PROCESSO DE INVENTÁRIO
SIGILO BANCÁRIO
JUSTIFICAÇÃO DA QUEBRA DO SIGILO
INTERESSE PREPONDERANTE
Sumário


1. Estando em causa informações sobre contratos celebrados com bancos, designadamente, valores em dívida, data em que o crédito se encontra integralmente liquidado; valor integral dos encargos suportados no âmbito desse contrato e proveniência dos fundos utilizados na liquidação dos montantes, mostra-se legitima a recusa do Banco, parte na ação, invocando o sigilo bancário.
2.Segundo o critério do interesse preponderante ou prevalecente, na pendência de inventário em que se aprecia da existência de eventuais créditos de um interessado em relação ao outro, prevalece o interesse na administração da justiça, justificando-se a dispensa do sigilo bancário para obter informações bancárias, necessárias à boa decisão da causa.

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório:

Foi, por AA, deduzido contra BB, inventário para partilha dos bens comuns do casal em razão do divórcio decretado por decisão já transitada em julgado.
Foi o requerido nomeado cabeça de casal e prestadas as declarações veio o mesmo apresentar relação de bens contra a qual deduziu a requerente reclamação, não só porque o cabeça-de-casal juntou certidão do registo predial do imóvel identificado na verba n.º 1 do ano de 2003, a qual não reflete a sua atual situação registral, nomeadamente em termos de ónus, de modo que deverá o mesmo ser notificado para juntar aos autos certidão ou cópia do teor do sobredito registo atualizado, mas também porque relativamente ao ativo do património comum, a verba n.º 1 não se encontra corretamente relacionada porquanto, os montantes dos empréstimos bancários relacionados nas verbas n.ºs 1 a 4 do passivo – que constituem bens comuns nos termos do artº 1724º, al. b) do Código Civil – foram na sua totalidade destinados à realização, pelo ex-casal e na vigência do matrimónio, de obras de beneficiação no prédio urbano bem próprio do cabeça-de-casal, que ascenderam ao montante global de € 164.057,97 (= € 100.000,00 + € 19.000,00 + € 34.000,00 + 11.057,97), sendo que, tais obras consistiram, designadamente, em:
- Construção de muros frontais com portões eléctricos;
- Colocação de vedação em rede a todo o comprimento de uma das estremas do prédio;
- Construção de 6 garagens;
- Pintura exterior da casa;
- Colação de janelas e portas em PVC;
- Construção de casa de banho no sótão;
- Colocação de telhado novo;
- Construção de dois lanços de escadas interiores;
- Colocação de paredes em pladur com isolamento no r/c e 1º piso;
- Construção de 2 casas de banho completas no 1º piso;
- Colocação de tijoleira no r/c e sótão;
- Construção de casa de banho e cozinha completas no r/c;
- Construção de instalação de gás;
- Restauração do chão de madeira.

Tratam-se de benfeitorias úteis, pois que, não sendo indispensáveis, aumentaram o valor objectivo do prédio (art. 216º, nº 3 do CC), não podendo ser retiradas do prédio sem detrimento dele (art. 1273º do CC).
Assim, o valor das despesas materiais feitas pelo ex-casal com as ditas obras é igualmente um bem comum do mesmo, nos termos do disposto nos artºs 1724º, al. b) e 1733º, nº 2 do CC (neste sentido, Acs. TRC de 23-10-2012, Proc. 1058/09.2TBTMR- A.C1, e de 20-04-2016, Proc. 663/15.2T8CLD.C1, ambos em wwww.dgsi.pt), devendo, pois, ser relacionado como crédito do património comum sobre o cabeça-de-casal no montante de € 164.057,97, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do cabeça-de-casal à custa da interessada, em virtude de a mesma se encontrar onerada com o pagamento de metade do passivo referente aos financiamentos bancários das obras no prédio bem próprio daquele, das quais nenhuma utilidade ou beneficio lhe é possível retirar em face dessa titularidade exclusiva.
Pediu que se julgasse procedente a reclamação, ordenando-se a rectificação da Verba n.º 1 do activo conforme o exposto.
Juntou prova documental e testemunhal.

