ALIMENTOS A FILHO MAIOR
CESSAÇÃO
GRAVE VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DO PROGENITOR
DESONERAÇÃO DO DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS
DEVER DE RESPEITO
Sumário

I – O filho maior continua com direito a ser “alimentado” pelos pais enquanto não tiver completado a sua formação profissional, na medida em que seja razoável exigir o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que essa formação se complete;
II – A obrigação de alimentos fixada na menoridade e não declarada cessada por decisão com trânsito em julgado mantém-se até que o maior perfaça 25 anos de idade, cabendo agora ao progenitor obrigado a prestá-los o ónus de intentar ação (cfr. nº2 do art.º 989 do CPC), por apenso à ação na qual foram fixados, pedindo a sua alteração, de acordo com as necessidades do filho maior ou as suas possibilidades, ou a sua extinção.
III – Não tendo sido instaurada ação destinada a fazer cessar a obrigação de alimentos ou a alterar o seu montante, alegando os fundamentos previstos no artigo 1905.º, n.º 2 in fine do Código Civil, o progenitor não convivente continua vinculado ao pagamento da prestação de alimentos, incluindo a parte variável correspondente à medida da sua contribuição para as despesas de educação e saúde da filha, nos termos fixados no acordo de regulamentação de responsabilidades parentais;
IV – Só uma situação de grave violação dos direitos de personalidade ou dos direitos patrimoniais do pai, pode desonerar este do dever de prestar alimentos à filha, por força do disposto nos termos da al. c), do n.º 1 do artigo 2013.º do Código Civil;
V – Não preenche o conceito de violação grave do dever de respeito a circunstância da filha, maior de idade, ter deixado de falar com o pai e de o auscultar quanto à realização de determinadas despesas relacionadas com a sua educação e saúde, sobretudo quando são desconhecidas as razões do distanciamento entre pai e filha e, por isso, não se pode afirmar que é imputável a esta última.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA


Requerido/Recorrente: AA;

Requerente/recorrida: BB

I. Relatório
BB instaurou incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais respeitante a alimentos, deduzindo-o contra seu pai AA, pedindo a condenação deste no pagamento de 6.346,31 euros (seis mil trezentos e quarenta e seis euros e trinta e um cêntimos) a título de valores vencidos e não pagos; se notifique a entidade patronal do Requerido, e ainda o Clube de futsal para o qual presta serviços - “A...” - para que passem, por este, a efetuar a dedução diretamente à requerente, para conta bancária a indicar por esta, do valor de 250,00 euros mensais, ou o valor que o Tribunal entenda por conveniente, devidos pelo seu trabalhador, aqui requerido, descontando tal valor no seu salário para pagamento das prestações de alimentos vencidos e demais despesas a que se encontra obrigado e finalmente se ordene que seja efetuado desconto nos rendimentos ou prestação mensal que o Requerido aufira, no valor de 250,00 euros para pagamento das prestações vincendas.

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Alegou, para o efeito, ter suportado um conjunto de despesas, designadamente, de educação/escolares e médicas e medicamentosas, que contabiliza desde a data em que entrou para o ensino superior, ou seja, desde setembro de 2020 (e também assim consideradas para efeitos de dedução em sede de IRS, como despesas de educação e alojamento universitário, inclusive), as quais totalizam o valor de €11.792,62. Apesar de ao requerido, seu pai, competir pagar metade daquele valor, nos termos do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais homologado por decisão da Conservadora do Registo Civil, e de ter sido interpelado para o efeito, nada pagou.
Sustenta ainda que o requerido não liquidou também a pensão de alimentos devida, nos termos do mesmo acordo de regulação de responsabilidades parentais, referente aos meses de agosto e setembro de 2019, agosto e setembro de 2020, setembro de 2021 e setembro de 2022, tudo num total de 450,00 euros
Conclui assim que o requerido é devedor da quantia de €450,00, a título de pensão de alimentos e ainda da sua quota parte nas despesas no valor de €5.896,31 euros, tudo num total de 6.346,31 euros.
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Notificado para o efeito, o requerido veio pronunciar-se sobre o incidente de incumprimento do acordo de responsabilidades parentais que lhe foi movido.
