DECLARAÇÕES DE PARTE
FORÇA PROBATÓRIA DO DOCUMENTO PARTICULAR
COLIGAÇÃO DE CONTRATOS
CONTRATO PROMESSA
RESTITUIÇÃO DO SINAL
ACTUALIZAÇÃO
Sumário


1. Tendo as declarações de parte sido legalmente consagradas como um meio de prova a ser livremente valorado subscrevemos o entendimento que sufraga a paridade valorativa das declarações de parte com os demais meios de prova que o legislador consagrou, em especial nas situações em que as partes tenham tido uma percepção directa privilegiada dos factos e sejam reduzidas as possibilidade de produção de outros meios de prova (documental, testemunhal ou pericial), sem prejuízo, obviamente, de na sua valoração e apreciação crítica, para atendibilidade na formação da convicção ser ponderada a especial ligação dos declarantes aos factos e o natural interesse no desfecho da lide, bem como a relevância de outros elementos de prova que apontem e coadjuvem o sentido probatório que das mesmas decorre.
2. A força probatória do documento particular circunscreve-se, assim, no âmbito das declarações (de ciência ou de vontade) que nela constam como feitas pelo respectivo subscritor e, nessa medida, ainda que demonstrada a autoria de um documento, daí não resulta necessariamente que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, ou por outras palavras, daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos.
3. Entre os autores e a ré foi celebrado um acordo com vista à futura celebração de dois contratos distintos e no âmbito do qual, satisfazendo o interesse de ambas, as partes se vincularam mutuamente:
- a celebrar um contrato de compra e venda de metade do prédio aí identificado, mediante o qual a ré se comprometeu a vender aos autores 50% (metade) do prédio misto identificado no contrato promessa, pelo valor de 25 mil contos;
- a realizar uma troca, “permuta”, (embora como tal não tenha sido qualificado no contrato), entre a metade do prédio prometida vender aos AA, onde a ré subsequentemente ficou autorizada a construir prédios em propriedade horizontal, e a entrega pela ré, em contrapartida, de 10% da construção que aí edificasse.
4. Perante as cláusulas contratuais fixadas entre as partes no contrato promessa celebrado, evidencia-se a existência de dois contratos coligados e funcionalmente ligados entre si, celebrados no mesmo momento e através do mesmo título, com obrigações e efeitos distintos para as partes, mormente quanto aos respectivos efeitos translativos da compra e venda prometida do prédio e das fracções a construir no mesmo, prometidas entregar aos AA como “compensação” pelo valor do prédio ocupado com a sua construção, e que se interligam, mas não se confundem.
5. O regime previsto no artigo 442º do Código Civil, nos seus n.s 2 a 4, estabelece uma forma de indemnização pré-definida do promitente a quem é imputável o incumprimento do contrato-promessa, tendo havido sinal passado e na falta da convenção em contrário.
6. Nessa medida, a definição do montante indemnizatório nos termos do art. 442.º do CC, dispensa a prova de que o promitente não faltoso sofreu efectivamente prejuízos e exclui o ressarcimento de quaisquer prejuízos que excedam o quantum indemnizatório aí encontrado.

Texto Integral


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

AA e outros intentaram a presente acção contra “EMP01... Lda.”, pedindo a condenação da ré a restituir-lhes o dobro das quantias que lhe pagaram até 1989 – ascendendo essas quantias ao valor, convertido em euros, de 132.462,75 €, o qual, por aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda fixado para o ano de 1989, hoje corresponde a 340.429,26 € –, num total de 680.858,52 €, a que devem acrescer juros de mora à taxa legal e anual de 4%.

Alegaram para tanto, em síntese, o seguinte:

- Mediante acordo escrito celebrado em ../../1989, a ré prometeu vender aos autores e estes prometeram comprar-lhe metade indivisa de um prédio misto, pelo preço de 25 milhões de escudos, correspondentes a 124.699,47 €, a pagar em prestações, o qual já se encontra integralmente pago;
- Mais estipularam que a ré poderia ocupar o referido prédio com a construção de edifícios, para venda no regime de propriedade horizontal, caso em que deveria aos autores uma compensação correspondente a uma percentagem da construção – 10% das fracções do rés-do- chão e dos andares e, por cada um dos apartamentos assim calculados, uma garagem individual na cave do respectivo edifício;
- Acordaram ainda que as despesas a suportar até que a totalidade do prédio misto ficasse apto para nele se iniciar qualquer edificação, nomeadamente com a desocupação do caseiro, projectos, encargos fiscais, infraestruturas urbanísticas, etc., seriam suportadas por ambas as ambas e na proporção de 50%;
- A este título os autores pagaram um total de 1.556.400$00, correspondente a 7.763,28 €;
- O valor total de 132.462,75 € despendido pelos autores corresponde hoje, por aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda fixado para o ano de 1989, a 340.429,26 €;
- Dadas as relações de amizade e familiares entre os autores e os representantes da ré, foi-se protelando a realização da escritura ou escrituras, bem como a execução do empreendimento nos termos projectados;
- Em 14.07.2004, sem o conhecimento ou o consentimento dos autores, a ré transmitiu para a sociedade comercial EMP02... – Construção Civil e Compra e Venda de Propriedades, Lda. a posse e a propriedade do prédio misto objecto do contrato promessa, conforme escritura pública de permuta que juntam, actuando de modo consciente e voluntário, com a vontade objectiva de deixar de cumprir o contrato promessa outorgado com os Autores, em virtude de ter deixado de ser a proprietária do prédio misto prometido vender, faltando definitiva e culposamente ao cumprimento do mesmo, pelo que lhe é imputável o incumprimento definitivo do referido contrato promessa;
- Deste modo, deve devolver aos autores o dobro dos valores entregues a título de sinal, como tal se presumindo todas as quantias entregues pelos promitentes compradores, tudo acrescido de juros de mora a contar da citação.

*
A ré, após citação, ocorrida em 28.04.2021, apresentou contestação, pugnando pela improcedência da acção e pela condenação dos autores como litigantes de má-fé.

Alegou para tanto, em síntese, o seguinte:

- Os autores, alegando dificuldades financeiras, não pagaram a totalidade dos valores referidos no contrato promessa, mas antes um total de 21.500.000$00, correspondentes a 107.241,51 €;
- A ré iniciou a construção de um edifício no prédio em causa no ano de 1991, que terminou no ano de 1999, tendo então instado os autores para indicarem a parte da construção que pretendiam, os quais responderam não pretender a construção, mas antes o valor correspondente, visto atravessarem uma grave crise económica e necessitarem de dinheiro para liquidarem responsabilidades pessoais;
- A ré fez saber que não tinha disponibilidade financeira para efectuar qualquer pagamento, replicando os autores que, nesse caso, se daria o contrato por finalizado, sem mais responsabilidade de parte a parte;
- A ré recorreu a um empréstimo, de forma a satisfazer os autores, tendo-lhes entregue em 1999 a quantia global de 12 mil contos, ficando assim o contrato promessa dado sem efeito por acordo de ambas as partes, apesar de nada ter ficado escrito;
- A ré ficou convicta de tal facto, razão pela qual em 2004, procedeu à alienação do imóvel, convicta que lhe pertencia por inteiro e assim induzida pelo comportamento dos autores;
- Não foi estipulado qualquer prazo para o cumprimento do contrato promessa em causa nestes autos, pelo que o mesmo podia ser exigido a todo o tempo;
- No caso de uma obrigação pura ou com prazo em benefício do credor, o prazo de prescrição – que começa a correr quando o direito puder ser exercido – tem início na data da celebração do contrato de que emerge a obrigação;
- Tendo decorrido mais de 20 anos desde a celebração do contrato promessa em questão nestes autos, bem como desde a data do último pagamento efectuado pela ré (1999), prescreveu o direito que os autores pretendem exercer;
- Caso se entenda que não ocorreu a prescrição, o exercício desse direito sempre se traduziria num abuso de direito, nos termos previstos no artigo 334.º do Código Civil.
- Os AA. agem de má-fé pois é falso que nada tenham recebido por conta do contrato, conforme recibos que junta, e apesar de estarem cientes do acordado quanto ao fim do contrato com o pagamento efectuado, não se coibiram de vir exigir o sinal em dobro, factos que são do seu conhecimento pessoal, aduzindo, assim, factos que sabem ser falsos procurando exercer um direito a que sabem não ter direito, pelo que devem ser condenados em multa e indemnização a favor da ré de montante não inferior a 6.000,00€, bem como no pagamento dos honorários do mandatário.
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Os autores pronunciaram-se por escrito sobre as excepções da prescrição e do abuso de direito, pugnando pela sua improcedência, pedindo também a condenação da ré como litigante de má-fé.