Respondeu o cabeça de casal entendendo não assistir qualquer razão à reclamante, considerando-se desprovido de relevo o demais alegado por se tratar de matéria conclusiva ou de direito.
Impugnou ainda os documentos n.º 1 a 3 juntos com a referida reclamação, quando ao substrato probatório que a reclamante dos mesmos pretende extrair, pois, os referidos créditos bancários não foram integralmente despendidos em benfeitorias no imóvel, mas também em gastos pessoais do casal e na aquisição do mobiliário relacionado na respectiva relação de bens, concluindo-se desde logo que a Interessada AA, com excepção do direito de crédito relacionado sob a verba n.º 1 da relação de bens, nenhuma oposição manifestou quanto ao restante teor da relação de bens, mormente quanto aos títulos de crédito, dinheiro, móveis e dívidas, o que desde já se salienta para os devidos efeitos legais.
Acresce que, para além de não se aceitarem as obras indicadas no item 6º, a reclamante confunde o montante nominal despendido na realização das benfeitorias – que igualmente se impugna - com o incremento de valor que estas acarretam para o imóvel.
Ora, sendo certo que o valor das benfeitorias não pode exceder o valor do benefício para o imóvel, isso não significa o mesmo que reembolso nominal do seu custo.
Nas benfeitorias úteis – que são as que, apesar de dispensáveis, aumentam o valor objectivo da coisa – em que não é possível o seu levantamento, o ressarcimento do possuidor deve ser feito segundo as regras do enriquecimento sem causa, o que significa que o despendido funciona apenas como limite máximo, tendo, porém, o proprietário que pagar tão só (dentro de tal limite máximo) o valor que as benfeitorias aportam para a coisa.
Assim, tratando-se, o imóvel na qual foram realizadas as benfeitorias pelo dissolvido casal, de bem próprio do cabeça de casal, à reclamante apenas lhe cabe metade do valor dessas benfeitorias, a apurar em sede de avaliação e por referência ao valor que as obras/benfeitorias acarretaram para a coisa, tendo como tecto máximo o valor nominal do seu custo.
Junta prova documental: a constante dos autos e testemunhal.
Designada e realizada que foi audiência prévia e porque as partes não se encontravam de acordo quanto ao valor das benfeitorias realizadas no prédio urbano relacionado sob a verba nº 1, acordaram as mesmas em nomear um perito avaliador para a realização da avaliação.
Ordenou-se a realização de avaliação sendo certo que, a interessada AA  veio requerer, uma vez que os presentes autos se encontravam parados, sem realização de diligências úteis, desde ../../2019, nos termos do disposto no artº 12º nº 2, alínea b), do Regime do Inventário Notarial (Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro), a remessa do presente processo ao respectivo tribunal competente.
Por despacho de 24 de novembro de 2020 foram os autos remetidos ao Tribunal competente.
Ordenou-se então a citação dos credores relacionados (Banco 1... e Banco 2...) para os termos do inventário e a notificação das partes para, em 10 dias, se pronunciarem sobre a avaliação do imóvel.
Face ao requerido, determinou-se a realização de uma avaliação ao imóvel sito no Lugar ..., da União de Freguesias ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...43 - ... e inscrito na respectiva martriz, sob o artigo 344, bem como as benfeitorias aí realizadas, a saber:
a) Construção de muros frontais com portões eléctricos;
b) Colocação de vedação em rede a todo o comprimento de uma das estremas do prédio;
c) Construção de seis garagens;
d) Pintura exterior da casa;
f) Colocação de janelas e portas em PVC;
g) Construção de casa de banho no sótão;
h) Colocação de telhado novo;
i) Construção de dois lanços de escadas interiores;
j) Colocação de paredes em pladur com isolamento no r/c e 1º piso;
k) Construção de 2 casas de banho completas no 1º piso;
l) Colocação de tijoleira no r/c e sótão;
m) Construção de casa de banho e cozinha completas no r/c;
n) Construção de instalação de gás;
o) Restauração do chão de madeira.

Conforme se decidiu no acórdão de 19.11.2001 do Tribunal da Relação do Porto, “a avaliação de uma benfeitoria em processo de inventário deverá reportar-se à data da abertura da sucessão do inventariado e o valor assim encontrado deverá ser actualizado, através do recurso aos índices dos preços ao consumidor até ao momento da respectiva conversão em dinheiro.”
No caso dos autos importa encontrar o valor existente à data da cessação dos efeitos patrimoniais do casamento aqui em causa.
A perícia será singular.
Prazo: 30 dias.
Compromisso de honra a ser apresentado com o respectivo relatório.
Veio o Banco 2..., SA, informar os presentes autos que, à data, Requerente e Cabeça de Casal não lhe são devedores de qualquer por não constarem como mutuários de qualquer crédito, motivo pelo qual nada há a reclamar por este.
A interessada CC, notificada da junção do relatório pericial veio expor o seguinte:
- Na página 2 do relatório consta o seguinte:
“Será tido em conta também, que as obras de restauro e beneficiação implementadas no edifício existente, foram levadas a cabo pelo casal durante os anos de 2003 e 2004”. (Negrito nosso).
Assim, R. a V.ª Excia se digne proferir despacho, no sentido de o Sr. Perito esclarecer qual a fonte ou fontes que lhe permitiram obter tais elementos.
Foi proferido despacho concedendo prazo de cinco dias para que o perito esclareça a questão.
Foi ainda proferido o seguinte despacho:
“Os requerimentos apresentados pelo Dr. DD para além de não obedecerem à formatação prevista no artigo 8, al. a) da Portaria 280/2013, devidamente actualizada são de difícil leitura. Solicita-se a alteração do procedimento no futuro.
Na conferência de interessados nos pronunciaremos sobre o passivo nos termos estipulados no artigo 1111º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

*
Os interessados casaram sob o regime de comunhão de adquiridos.
Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum – artigo 1689º do Código Civil.
No caso concreto, atendendo ao regime de bens, a meação de cada um dos cônjuges nos bens comuns é de 50%.
Assim, cada um dos interessados terá direito a receber metade dos bens comuns.
O passivo será assumido pelos interessados nos termos que vierem a ser decididos na conferência de interessados.
Oportunamente abra nova conclusão para agendamento de conferência de interessados”.
Em sede de conferência de interessados que teve lugar a 7 de novembro de 2022, pelos ilustres mandatários foi dito que não estão de acordo quanto à partilha, contudo acordam que se passasse a licitações, para o que se mostravam aptos, mais acordando que a verba 6 seja excluída da relação de bens.
Foi proferido despacho segundo o qual:
Face à falta de acordo quanto à composição dos quinhões, nos termos do artigo 1113, n.º 1, do CPC, determina-se a abertura de licitações, mais se determinando a exclusão da verba 6 da relação de bens, conforme requerido.

