 1; 70.º e 77.º, n.ºs 1 e 2 do CP, e é proferida em violação dos princípios da proporcionalidade, necessidade, adequação e proibição de excesso decorrentes do artigo n.º 18.º, n.º 2 da CRP.
c) O Acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação, nulidade essa prevista no artigo 379.º, n.º 1, a) e artigo 374.º, n.º 2 do CPP, porquanto não faz uma análise global dos factos, omite o exame crítico das provas e é, igualmente, omisso quanto aos motivos, de facto e de direito, que fundamentaram a determinação da pena única conjunta.
d) O Acórdão recorrido limita-se a produzir frases feitas, considerações genéricas, sem entrar em concreto no caso em apreço.
e) Acresce que o Tribunal a quo decidiu sob erro de julgamento na aplicação do direito e em prejuízo do arguido aquando da determinação do limite máximo da moldura penal abstrata do concurso de crimes em referência.
f) Com efeito, a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes em referência (3 anos de prisão + 4 anos de prisão + 2 anos e 6 meses de prisão + 6 meses de prisão + 2 anos e 6 meses de prisão + 9 meses de prisão) resulta num limite máximo de trezes anos e três meses de prisão, pelo que o Tribunal a quo andou mal e em violação do artigo 77.º, n.º 2 do CP, ao ter fixado o limite máximo da moldura penal abstrata em trezes anos e quatro meses de prisão.
g) O Acórdão recorrido ao aplicar a pena única conjunta de seis anos e dois meses violou o artigo 18º.º, n.º 2 da CRP, portanto tal pena apresenta-se, face ao conjunto dos factos e à personalidade do arguido, desnecessária, desproporcional, inadequada e exagerada.
h) Com efeito, considerando sobretudo a medida reduzida das penas parcelares (a mais alta de 4 anos de prisão e todas as penas suspensas na execução), a concentração temporal dos delituosos praticados pelo arguido (de janeiro de 2018 a janeiro de 2021), a ausência de condenações anteriores e posteriores a esses factos, a sua personalidade e os fins das penas, dúvidas inexistem de que estamos perante ilícitos de pequena e média criminalidade, praticados num curto e muito concreto período de tempo, conexionados, todos eles, com a problemática da adição, problemática esta contra a qual o arguido lutava à data da prática dos factos, e que atualmente se encontra em face de remissão.
i) Além disso, os crimes em referência nas condenações objeto deste cúmulo foram cometidos no âmbito da pequena e média criminalidade, pelo que é manifestamente desproporcional, desnecessário, inadequado e exagerado, tais crimes serem punidos, em cúmulo, - como, injustificadamente, foram – como se da alta criminalidade se tratasse (isto é, com uma pena de prisão efetiva superior a cinco anos).
j) Por fim, acresce que o Tribunal a quo nenhuma referência faz à Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto que entrou em vigor no dia 1 de setembro de 2023 e que veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, e que se encontra atualmente em vigor e é aplicável ao caso, pelo que tal omissão constitui uma nulidade nos termos do artigo 379.º, n.º 1, a. c) do CPP.
k) Relativamente aos crimes de furto em referência no presente cúmulo, deveria o Tribunal a quo ter aplicado a Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto, amnistiando o arguido dos crimes de furto cometidos, porquanto se encontram verificados todos os pressupostos para a sua aplicação.
95. Já quanto ao crime de tráfico de estupefacientes a que o arguido foi condenado em quatro anos de prisão (suspensa), ainda que se entendesse que o perdão de pena previsto no n.º 4 do artigo 3.º da mencionada lei não é aplicável a este crime, o Tribunal a quo sempre deveria ter aplicado um ano de perdão à restante pena resultante do cúmulo de 2 anos e 2 meses, o que não fez, nem tampouco fez qualquer alusão à sua não aplicação, o que constituiu uma nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artigo 379º, n.º 1, al. c) do CPP.
TERMOS EM QUE e nos melhores de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogado o Acórdão Recorrido.
Fazendo-se, assim, a necessária justiça!».
3. Admitido o recurso, por despacho da Senhora juíza presidente do Coletivo, de 24-10-2024 (Ref.ª Citius ...20), respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido, em 03-12-2024 (Ref.ª Citius ...91), extratando-se os seguintes trechos da peça respetiva:
«(…)
De tal acórdão interpõe o arguido o presente recurso, cujo objecto vem delimitado pelas conclusões apresentadas e pedido formulado, suscitando, em suma, as seguintes questões:
a) Da nulidade do acórdão condenatório por falta de fundamentação;
b) Do acerto da concreta medida da pena única de prisão aplicada;
c) Da aplicabilidade das medidas de clemência – perdão e amnistia – previstas na Lei nº 38-A/2023, de 02/08.
(…)
Ora, visto o acórdão recorrido, constata-se que, no mesmo e concretamente no que tange aos aspectos apontados pelo arguido recorrente, vão expostos pelo Tribunal a quo, de forma especificada e clara, os factos relevantes para a decisão a proferir, os elementos de prova de que se socorreu para os dar como provados, bem como a fundamentação jurídica, por reporte àqueles factos, da decisão relativa à determinação da pena única aplicada.
Conforme ali pode ler-se, nos pontos 1. a 8. dos factos provados vão descritas as penas parcelares que vieram a integrar o cúmulo jurídico, com menção dos processos em que foram aplicadas e indicação das decisões condenatórias respectivas (com as respectivas datas de prolação e de trânsito em julgado), bem como ali são descritos, de forma exaustiva, os factos que em cada um de tais processos fundamentaram a condenação do arguido naquelas penas parcelares.
Nos pontos 9. a 19. dos factos provados, é descrito o percurso de vida do arguido e o seu processo de socialização, bem como a sua situação pessoal actual.
Nos pontos 20. e 21. são enunciados os seus antecedentes criminais (condenações não integradas neste cúmulo jurídico).
Relativamente à fundamentação dos factos assim dados como provados, o Tribunal a quo indica igualmente os elementos probatórios de que se socorreu para formar a sua convicção – sejam os elementos documentais, seja o relatório social para determinação da sanção.
Segue-se, depois, a fundamentação relativa à determinação da pena única que veio a ser achada.
Nessa fundamentação, o acórdão recorrido enuncia, entre o mais, as normas legais aplicáveis, tanto as que levam a concluir pela existência do concurso de penas, como as atinentes à determinação da pena, procede ao enquadramento da factualidade provada em tais normativos, indica os factos que, sendo relevantes, depõem, no entender do Tribunal a quo, em benefício e em detrimento do recorrente – analisando a natureza dos ilícitos praticados, a sua contextualização no percurso de vida do arguido e no seu modo de vida á época dos factos praticados e actualmente – bem como as circunstâncias que permitem determinar em que grau se fazem sentir as exigências de prevenção geral e especial.
Ou seja, procede o Tribunal a quo à explanação dos motivos de facto e de direito da decisão, de modo consistente, claro e lógico.
Constata-se, pois, com mediana clareza, que o acórdão recorrido não padece do vício indicado, não tendo ocorrido qualquer violação das prescrições processuais penais em matéria de fundamentação dos acórdãos/sentenças – nomeadamente, das invocadas pelo arguido-recorrente.
(…)
Invoca, ademais, a circunstância de o Tribunal a quo ter errado na determinação do limite máximo da moldura aplicável, resultante da soma das penas parcelares a cumulra.
Visto o referido no acórdão recorrido, mais concretamente a págs. 19, constata-se aí se ter inscrito que o limite máximo da moldura aplicável em cúmulo jurídico, resultante da soma de todas as penas parcelares em concurso (as dos processos 9/19.0..., 6/21.6..., 290/20.2... e 349/20.6...), se situa nos treze anos e quatro de prisão.
Considerando as penas parcelares aplicadas em tais processos, constata-se que, tal como invocado pelo arguido-recorrente, o aludido limite máximo se situa nos treze anos e três meses de prisão.
Na verdade, estão em causa as seguintes penas parcelares: - processo 9/19.0...: uma pena de 4 anos de prisão; - processo 6/21.6...: uma pena de 3 anos de prisão;
- processo 290/20.2...: duas penas de 2 anos e seis meses de prisão e uma pena de 6 meses de prisão;
- processo nº 349/20.6...: uma pena de 9 meses de prisão.
Assim sendo, a referência feita no acórdão recorrido à medida de 13 anos e 4 meses de prisão releva, não de um erro na aplicação do direito, mas de um erro de cálculo – sendo certo que a (errada) determinação do limite máximo aplicável resulta de uma mera operação aritmética.
É, pois, face ao disposto no artigo 380º, nº 1, al. b), e nº 2, do Código de Processo Penal, susceptível de correcção, nomeadamente pelo Tribunal Superior, em sede de recurso.
No mais, porém, não assiste razão ao arguido-recorrente.
Dentro da moldura penal aplicável ao concurso de penas, constata-se terem sido respeitados os normativos legais convocáveis no caso.
No que tange os critérios de determinação da concreta medida das penas parcelares, o Tribunal a quo sopesou devidamente – e disso faz eco o acórdão sob recurso – as normas a atender, que é desde logo a norma decorrente do artigo 77º, nº 1, parte final, do Código Penal, relativa à fixação da pena única resultante da punição do concurso de crimes.
Não deixou, igualmente, de atender ao que dispõe o artigo 40º, nº 1, do Código Penal, atinente às finalidades das penas.
Em função dos critérios legais enunciados, o Tribunal a quo, para determinaçãoda pena única aplicada ao arguido-recorrente, fez apelo, entre outras, às seguintes circunstâncias:
Que as condutas do arguido se inserem no mesmo contexto criminoso e social, estando intrinsecamente relacionadas com o seu historial de toxicodependência;
O percurso criminal do arguido, com aplicação de várias penas de prisão suspensas na sua execução, pela prática de ilícitos de natureza criminológica diversa;
As circunstâncias sociais do arguido, que apontam para dificuldades ao nível da inserção social, em que avulta o desinvestimento no seu percurso educacional, a falta de ocupação laboral e a sua problemática aditiva.
Face ao que vem alegado pelo arguido, importa considerar o seguinte:
Não estão em causa apenas crimes inseridos na área da chamada pequena e média criminalidade, na medida em que o crime de tráfico de estupefacientes por que foi condenado se integra no conceito de criminalidade altamente organizada (al. m) do artigo 1º do Código de Processo Penal) e é punível com pena de prisão de 4 a 12 anos, sendo que os crimes de furto qualificado aqui em causa são puníveis com pena de prisão de 2 a 8 anos, e o de furto qualificado na forma tentada com pena de prisão cujo limite máximo é de 5 anos e 4 meses;
Os crimes em causa não foram praticados num curto período de tempo, mas antes perduraram ao longo dos anos de 2018 a 2021;
A problemática aditiva do arguido não se encontra em remissão, pois, conforme resulta dos factos provados sob os pontos 15 a 19, o arguido é consumidor de estupefacientes desde os seus 16 anos de idade, tendo feito várias tentativas de tratamento que não tiveram continuidade e, tendo retomado as consultas no CRI em Janeiro de 2024, continua no presente a manter consumos.
Tudo visto, a imagem global que fica da conduta do arguido ao longo de tal período e o que as várias ilicitudes praticadas revelam da personalidade do mesmo, aponta para que o cometimento de crimes se assumiu no seu percurso como um modo de vida – não se estando perante uma mera pluriocasionalidade.
Revelam, assim, tais circunstâncias necessidades de prevenção especial prementes – sendo de considerar que as fontes de suporte que se verificam actualmente eram as que já existiam à data dos factos, o que não impediu o arguido de enveredar pela prática dos aludidos crimes. Neste âmbito, denota o acórdão recorrido que o Tribunal a quo acabou por sopesar as circunstâncias que favorecem o arguido-recorrente.
Na verdade, considerando que a moldura penal do concurso de penas tem comolimite mínimo uma pena de 4 (quatro) anos de prisão e um limite máximo de 13 (treze) anos e 3 (três) meses de prisão – após correcção do lapso de cálculo apontado – a pena única aplicada de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão é bem um reflexo de tal ponderação. Tal pena única mostra-se adequada ao conjunto dos factos praticados e que fundamentaram as condenações, em confronto com os aspectos da personalidade do arguido evidenciados com a sua prática (dado o número de infracções cometidas e a sua natureza), mas igualmente as necessidades de prevenção geral e especial a atender, que no caso dos autos são prementes.
A pena única aplicada situa-se no ponto médio entre o limite mínimo e máximo da moldura aplicável e dá expressão a cada uma das penas parcelares a considerar – não excedendo o peso de cada uma delas (que não a que fornece o limite mínimo) a proporção de um terço de cada na sua contribuição para a pena única achada.
A fixação de tal pena única em medida inferior não satisfaria de modo adequado as exigências de prevenção geral.
Conclui-se, pois, que o Tribunal a quo fez correcta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis no caso concreto em apreciação, nomeadamente as dos citados artigos 40º, nº 1, e 77º, nº 1, parte final, do Código Penal.
(…)
Alega que os crimes de furto por que foi condenado se encontram amnistiados e que beneficia do perdão, na medida de um ano, relativamente à pena única aplicada, na parte em que excede a pena parcelar aplicada pelo crime de tráfico de estupefacientes.
Igualmente nesta parte não merece o recurso provimento.
Pela Lei nº 38-A/2023, de 02/08, foi estabelecido um perdão de penas e uma amnistiadeinfrações –estando abrangidas portais medidas declemênciaas ‘sançõespenais’ (leia-se as infracções penais) relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto (cf. respectivos artigos 1º e 2º, nº 1).
No que ao caso dos autos interessa e nos termos do artigo 3º, nºs 1 e 4, da citada Lei, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos – perdão esse que, em caso de condenação em cúmulo jurídico, incide sobre a pena única.
Sendo que, nos termos do artigo 4º do mesmo diploma legal, são amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa.
Por seu turno, dispõe o artigo 7º, nº 1, do mesmo diploma legal, que não beneficiam de tal perdão (nem da amnistia) os condenados pelos crimes aí elencados – nas respectivas alíneas a) a h) – nem os condenados/autores que se encontrem nas condições previstas nas respectivas alíneas i) a l).
No caso dos autos, verifica-se que estão em causa as seguintes condenações sofridas pelo arguido-recorrente:
No processo nº 9/19.0..., pela prática, entre Janeiro de 2018 e Setembro de 2019, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do DL nº 15,93, de 22/01 (cf. certidão junta aos autos em 29/04/2024);
No processo nº 290/20.2..., pela prática, nos dias 29/11/2020, 10/01/2021 e12/01/2021,dedois crimes defurto qualificado eum crimede furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 2, al. e), do Código Penal;
No processo nº 6/21.6..., pela prática, em 09/01/2021, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204º, nº 2, al. e), do Código Penal;
No processo nº 349/20.6..., pela prática, em 09/11/2020, de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código de Penal.
Ora, vistas as penas abstractamente aplicáveis aos crimes de furto em causa nos autos, decorrentes dos citados artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 2, do Código Penal, bem como dos artigos 47º, nº 1, e73º, nº 1, als. a) eb), do mesmo Código, constata-sequesão aplicáveis a tais crimes de furto (sejam os qualificados, ainda que na forma tentada, seja o simples) penas que não se enquadram no disposto no artigo 4º da Lei nº 38-A/2023.
Razão pela qual forçoso será concluir que nenhuma de tais infracções se encontraria amnistiada.
Vista a natureza dos factos pelos quais o arguido foi condenado no processo nº 9/19.0... (crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do DL nº 15,93, de22/01)efaceaodisposto no artigo 7º,nº 1, al. f), ix), da Lei nº38-A/2023, constata-se que, relativamente ao mesmo, não pode o arguido beneficiar do referido perdão de penas.