Sustentam, em súmula, depois de reiterarem que pagaram integralmente o preço acordado e de negarem os pagamentos que a ré afirma ter efectuado em 1999 – o seguinte:

- As obrigações assumidas pelas partes são contratuais e nunca houve qualquer acordo no sentido de alterar as condições contratuais, sendo certo que, tanto o negócio como qualquer aditamento, alteração ou revogação teriam de fazer-se por documento escrito e assinado pelas partes;
- As relações contratuais vinham-se desenvolvendo normalmente com a construção do edifício e os autores não tinham que estabelecer nenhum prazo para completar o empreendimento, pois isso era da única responsabilidade da ré, não foram notificados para qualquer fim e nunca mostraram desinteresse pelo negócio nem dele desistiram.
- A ré sempre escondeu dos AA. as negociações para venda ou permuta do prédio com terceiros e também escondeu que o tivesse feito, tendo sido com surpresa que recentemente tomaram conhecimento da outorga da escritura de permuta celebrada pela ré com terceiros sobre o prédio objecto do contrato promessa.
- Assim a Ré e os seus representantes, atuando de modo consciente e voluntário, com a vontade objetiva de deixarem de cumprir o contrato promessa outorgado com os Autores, em virtude de terem deixado de ser os proprietários do prédio misto prometido vender, faltaram definitiva e culposamente ao cumprimento do mesmo, pelo que é antes a Ré quem litiga de má fé e por isso deverá ser condenada em multa e indemnização por litigância de mé fé, a fixar pelo Tribunal, atenta a gravidade do seu comportamento.
*
Após a realização de algumas sessões da audiência de julgamento, a ré apresentou articulado superveniente (em 24.10.2023) onde reconhece ter entregue aos autores a quantia de 16.500 contos (1994) e acrescentou que, além desta quantia, no ano de 1999 entregou a quantia de 12.000 contos.
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Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, que julgando parcialmente procedente a acção, condenou a ré nos termos seguintes:

«1. Condeno a ré pagar aos autores o dobro da quantia de € 124.699,47 (cento e vinte e quatro mil seiscentos e noventa e nove euros e quarenta e sete cêntimos);
2. Esta quantia deve ser actualizada desde o ano de 1989 até ao ano de 2004 por aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda de acordo com índice de preços ao consumidor publicado pelo Instituto Nacional de Estatística que foi estabelecido para o ano de 2004;
3. A esta quantia acrescem juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento.
Considero que não ocorreu litigância de má fé porque os autores e a ré limitaram-se a sustentar a sua posição divergente quanto aos factos que estavam em discussão (art. 542º nº1 e 2 do Cód. de Processo Civil).»
*
Inconformada com a decisão, dela recorreu a ré, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões (que se transcrevem parcialmente dada a sua extensão e adução de conclusões que não constituem mera síntese, mas reprodução dos meios de prova):
(…)
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Os autores contra-alegaram, formulando as seguintes conclusões:
(…)
*
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objecto do recurso

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou relativas à qualificação jurídica dos factos, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n. 1, e 5º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.).
Mostra-se também vedado a este tribunal a apreciação e decisão de questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou se versarem sobre matéria de conhecimento oficioso, desde que os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Face às conclusões do recurso, as questões a decidir são as seguintes:

a) Nulidade da sentença por condenação para além do pedido;
b) Apreciação da impugnação da matéria de facto;
c) Apreciação de direito feita na decisão recorrida, em função da alteração da matéria de facto ou independentemente desta, considerando a natureza dos acordos celebrados entre as partes; o incumprimento do contrato e sanção legalmente
prevista e sua quantificação, bem como, saber se a mesma é susceptível de actualização monetária; abuso de direito, em função dos factos apurados na acção.
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III – Fundamentação fáctica.

Na decisão proferida foram dados como provados os seguintes factos:

Resultaram provados os seguintes factos:
1. A ré dedicava-se à actividade de construção civil;
2. No dia 10 de Janeiro de 1989 os autores e a ré celebraram o acordo intitulado contrato promessa de compra e venda que consta do documento de fls. 15 verso a 17 verso e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
3. Ficou acordado o seguinte:
- A ré prometeu vender aos autores metade do prédio misto sito no Campo ..., em ..., inscrito actualmente nos art. ...73..., ...74... e ...41º da matriz predial respectiva, pelo preço de 25.000 contos (€ 124.699,47);
- A metade do prédio misto que a ré prometeu vender aos autores podia ser ocupada na totalidade ou apenas em parte pela construção de edifícios em propriedade horizontal para venda pela ré;
- Nesta situação a ré entregava aos autores 10% das fracções autónomas de rés do chão e andares da construção que fosse aprovada;
- As despesas com o prédio até que ficasse apto para construção seriam suportadas em metade pelos autores e pela ré.
4. Nos anos de 1988 e 1989 os autores entregaram à ré a quantia de 25.000 contos e suportaram metade das despesas relativas ao prédio no valor de 1.556.400$00 (€ 7.763,28);
5. No ano de 1991 foi aprovada a construção pela ré de um edifício denominado ... numa parcela de terreno junto ao prédio;
6. Uma parte deste edifício ocupava o prédio;
7. No ano de 1994, atendendo ao acordo que tinha sido celebrado, a ré entregou aos autores a quantia de 16.500 contos (€ 82.301,65) pela construção que tinha sido executada nesta parte do prédio, sendo o montante de 4.125 contos (€ 20.575,41) para cada um dos autores;
8. No dia 14 de Julho de 2004, por escritura pública de permuta celebrada no Cartório Notarial ..., a ré declarou que permutava o prédio à sociedade comercial EMP02... - Construção Civil e Compra e Venda de Propriedades, Ldª recebendo em troca quatro fracções autónomas destinadas a habitação;
9. Nesta escritura pública foi atribuído ao prédio o valor declarado de € 320.000,00;
10. A ré foi citada para a presente acção no dia 28 de Abril de 2021.
2. Factos não provados:
Com relevância para a decisão da causa não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente os seguintes:
1. No ano de 1999 a ré entregou aos autores a quantia de 12.000 contos (€ 59.855,74);
2. Na mesma altura a ré e os autores acordaram que o acordo que tinha sido celebrado ficava sem efeito.
*
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IV. Fundamentação:

i) Da nulidade da decisão por condenação para além do pedido- artigo 615º n.1 al. e) do CPC.

O art. 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é do seguinte teor:
É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

A apelante invoca a nulidade da sentença proferida sustentada na previsão da alínea e) do n.1 do citado artigo 615º do CPC, porquanto, em seu entender, tendo sido peticionado pelos autores que a quantia que entregaram a título de sinal deve ser atualizada por aplicação direta do coeficiente de desvalorização da moeda, nos termos da Portaria 220/2020 de 21 de Setembro e tendo a sentença condenado na sua actualização de acordo “com índice de preços ao consumidor publicado pelo Instituto Nacional de Estatística que foi estabelecido para o ano de 2004, ultrapassou claramente o peticionado, já que, segundo alega, o índice de desvalorização da moeda e o índice de preços ao consumidor são coisas diferentes.
Vejamos:
Como se depreende da leitura do normativo em epigrafe, as situações previstas no n.º 1 do art. 615.º do CPC – excepcionada a da al. a) - conducentes à nulidade da sentença têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença, também designados por erros de atividade ou de construção da própria sentença, os quais não se confundem com eventual erro de julgamento de facto ou de direito.
No que se reporta concretamente à nulidade arguida, prevista na al. e) do n.º 1 do citado art. 615.º - emergente de uma condenação em quantidade superior ao pedido (ultra petitum) e/ou em objecto diverso do pedido – está em causa uma decorrência da violação do princípio do dispositivo previsto no n.º 1 do art. 609.º do C.P.C., referente aos limites da condenação, segundo o qual a sentença não pode exceder os limites quantitativos e qualitativos do pedido.
Ou seja, como se salienta no Ac. do STJ de 08-02-2018, in www.dgsi.pt, tal nulidade deriva da conformidade com o princípio da coincidência entre o teor da sentença e o objecto do litígio (a pretensão formulada pelo autor, que se identifica pela providência concretamente solicitada pelo mesmo e pelo direito que será objecto dessa tutela), o qual, por sua vez, constitui um corolário do princípio do dispositivo (art. 3º, nº 1, do CPC).
Reportando à situação dos autos, constata-se que os AA. peticionaram que, face ao incumprimento da ré do contrato-promessa com esta celebrado, fosse a mesma condenada a pagar a estes o dobro das quantias entregues no âmbito do mesmo, actualizada de acordo com a inflação e tabelas do INE fixadas na Portaria n.º 220/2020, de 21 de setembro de 2020, e que referente ao ano de 1989 o coeficiente publicado e declarado é de 2,57.
Por seu turno, na sentença proferida nos autos foi considerado que a quantia a que os AA. têm direito deve ser actualizada, mas por aplicação do índice de preços ao consumidor publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, uma vez que se considerou ser o critério mais fidedigno para compensar a desvalorização monetária.
Como claramente se evidencia do articulado inicial, o que está em causa no pedido formulado na acção pelos autores é, para além do mais e no que ora releva, a actualização monetária da quantia que pugnam e peticionam nos autos, devida pelo alegado incumprimento da ré do contrato-promessa celebrado e que fazem assentar nos coeficientes de desvalorização da moeda para efeitos de correcção monetária dos valores de aquisição de determinados bens e direitos de acordo com a Portaria n.º 220/2020 (quadro anexo a este diploma e a que se referem os artigos 47º do Código de IRC e 50º do Código de IRS para efeitos de determinação da matéria colectável dos referidos impostos), sendo certo que a decisão condenatória não foi além do objecto peticionado, nem do pedido formulado a esse título, porquanto, o que fez, foi exactamente operar a actualização do valor devido através da subsunção ao mecanismo jurídico que entendeu ser o mais adequado à situação.

Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Março de 2011 (www.dgsi.pt, proc. nº 823/06.7TBLLE.E1.S1), “pode afirmar-se que o que, afinal, identifica decisivamente a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico”.
Pelo que os limites do pedido não foram infringidos pela sentença, nem quantitativa, nem qualitativamente. E, nem se diga que por força da mesma o valor decorrente da condenação é superior ao peticionado, já que conforme se evidencia do cálculo com base no IPC (entre 1989 e 2004) o factor de actualização é de 2,123629874765081[1] e, portanto, inferior ao coeficiente resultante daquela tabela.
Donde, liminarmente se conclui que o efeito prático- jurídico da condenação se circunscreve ao âmbito do que havia sido peticionado na acção, estando apenas em causa um diverso enquadramento jurídico, que não diverge em termos de conteúdo do pretendido pela parte.
Improcede, por isso, a arguida nulidade.
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ii) Impugnação da matéria de facto:

Nas suas alegações a apelante sustenta a existência de erro na apreciação da prova no que se refere aos factos considerados provados em 4. e 7., e aos factos não provados nos pontos 1 e 2., pugnando para que em função da prova produzida seja dada diversa redacção aos dois primeiros e os restantes sejam dados como provados.