Licitações
a) Verba nº 1 foi licitada pelo cabeça de casal pelo valor da avaliação €: 66.700,00 (sessenta e seis mil e setecentos euros).
b) Verba n.º 2 foi licitada pelo cabeça de casal pelo valor de €: 9,950,00 (nove mil novecentos e cinquenta euros)
c) Verbas 7 a 14 licitadas pelo cabeça de casal pelo valor da relação de bens.
*
Relativamente ao passivo e face à junção pela interessada de documentação bancária onde se atesta que os mútuos bancários elencados nas verbas 1 a 4 se encontram liquidados, deu-se a palavra ao cabeça de casal que reiterou a posição já vertida nos autos de que o passivo foi liquidado por si, entendendo existir neste momento um direito de crédito sobre a interessada AA”.
Pelo Ilustre Mandatário da requerente foi dito que não aceita o passivo, face à absoluta inexistência de documento que suportem que o pagamento foi feito pelo cabeça de casal e que face a informação bancária da liquidação dos empréstimos deverá considerar-se que inexiste passivo, desconhecendo além do mais se o pagamento foi feito com verbas próprias ou comuns.
Pelo cabeça de casal foi referido que o pagamento dos créditos foi feito com o produto da venda do bem próprio onde foram incorporadas as benfeitoras.
Seguidamente pelo Mmº. Juiz, foi proferido o seguinte despacho:
“Face à informação bancária, o Tribunal verifica que o passivo relacionado se encontra liquidado.
A circunstância invocada pelo cabeça de casal de ter sido ele a liquidar os créditos é suscetível de consubstanciar um direito de crédito deste sobre a interessada, porém face à posição desta no sentido de desconhecer quem procedeu ao pagamento e, no caso de ter sido o cabeça de casal se foi com bens comuns ou próprios, estamos perante matéria controvertida que deverá ser apreciada em acção autónoma.
Com efeito os elementos constantes dos autos não nos permitem, com segurança, saber a que respeitam os créditos e que fundos foram usados para os liquidar, remetendo-se os interessados para os meios comuns a fim de discutirem tal questão, matéria que pela complexidade e prova a produzir não se compadece com caracter incidental dos presentes autos (cf. art 1106, n.º 3, do CPC, a contrario).
Notifique.

Seguidamente, o Ilustre Mandatário da requerente pediu a palavra e no uso da mesma foi dito que não prescinde do depósito de tornas relativas as verbas 2, 3, 4, 5 e 7 a 14 que não suscitam quaisquer duvidas e foram adjudicadas em resultado da presente diligência.
Pelo Ilustre Mandatário do cabeça de casal foi dito que é prematura a reclamação quanto as tornas uma vez que entende ser credor, e não devedor da interessada AA, tanto mais que reclamará o seu crédito em sede própria sem prejuízo obviamente da possibilidade de recurso do douto despacho acabado de proferir.
Seguidamente pelo Mmº. Juiz, foi proferido o seguinte despacho:
“Atendendo a que as tornas reclamadas pela interessada AA respeitam a verbas relativamente as quais não há qualquer litígio, o pagamento das mesmas ocorrerá nos termos legais (cf art 1121.º do CPC)”.
Ordenou-se a notificação das partes nos termos e para efeitos do disposto no art. 1120.º, n.º 1, do CPC.
Veio o interessado/cabeça de casal, BB recorrer do despacho proferido na conferência de Interessados realizada no dia 7 de novembro de 2022, que determinou a remessa dos Interessados para os meios comuns.

Por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães e já transitado em julgado julgou-se procedente o recurso, e em consequência revogou-se o despacho recorrido, determinando-se que a questão em causa fosse apreciada e decidida nos próprios autos, podendo ser produzida a prova que for considerada necessária.
Face ao teor do Acórdão supra referido, ordenou-se a notificação das partes para, em 10 dias, indicarem os requerimentos probatórios com vista à produção de prova da matéria controvertida.

Veio BB, apresentar requerimento probatório:
“Prova:
I. DOCUMENTAL: os documentos já constantes dos autos, nomeadamente:
a) Relação de bens apresentada em 12.05.2016 e os documentos n.º 7 e 8 que a instruíram;
b) Reclamação contra a relação de bens de 06.06.2016, em especial o referido no item 5º;
c) Declaração da Banco 1... junta pela Interessada AA em 23.02.2022 a comprovar que o passivo relacionado sob as verbas n.º 1, 2 e 3 da relação de bens se encontra liquidado desde ../../2018;
d) Documentos juntos pelo cabeça de casal no requerimento de 25.02.2022;
e) Declaração do Banco 2... S.A., junta pela Interessada AA em 28.02.2022, a atestar que a verba n.º 4 do passivo se encontra liquidada desde ../../2014, isto é, após a data da dissolução do casamento (../../2013);
f) Requerimento apresentado pela Interessada AA em 10.03.2022 e a confissão aí constante quanto a quem e de que forma liquidou o remanescente do passivo comum do casal;