Relativamente ao perdão de penas quanto aos referidos crimes de furto qualificado, consumado e tentado, e de furto simples, igualmente não beneficia o arguido de tal medida de clemência, porquanto, em função da idade do arguido à data do seu cometimento, está o mesmo excluído de tal medida de clemência – bem como da amnistia de infracções – por força do âmbito de aplicação da citada Lei nº 38-A/2023, definido no respectivo artigo 2º, nº 1.
Na verdade, o arguido nasceu em .../.../1990, tendo completado os 30 anos de idade em .../.../2020.
Os crimes de furto em causa, como acima se referiu, foram cometidos em 09/11/2020, 29/11/2020, 09/01/2021, 10/01/2021 e 12/01/2021, ou seja, em data posterior àquela em que o arguido completou os 30 anos de idade.
Nos termos do artigo 2º, nº 1, da Lei nº 38-A/2023, estão abrangidas pelo perdão as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto.
A partir do momento em que uma pessoa completa os 30 anos de idade – o que no caso do arguido-recorrente ocorreu em .../.../2020 – já não se encontra no intervalo temporal definido pelo legislador (entre 16 anos e 30 anos de idade).
Sendo a idade de uma pessoa um efeito do decurso do tempo desde a data do seu nascimento, com alguns efeitos jurídicos associados – como é o caso de eventual aplicabilidade das medidas de clemência previstas na Lei nº 38-A/2023 – está em causa a contagem de um termo ou de um prazo.
Neste caso, fixado em anos.
‘Termo’ significa, conforme se pode consultar em qualquer dicionário de língua portuguesa e além do mais, limite espacial ou temporal, bem como igualmente um período ou época, tendo nesta acepção o significado de ‘prazo’.
Estando em causa a contagem de um termo ou de um prazo, há que ter em consideração desde logo o disposto no artigo 296º do Código Civil (inserido no CAPÍTULO III – O tempo e sua repercussão nas relações jurídicas – do SUBTÍTULO III – Dos factos jurídicos – do TÍTULO II – Das relações jurídicas – do LIVRO I – Parte Geral), o qual dispõe que as regras constantes do artigo 279º daquele Código são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade.
Ora, para o que á situação em apreciação interessa, dispõe tal artigo 279º (Cômputo do termo):
“À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras: (…)
c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês”.
Daqui se conclui que o termo ou prazo de 30 anos a que corresponde a previsão do artigo 2º, º 1, da Lei nº 38-A/2023, termina ás 24 horas do dia em que a pessoa complete a idade de 30 anos – ou seja, 30 anos contados desde o dia em que nasceu.
Por outro lado, cabe igualmente ter em mente qual foi a intenção do legislador ao ficar o intervalo temporal e etário ali previsto.
(…)
Sendo que o artigo 2º, nº 1, da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, manteve, nos seus exactos termos, a redacção do artigo 2º da acima mencionada Proposta de Lei.
Conclui-se, assim, que foi intenção do legislador fixar o intervalo temporal e etário ali previsto, quanto à aplicabilidade das medidas de clemência, aos sujeitos com idade desde os 16 anos e até completarem os 30 anos de idade.
Sendo manifesto que o arguido-recorrente não se encontra em condições de beneficiar das medidas de clemência previstas na citada Lei nº 38-A/2023, de 02/08, não se trata a questão suscitada pelo arguido neste recurso de questão que devesse ser apreciada pelo acórdão recorrido.
Não se verifica, pois, a nulidade por omissão de pronúncia prevista no artigo 379º, nº 1, al. c), do Código de Processo Penal.
(…)».
4. O processo foi remetido para o Tribunal da Relação do Porto (doravante, também “TRP”), onde a Senhora Desembargadora relatora determinou, por despacho de 11-12-2024 (Ref.ª Citius ...89), que o mesmo fosse remetido para este Supremo Tribunal, por considerar que:
«No caso em discussão a pena mais elevada do concurso é de 4 anos de prisão. A pena do cúmulo jurídico efetuado foi de 6 anos e 2 meses.
Todavia a jurisprudência tem unanimemente entendido que o STJ tem competência para conhecer dos recursos relativamente a condenações de penas unitárias superiores a 5 anos, mesmo que cada uma das respectivas penas parcelares sejam inferiores a esse limite (ac. STJ de 18-11-2009, in CJ, III, pág.228 e ac. STJ de 6-10-2011, CJ III, pág.193, e ac. STJ de 9-07-2014, in www.dgsi.pt).
Donde, não tem este Tribunal da Relação competência para apreciar o interposto recurso, sendo antes competente o Supremo Tribunal de Justiça.»
5. Remetido a este Supremo Tribunal de Justiça, foi emitido parecer pelo Senhor procurador-geral-adjunto aqui em funções, nos termos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, em 19-12-2024 (Ref.ª Citius ...12), aderindo à posição da Senhora magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, pugnando pela improcedência do recuso, dando ainda nota de que, relativamente à questão da aplicabilidade da Lei n.º 38-A/2023 a pessoas com idade compreendida entre 30 e 30 anos, 11 meses e 29 dias, se encontra pendente no Supremo Tribunal de Justiça o processo n.º 96/19.1GBNLS-G.C1-A.S1, da 5.ª Secção, em que foi interposto recurso de fixação de jurisprudência.
6. Notificado tal parecer do Ministério Público ao recorrente, para, querendo, se pronunciar, o mesmo veio, em 12-01-2025 (Ref.ª ...11), discordar do mesmo, reiterando, no essencial, os fundamentos da motivação do seu recurso.
7. Colhidos os vistos, não tendo sido requerida audiência, foram os autos julgados em conferência - artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
II.1.1. Factos provados
8. Encontram-se provados os seguintes factos (transcrição):
«(…)
1. Nos autos de processo n.º 9/19.0..., por decisão datada de 27/10/2021, transitada em julgado em 29/11/2021, o arguido foi condenado pela prática, em janeiro de 2018, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 4 anos de prisão, suspensa por igual período com regime de prova;
2. Foram aqui julgados provados, com relevo, os seguintes factos:
a. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos no período compreendido entre janeiro de 2018 e setembro de 2019, o arguido AA dedicou-se, com regularidade, à venda de substâncias estupefacientes, nomeadamente cocaína e haxixe, a título lucrativo, adquirindo tais produtos em locais e a pessoas não concretamente apurados e depois vendendo-os a indivíduos que os adquirem para seu consumo.
b. No referido período, o arguido AA distribuiu os sobreditos produtos estupefacientes em diversos locais, tais como na sua residência, sita na Rua ..., em ..., ..., nas imediações da mesma, e ainda ..., quando alguns dos sobreditos consumidores se deslocavam consigo à referida cidade, procedendo à entrega de tais produtos aos respetivos compradores, que, previamente, o contactavam através do número ...16, então utilizado pelo arguido, e de seguida deslocavam-se para junto deste a fim de receberem do mesmo tais produtos e procederem ao seu pagamento.
c. Nos contactos telefónicos que estabeleciam entre si nos termos e para os feitos supra referidos, o arguido e aqueles consumidores utilizavam linguagem codificada para se referirem ao produtos estupefacientes transacionados, utilizando para o efeito e entre outros, os termos “frangos”, “franguinhos” “hamburger”, ou, “bolo”, “pizzas” “roupas” (cfr. alvo ...40, sessões 01595, 01935, 04960, 05335, 06098, 07182, 01218, 06598, 07671, 09147; e alvo ...40 sessão 2818).
d. No período compreendido entre cerca de dezembro de 2018 e o mês de janeiro de 2019, no interior da residência do arguido, este cedeu ao seu primo BB, titular do número de telemóvel ...02, para consumo deste e com a regularidade de uma a duas vezes por semana, uma “lasca” de uma base de cocaína, com um peso não concretamente apurado.
e. No período compreendido entre cerca de fevereiro e maio de 2019, o arguido entregou ao referido BB, para consumo do mesmo e com uma regularidade quase diária, quantidades variáveis de cocaína que se fixavam entre uma a duas bases de cocaína, mediante a entrega por este da contrapartida monetária de €5,00 (cinco euros), por cada base.
f. Tais cedências e vendas sucederam nomeadamente, nos dias 24/11/2018 (Alvo ...40, sessão 00080, 00081, 00082, 00107, 00110, 00111, 00112, 00113, 00235), 25/11/2018 (Alvo ...40, sessão 01106), 01/12/2018 (Alvo ...40, sessão 01685, 01692, 01872), 02/12/2018 (Alvo ...40, sessão 01981, 01985, 01986, 01987) 03/12/201 8 (Alvo ...40, sessão 01993) 11/12/2018 (Alvo ...40, sessão 03001,03002), 19/12/2018 (Alvo ...40, sessão 04713), 22/12/2018 (Alvo ...40, sessão 05335, 05357, 05443, 05447) 26/12/2018 (Alvo ...40, sessão 06098) 28/12/2018(...40, sessão 06443, 06447), 03/01/2019 (...40, sessão 07659, 07661, 07671, 07672, 07673, 07674, 07675, 07684, 07689, 07690), 04/01/2019 (...40, sessão 07911, 07936, 07937, 07938), 06/01/2019 (...40, sessão 08504) 07/01/2019 (...40, sessão 08637, 08639, 08641, 08642, 08643, 08666, 08688) 09/01/2019 (...40, sessão 08916, 08928, 08929, 08930) 10/01/2019 (...40, sessão 09134, 09147, 09150, 09151, 09156, 09157, 09158), 11/01/2019 (...40, sessão 09306), 12/01/2019 (...40, sessão 09314, 09317, 09321) 13/01/2019 (...40, sessão 09543, 09546, 09547, 09548) 14/01/2019 (...40, sessão 09608, 09653, 09654, 09655, 09656), 19/01/2019 (Alvo ...40, sessão 541), 20/01/2019 (Alvo ...40, sessão 717, 718, 719, 721, 910, 920, 925, 939), 23/01/2019 (Alvo ...40, sessão 1624), 24/01/2019 (Alvo ...40, sessão 2220, 2229, 2230, 2245), 25/01/2019 (Alvo ...40, sessão 2279), 27/01/2019 (Alvo ...40, sessão 3027, 3028, 3029, 3034, 3035, 3036), 27701/2019 (Alvo ...40, sessão 3248, 3249, 3250), 28/01/2019 (Alvo ...40, sessão 3339, 3344, 3345, 3346, 3347, 3349, 3350, 3579), 29/01/2019 (Alvo ...40, sessão 3667, 3668, 3672, 3673, 3677, 3678, 3834, 3847, 3861), 30/01/2019 (Alvo ...40, sessão 3977, 3980), 01/02/2019 (Alvo ...40, sessão 4317), 05/02/2019 (Alvo ...40, sessão 5615), 06/02/2019 (Alvo ...40, sessão 5819, 5825), 07/02/2019 (Alvo ...40, sessão 5854, 5875, 5879, 5880, 5890, 5893, 5899, 6019, 6022 6024), 08/02/2019 (Alvo ...40, sessão 6025, 6027), 11/02/2019 (Alvo ...40, sessão 6758, 6759, 6770, 6771), 12/02/2019 (Alvo ...40, sessão 6803, 6804, 6805, 6808, 6809, 6811, 6812, 6826, 6827, 6896), 14/02/2019 (Alvo ...40, sessão 7102, 7103, 7104, 7105, 7106, 7107, 7108, 7109, 7110), 18/02/2019 (Alvo ...40, sessão 7744, 7745, 7747, 7748, 7749, 7750, 7751), 22/02/2019 (Alvo ...40, sessão 8128, 8129, 8130), 23/02/2019 (Alvo ...40, sessão 8137, 8151, 8152, 8155), 07/03/2019 (Alvo ...40, sessão 10047, 10048, 10049, 10050, 10062), 08/03/2019 (Alvo ...40, sessão 10177, 10190, 10191, 10192, 10193, 10194, 10195, 10196), 09/03/2019 (Alvo ...40, sessão 10225, 10226, 10227, 10228, 10234, 10235, 10245, 10247, 10249, 10250, 10255, 10271), 12/03/2019 (Alvo ...40, sessão 10816, 10818, 10820, 10821, 10822, 10823, 10957, 10973), 31/03/2019 (Alvo ...40, sessão 12281, 12410, 12412, 12416), 02/04/2019 (Alvo ...40, sessão 12600, 12615, 12628, 12750, 12751) e 14/04/2019 (Alvo ...40, sessão 14767, 14769, 14770, 14771, 14775).
g. Desde junho de 2018 e pelo menos até janeiro de 2019 o arguido vendeu a CC, conhecido pelas alcunhas de “DD” e “EE”, titular do número de telemóvel ...02, para consumo deste e com a regularidade de pelo menos três vezes por mês, quantidades variáveis de cocaína, mas que se fixavam entre seis e dez bases de cocaína, mediante a entrega por este da contrapartida monetária de €5,00 (cinco euros), por cada base.
h. Tal sucedeu nomeadamente, nos dias 26/11/2018 (Alvo ...40, sessão 00533, 00535, 00536, 00538, 00542, 00543, 00544, 00545) 27/11/2018 (Alvo ...40, sessão 00632, 00633, 00641, 00642, 00643, 00644, 00645, 00647, 00648, 00649, 00650, 00652, 00553, 00852, 00855, 00856, 00857, 00858, 00860, 00861, 00862, 00863), 29/11/2018 (Alvo ...40, sessão 01277) 01/12/2018 (Alvo ...40, sessão 01804), 06/12/2018 (Alvo ...40, sessão 02301, 02302, 02309, 02315, 02324) 07/12/2018 (Alvo ...40, sessão 02571, 02639) 08/12/2018 (Alvo ...40, 02665) 12/12/2018 (Alvo ...40, sessão 03135, 03136, 03137, 03138, 03139, 03146, 03147) 14/12/2018 (Alvo ...40, sessão 03498, 03504, 03507, 03514, 03538, 03696, 03697), 20/12/2018 (Alvo ...40, sessão 04859) 22/12/2018 (Alvo ...40, sessão 05291), 26/12/2018 (Alvo ...40, sessão 06142), 29/12/2018 (Alvo ...40, sessão 06564), 07/01/2019 (Alvo ...40, sessão 08604), 08/01/2019 (Alvo ...40, sessão 09707, 08708, 08719, 08720, 08721), 09/01/2019 (Alvo ...40, sessão 08980, 08981, 09001), 14/01/2019 (Alvo ...40, sessão 09643), 15/01/2019 (Alvo ...40, sessão 09725, 09726, 09731, 09732, 09733, 09734, 09735, 09736, 09737, 09738, 09739, 09740, 09741, 09742, 09743, 09744, 09745), nos dias 17/01/2019 (Alvo ...40, sessão 224), 18/01/2019 (Alvo ...40, sessão 406, 411, 412, 413, 414, 415), 20/01/2019 (Alvo ...40, sessão 737, 738, 739, 740), 21/01/2019, (Alvo ...40, sessão 1109), 28/01/2019 (Alvo ...40, sessão 3339, 3344, 3447, 3448), 29/01/2019 (Alvo ...40, sessão 3644, 3648, 3818), 30/01/2019 (Alvo ...40, sessão 3974, 3076, 3991, 4004, 4007), 02/02/2019 (Alvo ...40, sessão 4804), 05/02/2019 (Alvo ...40, sessão 5394, 5401, 5465), 28/02/2019 (Alvo ...40, sessão 8956), 28/03/2019 (Alvo ...40, sessão 11520, 11551, 11558, 11591, 11592, 11593), 29/03/2019 (Alvo ...40, sessão 12006, 12008, 12009, 12010, 12011, 12013), 02/04/2019 (Alvo ...40, sessão 12738 e 12742, 12805, 12806, 12850, 12858), 16/04/2019 (Alvo ...40, sessão 14987, 14989, 14990, 14991), 18/04/2019 (Alvo ...40, sessão 15429, 15433, 15434, 15452, 15453, 15454, 15457), 19/04/2019 (Alvo ...40, sessão 15522, 15544, 15546, 15547, 15548), 21/04/2019 (Alvo ...40, sessão 15812).