Alega que a requerente nunca o auscultou quanto às questões de particular importância, apesar de saber que o requerido tem estado em regime de contratado do Ensino que implica quase sempre lecionar em horário incompleto e não auferir rendimentos no período das férias escolares, sustentando que só muito recentemente tem conseguido lecionar em horários completos, além de sua filha saber que o requerido constituiu outra família e teve, entretanto mais dois filhos. Reitera que, quando foi para escolher o estabelecimento de ensino superior, a requerente não lhe pediu opinião, nem lhe comunicou qualquer decisão, impedindo assim que pudessem ser consideradas soluções alternativas de alojamento menos dispendiosas. Nunca o questionou sobre se poderia custear ou tinha possibilidades de oferecer alternativa ao computador que adquiriu e tampouco foi informado da necessidade da requerida frequentar consultas de psiquiatria ou psicologia. Alega também que a requerente nunca permitiu qualquer convívio com os irmãos. Invoca, finalmente, que, já depois de tomar conhecimento da frequência do ensino superior em ..., propôs à sua filha incluí-la no seu agregado familiar para efeitos de IRS para assim poder aceder a uma bolsa de estudo o que a requerente rejeitou liminarmente
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Foi realizada conferência a que alude o art.º 35º, n.º 1 do RGPTC (ex vi do art. 989º, n.º 2 do CPC e do art.º 41º, n.º 3 do RGPTC), não tendo sido possível alcançar solução consensual do litígio.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
- declaro vencida e não paga a quantia total de €4.991,89 (quatro mil, novecentos e noventa e um euros, oitenta e nove cêntimos) correspondentes às identificadas despesas. Consequentemente condeno o Requerido AA, no pagamento à Requerente BB de tal importância e nas prestações vincendas.
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Custas a cargo do requerido, fixando-se o valor tributário em €11.843,62 (onze mil, oitocentos e quarenta e três euros e sessenta e dois cêntimos).
Notifique e Registe.
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Inconformado com esta decisão, o requerido dela interpôs recurso e formulou, a terminar as respetivas alegações, as conclusões que, de seguida, se transcrevem:
“(…)”
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A recorrida não apresentou contra-alegações.
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II. Objeto do recurso
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:
1. da impugnação da matéria de facto;
2. o incumprimento da obrigação de alimentos do requerido (quanto à comparticipação de metade das despesas educativas e de saúde da requerente).;

III. Fundamentação de Facto
A sentença apresenta a seguinte matéria provada:
1. A Requerente BB nasceu no dia ../../2002 e é filha de CC e de AA.
2 No âmbito do processo de Divórcio por Mutuo Consentimento dos seus progenitores que correu termos na Conservatória do Registo Civil ..., por acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, devidamente homologado e transitado em julgado - 1 de agosto de 2007 - o Requerido, entre outros, mas no que à pensão de alimentos diz respeito, ficou obrigado a pagar a quantia de mensal de €75,00 (setenta e cinco euros), a título de alimentos devidos à sua identificada filha.
 3 Este pagamento seria efectuado directamente à mãe da jovem BB, até ao dia 8 do mês a que respeitaria, através de depósito na conta.
4 No referido acordo ficou ainda o Requerido obrigado a pagar metade das despesas extra de saúde caso as mesmas não fossem suportadas pelo sistema nacional de saúde e bem assim a custear metade das despesas com educação e assistência (nomeadamente material escolar lazer, etc).
5.A Requerente encontra-se a residir com a sua mãe e, presentemente, a frequentar o 4º ano curricular do curso de Fisioterapia na Universidade ....
6 A Requerente incorreu nas despesas que infra se discriminam, de educação/escolares, medicamentosas de saúde e outras, contabilizadas desde Setembro de 2020 e ainda despesas de educação- alojamento universitário inclusive.
7 A comparticipação do Requerido, em 50%, corresponde às seguintes despesas parcelares:
A) Propinas, seguro escolar, impressos, inscrição em exames/época de recurso relativo aos anos 2020/2021,2021/2022 e 2022/2023, contabilizados desde Setembro de 2020 até dezembro de 2022: €1847,78.
B) Bilhetes- Rede Expressos e outros (viagens de ... para ... e da estação para casa e vice versa contabilizados desde Outubro de 2020 a Dezembro de 2022: €376,99.
C) Renda do quarto, a título de alojamento, com montante mensal de €220,00, valor liquidado desde Outubro de 2020 até Janeiro de 2023: €5.940,00.
D) Educação/fotocópias, digitalizações, livros e outro material escolar, relativo a despesas ocorridas entre Outubro de 2020 a Dezembro de 2022: €337,60.
8. A Requerente incorreu ainda nas seguintes despesas:
A) Médico-medicamentosas: saúde/Farmácia/consultas/medicamentos, despesas desde Janeiro de 2020 até Dezembro de 2022: €1.956,83.
B) Outras despesas quotidianas, saúde e bem estar, como sejam roupas para a cama, Wc e pessoais, bem como utensílios para a cozinha e outros: €934.42. Nesta rubrica constam, entre outros, toalhas, lâmpadas e cabides, chinelos, malas, roupão de banho, frequência de curso de auto formadora ou mini aspirador.
9 Estas despesas totalizam €11.393,62 (onze mil trezentos e noventa e três e sessenta e dois cêntimos) e englobam os meses de Janeiro de 2020 a Dezembro de 2022.
10 O Requerido foi interpelado para efectuar o correspondente pagamento- por email, enviados ao Requerido pela progenitora da Requerente e sempre com o conhecimento desta – mas até à presente data nada pagou, ainda que sabedor que filha continua o seu percurso académico e carece de alimentos.