II. DOCUMENTOS EM PODER DE TERCEIROS:
a) Requer a Vossa Excelência se digne ordenar oficiar o Banco 2... S.A., com sede na Rua ..., ..., por referência ao crédito consumo premium número ...96, contraído em 27.03.2009 no montante de 11.057,97 €, no sentido de informar e comprovar documentalmente, nos presentes autos;
a) qual o valor que se mostrava em dívida em ../../2013 (data do divórcio),
b) desde que data o crédito se encontra integralmente liquidado;
c) valor integral dos encargos suportados no âmbito desse contrato de crédito após ../../2013;
e) proveniência dos fundos utilizados na liquidação dos montantes vencidos após ../../2013;
b) Requer a Vossa Excelência se digne ordenar oficiar o Banco 2... S.A., com sede na Rua ..., ..., por referência ao contrato de mútuo com hipoteca n.º ...00, contraído em ../../2018 pela mutuária EE no montante de 150.000,00 € (cento e cinquenta mil euros), no sentido de informar e comprovar documentalmente a) como procedeu à entrega do capital mutuado à mutuária, juntando cópia do(s) cheque(s) ou transferência(s) bancárias,
b) identificação das garantias do mútuo e, tratando-se de imóvel, a identificação matricial e registral do mesmo;
c) se o montante mutuado serviu, no todo ou em parte, para liquidar dívida(s) garantida(s) pelo(s) mesmo(s) bem(s) e obter o cancelamento de ónus ou encargos incidentes sobre o mesmo, e em caso afirmativo, proceder à identificação do imóvel e ónus cancelados;
c) Requer a Vossa Excelência se digne ordenar oficiar a Banco 1... S.A., sita na Praça ..., ... ...:
c.1. Por referência ao contrato de empréstimo n.º ...85, contraído em 30.05.2003 pelo montante de 100.000,00 € (cem mil euros), no sentido de informar e comprovar documentalmente, nos presentes autos;
a) qual o valor que se mostrava em dívida em ../../2013 (data do divórcio),
b) desde que data o crédito se encontra integralmente liquidado, juntando cópia do meio (cheque ou transferência) através do qual se procedeu à liquidação antecipada;
c) valor integral dos encargos suportados no âmbito desse contrato de crédito após ../../2013;
d) proveniência dos fundos utilizados na liquidação do valor que se mostrava em dívida em ../../2013 e na liquidação do valor residual;
e) se o empréstimo se encontrava garantido por hipoteca e, em caso afirmativo, a identificação do imóvel, o registo do ónus, e quando e de que forma se procedeu ao distrate;
c.2. Por referência ao contrato de empréstimo n.º ...85, contraído em 23.02.2004 pelo montante de 20.000,00 € (vinte mil euros), no sentido de informar e comprovar documentalmente, nos presentes autos; a) qual o valor que se mostrava em dívida em ../../2013 (data do divórcio), b) desde que data o crédito se encontra integralmente liquidado juntando cópia do meio (cheque ou transferência) através do qual se procedeu à liquidação antecipada; c) valor integral dos encargos suportados no âmbito desse contrato de crédito após ../../2013; d) proveniência dos fundos utilizados na liquidação do valor que se mostrava em dívida em ../../2013 e na liquidação do valor residual; e) se o empréstimo se encontrava garantido por hipoteca e, em caso afirmativo, a identificação do imóvel, o registo do ónus, e quando e de que forma se procedeu ao distrate;
c.3. Por referência ao contrato de empréstimo n.º ...85, contraído em 09.11.2007 pelo montante de 34.000,00 € (trinta e quatro mil euros), no sentido de informar e comprovar documentalmente, nos presentes autos;
a) qual o valor que se mostrava em dívida em ../../2013 (data do divórcio), b) desde que data o crédito se encontra integralmente liquidado juntando cópia do meio (cheque ou transferência) através do qual se procedeu à liquidação antecipada; c) valor integral dos encargos suportados no âmbito desse contrato de crédito após ../../2013; d) proveniência dos fundos utilizados na liquidação do valor que se mostrava em dívida em ../../2013 e na liquidação do valor residual; e) se o empréstimo se encontrava garantido por hipoteca e, em caso afirmativo, a identificação do imóvel, o registo do ónus, e quando e de que forma se procedeu ao distrate;
c.4. Juntar aos presentes autos cópia do cheque n.º ...51 no valor de 23.586,88 €, do cheque n.º ...53 no valor de 13.844,27 €, e do cheque n.º ...55 no valor de 65.172,88 €, identificando de onde provieram tais fundos, o titular dos mesmos, e qual o destino dado aos montantes titulados por esses cheques;
(…)
Face à posição assumida pela interessada CC veio o interessado BB alegar que os documentos solicitados e que se encontram em poder de terceiros reportam-se a documentos bancários que se encontram no arquivo das respetivas instituições financeiras.
Como é evidente, em face da matéria controvertida e da natureza dos documentos
solicitados, estes mostram-se, per si, capazes de demonstrar quem e de que forma liquidou o remanescente do passivo comum do casal e de onde provieram tais fundos, devendo tais informações ser prestadas diretamente pelos respetivos credores de modo a que a Interessada CC não venha impugnar o seu teor e autenticidade, como certamente viria caso fosse o cabeça de casal a proceder à sua junção aos autos,
Além de que parte considerável de tais documentos não se encontram na esfera de disponibilidade do cabeça de casal, como é o caso dos documentos em poder da Banco 1... relativos à liquidação do remanescente dos respetivos créditos.
Em face do exposto, e na medida em que tais informações não se encontram integralmente na esfera de disponibilidade do cabeça de casal e só poderão ser alcançadas de forma fidedigna e cabal se prestadas pelas instituições financeiras em causa, requer a V. Exa. Se digne admitir a obtenção dos documentos solicitados juntos das instituições financeiras identificadas, tudo conforme consta do requerimento probatório.
Foi então proferido o seguinte despacho:
“Proceda em tudo como requerido no ponto II. DOCUMENTOS EM PODER DE TERCEIROS do requerimento ref. ...43”.
Em resposta veio o Banco 2... alegar o seguinte:
Exmo. Mmº Juiz de Direito,
Temos presente o ofício de V. Exas., acima referenciado no assunto deste correio eletrónico, que mereceu a nossa melhor atenção, sobre o qual informamos que, nos termos dos artsº. 78º e 79º do Diploma que regulamenta o Regime Geral das Instituições de Crédito, as informações solicitadas encontram-se abrangidos pelo segredo bancário, não nos sendo possível facultá-las, sem obtermos, previamente, autorização do(s) respetivo(s) Titular(es).
Pelos motivos invocados, requeremos a V. Exas., que nos sejam facultadas as competentes autorizações, a fim de darmos cumprimento ao solicitado com o envio dos elementos e informações solicitados.
O Banco 2..., SA privilegia a comunicação via correio eletrónico atenta a procura de maior rapidez e eficácia, pelo que todas as comunicações neste processo serão realizadas por essa via.
O endereço eletrónico a utilizar é o seguinte: ..........@......
A correspondência recebida via correio tradicional oriunda de entidades oficiais (nomeadamente Tribunais, Procuradoria da República, etc.), é digitalizada para que possa ser tratada e respondida.
Desde já, agradecemos a v/ compreensão para algum prazo que possa não ser cumprido.
Permanecemos ao dispor para qualquer esclarecimento adicional que se mostre necessário”.