i. No período compreendido entre dezembro de 2018 e março de 2019 o arguido vendeu a FF, conhecido por “GG”, titular do número de telemóvel ...82, produto estupefaciente de quantidade não concretamente apurada.
j. Tal sucedeu nomeadamente nos dias 30/12/2018 (Alvo ...40, sessão 06739), 10/01/2019 (Alvo ...40, sessão 09008), 25/01/2019 (alvo ...40, sessão 2508, 2528, 2565), 3/02/2019 (alvo ...40, sessão 4921, 4922) e 10/03/2019 (alvo ...40, sessão 10429).
k. No período compreendido entre dezembro de 2018 a agosto de 2019, na sua residência, o arguido entregou cocaína a HH, conhecido pela alcunha de “II” e titular do número de telemóvel ...21 (e também utilizador do telemóvel de JJ, sua esposa e titular do número ...65), para consumo deste, com a regularidade mínima de uma vez por mês e em pelo menos 15 (quinze) ocasiões, entregando-lhe em cada ocasião quatro bases de cocaína, pelo preço de €5,00 (cinco) cada base.
l. Tal sucedeu nomeadamente nos dias 01/12/2018 (Alvo ...40, sessão 01775, 01780, 01866), 30/11/2018 (Alvo ...40, sessão 01492, 01562) ,14/12/2018 (Alvo ...40, sessão 03556, 03557, 03558, 03614) 02/01/2019 (Alvo ...40, sessão 07576, 07577), nos dias 21/01/2019 (Alvo ...40, sessão 1156), 26/01/2019 (Alvo ...40, sessão 2619, 2760, 2793, 2800, 2939), 27/01/2019 (Alvo ...40, sessão 3238, 3242), 28/01/2019 (Alvo ...40, sessão 3554), 29/01/2019 (Alvo ...40, sessão 3582, 3589, 3703).
m. Em data não concretamente apurada mas próxima do dia 02/04/2019 o arguido recebeu de KK, titular do número de telemóvel ...27, a quantia de €80,00 (oitenta euros) como contrapartida monetária da entrega pelo arguido àquele, previamente combinada entre ambos, de canabis (resina) em quantidade não concretamente apurada mas correspondente a cerca de meia placa daquele produto, entrega esta que o arguido não chegou a concretizar.
n. No período compreendido entre cerca de novembro de 2018 e janeiro de 2019, junto da residência do arguido, este vendeu canabis(resina) a LL, titular do número ...04, para consumo do mesmo e em pelo menos duas ocasiões, entregando-lhe em cada ocasião cerca de duas tiras desse produto, mediante a entrega por este da contrapartida monetária de €10,00 (dez euros) por cada tira.
o. Tal sucedeu, nomeadamente, nos dias 18/12/2018 (Alvo ...40, sessão 04486, 04487, 04488) e 19/12/2018 (Alvo ...40, sessão 04670, 04671).
p. No período compreendido entre dezembro de 2018 e março de 2019, o arguido vendeu canábis (resina) a MM, titular do número ...06, para consumo desta e em pelo menos nove ocasiões, entregando-lhe em cada ocasião entre uma a duas tiras deste produto, mediante a entrega por esta da contrapartida monetária de €10,00 (dez euros) por cada tira.
q. Tal sucedeu nomeadamente, nos dias 08/12/2018 (Alvo ...40, sessão 02687, 02693, 02700, 02716), 22/12/2018 (Alvo ...40, sessão 05335), 29/12/2018 (Alvo ...40, sessão 06598, 06621), 04/01/2019 (Alvo ...40, sessão 08058, 08149, 08150, 08151, 08152, 08155), 15/01/2019 (Alvo ...40, sessão 09762, 09763, 09780), 16/01/2019 (Alvo ...40, sessão 35, 80, 118, 119, 120, 121, 128, 129, 130, 141, 142, 143), 29/01/2020 (Alvo ...40, sessão 3719, 3720, 3721, 3722, 3723), 21/02/2019 (Alvo ...40, sessão 8002, 8005, 8006, 8007, 8008, 8009, 8010, 8011, 8012, 8013, 8014, 8015) e 13/03/2019 (Alvo ...40, sessão 11075 e 11076).
r. No período compreendido entre cerca de dezembro de 2018 e março de 2019, o arguido vendeu canabis(resina) a NN, titular do número ...01, para consumo deste e em pelo menos três ocasiões: entregando-lhe nas primeiras duas ocasiões (em dezembro de 2018) quantidades não concretamente apuradas deste produto, mediante a entrega por aquele das correspondentes contrapartidas monetárias; e entregando-lhe, pelo Carnaval de 2019, a quantidade de cerca de quatro tiras de canabis(resina), mediante a entrega por aquele da contrapartida monetária num total de €40,00 (quarenta euros).
s. Tal sucedeu nomeadamente, nos dias 17/12/2018 (Alvo ...40, sessão 04285)19/12/2018 (Alvo ...40, sessão 04595) 21/12/2018 (Alvo ...40, sessão 04935, 05046)
t. No período compreendido entre o início de outubro de 2018 e o final de Abril de 2019, na sua residência, o arguido vendeu canabis(resina) a OO, titular do número ...61, para consumo deste e com a regularidade de pelo menos uma vez por semana, entregando-lhe em cada ocasião entre meia tira a uma tira deste produto, mediante a entrega por este ao arguido das correspondentes contrapartidas monetárias Tal sucedeu, nomeadamente, nos dias 01/12/2018 (Alvo ...40, sessões 01740, 01784, 01790) 26/01/2019 (Alvo ...40, sessões 2818, 2828, 2833, 2836, 2388, 2842, 2845, 2846, 2856), 03/02/2019 (Alvo ...40, sessões 5006, 5029, 5036, 5045), 25/02/2019 (Alvo ...40, sessões 8466, 8468) 27/02/2019 (Alvo ...40, sessões 8650, 8651, 8652, 8677, 8678, 8701, 8702, 8710, 8716, 8717, 8796)
u. No período compreendido entre cerca do início de maio e o final de junho de 2019, o arguido vendeu cocaína a PP, titular do número ...16, para consumo deste e com a regularidade de uma a duas vezes por semana, entregando-lhe em cada ocasião entre duas a três bases deste produto, mediante a entrega por este ao arguido da contrapartida monetária de €10,00 (dez euros) por cada base.
v. No período compreendido entre janeiro e abril de 2019, na cidade ..., o arguido vendeu cocaína e canabis (resina) a QQ, titular do número ...28, para consumo desta, o que entre Janeiro e Fevereiro de 2019 fez com a regularidade de duas a três vezes por semana e desde então e até Abril de 2019 com uma regularidade menor, entregando-lhe em cada ocasião quantidades destes produtos correspondentes à contrapartida monetária no valor global de €30,00 (trinta euros) a qual foi entregue por esta ao arguido em cada uma daquelas ocasiões.
w. Tal sucedeu, nomeadamente, nos dias 20/01/2019 (Alvo ...40, sessão 779, 780, 781, 782, 783, 784, 785, 786, 787, 788, 789, 790, 791, 792, 793, 794, 795, 796, 797, 798, 799, 800, 801, 802, 803, 804, 805, 806, 807, 808, 809, 928, 941) 23/01/2019 (Alvo ...40, 1518, 1520, 1521, 1568, 1569, 1570) 27/01/2019 (Alvo ...40, sessão 3127) 31/01/2019 (Alvo ...40, sessão 4230, 4237, 4238) 06/02/2019 (Alvo ...40 sessão 5697) 19/02/2019 (Alvo ...40, sessão 7816, 7821, 7822, 7823, 7824, 7825, 7827, 7832) 27/03/2019 (Alvo ...40, sessão 11435, 11440, 11441, 11442, 11443, 11446, 11447, 11449, 11451, 11452, 11459, 11480, 11483, 11484, 11487), 29/03/2019 (Alvo ...40, sessão11986) 30/03/2019 (Alvo ...40, sessão 12226, 12227, 12251, 12252, 12253, 12254, 12259, 12265, 12271, 12272) 31/03/2019 (Alvo ...40, sessão 12273, 12278) 02/04/2019 (Alvo ...40, sessão 12791, 12792, 12794, 12795, 12829, 12830, 12837, 12838).
x. No período compreendido entre outubro de 2018 e agosto de 2019, o arguido vendeu cocaína a RR, titular do número ...07, para consumo deste e com uma regularidade quase diária, entregando-lhe em cada ocasião entre duas a seis bases de cocaína, mediante a entrega por este ao arguido da contrapartida monetária de €5,00 (cinco euros) por cada base
y. Tal sucedeu, nomeadamente, nos dias 05/01/2019 (Alvo ...40, sessão 08384) 13/01/2019 (Alvo ...40, sessão 09527), 05/02/2019 (Alvo ...40, sessões 5442, 5444, 5450), 06/02/2019 (Alvo ...40, sessões 5679, 5729, 5736, 5753, 5754, 5789, 5790, 5791), 14/02/2019 (Alvo ...40, sessões 7082, 7083, 7085), 21/02/2019 (Alvo ...40, sessões 7975, 7976, 7977, 7979, 7985, 7986, 7990, 7991, 7992, 7993, 7996, 7994, 7995) e 23/02/2019 (Alvo ...40, sessões 8314, 8316, 8318, 8319, 8320, 8321, 8322, 8323, 8324, 8325, 8326, 8327).
z. No período compreendido entre janeiro e dezembro de 2018, o arguido vendeu canabis(resina) a SS, titular do número ...92, para consumo deste e em pelo menos por três ocasiões, entregando-lhe em cada uma desta ocasiões uma placa deste produto, mediante a entrega por este ao arguido da correspondente contrapartida monetária, compreendida entre €125,00 (cento e vinte cinco e €150,00 (cento e cinquenta euros).
aa. Tal sucedeu, nomeadamente, no dia 19/12/2018 (Alvo ...40, sessões 04582, 04583, 04585).
bb. No período compreendido entre setembro de 2018 e março de 2019, o arguido vendeu cocaína a TT, titular do número ...50, para consumo deste, na residência deste consumidor – sita na Rua ..., em ... – e com a regularidade de uma a três vezes por mês, entregando-lhe em cada ocasião entre uma a três bases deste produto, mediante a entrega por este ao arguido da contrapartida monetária de €5,00 (cinco euros) por cada base.
cc. No mesmo período, e em pelo menos 6 (seis) ocasiões, o arguido cedeu canabis(resina) a TT, partilhando com este cigarros compostos de tal produto estupefaciente, usualmente denominados de “charros”.
dd. Tais vendas e cedências sucederam, nomeadamente, nos dias 07/01/2019 (Alvo ...40, sessão 08575), 15/01/2019 (Alvo ...40, sessões 09753, 09754, 09755, 09756, 09758, 09760), 23/01/2019 (Alvo ...40, sessões 1867, 1868, 1869, 1870, 1879, 1928, 1929, 1930, 1931), 08/02/2019 (Alvo ...40, sessões 6185, 6186, 6189) e 15/02/2019 (Alvo ...40, sessões 7278, 7280, 7307).
ee. No período compreendido entre agosto e setembro de 2019, ..., o arguido entregou cocaína a UU, titular do número ...65, para consumo deste, e com a regularidade de uma a duas vezes por semana, entregando-lhe em cada ocasião duas a quatro bases deste produto, mediante a entrega por este ao arguido da contrapartida monetária de €5,00 (cinco euros) por cada base.
ff. Entre as 10h35m e as 10h55m do dia 20 de maio de 2019, no seu quarto, no interior da sua residência, sita na Rua ..., ..., ..., o arguido AA detinha:
gg. 86 (oitenta e seis) sacos em plástico transparente, com fecho hermético e com as dimensões de 5cmX5cm;
hh. 1 (uma) balança de precisão, sem marca;
ii. 1 (um) bloco de notas, de cor cinzenta, com referência a nome de consumidores, códigos para produtos estupefacientes e montantes de compra, venda e dívidas relativos a produtos estupefacientes;
jj. 1 (uma) navalha azul;
kk. (um) bloco de notas, de cor preta, com referência a nome de consumidores, códigos para produtos estupefacientes e montantes de compra, venda e dívidas relativos a produtos estupefacientes
ll. O arguido, no período indicado nesta acusação, utilizou a navalha, a balança e os cadernos que detinha nas circunstâncias supra referidas para cortar e pesar o canábis (resina) por si distribuído por terceiros consumidores deste produto e para anotar as entregas que, nos termos supra expostos, efetuou desse produto e de cocaína e os valores com elas obtidos e em dívida.
mm. O arguido destinava os sacos em plástico transparente que detinha nas circunstâncias supra referidas para embalar os produtos estupefacientes que, nos termos e período supra expostos, vinha distribuindo por terceiros deles consumidores.
nn. À data dos factos, o arguido não se encontrava autorizado a comercializar produtos estupefacientes e não exercia qualquer atividade profissional, sendo o seu rendimento mensal exclusivamente provindo da sobredita atividade de venda de produtos estupefacientes.
oo. O arguido praticou os factos supra descritos de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito logrado de adquirir produtos estupefacientes para venda a terceiros e de deter e realizar a venda desses produtos a consumidores nos termos supra descritos, sabendo que os produtos estupefacientes por si vendidos eram distribuídos por diversas pessoas dependentes do consumo de tais substâncias, com o único intuito de obter lucros monetários com a sua venda, o que representou, quis e logrou.
pp. Fê-lo pese embora conhecendo a natureza, qualidade, quantidade e composição estupefaciente dos produtos por si adquiridos, detidos e vendidos, e bem sabendo que a sua aquisição, detenção e cedência a qualquer título sem a autorização legal que sabia não possuir são proibidas, o que representou.
qq. O arguido agiu sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
rr. Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido.
ss. O arguido, à data dos factos, era consumidor de cocaína; começou a consumir haxixe com 17 (dezassete) anos de idade, tendo-se iniciado logo depois na cocaína; a partir de 2017, aumentou os consumos; encontra-se a realizar tratamento à toxicodependência, há cerca de um ano, no CAT de ...; trabalha numa ..., auferindo o salário mensal de €:600,00 (seiscentos euros); vive com os progenitores, que o apoiam; tem várias dívidas, que se encontra a liquidar em prestações.