Estes factos têm a seguinte redacção:

«4. Nos anos de 1988 e 1989 os autores entregaram à ré a quantia de 25.000 contos e suportaram metade das despesas relativas ao prédio no valor de 1.556.400$00 (€ 7.763,28);»
« 7. No ano de 1994, atendendo ao acordo que tinha sido celebrado, a ré entregou aos autores a quantia de 16.500 contos (€ 82.301,65) pela construção que tinha sido executada nesta parte do prédio, sendo o montante de 4.125 contos (€ 20.575,41) para cada um dos autores;»

A redacção proposta é a seguinte:
« 4. Nos anos de 1988 e 1989 os autores entregaram à ré a quantia de 21.500 contos.
7. No ano de 1994, a ré restituiu aos autores a quantia de 16.500 contos (€ 82.301,65), sendo o montante de 4.125 contos (€ 20.575,41) para cada um dos autores”

Factos impugnados dados como não provados, que pugna para que sejam dados como provados:
«1. No ano de 1999 a ré entregou aos autores a quantia de 12.000 contos (€ 59.855,74);
2. Na mesma altura a ré e os autores acordaram que o acordo que tinha sido celebrado ficava sem efeito.»
Mostrando-se minimamente observados os requisitos legalmente previstos para a impugnação da matéria de facto a que alude o disposto pelo artigo 640º do CPC, passemos à sua apreciação:
Os factos provados 4º e 7º e o facto não provado em 1., reportam-se à entrega, nas datas assinaladas, de quantias entre as partes na sequência da celebração do contrato-promessa de compra e venda junto aos autos a fls. 15 vs. a 17 vs.
Para fundamentar o juízo de não prova do primeiro facto ( no que se refere ao valor entregue) e contrariar a apreciação feita pelo tribunal recorrido, a apelante sustenta que o tribunal assentou a prova desse facto na relevância que foi dada às declarações de parte dos AA. (que no seu entender, não são suficientes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova) e a um documento impugnado pela ré (de pagamento de uma terceira prestação, omitindo as demais), referindo, outrossim, que o depoimento da testemunha indicada na decisão (contabilista da empresa), nada refere sobre o assunto. Convoca excertos do depoimento prestado pela dita testemunha, que transcreve.
Sustenta, outrossim, relativamente ao facto 7. que, contrariamente ao que é referido na decisão, não aceitou (no articulado superveniente) que os pagamentos que a ré/recorrente fez aos autores em 1994 dissessem respeito às construções efectuadas no prédio, mas à restituição do montante pago pelos AA e que também a testemunha BB nada diz sobre o assunto (transcrevendo excertos do seu depoimento), não podendo o tribunal bastar-se com as declarações dos AA. e com o documento de alegados cálculos que a ré impugnou.
Por último, no que se refere ao facto que foi dado como não provado em 1., sustenta que perante a junção que efectuou dos recibos datados de 1999 no referido montante (pago em dinheiro), não compreende a falta de prova da dita factualidade, considerando também que o autor AA (do qual transcreveu um excerto) aceitou ter assinado um recibo no valor de 3.000 contos, mas em 1994, o que é inverosímil, no seu entender, dados os montantes pagos em 1994, considerando ainda que a perícia efectuada a tais recibos não detectou indícios de manipulação concluindo que as assinaturas dos Autores CC e DD como “muito provável “e as dos Autores AA (que assumiu em ata ter assinado o documento) e EE como “ provável” serem as suas assinaturas no referido documento.
Na motivação de facto da decisão proferida pelo tribunal a quo, escreveu-se o seguinte a propósito desta factualidade:
«O tribunal fundou a sua convicção nas declarações de parte dos autores, no depoimento das testemunhas ouvidas, na prova pericial que foi realizada, no processo administrativo apenso aos presentes autos e nos documentos juntos aos autos.
O tribunal considerou provado que os autores entregaram à ré a quantia de 25.000 contos porque este facto foi confirmado pelos autores nas suas declarações de parte por forma que se afigurou sincera e pela testemunha FF, que era o contabilista das empresas dos autores desde o ano de 1986. Importa ainda referir que na contestação a ré alegou que os autores entregaram somente a quantia de 21.500 contos porque apenas pagaram duas das nove prestações que haviam sido acordadas, mas os autores juntaram um recibo relativo ao pagamento da terceira prestação (cfr. o art. 3º da contestação e fls. 237 verso).
O tribunal considerou provado que a ré construiu um edifício denominado ... numa parcela de terreno junto ao prédio a que se referia o contrato promessa e que uma parte deste edifício ocupava o prédio porque este facto foi descrito pelos autores nas suas declarações de parte e foi confirmado pelas testemunhas GG, que era primo dos autores e dos sócios da ré, e HH, que era filho de um dos sócios da ré. A construção deste edifício também é confirmada pela planta que foi junta pela ré (cfr. fls. 35).
O tribunal considerou provado que, atendendo ao contrato promessa que tinha sido celebrado, a ré entregou aos autores a quantia de 16.500 contos pela construção do edifício que ocupava uma parte do prédio porque este facto foi admitido pelos autores nas suas declarações de parte e foi aceite pela ré no articulado superveniente que apresentou (cfr. fls. 224).
O tribunal considerou provado que esta quantia foi entregue aos autores no ano de 1994 porque os três cheques relativos a este pagamento cuja cópia a ré juntou aos autos têm a data de 21 de Janeiro de 1994 (cfr. fls. 226). Acresce que a cópia do documento que os autores juntaram em que constam os cálculos que levaram a este pagamento tem a data de Dezembro de 1993 (cfr. fls. 247).
O tribunal não considerou provado que no ano de 1999 a ré pagou aos autores a quantia de 12.000 contos porque não foi produzida prova convincente neste sentido. Nas suas declarações de parte os autores afirmaram que não tinham recebido qualquer outra quantia além dos 16.500 contos e demonstraram sinceridade nesta afirmação. A testemunha BB também afirmou que apenas foi paga a quantia de 16.500 contos, sendo certo que era o contabilista das empresas dos autores desde o ano de 1986 e demonstrou que tinha conhecimento de todos os pagamentos. A versão da ré relativamente ao pagamento da quantia de 12.000 contos apenas resultava dos recibos que juntou aos autos com a contestação (cfr. fls. 38 a 39 verso). Estes recibos foram analisados pela prova pericial que foi realizada tendo sido concluído que era provável ou muito provável que as assinaturas com o nome dos autores fossem verdadeiras (cfr. fls. 151). Todavia, ao contrário da quantia de 16.500 contos, relativamente à qual foi junta aos autos a cópia de três cheques e do respectivo movimento bancário, a ré não juntou qualquer documento comprovativo do efectivo pagamento da quantia de 12.000 contos, o que não teria sido difícil uma vez que era uma sociedade comercial e dos recibos consta a expressão lançado, o que significa que foram registados nas contas (cfr. fls. 226 e 226 verso). Isto com a agravante de a ré ter alegado expressamente que recorreu ao crédito bancário para proceder a este pagamento sem que tivesse apresentado qualquer documento comprovativo deste empréstimo, o que também não teria sido difícil (cfr. o art. 20º da contestação). Neste contexto gerou-se uma dúvida relativamente a este facto que foi valorada em desfavor da ré por aplicação do princípio relativo à prova dúbia consagrado no art. 346º do Cód. Civil e no art. 414º do Cód. de Processo Civil.[2] Concretamente, o tribunal não ficou convencido do circunstancialismo em que foram assinados pelos autores os recibos que a ré juntou, da data em que estes recibos foram assinados e do efectivo pagamento da quantia ali referida.
O tribunal não considerou provado que no ano de 1999 a ré e os autores acordaram que o contrato promessa ficava sem efeito porque nenhuma prova foi produzida neste sentido. A este propósito, importa referir que as testemunhas que foram indicadas pela ré nada sabiam sobre os factos que estavam em discussão. As testemunhas II e JJ eram casadas com os sócios da ré e afirmaram que nada sabiam relativamente ao contrato promessa que tinha sido celebrado. A testemunha HH era filho de um dos sócios da ré e limitou-se a descrever os factos relativos à construção do edifício .... A testemunha HH era filho de um dos sócios da ré e o actual responsável pela sua administração, mas nada sabia sobre os factos. Atendendo à sua idade esta testemunha não teve qualquer intervenção na celebração do contrato promessa e nos factos posteriores. Por este motivo, no seu depoimento limitou-se a descrever aquilo que lhe havia sido transmitido pelos sócios da ré depois de a presente acção ter sido intentada.
(…)
Desde já adiantamos, que o raciocínio exposto na decisão e o juízo alcançado pelo tribunal a quo quanto à referida factualidade merecem, no essencial, a nossa concordância, nele estando contida, aliás, a resposta às questões suscitadas pela ré recorrente no recurso apresentado.
Antes, todavia, de maior concretização e para melhor percepção, importa fazer uma breve análise sobre a questão da valoração da prova e, mais especificamente, sobre a prova por “declarações de parte” e, bem assim, sobre o juízo de reapreciação que se impõe a este tribunal de recurso efectuar na aferição da impugnação deduzida.

Dita o artigo 466.º do CPC o seguinte:

“1 - As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.
2 - Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior.
3 - O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.”

Como se evidencia da sua leitura, no segmento em que não constituem confissão, as declarações de parte são – na definição legal – livremente apreciadas.