11 O Requerido não liquidou também a pensão de alimentos devida nos meses de Agosto e Setembro de 2019, Agosto e Setembro de 2020, Setembro de 2021 e Setembro de 2022, tudo num total de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros).
12 Em condições não apuradas em concreto, mas já no decurso da frequência do Curso Superior, em ..., o requerido propôs a sua filha inclui-la no seu agregado familiar para efeitos de IRS (com hipotéticos rendimentos inferiores aos da Mãe) para poder aceder a uma Bolsa de Estudo, o que a Requerente rejeitou.
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A sentença recorrida considerou não provados os seguintes factos:
1 A requerente nunca auscultou o Pai quanto às questões de particular importância, apesar de saber que o requerido tem estado em regime de contratado do Ensino que implicava quase sempre lecionar em Horário incompleto e não auferir rendimentos no período das férias escolares.
2 Quando foi para proceder a escolhas relativas ao ensino superior a Requerente não pediu a opinião do Pai, nem lhe comunicou qualquer decisão.
3 E não lhe perguntou se poderia custear ou se tinha possibilidade de oferecer alternativa, um computador.
4 O requerido não sabe nem nunca lhe foi explicado porque motivo a sua filha tem que tomar a vacina que indica, porque não comparticipada.
5 O Requerido não sabe o motivo da aquisição de 120 cápsulas de Normatal, um medicamento cuja toma não deve exceder os 10 dias.
6 Nunca o requerido foi informado da necessidade da Requerente ter consultas de psiquiatria e qual o motivo da frequência de uma psiquiatra particular.
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IV- Fundamentação de Direito
a) Reapreciação da matéria de facto
O recorrente impugna a decisão proferida pelo tribunal a quo relativamente aos pontos n.ºs 1, 3 e 6 dos factos não provados –pretendendo que os mesmos sejam considerados provados - pugnando ainda pelo aditamento de dois factos com o seguinte teor:
A)  “A requerente tem encargos mensais superiores a 1200 euros, sendo que a Requerente tem muitas vezes de se socorrer da ajuda económica do companheiro da sua progenitora e também dos seus avós, pois é incomportável para a sua mãe arcar com todas as suas despesas sozinha”.
B) ”Foi pelo facto dos seus escassos rendimentos mensais, causados pela instabilidade de professor do secundário, que o requerido se tem vindo a afastar  do cumprimento das obrigações de pagamento das despesas que a requerente foi apresentando”.
Sustenta que os factos mencionados sob os pontos 1, 3 e 6 do elenco dos factos não provados foram admitidos pela requerente no decurso das suas declarações prestadas em audiência do dia 12 de setembro de 2023.
Por seu turno, o facto mencionado na al. A), que corresponde ao alegado no artigo 22ºda petição inicial, deve considerar-se admitido por acordo.
Já o identificado na al. B), corresponde à matéria factual alegada nos artigos 13º e 14º da contestação, a qual, no entender do recorrente, “deve considerar-se confessada ao abrigo do princípio da indivisibilidade da confissão e do depoimento de parte do requerido”.
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Nos termos do artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, (a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, (b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida, e (c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, conforme preceitua a al. a), do n.º 2, do mesmo artigo.
No caso vertente, não suscita dúvidas o cumprimento deste ónus pelo recorrente, visto que este indica de forma expressa e discriminada os pontos de facto que considera incorretamente julgados (os pontos 1,3 e 6 dos factos não provados, os factos alegados pela requerente no artigo 22º do requerimento inicial e pelo requerido nos artigos 13º e 14º da contestação), fundamentou esta discordância na análise dos concretos meios de prova que menciona nas suas alegações (mais concretamente, na confissão e nas declarações de parte da requerente, indicando, quanto a estas, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, transcrevendo-as) e concluiu indicando a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre aqueles pontos [julgando provada a factualidade descrita nos supra referidos pontos 1, 3 e 6 dos factos não provados e aditando-se também dois novos factos provados, com a redação que sugere nas supra mencionadas alíneas A) e B)].
Cumpridos estes ónus, nada obsta ao conhecimento da impugnação deduzida.
Vejamos.
Pretendia o recorrente que o facto n.º 1 do elenco do elenco dos factos não provados, transitasse para os factos provados.
Antes, porém, impõe-se notar a natureza meramente conclusiva da primeira parte tal facto [A requerente nunca auscultou o pai quanto às questões de particular importância (…)].
De acordo com o critério consagrado no art.º 607º, n.º 4 do Código de Processo Civil, o tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito.