3. Nos autos de Processo n.º 290/20.2..., o arguido foi condenado pela prática, nos dias 29/11/2020, 10/01/2021 e 12/01/2021 de dois crimes de furto qualificado, e um crime de furto qualificado na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), por decisão proferida em 02/06/2022, transitada em julgado em 11/07/2022, nas seguintes penas parcelares: 2 anos e 6 meses de prisão; 6 meses de prisão e 2 anos e 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova;
4. Nos autos de processo n.º 290/20.2..., foram julgados provados os seguintes factos:
a. O arguido AA formulou o plano de se dirigir à loja de conveniência do posto de abastecimento da Prio, sito na Rua ..., em ..., com o propósito de se apoderar do dinheiro e dos objetos com valor que aí se encontrassem.
b. Na prossecução de tal plano, o arguido no dia 29.11.2020, pelas 06h30, dirigiu-se à supracitada loja de conveniência o estabelecimento.
c. Aí chegado, dirigiu-se à montra do estabelecimento e, com um objeto metálico (gancho de reboque) que consigo trazia, partiu o vidro da montra.
d. Ato contínuo, introduziu o braço no interior do estabelecimento e, dessa forma, acedeu ao expositor do tabaco donde retirou:
- 3 maços de tabaco da marca CAMEL, no valor total e € 13,54;
- 5 maços de tabaco da marca CAMEL C/22, no valor total e € 23,73;
- 1 maço de tabaco da marca JPS, no valor total e € 2,64;
- 5 maços de tabaco da marca JPS RED, no valor total e € 8,19;
- 5 maços de tabaco da marca CHESTER RED, no valor total e € 7,69;
- 9 maços de tabaco da marca DAVIDOFF GOLD, no valor total e € 43,77;
- 2 maços de tabaco da marca ELIXYR, no valor total e € 8,00;
- 4 maços de tabaco da marca WEST RED, no valor total e € 16,08;
- 4 maços de tabaco da marca WINSTON, no valor total e € 16,76;
- 4 maços de tabaco da marca WINSTON 1000’S, no valor total e € 16,36;
- 1 maço de tabaco da marca WINSTON BLUE, no valor total e € 4,19;
- 7 maços de tabaco da marca WINSTON SOFT, no valor total e € 28,66,
e. tudo no valor global de € 189,61.
f. Após, abandonou o local na posse daqueles maços de tabaco que fez seus.
g. O arguido agiu com o propósito de fazer seus aqueles maços de tabaco, apesar de saber que os mesmos não lhe pertenciam e que atuava, como atuou, sem o consentimento e contra a vontade do seu proprietário.
h. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
i. O arguido AA formulou o plano de se dirigir à loja de conveniência do posto de abastecimento da Prio, sito na Rua ..., em ..., com o propósito de se apoderar do dinheiro e dos objetos com valor que aí se encontrassem.
j. Na prossecução de tal plano, o arguido no dia 10.01.2021, pelas 04h10, dirigiu-se à supracitada loja de conveniência.
k. Aí chegado, dirigiu-se à porta do estabelecimento e, com um ferro que consigo trazia, forçou o aro da porta junto ao sistema de fecho daquela por forma a ultrapassá-la, quando foi surpreendido por um individuo do sexo masculino que ali se dirigia.
l. Ato contínuo o arguido fugiu do local.
m. O arguido sabia que no interior da loja de conveniência existiam objetos e valores que necessariamente ascenderiam a um montante superior a € 102,00.
n. O arguido agiu com o propósito de fazer seus os objetos e valores que ali se encontrassem e só não se apoderou dos mesmos, devido à intervenção de terceira pessoa, bem sabendo que aqueles objetos e valores não lhe pertenciam e que atuava, como atuou, sem o consentimento e contra a vontade do seu legitimo proprietário.
o. O arguido agiu sempre deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo a sua conduta proibida e punida por lei penal.
p. Cerca das 02h00m do dia 12 de Janeiro de 2021, o arguido saiu de casa, conduzindo a viatura de marca ..., matrícula ..-AV-.., sem destino, pela E.N. ...9 e na direcção de ..., no sentido de arranjar dinheiro para comprar produto estupefaciente.
q. Ao passar pela bomba da Prio sita na Rua ..., em ..., decidiu parar a viatura numa rua paralela a esta, onde estacionou a viatura.
r. Já apeado, dirigiu-se ao referido estabelecimento comercial, munido de uma pedra da calçada que apanhou na rua, espreitou para o seu interior, pela montra do mesmo.
s. De seguida, pousou a dita pedra no parapeito da janela e recuou, saindo do local.
t. No entanto, passados poucos minutos, regressou ao local, pegou na dita pedra ali deixada e com ela desferiu-a na montra, partindo o vidro da mesma, com intenção de se apoderar e fazer seus quaisquer bens que encontrasse nesse estabelecimento comercial.
u. De imediato, introduziu o seu braço no interior do estabelecimento comercial, alcançando a máquina de tabaco, de onde retirou, levou consigo e fez seus, 29 maços de tabaco de marca “Austin”, “Wiston”, “JPS”, e de outras marcas não concretamente apuradas, no valor de € 189,00 (cento e oitenta e nove euros) e que eram propriedade da ofendida.
v. Com a actuação acima descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de fazer seus os referidos objectos, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que, dessa forma, actuava contra a vontade da respectiva dona e lhe causava um prejuízo equivalente.
w. Mais agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas pela lei penal.
5. Nos autos de Processo n.º 6/21.6..., o arguido foi condenado pela prática, em 09/01/2021 de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º2, alínea e), do Código Penal, na pena de três anos de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova, por decisão proferida em 22/05/2023, transitada em julgado em 21/06/2023;
6. Nos autos de processo n.º 6/21.6..., foram julgados provados os seguintes factos:
a. A 9 de Janeiro de 2021, pelas 3:50H, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento “...
b. ”, o que fez com o propósito de aí entrar e se apoderar de bens que sabia ali existirem e lhe interessassem.
c. Para o efeito, pegou numa pedra da calçada e arremessou-a contra a janela existente do lado poente do estabelecimento, cujo vidro quebrou, logrando, desse modo, o acesso ao interior que percorreu, retirando dos expositores, maços de tabaco das seguintes marcas e quantidades, no valor global de 1.450,65€ (mil quatrocentos e cinquenta euros e sessenta e cinco cêntimos):
a. 5 maços de Marlboro 100S no valor de 27,00€
b. 7 maços de Marlboro XL no valor de 38,50€
c. 9 maços de Marlboro Touch no valor de 44,10€
d. 10 Marlboro Touch Azul 10, no valor de 48,00€
e. 6 maços de Marlboro Beyonce no valor de 30,60€
f. 20 maços Chesterfield Soft no valor de 94,00€
g. 20 maços Chesterfield Soft no valor de 98,00€
h. 20 maços Chesterfield Azul soft no valor de 94,00€
i. 10 CX Chesterfield Azul no valor de 49,00€
j. 6 maços Chesterfield Black no valor de 27,60€
k. 10 maços Chesterfield Remix no valor de 48,00€
l. 8 maços Chesterfield cigarr verd no valor de 23,20€
m. 5 maços Chesterfield cigarr cast no valor de 14,00€
n. 10 maços de West Cinza no valor de 42,00€
o. 10 maços de West Verm no valor de 43,00€
p. 10 maços de LM vermelho no valor de 47,00€
q. 10 maços de LM Azul no valor de 47,00€
r. 10 maços de LM Forward no valor de 49,00€
s. 10 maços de LM cig no valor de 50,00€
t. 10 maços de Ventil Gigante no valor de 49,00€
u. 5 maços de Ventil Soft no valor de 50,00€
v. 10 maços de Ventil m. box no valor de 48,00€
w. 6 maços de Português 100s no valor de 26,40€
x. 5 caixas de Português no valor de 23,00€
y. 7 maços de Português Soft no valor de 30,80€
z. 8 maços de Português Amare Soft no valor de 36,80€
aa. 7 maços de Portugues Oceano no valor de 30,80€
bb. 8 maços de JP preto 100s no valor de 35,20€
cc. 9 maços de JP nor no valor de 42,30€
dd. 8 maços de JPs 23 no valor de 40,00€
ee. 7 maços de JPs soft pre no valor de 30,80€
ff. 5 caix JPs verm. no valor de 22,00€
gg. 3 Marlboro no valor de 31,80€
hh. Chesterfield no valor de 31,80€
ii. 1 L&M no valor de 7,95€
d. De seguida, pegou ainda numa mochila de marca Hed no valor de 50,00€ e abandonou o local, levando consigo a mochila e os maços de tabaco de que se apoderou e a que deu o destino que entendeu.
e. O arguido, agiu livre, voluntária e conscientemente com o propósito de fazer seus objectos de valor que lhe interessassem e quantia em dinheiro que encontrasse no interior do estabelecimento “...”, designadamente os acima referidos, bem sabendo que não lhe pertenciam e que ao levá-los consigo, deles se apoderando como fez, integrando-os no respectivo património, agia contra a vontade e sem autorização do proprietário, sabendo que tal conduta não lhe era permitida e é punida por lei criminal.
7. Nos autos de Processo n.º 349/20.6..., o arguido foi condenado pela prática, em 09/11/2020, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código de Penal, por decisão proferida em 14/03/2024, transitada em julgado em 22/04/2024, na pena de 9 meses de prisão, suspensa por 18 meses, com regime de prova;
8. Nos autos de processo n.º 349/20.6... foram julgados provados os seguintes factos:
a. No dia 09.11.2020, pelas 04h25m, o arguido AA dirigiu-se ao posto de abastecimento da Prio, sito na Rua ..., ..., ..., ..., com a intenção de aí entrar e fazer seus quaisquer bens e valores que pudesse trazer consigo.
b. Aí chegado, o arguido AA, munido de um martelo com bico, desferiu várias pancadas na porta de entrada do estabelecimento, que, porém, não logrou partir.
c. Por não ter conseguido entrar na loja de conveniência, o arguido AA acabou por abandonar o local sem nada retirar e fazer seu.
d. O arguido AA agiu livre, deliberada e conscientemente e com o intuito de fazer seus os bens que encontrasse no interior da loja de conveniência referida e lhe interessassem, os quais sabia não lhe pertencerem, apenas não o tendo logrado fazer por motivos alheios à sua vontade, designadamente por aí não ter conseguido entrar.
e. O arguido AA sabia que, desferindo pancadas com um martelo com bico, na porta de entrada do estabelecimento, atuava contra a vontade e sem o consentimento do respetivo proprietário, bem como que tentava aceder a propriedade alheia e que não estava autorizado a aí entrar, o que ainda assim optou por fazer.
f. O arguido AA bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal como crime.
9. Tal como ocorria à data dos presentes factos, na atualidade, o arguido reside na morada Rua ..., ..., com os progenitores;
10. Trata-se de uma moradia unifamiliar, arrendada, detentora das condições necessárias e adequadas. O imóvel insere-se em zona periurbana, não conotada com problemáticas sociais relevantes;
11. Habilitado com o 6.º ano do ensino básico, tendo neste capitulo sido registado retenções devido ao desinteresse escolar, tendo abandonado o sistema de educação aos 16 anos, idade em que iniciou a sua ocupação profissional num café pertencentes, na altura, aos progenitores;
12. Em 2014, devido ao encerramento do espaço comercial, o arguido foi exercendo diversas atividades profissionais por curtos períodos de tempo. Em 2015, inicia funções numa empresa de moldes, tendo tido a ultima ocupação profissional ininterrupta, até 2018;
13. Atualmente encontra-se desempregado, reconhecendo que a sua adição condiciona a sua disponibilidade, capacidade de trabalho e ajustada inserção social;
14. Em termos económicos, a situação do arguido é parca, sendo o seu sustento assegurado pelos rendimentos dos progenitores, no valor de cerca de 1050€, vindos da reforma do progenitor e da ocupação profissional como empregada de balcão em part-time da progenitora. Destes rendimentos despendem de cerca de 450€ mensais para despesas inerentes à habitação;
15. Desde os 16 anos, iniciou o consumo de cannabis, em contexto de convívio social e recreativo, os quais, paulatinamente, conduziram ao consumo de drogas de maior poder aditivo, como a heroína e a cocaína, tipo de consumos que o arguido reconhece manter no presente e que nos foi confirmado, também, por familiares e pessoas residentes na comunidade;
16. O arguido retomou, no dia 15-01-2024, tratamento à toxicodependência, agora, no CRI de ...;
17. O arguido encontra-se referenciado no CRI há já vários anos, primeiramente no CRI... e presentemente no CRI... e já concretizou já tentativas de tratamento na referida entidade de saúde, mas que acabaram por não ter continuidade;
18. No percurso vivencial do arguido, destaca-se um historial de consumos de drogas e de tentativas de reabilitação. No meio social, apesar de o arguido beneficiar da solidariedade dos vizinhos, é conhecida a sua ligação à problemática do consumo de estupefacientes e consequências nefastas que esta situação acarreta para o próprio e família deste.
19. O arguido, recentemente, retomou as consultas no CRI.
20. Para além dos antecedentes criminais já referidos, o arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
21. Condenação pela prática de um crime de furto simples, praticado em 21/02/2021, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de €5, por decisão proferida no Processo n.º 373/21.1..., transitada em julgado em 8 de outubro de 2020;»
II.1.2. Fundamentação jurídica da decisão recorrida
9. A decisão do Acórdão recorrido no sentido da fixação da pena única concreta foi sustentada na seguinte fundamentação jurídica:
«(…)
Dispõe o artigo 77.º n.º 1 do Código Penal, que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
Por sua vez, o artigo 78.º n.º 1 do mesmo Código prevê que “se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.
Estamos, então, perante o chamado concurso superveniente de penas, de acordo com o qual, se o agente tiver cometido vários crimes antes de ser condenado por um deles e esta condenação transitar em julgado, proceder-se-á ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas pela prática de cada um deles. Deste modo, aplicar-se-á ao arguido uma única pena resultante desse cúmulo. A data que estabelece o limite até ao qual será possível realizar o cúmulo das penas aplicadas por cada um dos crimes é a correspondente ao trânsito em julgado da primeira condenação por um deles.
A condenação transitada que o n.º 1 do artigo 78.º tem como referência, para averiguar dos pressupostos do concurso, é a que se verificou em primeiro lugar, sendo certo que o cúmulo jurídico deve ser realizado no âmbito do processo da última condenação, conforme estabelece o artigo 471.º n.º 2 do Código de Processo Penal.
O entendimento uniforme do Supremo Tribunal de Justiça é de que “o limite determinante e intransponível da consideração da pluralidade de crimes para o efeito de aplicação de uma pena de concurso é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente teve lugar, por qualquer crime praticado anteriormente; no caso de conhecimento superveniente de infrações aplicam-se as mesmas regras, devendo a última decisão que condene por um crime anterior ser considerada como se fosse tomada ao tempo do trânsito da primeira, se o tribunal, a esse tempo, tivesse tido conhecimento da prática do facto – como se, por ficção de contemporaneidade, todos os factos que posteriormente foram conhecidos tivessem sido julgados conjuntamente no momento da decisão primeiramente transitada” – Acs. STJ de 14.05.2009 e de 23.06.20101. Ou ainda, como também se lê no Ac. STJ de 18.06.20092, “a punição do concurso de crimes com uma «única pena» pressupõe a existência de uma pluralidade de crimes praticados pelo mesmo agente que tenham em comum um determinado período de tempo, delimitado por um ponto de referência ad quem estabelecido na norma – o trânsito em julgado da condenação por qualquer deles; todos os crimes praticados antes de transitar em julgado a condenação por um deles devem determinar a aplicação de uma pena única, independentemente do momento em que seja conhecida a situação de concurso, que poderá só ocorrer supervenientemente por facto de simples contingências processuais”.
Assim, o momento temporal decisivo para o estabelecimento ou verificação de relação de concurso, ou a exclusão desta relação, é o trânsito em julgado de qualquer das decisões, entrando no concurso todos os crimes que tenham sido praticados anteriormente a essa data de trânsito em julgado. Como refere Paulo Dá Mesquita3, “o momento determinante para a superveniência do conhecimento do concurso é o trânsito em julgado da primeira das condenações das penas em conjunto”. Todos os outros crimes que forem praticados posteriormente àquela data já não poderão integrar aquele concurso. Em relação a esses haverá uma sucessão de penas. Com efeito, a pena a aplicar a estes crimes praticados posteriormente ao trânsito da primeira condenação será autónoma da dos outros cometidos anteriormente e não poderá ser englobada no cúmulo a realizar com as destes últimos.
Em suma, se o arguido cometeu mais de um crime depois do trânsito em julgado de uma decisão anterior deverá ser realizado um novo cúmulo, que englobe essas penas, desde que os crimes se encontrem numa relação de concurso.