A propósito dos parâmetros dessa valoração, salientam-se no Ac. da R.L. de 26.04.2027[3], in www.dgsi.pt as posições da doutrina e jurisprudência relativamente à função e grau de valoração deste meio de prova, aí se anotando a existência de três teses, que enuncia:
«i.-Tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos;
ii.-Tese do princípio de prova;
iii.-Tese da autossuficiência das declarações de parte.
No âmbito da primeira tese, insere-se Lebre de Freitas para quem «A apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas.»[3]
Ou seja, para este autor as declarações de parte têm uma função eminentemente integrativa e subsidiária. Paulo Pimenta afirma que «Face ao sistema probatório instituído, o mais provável é que a prova por declarações de parte tenha uma natureza essencialmente supletiva(…)». […]
A tese do princípio de prova defende que as declarações de parte não são suficientes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova.
Na doutrina, Carolina Henriques Martins, Declarações de Parte, Universidade de Coimbra, 2015, p. 58, pronuncia-se assim:
«É que não é material e probatoriamente irrelevante o facto de estarmos a analisar as afirmações de um sujeito processual claramente interessado no objeto em litígio e que terá um discurso, muito provavelmente, pouco objetivo sobre a sua versão dos factos que, inclusivamente, já teve oportunidade para expor no articulado.
Além disso, como já referimos, também não se pode esquecer o caráter necessário e essencialmente supletivo destas declarações que, na maior parte dos casos, servirá para combater uma fraca ou inexistente prestação probatória.
Caso se considere útil a audição da parte nesta sede quando coexistem outros meios de prova, propomos a sua apreciação como um princípio de prova, equivalente ao mencionado argomenti di prova italiano, que não deixará de auxiliar na persuasão do juiz, mas que apenas o fará em correlação com a restante prova já produzida contribuindo para a sua (des)credibilização, e apenas nesta medida.
Estas são as coordenadas fundamentais para a consideração das declarações de parte no nosso esquema probatório.» (…)
Teixeira de Sousa critica esta posição que atribui às declarações de parte o mero valor de princípio de prova. Nas suas palavras,
«Se o princípio de prova é o menor grau de prova admissível e se se atribui esse valor às declarações de parte, então o que não teria nenhum valor probatório em si mesmo (nem sequer como mera justificação) passa a poder ter algum valor probatório, ainda que o menor na escala dos valores probatórios. Mais em concreto: se se atribui às declarações de parte relevância como princípio de prova, isso significa que estas declarações, apesar de não serem suficientes para formar a convicção do juiz nem sobre a verdade, nem sobre a plausibilidade ou verosimilhança do facto, ainda assim podem ser utilizadas para corroborar outros resultados probatórios. A conclusão não deixa de ser a mesma, se se pretender defender (…) que as declarações de parte só podem relevar como princípio de prova.
À medida que se baixa nos graus de prova, mais fácil se torna atribuir relevância probatória a um certo meio de prova. Lembre-se o que sucede em sede de procedimentos cautelares. É exatamente com o intuito de facilitar a prova de um facto que o art. 368.º, n.º 1, CPC aceita, no âmbito destes procedimentos, a mera justificação como o grau de prova suficiente.
Assim, em vez de atribuir às declarações de parte o valor de princípio de prova, melhor solução parece ser o de atribuir a estas declarações o grau normal dos meios de prova, que é o de prova stricto sensu ou, nas providências cautelares, o de mera justificação. Isto significa que, de acordo com o critério da livre apreciação da prova, o tribunal tem de formar uma prudente convicção sobre a verdade ou a plausibilidade do facto probando (cf. art. 607.º, n.º 5 1.ª parte, CPC).
Abaixo desta relevância probatória e da convicção sobre a verdade ou a plausibilidade do facto, as declarações de parte não devem ter nenhuma relevância probatória, nem mesmo para corroborarem outros meios de prova. Esta é, aliás, a melhor forma de combater a natural tendência das partes para só deporem sobre factos que lhes são favoráveis.»
Para a terceira tese, pese embora as especificidades das declarações de parte, as mesmas podem estribar a convicção do juiz de forma autossuficiente.
Assim, Catarina Gomes Pedra, A Prova por Declarações das Partes no Novo Código de Processo Civil. Em Busca da Verdade Material no Processo, Escola de Direito, Universidade do Minho, 2014, p. 145, afirma que:
«Não se duvida que, atento o manifesto interesse que a parte tem no desfecho da lide e a forte tradição da máxima nemo debet esse testis in propria causa, a valoração das suas declarações deva revestir-se de especiais cautelas, num juízo dirigido, em concreto, à sua credibilidade. Ademais, a subsistência do regime consagrado no artigo 361º do Código Civil e a não previsão da valoração da pro se declaratio obtida na prova por declarações de parte são suscetíveis de gerar a convicção de que se trata, afinal, de um meio de prova complementar. Porém, não pode esquecer-se que a limitação do valor probatório das declarações das partes, como, de resto, a sua compreensão no contexto de um meio de prova subsidiário, pode consubstanciar, em determinadas situações, uma violação do princípio da igualdade de armas previsto no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Digno de referência é ainda o que se propõe sobre a questão nos Princípios de Processo Civil Transnacional desenvolvidos pelo ALI e o UNIDROIT. O Ponto 16.6 dos referidos Princípios estabelece que “[T] the court should make free evaluation of the evidence and attach no unjustified significance to evidence according to its type or source”, o que significa que não deve ser atribuído um valor legal especial, negativo ou positivo, às provas relevantes, como são, por exemplo, as declarações daqueles com interesse na decisão da causa, mormente as partes.»
Com maior abertura ao protagonismo das declarações de partes, Mariana Fidalgo, A Prova por Declarações de Parte, FDUL, 2015, p. 80, afirma claramente que:
«(…) ponto, para nós, assente é que este meio de prova não deve ser previamente desprezado nem objeto de um estigma precoce, sob pena de perversão do intuito da lei e do princípio da livre apreciação da prova. Não olvidando o carácter aparentemente subsidiário das declarações de parte, certo é que foram legalmente consagradas como um meio de prova a ser livremente valorado, e não como passíveis de estabelecer um mero princípio de prova ou indício probatório, a necessitar forçosamente de ser complementado por outros. Assim sendo, e ainda que tal possa naturalmente suceder com pouca frequência na prática, defendemos que será admissível a concorrência única e exclusiva deste meio de prova para a formação da convicção do juiz em determinado caso concreto, sem recurso a outros meios de prova.»
Por nós, entendemos que a posição mais correta radica na tese mais ampla e permissiva sobre a potencialidade e centralidade das declarações de parte na formação da convicção do juiz (iii).»
Feito este bosquejo das posições em confronto, subscrevemos o entendimento que sufraga a paridade valorativa das declarações de parte com os demais meios de prova que o legislador consagrou, em especial nas situações em que as partes tenham tido uma percepção directa privilegiada dos factos e sejam reduzidas as possibilidade de produção de outros meios de prova (documental, testemunhal ou pericial), sem prejuízo, obviamente, de na sua valoração e apreciação crítica, para atendibilidade na formação da convicção ser ponderada a especial ligação dos declarantes aos factos e o natural interesse no desfecho da lide, bem como a relevância de outros elementos de prova que apontem e coadjuvem o sentido probatório que das mesmas decorre.
Por último, importa reter que no nosso direito predomina o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no art.º 607º, nº 5, do Código de Processo Civil, ou seja, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sem prejuízo de tal apreciação estar vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum e da lógica através de um convencimento lógico e motivado da decisão.
Acresce que, em caso de impugnação da matéria de facto, não obstante caber a este tribunal superior formular o seu próprio juízo probatório acerca dos factos questionados de acordo com as provas constantes nos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 2, e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, não se poder esquecer - porque se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta - que o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de imprecisões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação e/ou de um erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, e porque a apreciação exigida em sede de reponderação não pode subverter ou anular a livre apreciação da prova feita pelo julgador a quo, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância, que vê e ouve as partes e testemunhas, que aprecia os seus gestos, hesitações, espontaneidade ou a falta dela, em suma, os seus comportamentos não verbais, a alteração apenas se impõe quando seja possível concluir, com a certeza e segurança exigidas, que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.
Aqui chegados e ouvidos integralmente todos os depoimentos prestados em audiência de julgamento, maxime os indicados na decisão e na impugnação deduzida, bem como analisados os documentos que se mostram juntos aos autos, desde já adiantamos que não se vislumbra fundamento atendível que coloque em causa o juízo de livre apreciação da prova feito pelo tribunal recorrido, nem se vislumbra que o mesmo padeça de qualquer incongruência ou erro de apreciação.
Em primeiro lugar importa referir que ouvidos os depoimentos de parte dos autores AA, CC, EE e DD, sufragamos a apreciação feita pelo tribunal a quo relativamente à credibilidade que os mesmos mereceram, pois de facto pese embora o seu natural interesse no desfecho da lide, os autores, que participaram directamente nos factos em apreciação nos autos e não obstante o tempo decorrido, explicaram no que a memória alcançava, de forma convincente e credível, no global consentânea entre si e com os documentos juntos aos autos (sem prejuízo da existência de algumas discrepâncias que não infirmam a sua credibilidade, atento o decurso do largo período de tempo desde a ocorrência dos factos e a consentaneidade daqueles depoimentos com os elementos de prova que ressaltam dos autos, como veremos), as circunstâncias em que foram desafiados pelos sócios da ré para o investimento no prédio “Quinta ...” e celebração do contrato (por contacto de um tio - KK- e dos primos); as estreitas ligações de família existentes ( eram primos direitos) e a relação de confiança inabalável que existia entre todos e, nessa medida, a aceitação da proposta para que investissem juntamente com eles na aquisição de um terreno onde seriam construídos blocos de apartamentos pela ré sobre os quais os AA. deteriam o direito a uma percentagem da construção (10%) dada a previsão da construção no imóvel adquirido, negócio que entenderam como um investimento para o futuro, sem tempo predefinido. Explicaram, outrossim, o valor do negócio e as circunstâncias do pagamento do valor de 25.000 contos para que fosse possível a aquisição do imóvel, de forma que no essencial se indicia da demais prova produzida e documentos juntos aos autos. Senão vejamos:
Importa salientar que para além dos autores, não foram indicadas, mormente pela ré, quaisquer testemunhas que, sendo contemporâneas dos factos, tivessem presenciado de forma directa os factos em apreciação e permitissem infirmar a versão que por aqueles foi carreada aos autos, importando salientar que contrariamente ao que pugna a apelante, o pagamento do valor acordado no contrato promessa de compra e venda não decorre apenas das declarações dos autores, existindo outros elementos probatórios que indiciam a sua confirmação.
Desde logo, extrai-se do depoimento da testemunha BB, contabilista da empresa dos AA. desde 1986 (data anterior ao negócio), que explicou que dadas as suas funções na empresa acompanhou de perto o negócio (embora não tivesse estado presencialmente nas negociações e contactos entre as partes) referindo que naquela altura os irmãos LL (AA) tinham alguma disponibilidade financeira pelo que aceitaram a proposta de investir os 25.000 contos necessários para a aquisição do terreno a meias com os RR, quantia que sustenta ter sido paga, referindo a existência de recibos que passaram pelas suas mãos no exercício das suas funções de contabilista.