Mesmo em sede de recurso, no âmbito dos poderes da Relação no que diz respeito à apreciação da matéria de facto, acentuados com a Reforma de 2013 do Código de Processo Civil (artigo 662.º), não obstante a revogação com a mesma reforma do anterior artigo 646.º, em que se previa que no julgamento da matéria de facto ter-se-ão por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito – solução que como é entendimento doutrinário e jurisprudencial se aplica, por analogia, às respostas que constituam conclusões de facto, designadamente quando as mesmas têm a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito a que se dirigem[1] –, deve continuar a entender-se os tribunais superiores tem a possibilidade de eliminação de factos conclusivos equiparados a questões, ainda que a mesma não esteja prevista expressamente na lei processual
Neste sentido, afirma-se no Ac. da RG de 11/11/2021[2]: “Não obstante subscrevermos uma maior liberdade introduzida pelo legislador no novo (atual) Código de Processo Civil, entendemos que não constituem factos a considerar provados na sentença nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil os que contenham apenas formulações absolutamente genéricas e conclusivas, não devendo também constituir «factos provados» para esse efeito as afirmações que «numa pura petição de princípio assimile a causa de pedir e o pedido».
Afigura-se-nos, assim, que os factos conclusivos não devem relevar (não podem integrar a matéria de facto) quando, porque estão diretamente relacionados com o thema decidendum, impedem ou dificultam de modo relevante a perceção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor[3].
A alegação “A requerente nunca auscultou o pai quanto às questões de particular importância (…)”, a nosso ver, configura, em si, uma mera conclusão, não devendo, por isso, constar nem do elenco dos factos provados, nem do conjunto dos factos não provados, devendo por isso ser expurgada da redação daquele facto n.º 1.
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Já quanto à segunda parte do facto não provado n.º 1 - o conhecimento, pela requerente, de que “o requerido tem estado em regime de contratado do ensino que implicava quase sempre lecionar em horário incompleto e não auferir rendimentos no período das ferias escolares” - considerou o tribunal a quo ser total e completa a ausência de prova acerca de tal factualidade.
Cremos que com razão. 
Ouvidas as declarações de parte da requerente, constata-se que, quando questionada sobre se sabia que o seu pai, enquanto professor, não trabalhava com horários completos, apenas afirmou saber que, no ano letivo 2022/2023 tal situação não ocorreu, tendo este trabalhado com horários completos, dizendo ainda desconhecer se tal situação se manteve no ano letivo seguinte. Questionada também sobre as condições económicas do seu pai, apenas afirmou saber que o mesmo é professor e que a sua atual mulher tem a mesma profissão.
Assim, à falta de qualquer outro meio de prova sobre o alegado conhecimento, pela requerente, da situação profissional do requerido entendemos não poder censurar o juízo probatório do tribunal a quo sobre esta concreta factualidade, pelo que nesta parte improcede o recurso.
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Vejamos agora se assiste razão ao recorrente quando sustenta que deveriam ter sido considerados provados os factos constantes dos pontos 3 e 6 do elenco daqueles que a sentença recorrida considerou não provados.
Após audição da prova pessoal produzida na audiência de 12 de setembro de 2023, entendemos que assiste razão ao recorrente no que diz respeito à efetiva demonstração de tal factualidade.
Com efeito, no decurso das suas alegações, prestadas naquela audiência, perguntada sobre se consultou o pai antes de comprar o computar, a requerente/ora recorrida não respondeu expressamente à questão, limitando-se dizer que o computador era dos mais baratos. Admitindo, porém, que os contactos com o pai eram escassos (passando a ser inexistentes a partir de janeiro de 2023) e que a relação entre ambos não era próxima, tal resposta deve ser interpretada no sentido, propugnado pelo recorrente, de a requerente não ter efetivamente consultado o pai antes de adquirir o computador identificado no documento n.º 78 junto com a petição inicial (datado de 27 de setembro de 2020).
A nosso ver, tal será o suficiente para considerar demonstrado que a requerente não perguntou ao pai se podia custear ou se tinha possibilidades de lhe oferecer em alternativa um computador.
Assim, nessa parte, procede a impugnação da matéria de facto, devendo o facto n.º 3 ser eliminado do elenco dos factos provados e acrescentado ao conjunto dos factos provados.
Por outro lado, resulta manifesto das declarações de parte da requerida que esta admitiu não ter informado o pai da necessidade de frequentar consultas de psiquiatria, que aliás iniciou numa altura em que já não falava, de todo, com o requerido. Ainda que tal admissão/confissão não beneficie da força probatória plena consignada no artigo 358º, n.º 1. do Código Civil - porque a correspondente declaração não foi reduzida a escrito, elaborando-se a assentada – a verdade é que a mesma parece-nos mais do que suficiente para formar uma convicção segura acerca da prova de tal facto (negativo), razão, pela qual, nesta parte, também deverá proceder a impugnação do recorrente, transitando o facto mencionado no ponto 6 dos factos não provados para o elenco dos factos provados.