Com efeito, se em função daquela regra, ficarem fora do cúmulo jurídico mais que uma pena, devem estas ser também cumuladas entre si, caso se verifiquem os mesmos pressupostos do artigo 78.º, n.º 1 do Código Penal. As penas unitárias daí resultantes são, então, cumpridas sucessivamente, estando afastado, em qualquer caso, o designado cúmulo por arrastamento. A este propósito lê-se também, no supra citado Acórdão de 14.05.2009, que “se os crimes agora conhecidos forem vários, tendo uns ocorrido antes de condenação anterior e outros depois dela, o tribunal proferirá duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior e outra relativa aos factos praticados depois daquela condenação; a ideia de que o tribunal devia proferir aqui uma só pena conjunta contraria expressamente a lei e não se adequaria ao sistema legal de distinção entre punição do concurso de crimes e da reincidência, dando lugar a cúmulos separados e a pena executada separada e sucessivamente”.
Vertendo o exposto no caso concreto, uma vez que a prática dos factos em apreço por parte do arguido deu lugar à prolação de várias decisões transitadas em julgado, impõe-se agora efetuar o cúmulo superveniente de penas nos termos do artigo 78.º do Código Penal, o qual remete para o artigo 77.º do mesmo diploma legal. Importa, por isso, analisar os factos pelos quais o arguido foi condenado nos processos mencionados na factualidade provada e data dos respetivos trânsitos.
Verifica-se, então, que a decisão proferida nos autos de processo n.º 9/19.0..., transitou em julgado no dia 29/11/2021.
Antes do trânsito em julgado dessa decisão foram praticados os factos pelos quais o arguido veio a ser condenado nos processos n.º 6/21.6...; 290/20.2... e 349/20.6..., sem que, no entremeio da prática de tais factos, haja transitado em julgado alguma das referidas decisões.
Importa, assim, proceder ao cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido, na medida em que, como se disse, por ficção de contemporaneidade, teria sido possível julgar o arguido conjuntamente pela prática de todos os crimes apreciados nesses cinco processos (cfr. artigo 77.º, nº 1 do Código Penal).
*
Verificada a existência do concurso, cabe agora aplicar uma pena única ao arguido, cumprindo, antes de mais, determinar a moldura penal em referência à qual será fixada, aplicando o disposto no artigo 77.º, ex vi do artigo 78.º, ambos do Código Penal.
Estabelece o artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal que “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão (…); e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
Assim, no caso em apreço, verifica-se que a pena de prisão a aplicar ao arguido terá como limite mínimo de quatro anos de prisão (pena mais grave concretamente aplicada) e, como limite máximo, treze anos e quatro de prisão (soma de todas as penas aplicadas ao arguido).
*
Apurada que está a moldura abstrata da pena de prisão a aplicar ao arguido, cabe agora determinar a medida concreta da pena única, sendo que para tanto é necessário considerar, “em conjunto, os factos e a personalidade do agente” – artigo 77.º, nº 1, in fine, do Código Penal.
No que concerne, assim, à aplicação da pena única, e como refere Figueiredo Dias4, “tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma ‘carreira’) criminosa, ou tão-só uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade”.
Na fixação da pena única deve fazer-se a apreciação da globalidade dos factos em interligação com a personalidade do arguido, a avaliação da gravidade da ilicitude global dos factos, a valoração do conjunto dos factos, que fornece: a imagem global do facto; o grau de contrariedade à lei; a grandeza da ilicitude; a apreciação da personalidade, revelando esta se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma carreira, criminosa, ou é antes mera emanação de uma simples pluriocasionalidade; a avaliação do conjunto dos factos, permitindo-se aferir se existem conexões entre os diversos comportamentos objeto de um juízo condenatório, bem como determinar qual o fio unificador ou condutor presente na repetição criminosa.
Ora, atenta a matéria de facto provada no âmbito dos processos objeto da presente operação de determinação da pena única, verifica-se que as condutas praticadas pelo arguido são diversas, inserindo-se, apesar de tudo, num único contexto, que é o da toxicodependência e criminalidade associada.
As necessidades de prevenção geral traduzem-se num grau muito elevado, relativamente a todos os crimes pelos quais arguido foi condenado, atenta a frequência com que ocorrem, com o inerente alarme social e intranquilidade que provocam.
As necessidades de prevenção especial são muito elevadas, aqui se considerando o certificado de registo criminal do arguido que regista várias condenações em penas de prisão suspensas, revelando o arguido um percurso criminal assente no tráfico de estupefacientes e na prática de crimes de furto qualificado, pelos quais tendo sido sucessivamente condenado em penas de prisão suspensas.
O arguido agiu, em todos os casos considerados, na modalidade de dolo direto.
Ao nível da ilicitude é mediano.
As circunstâncias sociais do arguido, espelhadas no relatório elaborado pela DGRSP apontam para dificuldades ao nível da reinserção social do arguido, que demonstra fraco autocontrolo, não tendo logrado inserir-se profissionalmente, apontadamente, em virtude da sua situação de toxicodependência que permanece.
Afigura-se-nos ainda nebulosa a sua forma de subsistência, com reflexos ao nível das necessidades de prevenção especial, sobretudo no que concerne ao crime de tráfico de estupefacientes.
Assim, ponderado tudo quanto se acabou de referir, cumulando as penas aplicadas nos autos de processo n.º 9/19.0...; 6/21.6...; 290/20.2... e 349/20.6..., julga-se adequada e proporcional, nos termos dos artigos 77.º, nº 1 e 78.º, n.º 1, ambos do Código Penal, a condenação do arguido na pena única de seis anos e dois meses de prisão.»
II.2. Mérito do recurso
10. Os poderes de cognição do tribunal de recurso delimitam-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 434.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de Jurisprudência STJ n.º 7/95, DR-I.ª Série, de 28-12-1995), os quais devem resultar diretamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro).
11. Das conclusões da motivação de recurso do arguido, extrai-se que o mesmo pretende colocar à apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça as (três) seguintes questões:
i. Nulidade do acórdão condenatório por falta de fundamentação – conclusões a) a d);
ii. Excesso da medida da pena única de prisão aplicada – conclusões e) a i);
iii. Nulidade do acórdão por não considerar a aplicabilidade das medidas de clemência – perdão e amnistia – previstas na Lei n.º 38-A/2023, de 02-08 aos crimes pelos quais foi condenado – conclusões j) a 95(?).
12. Questão prévia: competência do Supremo Tribunal de Justiça
Importa, preambularmente, aferir da competência deste Supremo Tribunal para apreciar e decidir o presente recurso per saltum, cujo regime vigente resulta das últimas alterações da Lei n.º 94/2021, de 21-12.
Atualmente, no caso de o arguido circunscrever ao reexame de questões de direito o recurso de decisão de tribunal coletivo que condene em pena superior a cinco anos de prisão, cabe ao Supremo Tribunal a competência para o apreciar.
É notório que a motivação de recurso do arguido não encerra fundamentos aptos a sindicar a decisão [do tribunal recorrido] sobre matéria de facto, uma vez que não foram observados os requisitos e exigências do preceituado no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP. Inquestionavelmente, as questões suscitadas no seu recurso são circunscritas à decisão em matéria de direito.
Acresce que o arguido dirige expressamente o seu recurso ao Supremo Tribunal de Justiça.
Sobre os pressupostos do regime atual do recurso per saltum, o Senhor Juiz Conselheiro Dr. Nuno Gonçalves, Vice-Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça, já oportunamente teceu as seguintes considerações:
«2.4 Com o aditamento à norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do Código de Processo Penal aumentaram-se consideravelmente os fundamentos do recurso per saltum. Assim se designando o recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça, dos acórdãos finais proferidos pelos tribunais do júri ou coletivo de 1.ª instância que apliquem pena superior a 5 anos de prisão.
Enquanto na redação anterior os motivos deste recurso se cingiam, exclusivamente, ao reexame de matéria de direito, agora passou a poder interpor-se também “com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º” do Código de Processo Penal.
[…]
O Supremo Tribunal de Justiça, no julgamento de recurso per saltum, passou a sindicar, também mediante alegação dos recorrentes, da suficiência e da conformidade da lógica jurídica ao nível da decisão em matéria de facto ou de alguma nulidade insanável da decisão.
Os recorrentes que não impugnam o julgamento da facticidade alegando erro de julgamento, podem interpor recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento em errada aplicação do direito ao caso – como anteriormente – e, agora, seja conjuntamente com aquela alegação, ou tão-somente com fundamento na invocação dos vícios e nulidades previstos no art.º 410.º n.ºs 2 e 3, desde que os evidenciem socorrendo-se unicamente do texto da decisão impugnada ou em confronto com as regras da experiência comum. No novo regime, o recorrente tem de recorrer, sem opção, diretamente, para o Supremo Tribunal de Justiça, interpondo um recurso de revista alargada (simultaneamente em matéria de direito e com fundamento nos erros-vício e nulidades insanáveis do acórdão atribuídos à decisão final dos tribunais do júri ou coletivo de 1.ª instância que tenha aplicado pena superior a cinco anos de prisão).
As Relações, resultaram, assim, aliviadas de parte considerável dos recursos que recebiam para reapreciar decisões daqueles tribunais. Resta-lhe competência para julgar recursos das decisões dos tribunais do júri e coletivos que apliquem pena superior a 5 anos, quando venha alegado erro de julgamento da matéria de facto, naturalmente, com especificada impugnação da concreta valoração das provas.» («Alterações ao regime do Recurso Ordinário», a Revista - Revista do STJ, N.º 1 – jan.-jun. 2022, pp. 93-94).
Esta posição, a que também se adere, parece ser a mais compatível com o atual figurino dos recursos per saltum em matéria penal, tendo sido acolhida na decisão sumária da Senhora Desembargadora relatora no TRP.
No recurso em apreço, apesar de o mesmo ser interposto de acórdão cumulatório, que aplica ao arguido uma pena única de seis anos e dois meses de prisão – sendo certo que todas as penas parcelares que integram o respetivo cúmulo são inferiores a cinco anos de prisão –, tal circunstância em nada interfere com a disciplina de atribuição da competência hierárquico-funcional ao Supremo Tribunal para o conhecimento do recurso.
Considerando, pois, estarem verificados os requisitos do recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça – recurso de 1) acórdão final condenatório, proferido em coletivo, sendo a pena (única) aplicada superior a cinco (5) anos de prisão, e 2) sendo inequívoco que o arguido não sindica a decisão sobre matéria de facto em sentido próprio, antes visando o seu objeto exclusivamente o reexame de matéria de direito, é, pois, este Supremo Tribunal de Justiça, competente para a apreciação do presente recurso – artigos 399.º, 400.º a contr., 432.º, n.º 1, al. c), e 434.º do CPP.
Nos termos dos artigos 399.º, 400.º a contr., 432.º, n.º 1, al. c), e 434.º do CPP, consideramos, pois, ser este Supremo Tribunal de Justiça, hierárquico-funcionalmente competente para a apreciação do recurso do arguido.
Apreciemos as questões colocadas pelo recorrente no seu recurso.
13.
i. Nulidade do acórdão condenatório por falta de fundamentação
O recorrente manifesta discordância do acórdão recorrido, imputando-lhe o vício de falta de fundamentação, concretizando o seguinte:
«(…) definidos os pressupostos e parâmetros que qualquer decisão deve observar, importará agora perguntar se no caso vertente, tendo presente o Acórdão recorrido, se consegue saber qual foi o raciocínio lógico que levou à decisão de condenar o arguido na pena única de seis anos e dois meses de prisão.
19. E a resposta só pode ser negativa.
20. Com efeito, o Acórdão proferido nos presentes autos e do qual se recorre não está fundamentado nem no que concerne aos concretos factos, nem no que concerne ao direito, além de que omite o exame crítico das provas, tal como exigido por aquele preceito legal.
21. O Acórdão recorrido, na parte destinada à fundamentação, limita-se a remeter para a matéria de facto dada como provada no âmbito dos processos que integram o presente cúmulo jurídico e, depois, e sem mais, faz curtíssimas considerações, sem qualquer sustentação de facto ou direito, quanto às necessidades de prevenção geral e especial, quanto à modalidade do dolo, ao nível da ilicitude e às circunstâncias sociais do arguido, decidindo, por fim, e mais uma vez sem qualquer sustentação, condenar o arguido na pena única de seis anos e dois meses de prisão.»
Importa, preambularmente, lembrar que o acórdão recorrido encerra, no essencial, uma decisão de reformulação de cúmulo jurídico de penas parcelares – três das quais integravam um bloco anterior em que se havia fixado uma pena única de quatro anos de prisão (processo n.º 290/20.2...) – pelo que a factualidade respeitante aos crimes a que as mesmas foram aplicadas se acha estabilizada pelo trânsito em julgado das respetivas decisões, aliás um dos pressupostos da realização do (novo) cúmulo jurídico ora realizado. Além do trânsito em julgado das respetivas decisões, também a correspondente fundamentação das referidas penas parcelares se mostra imodificável.
Não pode, todavia, atender-se ao alegado pelo recorrente no sentido da falta, no acórdão recorrido, de fundamentação e do exame crítico das provas.
Apesar de o fazer topicamente, o tribunal recorrido enuncia que «Na formação da convicção, o tribunal teve em conta, para além do teor das certidões juntas aos autos, extraída dos autos de processo n.º 6/21.6... e extraída dos autos de processo n.º 349/20.6...
Quanto à situação pessoal do Arguido atendeu-se ao teor do relatório social elaborado pela DGRSP.
Por fim, atentou-se no Certificado de Registo Criminal do arguido.»
Uma decisão com a natureza da recorrida – de realização de cúmulo jurídico superveniente –, encerra um processo deliberativo que exige sobretudo elementos de prova documental.
Conforme se entendeu no Ac. deste STJ de 10-01-2023; rel. Cons. Orlando Gonçalves:
«Na falta de preceito específico sobre a fundamentação da sentença de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente do concurso, deverão respeitar-se os requisitos gerais da sentença previstos no art. 374.º do Código de Processo Penal, devendo, no caso, a fundamentação conter todos os factos que interessam à realização do concurso de crimes e à determinação da pena única. [10]
Embora a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça venha considerando, de modo reiterado, não ser necessário que a decisão que efetua o cúmulo jurídico proceda à enumeração dos factos dados como provados em cada uma das sentenças onde as penas parcelares foram aplicadas, não deixa de exigir que dela constem, ao menos resumidamente, os factos que permitam apreender aos destinatários da decisão, as conexões ou ligações fundamentais à avaliação da gravidade da ilicitude global e da personalidade unitária do agente.
Como bem se realça no acórdão deste Supremo Tribunal, de 04-03-2010, “No cumprimento do dever de fundamentação da pena única não se mostra imperiosa a fundamentação alongada com as exigências do n.º 2 do art.374.º do CPP, nem sendo exigível o rigor e extensão nos termos do art.71.º do CP, bastando uma referência sucinta, resumida, sintética aos factos, colhendo o essencial para estabelecer as conexões existentes entre os factos e a ligação à personalidade do autor daqueles. Neste particular, a decisão que fixa a pena única deve funcionar como peça autónoma, que deve reflectir a fundamentação, própria, de forma individualizada, sucinta, mas imprescindivelmente de forma suficiente.”.[11]
Dos «factos provados» no acórdão recorrido, consta a indicação dos processos cujas condenações integram o cúmulo jurídico por conhecimento superveniente do concurso, as datas da prática dos factos, as datas das decisões, as datas do trânsito em julgado, os crimes e as penas impostas, as condenações que constam do certificado do registo criminal do arguido e, por fim, o que o Tribunal Coletivo extraiu “do relatório social” no respeitante às condições de vida, sociais e familiares, incluindo fatores relativos à sua personalidade.»
Tal exigência mostra-se observada. Como respeitada se mostra a exigência de se atender aos factos que constituem os tipos de ilícito e as condições pessoais que podem contribuir para formar a imagem global do facto (factualidade) e da personalidade do agente pressuposta na operação de determinação de uma pena conjunta por cúmulo jurídico de penas. Neste âmbito, ainda mais satisfeita se mostra tal exigência.