Mostram-se juntos aos autos “recibos” referentes ao pagamento da quantia de 22.000 contos (a fls. 235 vs a 237 vs. dos autos) que se reportam ao pagamento das prestações a que aludem as alíneas a), b, e a três prestações referidas na alínea c), do contrato, o que se mostra consonante com o ter do manuscrito de “encontro de contas de 2/12/19” junto a fls. 239 pelos AA e que nas declarações prestadas pelos AA, referiram ter sido elaborado pelo seu primo engenheiro EE (sócio da ré) onde, para além do mais é referido o pagamento de 3 das 9 prestações de 500 contos “pagas a dinheiro” e a letras aceites nas demais (vide também doc. de fls. 238 vs. onde é feita referência a recibo nas três primeiras prestações), documentos que apesar de impugnados pela ré no articulado de resposta à sua junção, constituem um meio de prova livremente apreciável pelo tribunal (sendo que a pessoa a quem é imputado não depôs em tribunal, nem a sua elaboração por este foi contraditada por qualquer meio de prova).
De facto, a ré na contestação que apresentou nos autos sustenta que os AA. apenas efectuaram o pagamento da quantia de 21.500 contos, por apenas terem pago duas das prestações referidas na al. c) do artigo 3º do contrato promessa, quando, como bem se refere na decisão recorrida, os autores lograram juntar comprovativo do pagamento da 3ª prestação (recibo correspondente), em consonância, nos sobreditos termos, com o teor dos documentos particulares de acerto de contas.
Acresce, que como se evidencia dos autos, e a ré acabou por admitir em articulado superveniente após confrontada com o teor das declarações dos autores em audiência de julgamento, onde referiram ter recebido da ré a quantia de 16 mil e 500 contos no ano de 1993 (correspondente a 10% da construção/1 andar T4, face aos termos do contrato), o recebimento de tal quantia nessa data, para além de reconhecido naquelas declarações, se mostra confirmado pelo teor dos cheques juntos a fls. 226 e extracto bancário de conta da ré a fls. 226 vs., mostrando-se consonante também com o teor dos documentos juntos aos autos pelos AA, a fls. 216 a 219, imputado também, segundo resulta daquelas declarações, ao sócio da ré, engenheiro EE (sendo que a letra é idêntica ao documento atrás referido) relativo aos cálculos do montante de 10% de construção devido aos autores, “Primos LL” como aí consta. Tais documentos, indiciam claramente a razão/fundamento do pagamento de tal quantia aos AA, aí tendo sido escrito – doc. de 26.03.92- “conforme prevê o contrato os primos LL têm direito à seguinte construção (…)”, que foi valorizado em Dezembro de 1993, conforme doc. de fls. 216, para o montante de 16.500 contos “Valor dos LL no ...”, pago aos AA. ( situação explicada pelos AA. nas suas declarações)
Ora, contrariamente ao pugnado pela recorrente, não foi produzida qualquer prova de que tal quantia, paga por cheques em janeiro de 1994, tivesse por escopo qualquer “restituição” ou “devolução” do montante investido pelos AA no âmbito do contrato promessa de compra e venda. Pelo contrário, para além das declarações prestadas pelos autores que explicaram de forma consonante com os documentos juntos tal pagamento e a razão de a percentagem de construção a que tinham direito (10%) ser paga em dinheiro e não com a entrega do apartamento (devido à necessidade de liquidez para suportar encargos bancários), a testemunha BB, também foi clara na afirmação da razão da entrega da referida quantia, explicando que esse montante correspondia ao valor de um apartamento, pois nessa altura havia dificuldades financeiras na empresa dos AA, tendo a certeza que o contrato não cessou e que havia, por parte dos AA, a expectativa de retorno do investimento feito em mais construção.
Não será despiciendo salientar, antes pelo contrário, que considerando o facto de que as partes tiveram o cuidado de elaborar e manuscrever os cálculos precisos dos valores decorrentes do contrato que cabia pagar a cada um, se verifica que no documento em que é documentos necessariamente contabilizados. Nas declarações que prestaram os AA. explicaram que a única quantia que receberam da ré foi a de 16.500 contos no ano de 1993 (cujas contas se reportam a dez de 1993- conforme doc. de fls. 240/240vs e cuja cópia dos cheques de janeiro de 1994 se mostra junta aos autos a fls. 226) e que correspondia ao contratualmente fixado entre as partes no contrato promessa junto aos autos referente a 10% da construção realizada no prédio). Explicaram, também, que não obstante a similitude das suas assinaturas com as dos referidos recibos, não assinaram nenhum recibo em 1999 e não receberam qualquer quantia nessa data, já que as quantias recebidas da ré são apenas as de 1993, não tendo havido qualquer outra construção no prédio após essa data que justificasse o recebimento de qualquer outro montante. Também a testemunha BB, contabilista dos autores salienta que depois da entrega de 16.500 contos, não houve mais dinheiro, não tem conhecimento do recebimento de qualquer outra quantia, mantendo-se os autores na expectativa do retorno do investimento que haviam feito.
Importa salientar que os AA. não negam ter assinado recibos (que não estes) na data em que receberam os 16.500 contos (1993), negando perentoriamente que os recibos que assinaram tivessem a data de 1999 e que o teor referido nos documentos fosse o que consta dos documentos juntos pela ré (que negam ter assinado com esse teor e nessa data), sendo de salientar que na perícia realizada aos referidos documentos não foi possível concluir de forma isenta de dúvidas sobre a veracidade das assinaturas e também sobre a integridade do teor dos documentos, cujas conclusões constam a fls. 164 dos autos, onde se consignou que: “2. Conclui-se que, apesar de não terem sido detetados indícios de manipulação ou adulteração, atendendo às limitações inerentes às análises documentais realizadas e com base na metodologia não destrutiva aplicada não é possível formular conclusão relativamente à verificação da hipótese de DC1, DC2, DC3 e Dc4, terem ou não sido alvo de manipulação ou adulteração. 3. Conclui-se que apesar de não terem sido detectados desalinhamentos ou diferenças na escrita impressa a jato de tinta, atendendo às limitações inerentes às análises documentais realizadas e com base na metodologia não destrutiva aplicada, não é possível formular conclusão relativamente à verificação da hipótese de cada um dos documentos contestados identificados como DC1, DC2, DC3 e Dc4, ter sido impresso num único momento ou em momentos diferentes, bem como se as datas que aí constam foram apostas no mesmo momento ou em momentos diferentes.» (negrito nosso).
Vejamos, cabia à ré, nos termos do artigo 342º n.2 do C.C., a prova do pagamento aos autores da quantia que alega ter sido paga para além dos 16.500 contos em 1994, a data da sua entrega (1999) e o motivo da mesma, que segundo a sua alegação visava restituir aos autores a quantia por estes investida e pôr fim ao contrato.
Como se evidencia do acervo probatório produzido nos autos, para além da junção dos ditos “recibos”, nenhuma outra prova foi feita pela ré de que nessa data (1999) tenha pago aos autores a quantia que alega ou sequer o fundamento (a causa) da entrega dessa quantia.
Questão é então a de saber, se tais recibos valem por si só, em prova plena do referido pagamento na data e nos termos aí descritos. E a resposta, a nosso ver, não poderá deixar de ser negativa.
Estamos perante documentos particulares (arts. 362º e 363º do CC), cuja assinatura e conteúdo (teor) foram oportunamente impugnados e arguidos de falsos (cfr. 374º n.2 do CC), sem que a prova produzida, mormente pericial ou qualquer outra, permita de forma suficiente e isenta de dúvida estabelecer a sua genuinidade e autenticidade, colocada em causa pela contraparte[4].
Sem prejuízo, sempre diremos, que ainda que os AA. tivessem assinado os aludidos documentos (o que como vimos não resulta suficientemente provado), a força ou eficácia probatória plena atribuída pelo n.º 1 do art.º 376.º às declarações documentadas limita-se à sua materialidade, isto é, à existência dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas.
A força probatória do documento particular circunscreve-se, assim, no âmbito das declarações (de ciência ou de vontade) que nela constam como feitas pelo respectivo subscritor e, nessa medida, ainda que demonstrada a autoria de um documento, daí não resulta necessariamente que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, ou por outras palavras, daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos.
Como acima referimos, a ré não logrou efectuar qualquer prova (para além da junção dos ditos documentos) sobre o pagamento de 12 mil contos que sustenta ter efectuado aos autores no referido ano de 1999, ou sequer sobre o fundamento que aduz para este pagamento, como seja a alegada “restituição” dos valores por aqueles investidos no contrato, tendo em vista a sua cessação. E, sabendo da sua impugnação pelos AA. e do requerimento por estes feito para que juntasse aos autos comprovativo do meio de pagamento utilizado, a ré nada fez, apesar de tal não lhe estar vedado, dado que tratando-se de uma sociedade comercial com escrita organizada teria certamente a possibilidade de juntar os documentos contabilísticos e bancários comprovativos de tal pagamento, à semelhança, aliás, do que veio a fazer relativamente ao pagamento que fez aos AA em data anterior (1994) e, relativamente aos quais, juntou a cópia dos cheques entregues, como também do extracto bancário respectivo.
De salientar, que é a própria testemunha da ré, HH Pimenta-que aí trabalha desde 2009-, que refere que tinham em arquivo os documentos desde o ano de 1997 (embora, posteriormente, a ré tenha feito a junção aos autos de documentos de 1994). Apesar disso, e não obstante os AA. terem referido (nas suas declarações) que assinaram recibos relativamente ao valor ( 16.500 contos) entregue pela ré em 1994, verifica-se, também, que a ré não juntou aos autos cópia dos recibos referentes ao recebimento pelos AA de tal montante, prova que seria relevante, designadamente, para contrariar a versão dos AA., de que os recibos juntos pela ré onde consta aposta uma data de 1999, não foram por si assinados nessa data.
Acresce, que da prova produzida nos autos resulta a evidência de que após a construção do “...” (e relativamente à qual foram pagos em 94 os referidos 10%) a ré não efectuou qualquer outra construção no prédio, o que evidencia, que para além de não ter logrado efectuar qualquer prova de um qualquer acordo de cessação do contrato, também não existia qualquer fundamento para o pagamento de qualquer valor aos AA em 1999 ( e que segundo o contrato, os AA receberiam, em função da construção que fosse efectuada).
Por último, não poderemos deixar de evidenciar, que os termos utilizados na redacção dos citados documentos/“recibos”, é, considerando a versão que deles vem dada pela apelante, pouco compreensível, designadamente no que se refere à expressão: “DECLARA QUE RECEBEU da FIRMA EMP01..., IRMÂOS, LDª (…) a importância de 3.000.000$00 (….) referente à restituição de parte dos adiantamentos por mim efectuados sobre as futuras construções nos terrenos designados por Quinta ...” (negrito nosso), já que o que os AA. pagaram à ré, no âmbito do contrato-promessa de compra e venda celebrado, foi a quantia necessária à aquisição do terreno onde, posteriormente, seriam efectuadas construções pela ré, e não um qualquer adiantamento sobre as futuras construções (!). Acresce, que ressaltando da prova produzida a minúcia e cuidado da ré na definição e anotação dos direitos das partes/ no deve e haver, não se percebe que se tal documento visasse colocar fim ao contrato entre as partes, tal não fosse expressa e claramente mencionado e devidamente concretizado no mesmo.
Em suma e por todo o exposto, tais documentos (recibos), como documentos particulares (impugnados), são e foram objecto de prova livre e, por isso, de livre valoração e apreciação pelo tribunal recorrido, na sua articulação e conjugação com a restante prova produzida, sem que as considerações feitas e o juízo formulado pelo tribunal a quo quanto à não prova dos factos 1. e 2. dados como não provados, nos mereça, nos termos expostos, qualquer censura.
Na improcedência da impugnação, a matéria de facto mantém-se nos termos indicados na decisão.
*
ii) Do Direito:
a) Da Prescrição:

Como se evidencia do recurso, os recorrentes sustentam a prescrição do direito dos autores na alegada cessação do contrato no ano de 1999, factos 1 e 2 dados como não provados e que assim se mantiveram após a apreciação da impugnação à matéria de facto, para com base na mesma, concluir que à data da propositura da acção (23.04.2021) já haviam decorrido mais de 20 anos (cfr. arts309º e 323º n.2 do C.C.).
Ora, não se mostrando provada tal factualidade, mormente que o contrato cessou por acordo das partes em 1999 ( o que a provar-se tornaria até inútil a questão da prescrição) e considerando os factos apurados nos autos, bem andou o tribunal recorrido ao considerar não verificada a prescrição do direito, considerando que a escritura pública de permuta do prédio objecto do contrato-promessa a favor de terceiro foi celebrada no dia 14 de Julho de 2004 (sendo que o dies a quo a partir do qual o direito reclamado na acção podia ser exercido foi, pelo menos, a partir da data da sua celebração)[5] e a ré foi sido citada para a acção no dia 28 de Abril de 2021 (art. 309º, 323º nº1 e 326º nº1 do Cód. Civil), não tendo até então decorrido o prazo prescricional de vinte anos, restando por isso, votada ao insucesso a dita arguição.

b) Do mérito decisório:

Sustenta a apelante que ainda que se mantivesse a factualidade dada como provada e considerando a entrega aos autores pela ré da quantia de 16.500 contos no ano de 1994, se teria de considerar que estando em causa um contrato de promessa de compra e venda de um imóvel e não um contrato de empreitada, para a realização do qual a ré nunca foi interpelada, carece de sentido a afirmação feita na decisão pelo tribunal a quo, de que “mesmo a considerar a entrega do valor de 16.500 contos em 1994, não se poderia considerar um cumprimento parcial da ré, uma vez que estaríamos perante um valor de relevância diminuta” e de que “as expectativas dos Autores era que fossem construídos um ou vários edifícios no prédio”.
Sustenta que a ré, no contrato promessa celebrado com os AA, apenas se obrigou a vender-lhes metade de um imóvel, pelo que perante o pagamento por estes do sinal de “21500 contos”, a restituição de 16.500 contos feita pela ré, não pode ser considerada de escassa importância. Conclui, que caso se mantivesse a matéria de facto, e retirando aqueles 16500 contos os Autores só teriam entregue a título de sinal 5000 contos, pelo que, a conceber hipoteticamente esse cenário, o valor a restituir seria o dobro dos 5000 contos e nada mais.
Que dizer:
Logo numa primeira análise, tal raciocínio peca por não corresponder à realidade fáctica provada, pois mantendo-se o facto 4. dado como provado, o sinal entregue corresponde aos 25 mil contos e não ao montante indicado de 21.500 contos.