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Pretende ainda o recorrente que se considere assente, por confessado, o seguinte facto, constante do artigo 22º da contestação:  “A requerente tem encargos mensais superiores a 1200 euros, sendo que a Requerente tem muitas vezes de se socorrer da ajuda económica do companheiro da sua progenitora e também dos seus avós, pois é incomportável para a sua mãe arcar com todas as suas despesas sozinha”.
Porém tendo em conta o objeto da causa - que se prende unicamente com a determinação das concretas despesas cujo pagamento a requerente, ora recorrida, reclama do recorrente, com a subsunção das mesmas à classificação “despesas de saúde e educação” que, nos termos do acordo de regulação de do exercício das responsabilidades parentais, o recorrente está vinculado a pagar, e ainda com a eventual a verificação de factos ou circunstancias extintivos ou impeditivos de tal obrigação de pagamento – entendemos que a supra mencionada factualidade não se reveste de qualquer utilidade, pertinência ou contributo para as questões a decidir.
Conforme se diz no Ac. do TR de Coimbra de 27.05.2014[4], «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente».
Assim, nesta parte, improcede a impugnação da matéria de facto.
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Finalmente, o recorrente defende dever ser aditado aos factos assentes o seguinte facto (alegado nos artigos 13º e 14 da sua contestação): “Foi pelo facto dos seus escassos rendimentos mensais, causa dos pela instabilidade de professor do secundário, que o requerido se tem vindo a afastar do cumprimento das obrigações de pagamento das despesas que a requerente foi apresentando”.
Sustenta que esta matéria factual - apresentada como justificação para o facto, que confessou, de não ter pago as despesas mencionadas nos artigos 12º e 13º da petição inicial, nem as quantias devidas a título de pensões de alimentos identificadas no ponto 17º da mesma peça processual (visando pois infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos) – deveria ter sido considerada (provada) na sentença, por força do princípio da indivisibilidade da declaração confessória previsto no art. 360º do Código Civil.
Não podemos, contudo, deixar de notar que a aludida “factualidade” que o recorrente pretende ditar à matéria de facto assente configura uma mera alegação genérica, de natureza conclusiva, não devendo, pelas razões e fundamentos acima expostos, ser aditada aos factos assentes.
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Atento o exposto, apenas procede parcialmente a impugnação da matéria de facto.
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Considerando que não foram introduzidas outras alterações na decisão relativa à matéria de facto, com exceção das acima referidas, a factualidade (provada) a atender para efeito da decisão a proferir é a que consta do ponto III, com as referidas alterações, ou seja:
-o aditamento aos factos provados daqueles que, na sentença, constavam dos pontos n.ºs. 3 e 6 do elenco dos factos não provados – os quais, consequentemente, deverão se eliminados desse elenco.
- a alteração da redação do facto n.º 1 do elenco dos factos não provados para a seguinte: A requerente sabia que o requerido tem estado em regime de contratado do ensino que implicava quase sempre lecionar em horário incompleto e não auferir rendimentos no período das ferias escolares
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b) incumprimento da obrigação de alimentos.
Os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos (art.º 36º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa). Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos (n.º 5).
Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens (art.º 1878º, n.º 1 do Código Civil).
Os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos (art.º 1879º do Código Civil).
Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete (art.º 1880º do Código Civil, na redação introduzida pelo DL n.º 496/77, de 25.11).
Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor (art.º 1905º, n.º 1 do Código Civil, na redação conferida pela Lei n.º 122/2015, de 01.9).
Para efeitos do disposto no artigo 1880º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência (n.º 2).
A Lei nº 122/15 de 1 de setembro, introduzindo o atual nº 2 do art.º 1905º do Código Civil, veio explicitar, de forma inequívoca, que se mantém para depois da maioridade a pensão fixada em benefício do filho - agora maior - durante a sua menoridade e até que perfaça os 25 anos (pondo fim à indefinição temporal que resultava do regime anterior).
Desta alteração resulta assente que cabe ao progenitor obrigado a alimentos, o ónus de alegar e provar, em ação intentada para o efeito, as causas de extinção da obrigação, ou seja, que o processo de educação ou formação profissional do filho maior se concluiu antes daquela data, que foi livremente interrompido ou ainda a irrazoabilidade da sua exigência, mormente por o filho maior deles não necessitar, ou por o obrigado à sua prestação não ter meios para os prestar (por recurso aos princípios gerais constantes do artº 2004 do Código Civil).
Deste regime introduzido pela Lei nº 122/2015 decorre que a obrigação de alimentos fixada na menoridade e não declarada cessada por decisão com trânsito em julgado, mantém-se até que o maior perfaça 25 anos de idade[5], cabendo agora ao progenitor obrigado a prestá-los o ónus de intentar ação (cfr. nº2 do art.º 989 do ódigo de Processo Civil), por apenso à ação na qual foram fixados, pedindo a sua alteração, de acordo com as necessidades do filho maior ou as suas possibilidades, ou a sua extinção, invocando para o efeito a ocorrência de um dos requisitos constantes deste normativo: a conclusão do processo de educação ou formação profissional do filho; a interrupção desse processo por ato voluntário do filho; a irrazoabilidade da exigência de alimentos, a sua impossibilidade para os prestar.