Devendo o acórdão cumulatório ser uma peça autónoma e autossuficiente, constata-se que o acórdão recorrido observa a exigência de descrição dos factos praticados pelo arguido, em cada uma das decisões condenatórias que integram o concurso superveniente, o modo de atuação do arguido, as suas motivações e consequências e as suas condições pessoais e sociofamiliares, tudo factos necessários à revelação da ilicitude global e da personalidade unitária do arguido, a ponderar no juízo de aplicação da pena conjunta.
Desse modo, ficou o recorrente habilitado a sindicar o acerto e justeza de tal decisão, possibilitando assim o escrutínio da mesma por este Supremo Tribunal.
Pelo exposto, considera-se não ter o tribunal a quo incorrido em vício que afete o acórdão impugnado, nomeadamente por qualquer invalidade processual/nulidade por falta de fundamentação.
14.
ii. Excesso da medida da pena única de prisão aplicada
As conclusões da motivação de recurso circunscrevem a nossa análise à concreta medida da pena única aplicada, em resultado do cúmulo jurídico (superveniente) das penas parcelares aplicadas ao arguido. Não se encontrando em causa discutir a medida das penas parcelares aplicadas nos quatro processos em que o arguido foi condenado importa analisar o acórdão recorrido, que procedeu à elaboração do cúmulo jurídico que abrangeu tais penas parcelares aplicadas.
O recorrente ensaia a fundamentação do seu recurso em torno da discordância da determinação da medida concreta da pena única resultante da reformulação do cúmulo jurídico (superveniente), nos termos supra apontados.
O Ministério Público, quer junto do tribunal recorrido quer junto deste Supremo Tribunal de Justiça, manifestou a sua discordância relativamente a tal pretensão, pronunciando-se pela manutenção do acórdão recorrido no tocante à determinação medida da pena única, seis (6) anos e dois (2) meses de prisão.
O arguido foca a sua argumentação discordante do acórdão recorrido na circunstância de todas as penas parcelares que integram o cúmulo jurídico realizado terem sido suspensas na sua execução, concretamente:
- no processo n.º 9/19.0..., por decisão datada de 27-10-2021, transitada em julgado em 29-11-2021, o arguido foi condenado pela prática, em janeiro de 2018, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 4 anos de prisão, suspensa por igual período com regime de prova;
- no processo n.º 290/20.2..., o arguido foi condenado pela prática, nos dias 29/11/2020, 10/01/2021 e 12/01/2021 de dois crimes de furto qualificado, e um crime de furto qualificado na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), por decisão proferida em 02/06/2022, transitada em julgado em 11/07/2022, nas seguintes penas parcelares: 2 anos e 6 meses de prisão; 6 meses de prisão e 2 anos e 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova;
- Processo n.º 6/21.6..., o arguido foi condenado pela prática, em 09/01/2021 de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º2, alínea e), do Código Penal, na pena de três anos de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova, por decisão proferida em 22/05/2023, transitada em julgado em 21/06/2023; e
- Processo n.º 349/20.6..., o arguido foi condenado pela prática, em 09/11/2020, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código de Penal, por decisão proferida em 14/03/2024, transitada em julgado em 22/04/2024, na pena de 9 meses de prisão, suspensa por 18 meses, com regime de prova.
A argumentação essencial que o recorrente ensaia, a este respeito, é a seguinte:
«(…)
65. Ora, depois de discorridas as vários condenações em referência, dúvidas inexistem de que estamos perante ilícitos de pequena e média criminalidade, praticados num curto e muito concreto período de tempo, de janeiro de 2018 a janeiro de 2021, conexionados, todas elas, com a problemática da adição, problemática esta contra a qual o arguido lutava à data da prática dos factos, e que atualmente se encontra em face de remissão, o que em suma comprova a desproporcionalidade, desnecessidade, inadequação e o excesso da pena única aplicada.
66. O arguido, em todas em condenações em referência, foi condenado a penas de prisão todas elas inferiores a cinco anos de prisão, e todas suspensas na sua execução.
67. A pena mais elevada foi de quatro anos de prisão, mas também suspensa na execução, e aplicada a um crime praticado há mais de cinco anos e por um período de tempo reduzido, de janeiro de 2018 e setembro de 2019, o que impede que se possa falar de uma “carreira criminosa”, em “rede criminosa” ou predisposição para o crime.
68. Os ilícitos em referência constituíram o fruto de uma ocasionalidade, infeliz, relacionada com a problemática da adição de estupefacientes, hoje claramente mitigada, e que não radicam na personalidade do arguido.
69. Porém, em cúmulo, o Tribunal a quo elevou e agravou, injusta e infundadamente, a pena única aplicada a uma pena de prisão superior a cinco anos.
70. Quanto à avaliação da personalidade do arguido, o Acórdão recorrido omite circunstâncias espelhadas no relatório elaborado pela DGRSP que demonstram claramente uma visão positiva da personalidade do arguido e que não devem nem deveriam ter sido omitida.
71. Na verdade, desde 21-02-2021 que o arguido não pratica qualquer crime, sendo que a amplitude temporal da atividade criminosa do arguido em causa neste cúmulo foi curta e balizou-se entre janeiro de 2018 e janeiro de 2021.
72. Ora, o arguido é jovem e não tem condenações anteriores ou posteriores às condenações aqui em referência.
73. Tem apenas o 6.º ano de escolaridade, por absentismo escolar, fruto de uma escolha ou condição de quanto tinha 11 anos de idade.
74. Que o condicionam no mercado de trabalho, mas, ainda assim, atualmente faz “biscates” na área da construção civil.
75. Iniciou consumo de estupefacientes, por más escolhas, quando tinha 16 ou 17 anos de idade.
76. Mas tem travado uma luta contra a adição, como resulta do relatório da DGRSP, tendo retomado em janeiro de 2024 o tratamento no CRI.
77. Vive com os pais e com a namorada e está bem inserido na sociedade.
78. O arguido não faz, nem nunca fez, do crime o seu modo de vida.
79. Como tal, considerando sobretudo a medida reduzida das penas parcelares, a concentração temporal da atividade delituosa praticada pelo arguido, a sua personalidade e os fins das penas, a pena única aplicada é manifestamente injusta, desproporcional, desnecessária, inadequada e claramente excessiva.
80. Em suma, o Tribunal a quo ao ter decidido como decidiu, condenando o arguido, ora recorrente, num apena única de seis anos e dois meses de prisão, violou os princípios da proporcionalidade, necessidade, adequação e proibição de excesso decorrentes do artigo 18.º, n.º 2 da CRP.»
Preambularmente, importa esclarecer – no que estão de acordo o arguido-recorrente e o Ministério Público – que é pertinente reconhecer ter havido erro de cálculo do tribunal recorrido, no tocante à determinação do limite máximo da moldura penal de concurso, na medida de um mês de prisão, para mais.
A soma das penas parcelares não é de 13 anos e 4 meses de prisão, conforme exarou o tribunal a quo, mas sim de 13 anos e 3 meses de prisão.
Um tal lapso é, neste momento, passível de correção, considerando que a mesma não importa modificação essencial da decisão, nos termos do disposto no art 380.º, n.ºs 1, al. b), 2 e 3, do CPP, pelo que ora se determina que em vez do trecho do acórdão que refere:
«Assim, no caso em apreço, verifica-se que a pena de prisão a aplicar ao arguido terá como limite mínimo de quatro anos de prisão (pena mais grave concretamente aplicada) e, como limite máximo, treze anos e quatro de prisão (soma de todas as penas aplicadas ao arguido).»
passe a constar:
«Assim, no caso em apreço, verifica-se que a pena de prisão a aplicar ao arguido terá como limite mínimo de quatro anos de prisão (pena mais grave concretamente aplicada) e, como limite máximo, treze anos e três meses de prisão (soma de todas as penas aplicadas ao arguido)».
Um tal lapso, mostrando-se suprido nos termos supra deliberados, é insuscetível de interferir no objeto substancial da decisão e, como tal, na apreciação do presente segmento do recurso.
Prosseguindo.
O arguido insurge-se, no mais, contra os termos em que o tribunal recorrido fixou a pena de concurso superveniente de crimes, alegando que «(…) não fundamenta, nem de facto nem de direito, a determinação da pena conjunta, não assegurando, por isso, o controlo e a racionalidade da medida da pena única aplicada.», pelo que o acórdão «(…) é nulo, nulidade essa prevista no artigo 379.º, n.º 1 al. a), com referência ao artigo 374.º, n.º 2, ambos do CPP.»
Para além disso, o acórdão recorrido teria vulnerado os princípios da proporcionalidade, necessidade, adequação e proibição de excesso, decorrentes do artigo 18.º, n.º 2 da CRP, ao fixar a pena única nos 6 anos e 2 meses de prisão, alegando que todas as penas parcelares tinham sido suspensas na sua execução, sendo a mais grave de 4 anos de prisão, sendo todos os crimes relevantes classificados como pequena e média criminalidade, não se justificando uma pena única superior a 5 anos de prisão.
No tocante à personalidade do arguido, o acórdão recorrido omitiu alguns aspetos relevantes no tocante às «tentativas de tratamento que arguido concretizou e retomou, mas também a sua consciência e preocupação pela sua situação atual, o que demonstra claramente um comprometimento na mudança do seu comportamento.». Por outro lado, «(…) desde 21-02-2021 que o arguido não pratica qualquer crime, sendo que a amplitude temporal da atividade criminosa do arguido em causa neste cúmulo foi curta e balizou-se entre janeiro de 2018 e janeiro de 2021.»
O arguido conclui pelo excesso e desproporcionalidade da medida da pena única, sem, no entanto, propugnar por uma alternativa concreta à mesma.
Importa apreciar este segmento da argumentação do recurso.
O artigo 77.º do Código Penal estabelece as regras da punição do concurso de crimes, dispondo no n.º 1 que «[q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena», em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». O n.º 2 do mesmo preceito estabelece «[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão (…), e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas concretamente aplicadas aos vários crimes».
Sobre a pena única e para os casos em que aos crimes correspondem penas parcelares da mesma espécie, considera Maria João Antunes que «o direito português adopta um sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico» (Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra: Coimbra Ed., 2.ª ed., 2015, p. 56).
A pena única do concurso, formada nesse sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, deve, pois, ser fixada dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.
Na determinação da pena conjunta, impõe-se, igualmente, atender aos “princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso” (Ac. STJ de 10-12-2014, processo n.º 659/12.6JDLSB.L1.S1, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Ano de 2014), impregnados da sua dimensão constitucional, pois que «[a] decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta – dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber – como já se aludiu – se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido», sem esquecer, que «[a] medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)» (assim, Ac. STJ de 27-06-2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1).
Como este Supremo Tribunal de Justiça vem considerando de forma reiterada e preponderante, o critério da determinação da medida da pena conjunta do concurso – determinação feita em função das exigências gerais da culpa e da prevenção – impõe que do teor da decisão conste uma especial fundamentação, em função de tal critério. «Só assim – afirma-se no acórdão de 06-02-2014, proferido no processo n.º 6650/04.9TDLSB.S1- 3.ª Secção – se evita que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo, da apregoada e, ultrapassada, arte de julgar, puramente mecânico e, por isso, arbitrário».
Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 20-12-2006 (Proc. n.º 06P3379), «na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita a avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso». Ainda no mesmo acórdão, pode ler-se que «na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente».
Cumpre sublinhar também que, como é referido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de novembro de 2010, proferido no processo n.º 93/10.2TCPRT.S1-3.ª Secção: «Com a fixação da pena conjunta não se visa ressancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do arguido em que foram cometidos vários crimes».
Neste âmbito, regista-se ainda o que no acórdão deste Supremo Tribunal, de 27-05-2015, proferido no processo n.º 220/13.8TAMGR.C1.S1- 3ª Secção, se refere:
«o Supremo Tribunal tem entendido, em abundante jurisprudência, que, com “(…) a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado”, e, assim, [i]mportante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos (-), tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele(-)» (Acórdão de 12-09-2012, processo n.º 605/09.4PBMTA.L1.S1 – 3.ª Secção).
No processo de apreciação da escolha e da medida da pena, em sede de recurso, é pacífico que a intervenção do tribunal superior assume um carácter essencial de “remédio jurídico”, impondo-se, especialmente, identificar incorreções ou erros manifestos atinentes ao processo hermenêutico-aplicativo das normas constitucionais, convencionais e legais mobilizáveis, por parte da instância recorrida.
Só nessa medida é legítimo ao tribunal de recurso proceder à alteração do quantum da pena, quer parcelar, quer conjunta, em caso de cúmulo jurídico resultante do concurso efetivo de crimes. Assim, não pode proceder-se como se não existisse decisão anteriormente proferida – designadamente a de primeira instância –, a qual, tendo respeitado aqueles procedimentos hermenêuticos e aplicativos, não legitima a intervenção do tribunal de recurso em termos de modificar, para mais ou para menos, a medida concreta da pena aplicada.
O escrutínio da adequação ou correção da medida concreta da pena em sede de recurso impor-se-á apenas em caso de manifesta desproporcionalidade (injustiça) ou de violação da sã racionalidade e das regras da experiência (arbítrio) no tocante às operações da sua determinação impostas por lei, como a indicação e consideração dos fatores de medida da pena. Só em tais circunstâncias se justifica uma intervenção corretiva do tribunal de recurso que altere a escolha e determinação da medida concreta da pena.
Tal consideração vale tanto para as operações de aplicação de penas parcelares, como para a da pena única.
No presente recurso, as penas parcelares acham-se, como o próprio recorrente implicitamente reconhece, estabilizadas, sendo inviável a sua modificação.
Como refere Cristina Líbano Monteiro, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto, para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente. A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares, à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes («A Pena “Unitária” do concurso de crimes», RPCC, Ano 16.º, N.º 1, pp. 151 a 166).
Conforme também refere José de Faria Costa, «Seria redundante dizer-se que se prefere o sistema do cúmulo jurídico ao do material porque este último se revela de difícil exequibilidade, pois obrigaria o condenado ao cumprimento sucessivo das diferentes penas a que se chegou em cada uma das condenações. No entanto, embora esta razão seja inteiramente válida, aqueloutra pela qual o sistema do cúmulo jurídico se apresenta de maior justeza reside no facto de, com ele, se evitar que os factos penais ilícitos, após a aplicação das respetivas penas, ganhem uma gravidade exponencial porque vistos isoladamente ou compartimentados uns dos outros. Gravidade essa que, obviamente, se refletirá, em um primeiro momento, em uma culpa igual ou proporcionalmente grave e, em momento posterior, em pena de igual dosimetria à culpa. Isto é, a culpa reportada a cada facto ganha (...) um efeito multiplicador. Como consequência do que se acabou de dizer, sendo a culpa relativa a cada facto ilícito-típico, tal redundará na ultrapassagem do limite da culpa (...) podemos concluir que só o sistema do cúmulo jurídico é suscetível de ser dogmaticamente justificável porque é através dele que obtemos a imagem global dos factos praticados e, bem assim, do seu igual desvalor global. Apenas efetuando (...) um exame dos factos em conjunto podemos perscrutar a ligação que os factos ilícitos isolados mantêm uns com os outros. Só através do cúmulo jurídico é possível, enfim, proceder à avaliação da personalidade do agente e, dessa maneira, perceber se se trata de alguém com tendências criminosas, ou se, ao invés, o agente está a viver uma conjuntura criminosa cuja razão de ser não radica na sua personalidade, mas antes em fatores exógenos. (...) através do sistema do cúmulo jurídico a culpa é adequadamente valorada e, em consequência, a pena encontrada é, inquestionavelmente, mais justa» («Penas acessórias – Cúmulo jurídico ou cúmulo material? [a resposta que a lei (não) dá]», Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 136.º, N.º 3945, pp. 326-327).