Mas prossigamos:
Antes de mais, importa trazer à colação as exactas cláusulas do contrato promessa celebrado entre as partes aqui em causa (que o facto provado em 2. dá por reproduzidas) para melhor percepção da natureza e teor do/s contrato/s celebrado/s:
«ARTIGO PRIMEIRO
Declara o primeiro outorgante e em representação da sociedade EMP01..., Lda., ter esta adquirido a MM (…) através de contrato promessa de compra e venda celebrado entre ambas as partes em 4 de Novembro de 1989, o prédio misto sito no Campo ..., freguesia e concelho ..., composto de:
a) casa de r/chão e andar, com superfície coberta de 52 m2, coberto e dependência à entrada com a área de 110 m2 e quintal com área de 600 m2, inscrito na matriz predial urbana de ... sob o artigo ...73;
b) casa de r/chão com superfície coberta de 51 m2, inscrita na matriz predial urbana de ... sob o artigo ...74; e
c) terreno de lavradio, denominado “Senhora do Ó”, com a área de 4.000 m2, inscrito na matriz rústica de ... sob o artigo ...3, confrontando na totalidade, do Norte – com a Avenida ...; do Sul – com o Campo ...; do Nascente – NN (e herdeiros) e EMP01..., Lda.; e do Poente – herdeiros de OO, e acha-se registado e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., em nome de MM e sob o número ...85/....
ARTIGO SEGUNDO
Pelo presente contrato a sociedade EMP01..., Lda., promete vender aos segundos pactuantes 50% (cinquenta por cento) e sem determinação de parte ou direito, do prédio misto identificado no artigo anterior, pelo preço de VINTE E CINCO MIL CONTOS.
ARTIGO TERCEIRO
O pagamento do preço desta venda será feito através de três verbas a saber:
Verba a) – no montante de DOZE MIL E QUINHENTOS CONTOS, que constitui o sinal e princípio de pagamento, pago pelos segundos pactuantes nesta data e ao qual a sociedade primeira pactuante dá a competente quitação:
Verba b) – no montante de OITO MIL CONTOS, a ser paga no próximo dia trinta do corrente mês de Janeiro de 1989; e
Verba c) – no montante de QUATRO MIL E QUINHENTOS CONTOS, a ser paga em nove prestações mensais e sucessivas de valor igual a QUINHENTOS CONTOS cada uma, vencendo-se no dia trinta de cada mês, sendo a primeira prestação paga no mês de Abril do corrente ano de 1989 e a nona e última prestação (liquidação) a ser paga no mês de Dezembro do corrente ano de 1989.
ARTIGO QUARTO
Os 50% do prédio misto referidos no artigo segundo e que a sociedade pelo presente contrato promete vender aos segundos pactuantes, poderão ser na sua totalidade ou em parte ocupados pela construção de edifícios para venda no regime de propriedade horizontal. Neste caso, e para compensação do valor do terreno, objecto deste contrato, a sociedade EMP01..., Lda. promete fazer a entrega aos segundos pactuantes da área de construção, que no artigo seguinte se especificará, nas edificações que forem aprovadas pela Câmara Municipal para o terreno em questão.
ARTIGO QUINTO
A citada área de construção será entregue em termos percentuais, com a excepção nos pisos das caves dos edifícios.
A percentagem nos pisos do rés-do-chão e dos andares (independentemente do tipo de utilização – lojas, escritórios, habitações, etc.) será de 10% (DEZ POR CENTO) da área construída na totalidade do prédio misto descrito no artigo primeiro, ou seja, nos 50% do prédio objecto deste contrato e nos restantes 50% do mesmo prédio pertença da sociedade primeira pactuante.
Nas áreas de habitação e como resultado da aplicação da percentagem referida de 10%, obteremos o número total de apartamentos a entregar; Ao número de apartamentos obtidos nesta regra caberá, por cada apartamento, uma garagem individual na cave do edifício em que se integra.
As áreas de construção a entregar serão localizadas nas diferentes partes do edifício, por forma a que fiquem proporcionalmente divididas pelas zonas de maior e menor valor.
A área de construção a entregar será do tipo e com acabamentos similares aos da restante construção no edifício em que se integra.
ARTIGO SEXTO
As despesas que irão decorrer com a totalidade do prédio misto até o mesmo ficar apto a iniciar-se qualquer edificação, nomeadamente despesas com a sua desocupação (caseiro), de projectos, encargos fiscais, infraestruturas urbanísticas, etc., ocorrerão por conta de ambas as partes e na proporção de 50%.
ARTIGO SÉTIMO
DECLARAM AMBOS OS PACTUANTES: Que aceitam este contrato nos termos exarados.» (negrito nosso)
Lidas as cláusulas do “contrato promessa” aqui em causa e as obrigações neste assumidas pelas partes outorgantes na sua conjugação com a factualidade provada e não provada nos autos, mormente no que se refere aos valores entregues (por ambas as partes) na sequência do mesmo e fundamento da sua atribuição, resulta para nós evidenciado que, entre os autores e a ré foi celebrado um acordo com vista à futura celebração de dois contratos distintos e no âmbito do qual, satisfazendo o interesse de ambas, as partes se vincularam mutuamente, ou seja:
- a celebrar um contrato de compra e venda de metade do prédio aí identificado, mediante o qual a ré se comprometeu a vender aos autores 50% (metade) do prédio misto identificado no contrato promessa, pelo valor de 25 mil contos;
- a realizar uma troca, “permuta[6]”, (embora como tal não tenha sido qualificado no contrato), entre a metade do prédio prometida vender aos AA, onde a ré subsequentemente ficou autorizada a construir prédios em propriedade horizontal, e a entrega pela ré, em contrapartida, de 10% da construção que aí edificasse (nos termos da cla. 5ª do Contrato).
Perante as cláusulas contratuais fixadas entre as partes no contrato promessa celebrado, evidencia-se a existência de dois contratos coligados e funcionalmente ligados entre si,[7] celebrados no mesmo momento e através do mesmo título, com obrigações e efeitos distintos para as partes, mormente quanto aos respectivos efeitos translativos da compra e venda prometida do prédio e das fracções a construir no mesmo, prometidas entregar aos AA como “compensação” pelo valor do prédio ocupado com a sua construção, e que se interligam, mas não se confundem.
De facto, das cláusulas contratuais fixadas, surpreendem-se claramente dois acordos entre os AA e a Sociedade ré, com conteúdo e obrigações distintas, como seja e se bem vemos, um contrato-promessa de compra e venda de metade do imóvel e um contrato promessa de “permuta”/troca, assente na cedência à ré, pelos AA., dessa metade (para aí ser edificada construção pela ré) mediante a contrapartida da percentagem de 10 % da construção que aí fosse edificada pela ré.
Melhor explicitando, no plano contratual apresenta-se-nos a celebração de dois contratos unidos no mesmo título, um contrato promessa de compra e venda e um contrato promessa de “permuta”, os quais, não obstante a sua ligação e interdependência, mantêm a sua individualidade.
Como se salienta no Ac. da R.C. 22.11.2022, citado na nota 7. numa situação com contornos similares «Seguindo a terminologia da doutrina, estamos perante uma situação de união ou coligação de contratos. E dentro da união estamos perante uma união interna com dependência unilateral. É união interna porque, socorrendo-nos das palavras de Pedro Pais de Vasconcelos e Pedro Leitão de Pais Vasconcelos, “existe um vínculo de dependência funcional”; é união interna com dependência unilateral porque, socorrendo-nos mais uma vez das palavras dos citados autores, “o vínculo funcional é de ordem a tornar um dos contratos dependente do outro, nas não a inversa” [Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª Edição, página 541].»
Donde e como se verifica da PI, o núcleo essencial da alegação dos autores e do peticionado na acção (dobro do sinal entregue à ré) circunscreve-se, nesta acção, ao incumprimento por parte da ré do que designaremos de “primeiro contrato” prometido, como seja, a promessa de venda de metade do prédio que a ré se comprometeu a efectuar aos AA. e, relativamente à qual, os AA. pagaram o preço acordado de 25 mil contos. Aliás, os AA. são claros ao referir no art. 26 da PI, que: «outros danos e prejuízos causou a ré aos autores, incluindo outros lucros que poderia ter obtido com o cumprimento integral do contrato, mas tal será objecto de acção própria por não ser cumulável com o pedido a deduzir nestes autos.» Contrato que a ré/ recorrente se impossibilitou de cumprir, de forma que não poderá deixar de se considerar culposa, ao transmitir a propriedade do mesmo para um terceiro através de um contrato de permuta (factos 8. e 9 dados como provados).
Resulta do exposto, com todo o respeito, que não podemos por isso sufragar o sentido (ainda que inócuo face à decisão final) que nos parece retirar-se das afirmações e exegese exposta na decisão recorrida sobre a hipótese de os factos poderem configurar um cumprimento parcial do contrato, dada a entrega de 16.500 contos feita pela ré referente a uma percentagem da construção que tinha sido aprovada no prédio (10% dessa construção). E, bem assim, as considerações aí efectuadas, sobre a relevância diminuta/ou insignificante de tal entrega (face à expectativa dos autores de que fossem construídos um ou vários edifícios no prédio, ficando essa entrega muito aquém da expectativa daqueles), e à consideração, por isso, desse incumprimento como total.
Na verdade e com todo o respeito, se por um lado não nos parece poder retirar-se da factualidade descrita nos autos, a “expectativa” em que assenta o referido argumentário, por outro, se bem vemos, o mesmo assenta numa visão “unitária” do contrato, o que como acima deixámos exposto, não é o que se retira do teor do documento titulador dos acordos celebrados entre as partes e das distintas obrigações e efeitos distintos que dele decorrem, como se evidencia nas declarações negociais que foram proferidas (e relativamente às quais não foram alegados e provados factos que as infirmem).
Ressalta assim do que vem exposto, que não obstante o tribunal recorrido ter chegado à mesma conclusão, a do incumprimento do contrato-promessa por uma actuação imputável à ré de forma culposa, acabando por ser inócuas ao destino da acção as considerações tecidas sobre a relevância do pagamento pela ré da quantia de 16.500contos pela construção que tinha sido executada nesta parte do prédio, afigura-se-nos que tal pagamento não influi, nem tem por isso de ser relevado na aferição do montante pago pelos AA. em contrapartida da promessa feita pelos RR da venda de metade do imóvel ( e a que se refere o dito 1º contrato).
Desse modo e pela mesma razão, também não sufragamos a alegação feita no recurso, de que aquilo a que a ré se obrigou no contrato promessa celebrado com os autores foi tão só e nada mais, como aduz, a vender metade de um imóvel e estes a comprá-lo, pretendendo daí retirar que a quantia entregue pela ré aos autores de 16.500 contos em 1994 (correspondente à obrigação de entrega de 10% da construção que aí edificasse), teria que ser deduzida ao valor do contrato pago pelos autores e, portanto, a de que seria o montante que daí resultasse o valor a considerar a título de sinal pago.
Neste contexto, como antes referimos, estando em causa dois acordos distintos e com obrigações diferenciadas, embora celebrados no mesmo título, a antecipação que se verifica ter existido no âmbito do 2º acordo, com o pagamento nos termos contratuais de 10% da construção realizada no prédio prometido vender aos AA, pela ré, não se confunde, nem influi, no preço pago contratualmente pelos AA. pela prometida venda a estes no âmbito do 1º acordo (contrato promessa de compra e venda de metade do prédio.) de 25.000 contos e nas consequências, legalmente previstas quanto ao mesmo, pelo seu incumprimento.
Em suma, tratando-se de acordos diferenciados com obrigações e efeitos distintos e, estando em causa na presente acção apenas as consequências do alegado incumprimento definitivo e culposo por parte da ré do primeiro, ou seja, das obrigações decorrentes para a ré no âmbito do contrato promessa de compra e venda de metade do imóvel (Quinta ...), a quantia a ter em conta a título de sinal ( para os legais efeitos) será tão só aquela que os AA. pagaram em cumprimento do mesmo, ou seja, nos termos do ponto 4. dos factos provados, a quantia de 25.000 contos, à qual não há que fazer a dedução de quaisquer valores pagos pela ré no âmbito do outro acordo celebrado (mormente quanto à contrapartida de 10% da construção que aí fosse edificada).
Aqui chegados e não se tendo provado que os autores e a ré tenham feito qualquer acordo de cessação do contrato em 1999 (vide factos não provados em 1. e 2.), como vinha invocado pela ré, mais não resta que sufragar a conclusão exposta na decisão, já que a permuta pela ré a terceiro do prédio, cuja metade havia sido prometida vender aos autores, traduz a intenção inequívoca de o promitente-vendedor, ora ré, não querer celebrar o contrato prometido e corresponde ao incumprimento definitivo e culposo da promessa, por causa imputável à ré, nos termos do artigo 801º n.1 do Código Civil.
Tal incumprimento definitivo do contrato por parte do promitente-vendedor, dispensa a interpelação admonitória e possibilita, de imediato, a declaração de resolução do contrato, equivalendo a exigência do sinal em dobro, enquanto sanção coberta pelo regime do n.º 2 do art. 442º do CC, a uma declaração tácita de resolução do contrato-promessa, como se refere a propósito no Ac. desta Relação de Guimarães de 14.10.2021, do relator Alcides Rodrigues, in www.dgsi.pt.
Aos autores assiste, por isso, o direito ao dobro da quantia entregue a título de sinal, ou seja, ao dobro dos referidos 25.000 contos (cfr. artigo 441º do CC).
Aqui chegados, impõe-se apreciar a questão de saber do bem fundado da decisão proferida pelo tribunal a quo ao considerar que a quantia a que os autores têm direito ( dobro do sinal entregue) deve ser actualizada por aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda de acordo com índice de preços ao consumidor publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, entre o ano de 1989, que foi aquele em que os autores entregaram à ré a quantia de 25.000 contos, e o ano de 2004, que foi aquele em que a ré celebrou a escritura pública de permuta.
A recorrente insurge-se contra a referida actualização arguindo que o que está em causa nos autos é um contrato promessa de compra e venda de imóvel, não uma empreitada com expetativas e aprovação de licenciamentos, e que o sinal comummente prestado, assume precisamente a função sancionatória, o que implica para o que o presta a possibilidade de perder o sinal; e, para o que o recebe, a possibilidade de o restituir em dobro, não existindo fundamento legal ou jurisprudencial para a atualização da dita quantia.
Desde já adiantamos, que lhe assiste razão.