Notificada para dar autorização, a interessada CC veio apresentar requerimento informando não dar consentimento ao levantamento do sigilo bancário, face à recusa do banco em fornecer os elementos solicitados.

Foi então proferido despacho segundo o qual:
“(…)
Cumpre despoletar o incidente de levantamento de sigilo bancário, consignando-se que consideramos que a escusa é legítima uma vez que estamos perante a intromissão na vida privada ou familiar – artigo 417º, n.º 3, alínea b) do CPC.
A situação processual deverá ser resolvida pelo recurso ao mecanismo estabelecido no artigo 182º do Código de Processo Penal, aplicável por força do disposto no artigo 417º, nº4 do Código de Processo Civil.
Nos termos da indicada disposição legal, “as pessoas indicadas nos artigos 135º a 137º apresentam à autoridade judiciária, quando esta o ordenar, os documentos ou quaisquer objectos que tiverem na sua posse e devam ser apreendidos, salvo se invocarem, por escrito, segredo profissional ou de Estado” (nº 1) e “se a recusa se fundar em segredo profissional ou de funcionário, é correspondentemente aplicável o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 135º e no nº 2 do artigo 136º” (nº 2).
Assim, e ao abrigo do disposto no artigo 135º, nº 3 do Código de Processo Penal, por remissão do artigo 417º, nº 4 do Código de Processo Civil, sendo a recusa legítima, como de facto é, só um Tribunal Superior pode decidir sobre a quebra do segredo bancário segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, através de intervenção suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.
Ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 182º, nº 2 e 135º, nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal, aplicáveis por remissão do artigo 417º, nº 4 do Código de Processo Civil, remeta o presente apenso ao Tribunal da Relação de Guimarães a fim de ser decidido o incidente, devendo previamente instruir com os seguintes elementos:
- Relação de Bens;
- Reclamação;
- Resposta do cabeça-de-casal ;
- Despacho a solicitar informações bancárias;
- Recusa bancária em fornecer as requeridas informações;
- Requerimento da interessada a não autorizar a informação bancária;
- Requerimento a solicitar a quebra do sigilo;
- Presente despacho
(…)”.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir:

A questão a decidir é a de determinar se, sendo a recusa do Banco 2..., SA”, legítima, existe fundamento para a dispensa do sigilo bancário.
*
III. Fundamentos de facto:

Considerar-se-ão os factos que resultam do relatório supra.
*
IV. Fundamentos de direito:

Suscitou-se, na pendência dos autos de inventário para partilha dos bens comuns do casal em razão do divórcio decretado por decisão já transitada em julgado instaurados por AA contra BB, o incidente para o levantamento do sigilo bancário, nos termos e para os efeitos previstos no artº 417º do Código de Processo Civil, nos termos e fundamentos acima expostos, estando em causa apurar se é legítimo ao Banco 2... invocar o segredo bancário, para não prestar as informações solicitadas e a ser legítima a escusa, se nas concretas circunstâncias se justifica dispensar o segredo bancário.
Ora, de acordo com o disposto no nº 1 do artº 417º do Código de Processo Civil “Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados”.
Efetivamente, o dever de cooperação previsto no artº 7º do Código de Processo Civil, não se mostra exclusivo das partes, estendendo-se a terceiros, designadamente, quando a sua colaboração se revele necessária para averiguar factos relevantes para a decisão do litígio (neste sentido Código de Processo Civil Anotado, Drs Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Vol. I, 2ª edição, pág 510).
A recusa de colaboração é passível de ser sancionada com a aplicação de uma multa, sem prejuízo da aplicação de quaisquer outros meios coercivos.

Porém, tal recusa poderá mostrar-se legítima nos casos previstos no nº 3 do artº 417º do Código de Processo Civil, a saber:
“ a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;
c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no nº 4. “

Prevê o nº 4 do citado normativo legal que “deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado”.
Da leitura dos preceitos acima transcritos resulta que, quanto à possível quebra dos deveres de sigilo propriamente dito, a lei de processo remete para o estatuído no Código de Processo Penal, “por se entender que não seria viável estabelecer no âmbito das ações cíveis um sistema mais facilitado ou menos solene de apreciação das escusas apresentadas” (Acordão da Relação do Porto de 7 de março de 2022, relatado pela Srª Desembargadora Ana Paula Amorim, in www.dgsi.pt).
O nº 3 do artº 135º do Código de Processo Penal estatui o procedimento a adotar e competência para a decisão, nomeadamente, o critério a seguir na apreciação do pedido de dispensa de sigilo, estabelecendo “(…) O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento”.

Seguindo-se aqui de perto o Acórdão atrás citado, na parte em que cita os Comentários ao Código de Processo Civil, do Dr. Lopes do Rego, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 363, suscitada a escusa, podem verificar-se três situações:
- invocada a escusa e havendo dúvidas fundadas sobre a invocação, é ao juiz da causa que compete proceder às averiguações necessárias e – caso conclua pela ilegitimidade da escusa – determinar a forma de cooperação requerida;
- sendo a escusa fundada em sigilo efetivamente existente, é ao tribunal imediatamente superior àquele em que o incidente se tiver suscitado que incumbe decidir da efetiva prestação da cooperação requerida, com preterição do dever de sigilo, face ao princípio da prevalência do interesse preponderante;
- estando em causa sigilo profissional, a decisão do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão com ele relacionada, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a tal organismo seja aplicável.