Nessa linha de abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no art. 71.º do Cód. Penal – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 01-10-1995, com a proclamação de princípios ínsita no art. 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo art. 77.º, n.º 1, do CP – o que significa que o específico dever de fundamentação de aplicação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, passando pelo efetivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.
Por seu turno, conforme diz Figueiredo Dias, «Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.» (As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa: Editorial de Notícias-Æquitas, 1993, p. 286).
Importa indagar se o acórdão recorrido enferma, a este respeito, de qualquer nulidade, por, segundo o recorrente, não fazer «(…) em sede de fundamentação, qualquer descrição, ainda que sumária, dos factos provados nos vários processos que integram o cúmulo, sendo completamente omisso na identificação e na ponderação dos elementos de facto que influíram na decisão de condenar o arguido na pena única de seis anos e dois meses de prisão.»
Quanto à alegada omissão da descrição, ainda que sumária, dos factos provados nos diversos processos cujas penas aplicadas integram o cúmulo jurídico, a mesma é objetivamente desmentida pelo teor do acórdão, dos pontos 1. a 8. da Factualidade provada (Parte II.).
O Ministério Público junto da Instância recorrida salienta, pertinentemente, a tal respeito, que:
«Nos pontos 9. a 19. dos factos provados, é descrito o percurso de vida do arguido e o seu processo de socialização, bem como a sua situação pessoal actual.
Nos pontos 20. e 21. são enunciados os seus antecedentes criminais (condenações não integradas neste cúmulo jurídico).
Relativamente à fundamentação dos factos assim dados como provados, o Tribunal a quo indica igualmente os elementos probatórios de que se socorreu para formar a sua convicção – sejam os elementos documentais, seja o relatório social para determinação da sanção.
Segue-se, depois, a fundamentação relativa à determinação da pena única que veio a ser achada.
Nessa fundamentação, o acórdão recorrido enuncia, entre o mais, as normas legais aplicáveis, tanto as que levam a concluir pela existência do concurso de penas, como as atinentes à determinação da pena, procede ao enquadramento da factualidade provada em tais normativos, indica os factos que, sendo relevantes, depõem, no entender do Tribunal a quo, em benefício e em detrimento do recorrente – analisando a natureza dos ilícitos praticados, a sua contextualização no percurso de vida do arguido e no seu modo de vida á época dos factos praticados e actualmente – bem como as circunstâncias que permitem determinar em que grau se fazem sentir as exigências de prevenção geral e especial.
Ou seja, procede o Tribunal a quo à explanação dos motivos de facto e de direito da decisão, de modo consistente, claro e lógico.
Constata-se, pois, com mediana clareza, que o acórdão recorrido não padece do vício indicado, não tendo ocorrido qualquer violação das prescrições processuais penais em matéria de fundamentação dos acórdãos/sentenças – nomeadamente, das invocadas pelo arguido-recorrente.»
Nesse mesma linha de raciocínio, parece-nos evidente a falta de fundamento para apontar ao acórdão recorrido o vício de falta de descrição dos factos provados, como se referiu já no ponto anterior. Pensamos que, embora em termos sucintos, tal descrição mostra-se feita em termos suficientemente claros para permitir uma intervenção crítica sobre os mesmos, nenhuma invalidade se revelando, pois, ter sido, a esse propósito, cometida pelo tribunal recorrido na decisão impugnada.
No acórdão sob censura foi apreciado o contexto e motivação das atuações delituosas do arguido – que é o da toxicodependência e criminalidade associada – o que robustece as necessidades de prevenção geral «em grau muito elevado, relativamente a todos os crimes pelos quais arguido foi condenado, atenta a frequência com que ocorrem, com o inerente alarme social e intranquilidade que provocam».
Também no tocante às exigência de prevenção especial, as mesmas foram evidenciadas em grau muito elevado, “(…) aqui se considerando o certificado de registo criminal do arguido que regista várias condenações em penas de prisão suspensas, revelando o arguido um percurso criminal assente no tráfico de estupefacientes e na prática de crimes de furto qualificado, pelos quais tendo sido sucessivamente condenado em penas de prisão suspensas.”
A título subjetivo, todos os crimes foram praticados com dolo direto, sendo a ilicitude de nível mediano.
Por fim, as condições socioeconómicas do arguido, espelhadas no relatório elaborado pela DGRSP apontam para dificuldades ao nível da sua reinserção social, “que demonstra fraco autocontrolo, não tendo logrado inserir-se profissionalmente, apontadamente, em virtude da sua situação de toxicodependência que permanece”.
Por fim, foi considerada «(…) nebulosa a sua forma de subsistência, com reflexos ao nível das necessidades de prevenção especial, sobretudo no que concerne ao crime de tráfico de estupefacientes.», o que terá aconselhado a um juízo de prognose muito reservado quanto às expectativas de reinserção social do arguido.
O recorrente discorda, ainda, da medida da pena única aplicada, classificando-a de desnecessária e excessiva, conquanto não se comprometa com qualquer proposta alternativa, presumindo-se, no entanto, em última análise, que pretenderia que o cúmulo jurídico fixasse uma pena (única) que permitisse a suspensão da sua execução, ou seja, em medida concreta até cinco anos de prisão.
Evola, a esse respeito, do acórdão recorrido a seguinte fundamentação:
« Estamos, então, perante o chamado concurso superveniente de penas, de acordo com o qual, se o agente tiver cometido vários crimes antes de ser condenado por um deles e esta condenação transitar em julgado, proceder-se-á ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas pela prática de cada um deles. Deste modo, aplicar-se-á ao arguido uma única pena resultante desse cúmulo. A data que estabelece o limite até ao qual será possível realizar o cúmulo das penas aplicadas por cada um dos crimes é a correspondente ao trânsito em julgado da primeira condenação por um deles.
A condenação transitada que o n.º 1 do artigo 78.º tem como referência, para averiguar dos pressupostos do concurso, é a que se verificou em primeiro lugar, sendo certo que o cúmulo jurídico deve ser realizado no âmbito do processo da última condenação, conforme estabelece o artigo 471.º n.º 2 do Código de Processo Penal.
O entendimento uniforme do Supremo Tribunal de Justiça é de que “o limite determinante e intransponível da consideração da pluralidade de crimes para o efeito de aplicação de uma pena de concurso é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente teve lugar, por qualquer crime praticado anteriormente; no caso de conhecimento superveniente de infrações aplicam-se as mesmas regras, devendo a última decisão que condene por um crime anterior ser considerada como se fosse tomada ao tempo do trânsito da primeira, se o tribunal, a esse tempo, tivesse tido conhecimento da prática do facto – como se, por ficção de contemporaneidade, todos os factos que posteriormente foram conhecidos tivessem sido julgados conjuntamente no momento da decisão primeiramente transitada” – Acs. STJ de 14.05.2009 e de 23.06.2010. Ou ainda, como também se lê no Ac. STJ de 18.06.2009, “a punição do concurso de crimes com uma «única pena» pressupõe a existência de uma pluralidade de crimes praticados pelo mesmo agente que tenham em comum um determinado período de tempo, delimitado por um ponto de referência ad quem estabelecido na norma – o trânsito em julgado da condenação por qualquer deles; todos os crimes praticados antes de transitar em julgado a condenação por um deles devem determinar a aplicação de uma pena única, independentemente do momento em que seja conhecida a situação de concurso, que poderá só ocorrer supervenientemente por facto de simples contingências processuais”.
Assim, o momento temporal decisivo para o estabelecimento ou verificação de relação de concurso, ou a exclusão desta relação, é o trânsito em julgado de qualquer das decisões, entrando no concurso todos os crimes que tenham sido praticados anteriormente a essa data de trânsito em julgado. Como refere Paulo Dá Mesquita, “o momento determinante para a superveniência do conhecimento do concurso é o trânsito em julgado da primeira das condenações das penas em conjunto”. Todos os outros crimes que forem praticados posteriormente àquela data já não poderão integrar aquele concurso. Em relação a esses haverá uma sucessão de penas. Com efeito, a pena a aplicar a estes crimes praticados posteriormente ao trânsito da primeira condenação será autónoma da dos outros cometidos anteriormente e não poderá ser englobada no cúmulo a realizar com as destes últimos.
Em suma, se o arguido cometeu mais de um crime depois do trânsito em julgado de uma decisão anterior deverá ser realizado um novo cúmulo, que englobe essas penas, desde que os crimes se encontrem numa relação de concurso.
Com efeito, se em função daquela regra, ficarem fora do cúmulo jurídico mais que uma pena, devem estas ser também cumuladas entre si, caso se verifiquem os mesmos pressupostos do artigo 78.º, n.º 1 do Código Penal. As penas unitárias daí resultantes são, então, cumpridas sucessivamente, estando afastado, em qualquer caso, o designado cúmulo por arrastamento. A este propósito lê-se também, no supra citado Acórdão de 14.05.2009, que “se os crimes agora conhecidos forem vários, tendo uns ocorrido antes de condenação anterior e outros depois dela, o tribunal proferirá duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior e outra relativa aos factos praticados depois daquela condenação; a ideia de que o tribunal devia proferir aqui uma só pena conjunta contraria expressamente a lei e não se adequaria ao sistema legal de distinção entre punição do concurso de crimes e da reincidência, dando lugar a cúmulos separados e a pena executada separada e sucessivamente”.
Vertendo o exposto no caso concreto, uma vez que a prática dos factos em apreço por parte do arguido deu lugar à prolação de várias decisões transitadas em julgado, impõe-se agora efetuar o cúmulo superveniente de penas nos termos do artigo 78.º do Código Penal, o qual remete para o artigo 77.º do mesmo diploma legal. Importa, por isso, analisar os factos pelos quais o arguido foi condenado nos processos mencionados na factualidade provada e data dos respetivos trânsitos.
Verifica-se, então, que a decisão proferida nos autos de processo n.º 9/19.0..., transitou em julgado no dia 29/11/2021.
Antes do trânsito em julgado dessa decisão foram praticados os factos pelos quais o arguido veio a ser condenado nos processos n.º 6/21.6...; 290/20.2... e 349/20.6..., sem que, no entremeio da prática de tais factos, haja transitado em julgado alguma das referidas decisões.
Importa, assim, proceder ao cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido, na medida em que, como se disse, por ficção de contemporaneidade, teria sido possível julgar o arguido conjuntamente pela prática de todos os crimes apreciados nesses cinco processos (cfr. artigo 77.º, nº 1 do Código Penal).
*
Verificada a existência do concurso, cabe agora aplicar uma pena única ao arguido, cumprindo, antes de mais, determinar a moldura penal em referência à qual será fixada, aplicando o disposto no artigo 77.º, ex vi do artigo 78.º, ambos do Código Penal.
Estabelece o artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal que “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão (…); e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
Assim, no caso em apreço, verifica-se que a pena de prisão a aplicar ao arguido terá como limite mínimo de quatro anos de prisão (pena mais grave concretamente aplicada) e, como limite máximo, treze anos e quatro de prisão (soma de todas as penas aplicadas ao arguido).»
Importa, assim, averiguar do acerto e proporcionalidade da medida.
No caso em apreço, importa ter presente que se procede à reformulação de um cúmulo jurídico (superveniente), em que se englobaram as seis penas parcelares aplicadas nos processos cujos crimes são passíveis de o integrar, em que o recorrente foi condenado, a saber:
- processo n.º 9/19.0...: uma pena de 4 anos de prisão;
- processo n.º 6/21.6...: uma pena de 3 anos de prisão;
- processo n.º 290/20.2...: duas penas de 2 anos e 6 meses de prisão e uma pena de 6 meses de prisão, integrando estas um bloco de cúmulo jurídico de 4 anos de prisão; e
- processo n.º 349/20.6...: uma pena de 9 meses de prisão, todas suspensas na sua execução.
Apesar de se dever equacionar a nova reponderação de uma só pena única, na medida em que as penas parcelares – incluindo as que compõem aquele bloco aplicado no processo n.º 290/20.2... – se mantêm inalteradas, o novo cúmulo jurídico não pode desconsiderar por completo as medidas das penas parcelares, e única, anteriormente fixadas, para mais não tendo havido qualquer modificação na sua exequibilidade, como a extinção por cumprimento, prescrição ou medida de Graça.
A nova moldura penal resultante da relação de concurso global dos vinte e um crimes em causa, oscila entre os 4 anos e os 13 anos e 3 meses de prisão (de acordo com a correção efetuada supra).
No caso vertente, o grau de intensidade da culpa é médio/elevado; são elevadas exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, relativamente ao arguido, importando atentar em que embora delimitada temporalmente, a atividade criminosa do arguido acarretou prejuízos, ao que se saiba não reparados, advenientes das suas condutas criminosas.
No acórdão recorrido foram, também, ponderados o teor do relatório social elaborado pela DGRSP, bem como do Certificado de Registo Criminal do arguido.
Cabe, ainda, sublinhar que nos parece não estar cumprida, prescrita ou extinta nenhuma das penas parcelares que integra o cúmulo jurídico ora efetuado.
Reaproximando-nos da configuração do caso em apreço nos presentes autos, em que a moldura penal do cúmulo jurídico é estabelecida entre o limite mínimo de 4 anos de prisão (pena parcelar aplicada mais elevada) e os 13 anos e 3 meses de prisão (soma das penas parcelares aplicadas e que integram o cúmulo) – art. 77.º, n.º 2, do CP, a fixação da pena única em 6 anos e 2 meses de prisão, num tal quadro, parece-nos contemplar adequadamente um fator de compressão da medida das penas remanescentes que integram a relação do cúmulo jurídico; num remanescente de 9 anos e 3 meses de prisão (= 13 Anos e 3 Meses – 4 Anos de prisão), considerando as exigências de prevenção geral e especial, da personalidade e a culpa do arguido – materializadas em condutas de tráfico de estupefacientes e contra a propriedade – não se mostra excessivo o acréscimo àquela medida do limite mínimo (de 4 anos) de mais 2 anos e 2 meses de prisão – medida inferior a 1/3 do remanescente – assim resultando na pena de 6 anos e 2 meses de prisão.
Diversamente de um setor minoritário da jurisprudência do STJ – que entendia que sendo a suspensão de execução da pena e a pena de prisão de espécies diferentes, pelo que não podem ser cumuladas, ao menos sem previamente o tribunal competente ter determinado a revogação da suspensão nos termos do artigo 56.º do Código Penal (cf. Acórdãos de 02-06-2004, Proc. n.º 1391-04, da 3.ª Secção, CJACSSTJ, Ano XII, T. 2.º 2004, p. 217 e de 20-04-2005, P. 04P4742, este disponível em www.dgsi.pt) –, a corrente amplamente maioritária na defesa da orientação tradicional mantém o entendimento de que as penas de execução suspensa entram no cúmulo jurídico como penas de prisão, só no final se decidindo se a pena conjunta deve ou não ficar suspensa na sua execução (cfr. acórdãos de 02-03-2006, Proc. n.º 186/06, da 5.ª Secção; de 05-04-2006, Proc. n.º 101/06, da 3.ª Secção; de 08-06-2006, Proc. n.º 1558/06, da 5.ª Secção, todos disponíveis nos Sumários dos Acórdãos; de 04-12-2008, Proc. n.º 08P3628, da 5.ª Secção; de 14-01-2009, Proc. n.º 08P3975, da 5.ª Secção e de 16-11-2011, Proc. n.º 150/08.5JBLSB.L1.S1, da 3.ª Secção; de 21-03-2013, processo 153/10.0PBVCT.S1; de 25-09.2013, processo 1751/05.9JAPRT.S1; de 12-06-2014, processo 300/08.1GBSLV.S2). Como é sublinhado no Acórdão do S.T.J., de 23-11-2010, Proc. n.º 93/10.2TCPRT.S1, “de acordo com posição dominante, a suspensão da execução da pena de prisão não constitui óbice à integração dessa pena em cúmulo jurídico de penas aplicadas a crimes ligados entre si pelo elo da contemporaneidade, não seccionada por condenação transitada pela prática de qualquer deles”, posição mantida no Acórdão do mesmo Tribunal de 11-05-2011, Proc. n.º 1040/06.1PSLSB.S1, ambos relatados pelo Conselheiro Raul Borges.