Diz-nos o artigo 442º do Código Civil, nos seus n.s 2 a 4, que: (…) « 2 - Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago.
3 - Em qualquer dos casos previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, nos termos do artigo 830.º; se o contraente não faltoso optar pelo aumento do valor da coisa ou do direito, como se estabelece no número anterior, pode a outra parte opor-se ao exercício dessa faculdade, oferecendo-se para cumprir a promessa, salvo o disposto no artigo 808.º 4 - Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento.» (negrito nosso)
Compulsado o referido normativo, verifica-se que o regime nele previsto estabelece uma forma de indemnização pré-definida do promitente a quem é imputável o incumprimento do contrato-promessa, tendo havido sinal passado e na falta da convenção em contrário (como sucede in casu)[8].
Nessa medida, a definição do montante indemnizatório nos termos do art. 442.º do CC, dispensa a prova de que o promitente não faltoso sofreu efectivamente prejuízos e exclui o ressarcimento de quaisquer prejuízos que excedam o quantum indemnizatório aí encontrado.
Por outras palavras, na ausência de convenção contrária, no caso de perda do sinal ou do seu pagamento em dobro, não há lugar, com fundamento no não cumprimento do contrato promessa, a qualquer outra indemnização (artº 442, nº 4 do Código Civil).
A este respeito destacamos o que vem referido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/11/2010[9] que firmou a seguinte doutrina: «Como se dispõe no n.º 4 do art. 442.º, C. Civil, “na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do Sinal (…)”.
Assim sendo, o valor da indemnização compensatória, havendo sinal, identifica-se a forfait, com o valor deste, identificação que só pode ser afastada em função de estipulação convencional das partes nesse sentido. … Consequentemente, tendo as Partes convencionado o sinal, sem estipulação de qualquer outra indemnização em caso de incumprimento, ficou-lhes vedado lançarem mão de qualquer outra indemnização compensatória pelo incumprimento que não seja a da perda do sinal passado ou da restituição do seu dobro»
Também no Ac. proferido no processo 1358/08.9TBILH.C1.S1, da relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (in www.dgsi.pt), se diz elucidativamente, a propósito de uma situação com contornos similares ao presente, e na qual era peticionado a título principal o pagamento de uma indemnização por incumprimento do contrato-promessa (celebrado em 1982), ao abrigo do nº 1 do artigo 762º e do nº 1 do 798º do Código Civil, conjugados com o artigo 334º, que: « há que ter presente que o incumprimento do contrato-promessa de compra e venda tem um regime próprio, que procura respeitar, por um lado, o eventual interesse (ou impossibilidade) de uma ou de ambas as partes na não produção imediata dos efeitos do contrato definitivo, ou até de não o vir sequer a celebrar, e, por outro, eventuais situações constituídas à sombra ou na expectativa desses futuros efeitos (porque, por exemplo, a coisa a que o contrato de compra e venda respeita foi entregue ao promitente-comprador).
Esse equilíbrio, tendo havido sinal, foi significativamente deslocado em 1980 para a protecção do promitente-comprador, quando, nas palavras da lei, houve “tradição da coisa” (Decreto-Lei nº 236/80) ou “tradição da coisa a que se refere o contrato prometido”, como veio esclarecer o Decreto-Lei nº 379/86.
Não tendo ocorrido essa tradição, continua a valer o regime de que, se tiver havido sinal e se o promitente-vendedor entrar em incumprimento (como, no caso, sucedeu, em 2 de Outubro de 2000), o promitente-comprador tem direito à restituição do sinal em dobro; e, se nada se tiver convencionado em contrário, “não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização” (nº 4 do artigo 442º do Código Civil). No fundo (e não interessando agora discutir qual a natureza do sinal e até que ponto foi modificada em 1980 com as alterações introduzidas no Código Civil), a lei, reconhecendo ao sinal uma função de compensação da parte a quem o incumprimento não é imputável, fixa antecipadamente o correspondente montante (e o risco que o faltoso corre se decidir não cumprir).
Resulta deste excurso a constatação de que, nada tendo sido convencionado em contrário pelas partes no contrato promessa, vale a regra contida no n.2 do artigo 442º do C.Civil quanto à compensação devida pelo incumprimento do contrato imputável a uma delas, como seja, no caso o dobro do sinal pago à promitente vendedora.
Deste modo, não podemos sufragar as considerações tecidas na decisão que considerando as especificidades do caso concreto, que diga-se, não são distintas de muitas outras em que o incumprimento se dá muitos anos depois de o contrato ter sido celebrado, para fundamentar a actualização da quantia prevista na lei a que os AA. têm direito. O contrato promessa é um contrato com efeitos futuros ao qual é inerente o risco do seu incumprimento, risco esse que os AA. assumiram ao deixar a situação prolongar-se no tempo sem qualquer interpelação, tanto mais que como se evidencia colocavam a expectativa do investimento realizado na percentagem que iriam receber da construção futura ( e necessariamente prolongada no tempo) que aí fosse edificada pela ré (no âmbito do 2º acordo que celebraram e, cujas consequências/danos para si advenientes do respectivo incumprimento não estão em causa nesta acção, como os próprios alegaram na PI).
Como síntese conclusiva, os AA. têm apenas direito ao valor do sinal pago em dobro nos termos do n.2 do artigo 442º do Código Civil a que acrescem os juros de mora fixados na decisão, devendo a sentença proferida ser revogada na parte em que procedeu à actualização desse valor.
O recurso procede quanto a esta questão.
Por último, a apelante insurge-se quanto à decisão proferida pelo tribunal a quo relativamente à apreciação feita do instituto do abuso de direito convocado pela ré com fundamento no alegado pagamento e cessação do contrato no ano de 1999, e convicção daí decorrente e face ao tempo decorrido, de que o prédio lhe pertencia por inteiro, bem como comportamento dos autores que não a colocaram em causa, nunca a tendo interpelado após o recebimento em 1999.
Como se evidencia da alegação recursória, a apelante centra a invocação de abuso de direito por parte dos AA. em factos que não lograram ficar provados na acção, como seja o alegado acordo de cessação do contrato promessa no ano de 1999 e falta de interpelação após essa data, pelo que, quanto a tal alegação, na ausência de prova do dito acordo e perante o quadro factual apurado e definitivamente fixado, resta subscrever o que a propósito ficou dito na decisão proferida e que aqui nos permitimos transcrever: «Entendemos que não existe qualquer conduta abusiva dos autores. A revogação do contrato promessa no ano de 1999 não resultou provada e os autores limitaram-se a reclamar a quantia a que tinham direito em consequência da impossibilidade de cumprimento que foi provocada pela ré. »,
Este segmento da apelação é assim improcedente.
Aqui chegados e perante tudo que ficou exposto, resta concluir pela parcial procedência da apelação, considerando a questão da actualização da quantia indemnizatória na qual obtiveram procedência, impondo-se por isso, a revogação da decisão proferida no que se refere a essa questão, designadamente no ponto 2. da sua parte decisória, mantendo-se no demais, ou seja, mantendo-se a condenação da ré a pagar aos autores o dobro da quantia de € 124.699,47 (cento e vinte e quatro mil seiscentos e noventa e nove euros e quarenta e sete cêntimos) (ponto 1.) e nos juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento (ponto 3.).
*
-V- Decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida quanto ao ponto 2. da condenação, referente à actualização da quantia referida em 1., mantendo-se no demais.
Custas da acção e do recurso na proporção do decaimento, por ambas as partes ( art. 527º n.s 1 e 2 do CPC).
Guimarães, 23 de Janeiro de 2025

Elisabete Coelho de Moura Alves (Relatora)
Fernanda Proença Fernandes
Anizabel Sousa Pereira
(assinado digitalmente)


[1] Vide https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ipc 
[2] «1 O ónus da prova do pagamento compete ao devedor (art. 342º nº1 do Cód. Civil). A existência de um recibo não inverte o ónus da prova por forma a passar a competir ao credor provar que não recebeu. Neste sentido pode ver-se, entre muitos outros, o Ac. da Relação de Guimarães de 21 de Janeiro de 2009, proferido no processo nº2793/08-1, disponível em www.dgsi.pt. 
A este propósito pode ver-se António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado - Vol. I, pág. 527, para quem 'cada parte apresenta a sua versão dos factos e promove as diligências de prova no intuito de convencer o julgador acerca da realidade da sua versão. Um standard de prova consiste numa regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese de facto para que tal hipótese possa considerar-se provada, ou seja, para que possa ser aceite como verdadeira (…). Se, após a valoração da prova, não for atingido tal patamar ou se as  provas produzidas pelas partes forem equivalentes, no sentido de que inexistem parâmetros concretos que justifiquem a prevalência da credibilidade de umas sobre as da contraparte, entre em campo a solução prescrita nesta norma'.»
[3] Processo 18591/15.0T8SNT.L1-7.
[4] Como se refere no Ac. da Relação de Coimbra de 24.10.2023, 2548/21.4T8ACB.C1, in www.dgsi.pt : «genuinidade da assinatura e, portanto, da autoria do documento; invocado um documento assinado, fica objecto de prova bastante que a assinatura é genuína: se a parte não impugnar a veracidade da assinatura, tem-se ela por demonstrada (art. 374.°, n.° 1, do Código Civil); se a parte impugnar a veracidade da assinatura ou então, não sendo a assinatura da própria parte, declarar que não sabe se é genuína (art. 374.°, n.° 1, do Código Civil), a genuinidade da assinatura terá de ser objecto de prova, recaindo o ónus da prova sobre o apresentante do documento (devendo o tribunal, na dúvida, tomar a assinatura como não genuína) (art. 374.°, n.° 2, do Código Civil).» 
[5] Vide ainda Acórdão antes proferido nos autos. 
[6] O contrato de permuta, também denominado de troca ou escambo, é um contrato atípico, inominado, já que não tem regulamentação específica na nossa lei e cujo núcleo essencial consiste na prestação de uma coisa em troca de outra e cuja regulação de referência, atento o seu carácter oneroso, há-de buscar-se, adaptadamente, no contrato de compra e venda.  [7] propósito vide Ac. da R.C. de 22.11.2022, processo 3378/15.8T8VIS-K.C2, in www.dgsi.pt  
[8] A propósito vide Ac. do STJ de 02-12-2013, da relatora MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA, in www.dgsi.pt. 
[9] Processo n.º 1433/07.7TBBRG.S1, in www.dgsi.pt