Suscitada junto do Tribunal de 1ª instância, nos termos do nº 3 do artº 135º do Código de Processo Penal, a escusa com fundamento em sigilo, cumpre ao Tribunal da Relação decidir o incidente de dispensa do sigilo “segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos”.
Invocado o dever de segredo por parte de instituição bancária, tal escusa será legitima quando resultar do cumprimento de um dever legal, ou seja, do cumprimento do dever de segredo a que a instituição bancária está obrigada nos termos do artº 78º do Decreto Lei nº 298/92, de 31 de dezembro e ilegítima quando o facto ou elemento solicitado não estiver compreendido no âmbito do sigilo bancário ou quando tiver havido consentimento do titular da conta, sendo que, neste último caso, decorre do nº 2 do art. 135º Código de Processo Penal que o próprio tribunal onde ela é efetuada ordena, oficiosamente ou a pedido, a prestação das informações, não podendo a instituição bancária subtrair-se ao cumprimento do ordenado.
Encontrando-se os elementos abrangidos pelo invocado segredo e não existindo autorização por parte do titular da conta, estaremos perante uma situação de legitimidade da escusa e assim sendo, a obtenção das informações bancárias já não poderá ser determinada sem a ponderação dos interesses que se mostram em confronto, a saber, os interesses protegidos pelo segredo bancário e os interesses na realização da justiça.
Tal ponderação será levada a efeito no âmbito do incidente de quebra do segredo profissional, suscitado no tribunal imediatamente superior àquele onde a escusa tiver ocorrido.
O regime do sigilo bancário é atualmente estabelecido no Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de dezembro que, conforme resulta do nº 1 do seu artº 1º “(…) regula o processo de estabelecimento e o exercício da atividade das instituições de crédito e sociedades financeiras”.
O segredo bancário é ainda tutelado pela Lei de Proteção de Dados Pessoais face à Informática, aprovada pela Lei nº 10/91 de 29/04, com as alterações introduzidas pela Lei nº 28/94 de 29/08, os quais foram substituídos pela Lei 67/98 de 26/10 – Lei de Proteção de Dados Pessoais –que transpôs para a ordem interna a Diretriz nº 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 24/10 e ainda, pela Lei 41/2004 de 18/08 que transpôs a Diretriz nº 2002/58/CE de 12/07 relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no sector das comunicações eletrónicas.

Ora, no que ao segredo profissional a que as instituições bancárias e financeiras estão sujeitas, diz respeito, estabelece o do artº 78º o seguinte:
1. Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços;
2. Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias;
3 – O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou dos serviços”.

Prevê, no entanto, o artº 79º do referido regulamento exceções ao dever de segredo a que as instituições bancárias e respetivos funcionários estão vinculados, consignando que os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados, nos termos do nº 1, mediante autorização do cliente transmitida à instituição e fora desses casos, o nº. 2 estipula que “Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:
(…)
e)Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal;
(…)
h) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo”.
Decorre pois, dos preceitos atrás citados que a dispensa do segredo bancário pode resultar da expressa autorização do cliente, dos limites impostos pela lei e de decisão do tribunal superior, com fundamento no princípio da prevalência do interesse preponderante.
Ora, no caso em apreço, em causa está o fornecimento de informações provenientes do regular exercício da atividade bancária e financeira exercida por uma instituição publicamente acreditada a funcionar no mercado nacional conforme aprovação prévia da competente entidade reguladora, sujeita ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, nos termos do Decreto-Lei nº 298/92 de 31 de dezembro e que, no caso sub judice, é interveniente acidental nos presentes autos.
Efetivamente, o interessado e cabeça de casal nos presentes autos de inventário veio nos mesmos invocar a existência de um direito de crédito sobre a interessada AA, sendo certo que esta que não aceita o passivo, face à absoluta inexistência de documento que suportem que o pagamento foi feito pelo cabeça de casal e que face a informação bancária da liquidação dos empréstimos deverá considerar-se que inexiste passivo, desconhecendo além do mais se o pagamento foi feito com verbas próprias ou comuns.
Pelo cabeça de casal foi referido que o pagamento dos créditos foi feito com o produto da venda do bem próprio onde foram incorporadas as benfeitoras
Porquanto se entendeu que a circunstância invocada pelo cabeça de casal de ter sido ele a liquidar os créditos é suscetível de consubstanciar um direito de crédito deste sobre a interessada, porém face à posição desta no sentido de desconhecer quem procedeu ao pagamento e, no caso de ter sido o cabeça de casal se foi com bens comuns ou próprios, ordenou-se a notificação das partes para, em 10 dias, indicarem os requerimentos probatórios com vista à produção de prova da matéria controvertida.

Veio BB, apresentar requerimento probatório, no que ao caso importa:

II. DOCUMENTOS EM PODER DE TERCEIROS:
a) Requer a Vossa Excelência se digne ordenar oficiar o Banco 2... S.A., com sede na Rua ..., ..., por referência ao crédito consumo premium número ...96, contraído em 27.03.2009 no montante de 11.057,97 €, no sentido de informar e comprovar documentalmente, nos presentes autos;
a) qual o valor que se mostrava em dívida em ../../2013 (data do divórcio),
b) desde que data o crédito se encontra integralmente liquidado;
c) valor integral dos encargos suportados no âmbito desse contrato de crédito após ../../2013;
e) proveniência dos fundos utilizados na liquidação dos montantes vencidos após ../../2013;
b) Requer a Vossa Excelência se digne ordenar oficiar o Banco 2... S.A., com sede na Rua ..., ..., por referência ao contrato de mútuo com hipoteca n.º ...00, contraído em ../../2018 pela mutuária EE no montante de 150.000,00 € (cento e cinquenta mil euros), no sentido de informar e comprovar documentalmente a) como procedeu à entrega do capital mutuado à mutuária, juntando cópia do(s) cheque(s) ou transferência(s) bancárias,
b) identificação das garantias do mútuo e, tratando-se de imóvel, a identificação matricial e registral do mesmo;
c) se o montante mutuado serviu, no todo ou em parte, para liquidar dívida(s) garantida(s) pelo(s) mesmo(s) bem(s) e obter o cancelamento de ónus ou encargos incidentes sobre o mesmo, e em caso afirmativo, proceder à identificação do imóvel e ónus cancelados.