Ora, não foi este o caminho seguido pelo progenitor recorrente que, não tendo pago a sua quota-parte nas despesas de educação e saúde da recorrida, sua filha, pelo menos desde a data em que esta atingiu a maioridade – apesar de interpelado para o efeito – também não recorreu ao meio processual próprio para invocar qualquer circunstância que impedisse este pagamento ou solicitar a alteração do regime fixado,
Não tendo o aqui recorrente instaurado ação destinada a fazer cessar a obrigação de alimentos ou alterar o seu montante, alegando os fundamentos previstos no artigo 1905.º, n.º 2 in fine do Código Civil, a obrigação de alimentos fixada na menoridade manteve-se e mantém-se.
Acresce que a maioridade da beneficiária dos alimentos, aqui recorrida, não obsta a que se possa recorrer aos mesmos meios coercitivos para a sua cobrança que os conferidos para proteção dos filhos menores, nomeadamente os previstos nos art.ºs 41 e 48 do RGPTC.
Com efeito, do teor do art.º 989 nº1 do Código de Processo Civil, decorre que é aplicável com as necessárias adaptações o regime previsto para os menores, mais concretamente o decorrente dos artigos 1880º e 1905º do Código Civil.
Conforme refere Gonçalo Oliveira Magalhães[6], a propósito no n.º 1 do art.º 989º do Código de Processo Civil,“(o) verbo usado (providenciar) permite afirmar que a norma remete tanto para os procedimentos tutelares cíveis destinados à fixação da obrigação de alimentos, como para os destinados à execução do correspondente direito. Só este entendimento permite compreender a referência que, na previsão da norma, é feita ao art. 1905.º É que a situação prevista neste, mais concretamente no seu n.º 2, pressupõe, conforme exposto, que a pensão de alimentos foi fixada durante a menoridade – ou seja, que o direito já foi reconhecido e a inerente obrigação constituída. Mantendo-se a pensão, não há que providenciar, depois da maioridade do credor, pela declaração concreta do direito aos alimentos educativos, mas apenas pela sua realização coactiva. Conjuga-se com a equiparação que, no plano substantivo, é feita entre os alimentos devidos aos filhos menores e os alimentos devidos aos filhos maiores que ainda não completaram a sua formação profissional, ainda recentemente vincada pelo art. 6.º da Lei n.º 24/2017, de 24.05, na medida em que alterou a redacção do art. 1.º da Lei n.º 75/98, de 19.11, no sentido de a intervenção substitutiva a cargo do FGADM se manter até ao 25 anos “nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2 do art. 1905.º do Código Civil.”
No caso vertente, o regime de alimentos devidos à ora recorrida foi fixado pelos seus progenitores, por acordo datado de 1 de agosto de 2007, homologado no âmbito do processo de divórcio por mútulo consentimento do recorrente e da mãe da recorrida, nos seguintes termos:
A título de alimentos, o pai contribuirá com a quantia mensal de €75,00 (setenta e cinco euros) que deverá entregar à mãe até ao dia 8 de cada mês e através de depósito bancário a efetuar em conta indicada por aquela. O pai contribuirá igualmente em 50% em despesas extra de saúde, educação e de assistência.
A prestação de alimentos assim fixada corresponde ao que se pode chamar de um regime misto, pelo qual há uma prestação pecuniária mensal certa e outra pecuniária variável e casuística, em função de necessidades certas e comprovadas, no caso, metade do valor das “despesas extra de saúde, educação e assistência”.
De facto, a lei prevê, como regime regra, que a prestação alimentar seja mensal e pecuniária, mas nada obsta a que os progenitores acordem numa pensão com um regime misto, pelo qual há uma prestação pecuniária mensal certa e outra pecuniária variável e casuística, em função das necessidades certas e comprovadas, designadamente através da fixação de uma percentagem ou totalidade do pagamento de determinadas despesas, nomeadamente relativas a saúde e educação dos filhos crianças e jovens. É o que resulta do disposto no art.º 2005º, nº 1, do Código Civil.
Considerada a factualidade dada como assente, não temos dúvidas em afirmar que a recorrida suportou as despesas supra identificadas nos pontos 7) e 8) dos factos provados e que o recorrente em nada contribuiu para que sua filha fosse reembolsada das mesmas.
Por outro lado, os encargos peticionados e provados nas alíneas A), B), C) e D) do ponto 7 dos factos provados, afiguram-se-nos manifestamente razoáveis, na sua medida e conexão com despesas educativas de admissão e frequência universitária, sobretudo quando se considere que o estabelecimento de ensino a frequentar dista cerca de 85 km da habitação da requerente, para além de estarem devidamente suportados em documentos.