Ressalvam-se, porém, as situações em que as penas suspensas já tenham sido anteriormente declaradas extintas, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, pois nesses casos o englobamento dessas penas no cúmulo jurídico afrontaria a paz jurídica do condenado derivada do trânsito em julgado do despacho que as declarou extintas (cfr. Acórdão do STJ, de 12-06-2014,Proc. n.º 300/08.1GBSLV.S2).
Esta é também a doutrina de Figueiredo Dias, segundo o qual, num concurso de crimes, as penas parcelares não devem ser suspensas na sua execução, só no final, isto é, na determinação da pena única, valorada a situação em globo, se devendo ponderar se essa pena, que é a que o condenado tem de cumprir, pode ou não ficar suspensa na sua execução, desde que ocorra o necessário pressuposto formal (a medida da pena de prisão aplicada não ultrapassar o limite exigido por lei, atualmente de cinco anos) e o pressuposto material: prognóstico favorável relativamente ao comportamento do agente e satisfação das finalidades da punição, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.
Se, porém, uma pena parcelar tiver sido suspensa na sua execução, o que frequentemente sucede nos cúmulos jurídicos em que o concurso de crimes é de conhecimento superveniente, «para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada», e, uma vez determinada aquela, «o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político-criminalmente ser substituída por pena não detentiva» [cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, 1993, pp. 285 (§ 409), 290 (§ 419) e 295 (§ 430)].
A referida jurisprudência maioritária assenta na ideia de que não se forma caso julgado sobre a suspensão da execução da pena, mas tão somente sobre a medida dessa pena, entendendo-se que a substituição está resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso, e ainda nas ideias de provisoriedade da suspensão da pena e de julgamento rebus sic stantibus quanto a tal questão, orientação que o Tribunal Constitucional já julgou não ser inconstitucional (cfr. o Acórdão n.º 3/2006, de 03-01-2006, in www.tribunalconstitucional.pt).
Não se mostrando, assim, que os critérios conformadores da fixação da pena única em causa, convocados no acórdão recorrido, se revelem desconformes aos princípios e parâmetros constitucionais e legais que devem nortear a determinação da medida pena, concretamente o disposto nos artigos 40.º, 41.º, 70.º e 71.º do Código Penal, não se justifica dirigir-lhe qualquer censura. Uma pena inferior não daria satisfação às exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, nem respeitaria o princípio da coerência e tendencial igualdade na aplicação das penas.
A manutenção da pena única fixada pela 1.ª instância em 6 anos e 2 meses de prisão afasta, inexoravelmente, a pretensão do arguido no sentido da manutenção da suspensão de execução da pena (de prisão).
Com efeito, dispõe o art. 50.º do C. Penal, no seu número 1 que, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
São dois, portanto, os pressupostos de cuja verificação, faz a lei depender a aplicação desta pena de substituição.
Um, de natureza formal, tem por objeto a medida concreta da pena principal a substituir, que não pode ser superior a cinco anos de prisão.
Outro, de natureza material, traduz-se na necessidade de formulação pelo tribunal, de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as suas condições de vida, as circunstâncias do crime e a sua conduta anterior e posterior a este, a mera censura do facto e a ameaça da prisão darão adequada e suficiente realização às finalidades da punição. Sendo estas finalidades a proteção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na comunidade (art. 40.º, n.º 1 do C. Penal), são as exigências de prevenção geral e especial o suporte desta pena de substituição.
Mantendo-se a decretada pena (única) de 6 anos e 2 meses de prisão, inverificado se mostra, desde logo, o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, o que determina a improcedência desta pretensão do arguido.
Nesta parte, improcede, por isso, o recurso do arguido.
15.
iii) Nulidade do acórdão por não considerar a aplicabilidade das medidas de clemência – perdão e amnistia – previstas na Lei n.º 38-A/2023, de 02-08 aos crimes pelos quais foi condenado
No seu recurso, o arguido vem representar a necessidade de lhe ser aplicada a medida de perdão ao abrigo da Lei n.º 38-A/23, de 02-08. E sufraga a posição de que a omissão de pronúncia quanto a tal questão «(…) constituiu uma nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artigo 379º, n.º 1, al. c) do CPP.»
Refere ter nascido em ...-...-1990, pelo que à data da prática de “todos os factos” (ponto 86. da motivação de recurso), tinha 30 (trinta) anos de idade.
Admitindo que o art. 7.º da referida Lei n.º 38-A/2023, de 02-08, exceciona a aplicação do perdão ao crime de tráfico de estupefacientes, o arguido defende que o tribunal deveria ter aplicado as disposições da Lei aos crimes de furto porquanto «foram cometidos nos dias 09-11-2020, 29-11-2020, 09-01-2021, 10-01-2021 e 12-01-2021, ou seja, todos eles foram praticados até às 00:00 horas do dia 19 de junho de 2023, (…)», pelo que, não se verificando quaisquer exceções à sua aplicação, «(…) deveria o Tribunal a quo ter aplicado a Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto, amnistiando o arguido dos crimes de furto cometidos (…)» (ponto 92. da motivação).
Em qualquer caso, prossegue, mesmo que se admita que a Lei n.º 38-A/2023 não é aplicável ao crime de tráfico de estupefacientes – excluindo-se do mesmo a pena correspondente, de quatro anos de prisão –, sempre «(…) tinha de ser aplicado um ano de perdão à pena resultante do cúmulo, o que não foi, nem tampouco foi feita qualquer alusão à sua não aplicação, por parte do Acórdão recorrido, o que constituiu uma nulidade por omissão de pronúncia, o que se invoca nos termos e para os efeitos do artigo 379º, n.º 1, al. c) do CPP.» (ponto 94. da motivação de recurso).
O tribunal recorrido efetivamente não se pronunciou sobre a aplicabilidade de qualquer das medidas de Clemência aprovadas pela referida Lei n.º 38-A/2023.
Vejamos se tal dever se lhe impunha.
No caso em apreço nos autos, estão em causa as seguintes condenações sofridas pelo arguido-recorrente:
- no processo n.º 9/19.0..., pela prática, entre janeiro de 2018 e setembro de 2019, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22-01;
- no processo n.º 290/20.2..., pela prática, nos dias 29-11-2020, 10-01-2021 e12-01-2021,dedois crimes defurto qualificado ede um crimede furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal;
- no processo n.º 6/21.6..., pela prática, em 09-01-2021, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal; e
- no processo n.º 349/20.6..., pela prática, em 09-11-2020, de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código de Penal.
Nenhuma dessas infrações seria, a qualquer título, passível de ser amnistiada, atento o disposto no art. 4.º da Lei n.º 38-A/2023, desde logo porque as penas aplicáveis a qualquer uma delas são superiores a um ano de prisão ou a 120 dias de multa.
O arguido reconhece não poder beneficiar nem da amnistia nem do perdão, no tocante ao crime de tráfico de estupefacientes pelo qual foi condenado no âmbito do processo n.º 9/19.0..., o que, inequivocamente, ocorre atento o disposto no artigo 7.º,n.º 1, al. f), ix), da Lei n.º38-A/2023: o arguido não pode beneficiar do perdão de pena previsto na Lei em virtude de objetivamente, dela estarem excluídos os «Crimes de tráfico de estupefacientes, previstos nos artigos 21.º, 22.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas».
No tocante à suscetibilidade de aplicação do perdão contemplado no art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, às penas aplicadas aos crimes de furto, simples e qualificado, na forma consumada e tentada, pelos quais o arguido foi condenado – havendo sempre que excecionar a pena aplicada ao crime de tráfico de estupefacientes –, cumpre reconhecer que o tribunal silenciou a abordagem de tal questão.
Não se pode, com legitimidade, inferir que a omissão do tratamento de tal questão signifique que o tribunal aderiu à posição jurisprudencial (e doutrinal) no sentido em que as pessoas que tenham completado 30 anos (e não tenham ainda atingido 31 anos de idade) não beneficiam do perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023.
O arguido alega que tinha “30 (trinta) anos” quando praticou os crimes – todos eles – de furto, pretendendo, assim, beneficiar daquela medida, ainda que só na estrita medida dos crimes que a admitissem, excetuando a pena aplicada pelo crime do art. 21.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 15/93.
O arguido perfez 30 anos de idade em ...-...-2020, data anterior à da prática de qualquer um dos crimes de furto pelos quais foi condenado e integram o cúmulo jurídico efetuado, os quais ocorreram em 09-11-2020, 29-11-2020, 09-01-2021, 10-01-2021 e 12-01-2021.
Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, «Estão abrangidas pelo perdão as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º».
A questão a decidir é a de saber se o arguido estaria, em função do requisito etário – ter “entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto” –, abrangido pela previsão normativa das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1 e 3.º, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 38-A/2023, para poder beneficiar da aplicação do perdão de um ano de prisão sobre a pena única do cúmulo jurídico efetuado.
O Ministério Público junto do tribunal recorrido, fazendo apelo à disciplina do art. 279.º, al. c) do Código Civil e aos trabalhos preparatórios do diploma em causa, pronunciou-se sobre a inviabilidade de o arguido poder beneficiar de tal medida de Graça, entendendo que «A partir do momento em que uma pessoa completa os 30 anos de idade – o que no caso do arguido-recorrente ocorreu em .../.../2020 – já não se encontra no intervalo temporal definido pelo legislador (entre 16 anos e 30 anos de idade).».
Não se ignora que sobre a questão em apreço se instalou divergência jurisprudencial, sendo que foi já expresso o entendimento segundo o qual a Lei se poderia aplicar a pessoas que tendo atingido os 30 anos de idade, ainda não tivessem atingido os 31 anos (assim, entre outros, os Acórdãos da Relação de Évora de 06-02-2024, proc.º n.º 19/19.8GASTC-E.E1, rel. Desemb. Carlos Campos Lobo, de 05-03-2024, processo 299/17.3GBASL-I.E1, rel. Desemb. Margarida Bacelar e de 09-04-2024, processo 190/20.6GAPRD.E1, rel. Desemb. Nuno Garcia).
Há, por outro lado, corrente jurisprudencial no sentido inverso, em que se recensearam, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-03-2024, processo 96/19.1GBNLS-G.C1, rel. Desemb. Ana Carolina Cardoso, de 10-04-2024, processo 1644/15.1PBVIS-A.C1, rel. Desemb. Maria José Matos, de 10-04-2024, processo 1299/10.0PBVIS-A.C1, rel. Desemb. Alexandra Guiné; do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-10-2024; todos publicados na base de dados www.dgsi.pt.
Também alguma doutrina propende para este entendimento (assim, Ema Vasconcelos, «Amnistia e Perdão – Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto», Revista Julgar Online, janeiro, 2024, p. 2).
Há também pronúncia, embora não categórica no sentido de se acolher uma ou outra das posições, em José M. Cruz Bucho, «Amnistia e perdão (Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto): Seis meses depois (elementos de estudo)», p. 40, in https://www.trg.pt.
Daí, ter sido suscitada a questão, junto deste Supremo Tribunal, para decisão de fixação de jurisprudência sobre tal matéria, concretamente no processo n.º 96/19.1GBNLS-G.C1-A.S1, da 5.ª Secção, conforme refere no seu parecer, em nota final, o Senhor Procurador-geral-adjunto neste Supremo Tribunal: «(…) sobre a problemática da idade do agente de ilícito penal na aplicação das medidas de clemência consagradas pela Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, que se encontra pendente neste Supremo Tribunal recurso extraordinário para fixação de jurisprudência em que já foram produzidas alegações, nos termos do disposto no artigo 442.º, n.º 1 e 2, do C.P.P., propugnando o Ministério Público a fixação de jurisprudência no sentido de que a expressão «por pessoas que tenham entre os 16 e os 30 anos de idade à data da prática dos factos» do art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, abrange apenas quem ainda não haja completado 30 anos de idade à data da prática dos factos (processo n.º 96/19.1GBNLS-G.C1-A.S1, da 5ª Secção).»
Resulta, assim, inequivocamente, de tais dados que existe uma oposição de julgados sobre a interpretação de uma relevante questão jurídica – que pode ter mais de uma interpretação plausível –, que respeita à determinação da sanção penal por efeito da aplicação do perdão, i. e, ao estatuto sancionatório do arguido.
Por isso, o tribunal recorrido deveria ter afrontado a questão, incorrendo, face a tal silêncio, no vício de omissão de pronúncia – art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
Nessa medida, impõe-se reconhecer razão ao arguido apenas no tocante à dimensão adjetiva da sua objeção à decisão recorrida nesta matéria, e declarar a nulidade parcial do acórdão recorrido, na estrita medida em que não ponderou a aplicabilidade do perdão a pessoas entre 30 e 31 anos, ao abrigo do disposto das disposições combinadas dos artigos 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08, devendo, por isso, o tribunal do julgamento pronunciar-se expressamente sobre tal questão – art. 14.º, da Lei n.º 38-A/2023.
III. Decisão
Por tudo quanto se expôs, acordam os juízes Conselheiros desta secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em:
- determinar, ao abrigo do disposto no art. 380.º, n.º 1, al. b), 2 e 3, do CPP, a correção do seguinte trecho do acórdão recorrido:
«Assim, no caso em apreço, verifica-se que a pena de prisão a aplicar ao arguido terá como limite mínimo de quatro anos de prisão (pena mais grave concretamente aplicada) e, como limite máximo, treze anos e quatro de prisão (soma de todas as penas aplicadas ao arguido).»
dele passando a constar:
«Assim, no caso em apreço, verifica-se que a pena de prisão a aplicar ao arguido terá como limite mínimo de quatro anos de prisão (pena mais grave concretamente aplicada) e, como limite máximo, treze anos e três meses de prisão (soma de todas as penas aplicadas ao arguido)»;
- declarar a nulidade (parcial) do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia quanto à questão da aplicabilidade do perdão a pessoas entre 30 e 31 anos, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08, devendo o tribunal do julgamento pronunciar-se expressamente quanto a tal questão – artigos 379.º, n.º 1, al. c), do CPP e 14.º, da Lei n.º 38-A/2023;
e, no mais,
- julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se o acórdão recorrido.
Sem tributação - artigo 513.º, n.º 1, a contr., do CPP.
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Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, data e assinaturas certificadas supra
Texto elaborado e informaticamente editado, integralmente revisto pelo Relator, sendo eletronicamente assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos (art. 94.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).
Os juízes Conselheiros
Jorge dos Reis Bravo (relator)
António Latas (1.º adjunto)
Celso Manata (2.º adjunto)
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2. No acórdão recorrido foi inserida a nota (2) com o seguinte teor: «proc. nº 678/03.3PBGMR (rel. Cons. Arménio Sottomayor), citando o Ac. STJ de 17.03.2004, proc. nº 4431/03, também acessível em www.dgsi.pt. »↩︎
3. No acórdão recorrido foi inserida a nota (3) com o seguinte teor: «O Concurso de Penas, Coimbra Editora, pág. 39 e seguintes.»↩︎
4. No acórdão recorrido foi inserida a nota (4) com o seguinte teor: «Direito Penal Português, Parte Geral, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, pág. 291.»