Ou seja, é a informação relativa a dois contratos, um de crédito consumo premium número ...96, contraído em 27.03.2009 no montante de 11.057,97 €, no sentido de informar e comprovar documentalmente, nos presentes autos;
a) qual o valor que se mostrava em dívida em ../../2013 (data do divórcio),
b) desde que data o crédito se encontra integralmente liquidado;
c) valor integral dos encargos suportados no âmbito desse contrato de crédito após ../../2013;
e) proveniência dos fundos utilizados na liquidação dos montantes vencidos após ../../2013;
e outro, de mútuo com hipoteca n.º ...00, contraído em ../../2018 pela mutuária EE no montante de 150.000,00 € (cento e cinquenta mil euros), no sentido de informar e comprovar documentalmente
a) como procedeu à entrega do capital mutuado à mutuária, juntando cópia do(s) cheque(s) ou transferência(s) bancárias,
b) identificação das garantias do mútuo e, tratando-se de imóvel, a identificação matricial e registral do mesmo;
c) se o montante mutuado serviu, no todo ou em parte, para liquidar dívida(s) garantida(s) pelo(s) mesmo(s) bem(s) e obter o cancelamento de ónus ou encargos incidentes sobre o mesmo, e em caso afirmativo, proceder à identificação do imóvel e ónus cancelados.
Ora, o Banco 2..., SA, escusou-se a fornecer a informação ao abrigo do segredo bancário, com fundamento no artº 78º do DL 298/92 de 31/12 porquanto as informações solicitadas encontram-se abrangidos pelo segredo bancário, não nos sendo possível facultá-las, sem obter, previamente, autorização do(s) respetivo(s) Titular(es), autorização que não foi obtida.
Proferiu então, o Tribunal de 1ª instância, decisão julgando legítima e fundada a invocação do sigilo bancário por parte do notificando “Banco 2..., SA,”, nos termos do art. 78º, nº 2 do DL nº 298/92, de 31/12 e determinando a instrução do incidente de levantamento do sigilo bancário e a sua remessa do presente apenso ao Tribunal Superior com vista a apurar se há fundamento para se proceder à quebra do sigilo bancário.
Ora, face aos factos apurados resulta ser a recusa invocada pelo Banco 2..., SA legitima, atento que o mesmo não pode revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações dela com os seus clientes, cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias a que tem acesso.
 Por outro lado, não se verifica qualquer das situações de exceção enunciadas no artº 79º do DL 298/92 de 31 de dezembro e isto porque dos autos não resulta ter sido obtido o consentimento do(s) titular(es) da(s) conta(s), sendo essas as informações a obter.
Verifica-se que a informação não respeita apenas aos clientes da instituição e que figuram nos autos de inventário, mas abrange informação relativa a terceiros, a saber, EE, mutuária no segundo contrato de mútuo, o que justifica a recusa.
Assim sendo, cabe-nos pronunciar sobre o levantamento do sigilo ponderando o interesse preponderante, tendo-se ainda em atenção que a quebra do sigilo, não poderá ir para além do necessário (neste sentido o Dr Menezes Cordeiro, in Manual de Direito Bancário, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 273 e Acordão da Relação do Porto de 19 de setembro de 2006, ambos citados no Acordão da Relação do Porto que atrás referimos e acompanhamos).
Conforme refere o Dr Lopes do Rego in Comentários ao Código de Processo Civil, ob. cit., pág. 363-364, também ali citado “(…) cumpre ao Tribunal actuar segundo critérios prudenciais, realizando uma cautelosa e aprofundada ponderação dos delicados e relevantes interesses em conflito: por um lado, o interesse na realização da justiça e a tutela do direito à produção da prova pela parte onerada; por outro lado, o interesse tutelado com o estabelecimento do dever de “sigilo“, maxime “o interesse da contraparte na reserva da vida privada, a tutela da relação de confiança que a levou a confiar dados pessoais ao vinculado pelo sigilo e a própria dignidade do exercício da profissão.
(…)
Daqui decorre que a dispensa do invocado sigilo dependerá sempre de um juízo concreto, fundado na específica natureza da acção e na relevância e intensidade dos interesses da parte que pretende obter prova através daquela dispensa“.
Na situação concreta, resulta dos factos apurados que o juiz do tribunal “a quo“ entendeu relevante para a apreciação da matéria de facto controvertida, a saber, se foi o cabeça de casal a liquidar os créditos e, no caso de ter sido o cabeça de casal se foi com bens comuns ou próprios, obter junto do Banco 2..., SA as seguintes informações:
a) Requer a Vossa Excelência se digne ordenar oficiar o Banco 2... S.A., com sede na Rua ..., ..., por referência ao crédito consumo premium número ...96, contraído em 27.03.2009 no montante de 11.057,97 €, no sentido de informar e comprovar documentalmente, nos presentes autos;
a) qual o valor que se mostrava em dívida em ../../2013 (data do divórcio),
b) desde que data o crédito se encontra integralmente liquidado;
c) valor integral dos encargos suportados no âmbito desse contrato de crédito após ../../2013;
e) proveniência dos fundos utilizados na liquidação dos montantes vencidos após ../../2013;
b) Requer a Vossa Excelência se digne ordenar oficiar o Banco 2... S.A., com sede na Rua ..., ..., por referência ao contrato de mútuo com hipoteca n.º ...00, contraído em ../../2018 pela mutuária EE no montante de 150.000,00 € (cento e cinquenta mil euros), no sentido de informar e comprovar documentalmente