Com efeito, estão em linha com os padrões da experiência comum, mormente no que concerne às despesas habitacionais (de facto, não se pode afirmar ser excessivo, pelos padrões atuais, o valor mensal de €220,00 mensais pelo arrendamento de um quarto para estudante) e às despesas de transporte.
Destarte, entendemos resultar literalmente do acordo de regulação de responsabilidades parentais vigente - e assim deve ser interpretada a vontade dos declarantes nele plasmada (artigos 236º a 239º Código Civil) - que todas referidas as despesas relacionadas com a frequência da universidade se devem considerar incluídas nas “despesas de educação” que o recorrente está vinculado a suportar, na proporção de metade.
Do mesmo modo, as despesas médicas e medicamentosas referidas na alínea A) do ponto 8 dos factos provados, todas documentalmente comprovadas, devem-se considerar abrangidas pelo mesmo acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais, tanto assim que não se extrai da factualidade assente que a desnecessidade ou irrazoabilidade de qualquer uma delas.
Quanto às (outras) despesas mencionadas na al. B) do ponto 8 dos mesmos factos provados, que o tribunal a quo considerou excluídas da cláusula de comparticipação constante do mesmo acordo homologado por sentença, a questão mostra-se definitivamente resolvida, por não ter sido objeto de recurso
Contudo, deverão ainda ser atendidas as prestações fixas de alimentos que o recorrente comprovadamente não liquidou, relativas aos meses de agosto e setembro de 2019, agosto e setembro de 2020, setembro de 2011 e setembro de 2022, no total de €450,00.
Na situação vertente, analisado o requerimento de oposição apresentado nos autos pelo requerido, ora recorrente, podemos dizer-se que este pretendia eximir-se à obrigação de pagamento dos valores que dele são reclamados com os fundamentos que, a seguir, se resumem:
- A requerente/apelada, que com ele não mantém convívio, não lhe comunicou a necessidade das despesas de saúde que invoca, nem o auscultou previamente à tomada de determinadas decisões, mais concretamente a escolha da universidade e as despesas com alojamento e transportes daí decorrentes e a compra de um computador, assim impossibilitando que pudessem ser por ele equacionadas alternativas mais adequadas às suas condições económicas [decorrentes do facto de ser professor em regime de contrato de ensino, o que implica quase sempre lecionar em horários incompletos e não auferir rendimentos no período de férias escolares; só recentemente tem conseguido lecionar em horários completos; ter constituído outra família, tendo tido, entretanto, mais dois filhos], das quais a recorrida tem pleno conhecimento;
- A requente/apelada recusou à sua proposta de a incluir no seu agregado familiar para efeitos de IRS (com rendimentos inferiores aos do agregado da mãe da recorrida), com vista a que esta pudesse aceder a uma bolsa de estudo.
Dir-se-á, desde logo, como se afirma na decisão recorrida, que, estando em causa o incumprimento do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais no que ao alimentos concerne – e não um pedido de alteração da prestação de alimentos anteriormente fixada, com fundamento na impossibilidade de o recorrente os prestar -  irrelevam para a decisão a proferir nesta sede as questões relacionadas com a situação económica financeira do recorrente (que, note-se, apenas nas suas alegações de recurso concretizou os factos atinentes aos seus rendimentos e encargos).
É certo que frequentemente se discutem nos tribunais situações em que o devedor de alimentos invoca, para se desobrigar da sua prestação, conflitos entre os progenitores e o filho ou filha ou um corte de relações por iniciativa dos filhos, designadamente, por não o visitar, não o cumprimentar, não lhe dar conta das situações e decisões relevantes da sua vida
E, conforme estabelece a al. c), do n.º 1 do artigo 2013.º: “a obrigação de prestar alimentos cessa, quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado”. Por outro lado, decorre do artigo 1874.º que os “pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência”.
Todavia, como tem entendido a jurisprudência “só a violação grave do dever de respeito, por parte do filho, relativamente ao progenitor, poderá integrar a causa de cessação da obrigação de prestar alimentos por parte deste, nos termos da al. c), do n.º 1 do artigo 2013.º do Código Civil.[7]
No caso, apenas ficou demostrado que recorrida não perguntou ao recorrente se poderia custear ou se tinha possibilidade de oferecer um computador e que nunca foi informado da necessidade da requerente ter consultas de psiquiatria e qual o motivo da frequência de uma psiquiatra particular.
Parece-nos assim que a factualidade apurada é claramente insuficiente para que se configure, in casu, sequer uma situação de violação dos deveres de respeito da recorrida parente o recorrente. Tanto mais que o acordo de regulamentação de responsabilidades parentais não condiciona o pagamento da quota-parte do recorrente nas despesas de educação, saúde e assistência da sua filha à sua prévia autorização.