 a) como procedeu à entrega do capital mutuado à mutuária, juntando cópia do(s) cheque(s) ou transferência(s) bancárias,
b) identificação das garantias do mútuo e, tratando-se de imóvel, a identificação matricial e registral do mesmo;
c) se o montante mutuado serviu, no todo ou em parte, para liquidar dívida(s) garantida(s) pelo(s) mesmo(s) bem(s) e obter o cancelamento de ónus ou encargos incidentes sobre o mesmo, e em caso afirmativo, proceder à identificação do imóvel e ónus cancelados.
Ora, tais informações destinam-se a aferir das quantias efetivamente mutuadas pelo Banco 2..., SA aos interessados (ao crédito consumo premium número ...96, contraído em 27.03.2009), se tais mútuos se encontram liquidados e em que data o foram e a proveniência dos fundos para a sua liquidação.
No segundo mútuo (ao contrato de mútuo com hipoteca n.º ...00, contraído em ../../2018 pela mutuária EE no montante de 150.000,00 €) destinam-se as informações solicitadas a saber como procedeu à entrega do capital mutuado à mutuária, juntando cópia do(s) cheque(s) ou transferência(s) bancárias; a identificação das garantias do mútuo e, tratando-se de imóvel, a identificação matricial e registral do mesmo; se o montante mutuado serviu, no todo ou em parte, para liquidar dívida(s) garantida(s) pelo(s) mesmo(s) bem(s) e obter o cancelamento de ónus ou encargos incidentes sobre o mesmo, e em caso afirmativo, proceder à identificação do imóvel e ónus cancelados.
Ora, verificando-se um conflito entre dever de sigilo que impende sobre as instituições de crédito e financeiras e o de cooperação para a realização da justiça, que visa satisfazer interesses mais relevantes, mesmo no âmbito do processo civil, deverá o mesmo ser dirimido no sentido da quebra ou levantamento de tal segredo que afectando interesses privados – o direito à reserva da vida privada e dos dados pessoais -, visa o interesse público da realização da justiça pelos tribunais que devem dispor de todos os elementos necessários para decidirem de acordo com a verdade dos factos.
Revertendo aos autos temos de concluir que não resulta dos factos apurados, que a situação em causa esteja a coberto de qualquer limite ao dever de segredo bancário.
Por outro lado, dos factos apurados, resulta que o meio de prova em causa, no que ao crédito consumo premium número ...96, contraído em 27.03.2009 diz respeito, se mostra relevante, ainda que se possa entender não determinante, para apreciar do incidente em causa, a saber, se foi o cabeça de casal a liquidar os créditos e, no caso de ter sido o cabeça de casal se foi com bens comuns ou próprios.
Faltando tais elementos de prova tornar-se-á mais difícil ao julgador apreciar a posição das partes nos autos e realizar a Justiça que se espera, a saber, como atrás se referiu, apreciar se há lugar a pagamentos efetuados pelo cabeça de casal com bens próprios e, consequentemente, se tem o mesmo um crédito sobre a interessada AA.
Acresce que, as informações bancárias solicitadas estão devidamente determinadas e definidas.
Perante a colisão entre o interesse público de administrar a Justiça e o interesse privado do(s) titular(es) da(s) conta(s) bancária(s) de ver garantida a confidencialidade da sua situação bancária com o correlativo dever do Banco 2..., SA, na qualidade de instituição bancária, manter o sigilo, a necessidade da descoberta da verdade material e a justa composição do litígio, de modo a que se realize a Justiça, no caso concreto, exigem a dispensa do dever de segredo bancário que recai sobre tal Banco, a fim de poder remeter ao tribunal os elementos solicitados pelo tribunal.
O interesse na administração da Justiça prevalece, assim, sobre o interesse privado e por esse motivo, justifica-se dispensar o segredo bancário.
Relativamente ao segundo contrato, a saber, um contrato de mútuo com hipoteca celebrado com a mutuária EE no montante de € 150.000,00, entendemos que sendo esta pessoa terceira relativamente aos autos, não tendo sido notificada para dar o seu consentimento,  e não sendo possível descortinar dos autos a relevância do montante que lhe terá sido mutuado para efeitos de pagamentos efetuados pelo interessado cabeça de casal, entendemos que a não obtenção de tais informações não acarretará, dadas as questões controvertidas em causa, qualquer prejuízo para o requerente, motivo porque, relativamente a estas não se atenderá ao requerido.
*
V. Decisão:

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação de Guimarães em deferir, parcialmente, o incidente e nessa conformidade, ao abrigo do nº 4 do artº 417º, 4 do Código de Processo Civil e nº 3 do artº 135º do Código de Processo Penal, dispensar o Banco 2..., do dever de segredo bancário devendo fornecer ao Proc. 1509/20.... as seguintes informações:

“por referência ao crédito consumo premium número ...96, contraído em 27.03.2009 no montante de 11.057,97 €, no sentido de informar e comprovar documentalmente, nos presentes autos;
a) qual o valor que se mostrava em dívida em ../../2013 (data do divórcio),
b) desde que data o crédito se encontra integralmente liquidado;
c) valor integral dos encargos suportados no âmbito desse contrato de crédito após ../../2013;
e) proveniência dos fundos utilizados na liquidação dos montantes vencidos após ../../2013”
No demais, julga-se improcedente o incidente.
Custas a cargo do interessado/cabeça de casal.
*
Guimarães, 23 de janeiro de 2025

Relatora: Margarida Pinto Gomes
Adjuntas: Fernanda Proença Fernandes
Elisabete Alves