Sendo evidente existir um afastamento entre o recorrente e a recorrida, a verdade é que perante a exiguidade da matéria factual alegada e apurada são, de todo, desconhecidas as razões de tal distanciamento e por isso não se pode afirmar que o mesmo é, de alguma forma, imputável à ora recorrida.
De igual modo, parece-nos manifesto não constituir causa que exima o recorrente do pagamento da sua quota-parte nas despesas de educação o facto, considerado provado, de a recorrida ter recusado a proposta de seu pai de a incluir no seu agregado familiar para efeitos de IRS, para assim poder aceder a uma bolsa de estudo.
Por um lado, porque, à falta de outros elementos, a possibilidade de a recorrida, por via da sua inclusão no agregado familiar do recorrente para efeitos fiscais, vir a obter o mencionado benefício será sempre meramente especulativa.
Por outro lado, uma tal proposta, no contexto do concreto relacionamento entre pai e filha, afigura-se-nos irrazoável e irrealista.
Finalmente, apesar de não o ter feito com a contestação, vem o recorrente, nas suas alegações de recurso, sustentar que a atuação da recorrida, ao não o ter consultado nem informado das despesas em que incorreu (e cujo reembolso parcial ora demanda) configura um abuso de direito que, em seu entender, o eximirá da obrigação do pagamento de tais despesas.
Apesar de não ter invocado tal instituto jurídico na contestação que apresentou, nem em qualquer outro momento anterior à prolação da decisão recorrida, ainda assim, por se tratar de questão de conhecimento oficioso, impõe-se a sua apreciação nesta sede.
Como é sabido, o instituto do abuso do direito visa obtemperar a situações em que a invocação ou exercício de um direito que, na normalidade das situações seria justo, na concreta situação da relação jurídica se revela iníquo e fere o sentido de justiça dominante.
Para que se possa considerar abusivo o exercício do direito, importa demonstrar factos, através dos quais se possa considerar que, ao exercê-lo se excede, manifestamente, clamorosamente, o seu fim social ou económico, ou que a pretensão viola sérias expectativas incutidas na contraparte, assim traindo o investimento na confiança, o que exprime violação da regra da boa-fé.
Há também que ter presente que o art.º 334º do Código Civil acolhe uma concepção objectiva do abuso do direito, segundo a qual não é necessário que o titular do direito atue com consciência de que excede os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social do direito. A lei considera verificado o abuso, prescindindo dessa intenção, bastando que a atuação do abusante, objetivamente, contrarie aqueles valores.
Como diz Antunes Varela, [8] «Para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder.».
Sucede que, compulsando a factualidade provada supra enunciada – que como tal é a única que pode ser considerada para aquilatar da bondade desta argumentação do recorrente – não se vislumbra como, porque e em que medida é que a recorrida. extravasou os poderes que legitimamente lhe assistiam enquanto credora das prestações de alimentos
De facto, face à factualidade provada, ressalta desta a ausência de qualquer circunstância que permita concluir que recorrida - ao exigir do executado o pagamento das prestações alimentícias a que este, enquanto seu progenitor estava e está obrigado, por via do acordo de regulação das responsabilidades parentais acima mencionado - excedeu manifestamente os ditames da boa-fé ou o fim social ou económico do direito que invocou.
Como vimos, a obrigação alimentar devida pelo recorrente progenitor não está dependente da prévia auscultação deste quanto às despesas de educação e saúde que a recorrida necessite de fazer.
Ainda assim, diga-se que, o comportamento do progenitor, recorrente é muito menos compreensível, em face da sua total omissão, durante um período de cerca de dois anos, em pagar a sua quota-parte nas despesas de saúde e educação da sua filha, que posteriormente à sua realização lhe foram comunicadas, mesmo daquelas que entende serem razoáveis.
Em conclusão, citando o Ac. do STJ de 28.11.2013[9].«O abuso do direito (art. 334.º do CC) pode ser objeto de conhecimento oficioso e, por conseguinte, o seu conhecimento não está vedado ao Tribunal ainda que a sua invocação constitua questão nova (art.º 660 do CPC) mas isso não significa que o Tribunal considere ocorrido o abuso do direito à luz de factos que não foram alegados nem se podem considerar adquiridos nos autos.».
Improcede, assim, também este fundamento invocado pelo recorrente para se eximir à obrigação do pagamento da sua quota parte nas supra referidas despesas.
Isto posto, considerando-se as despesas supra referidas como “despesas de saúde e educação” que o recorrido estava obrigado a suportar, na proporção de metade, e não constando dos autos matéria factual que permita considerar qualquer circunstância suscetível de excluir a responsabilização do mesmo pelo seu pagamento, entendemos ser de manter a decisão recorrida.
*

Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7 do CPC):

(…).


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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.


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Custas pelo apelante por ter decaído no recurso (artº 527, nº1, do CPC).

Coimbra, 14 de janeiro de 2025

Assinado eletronicamente por:

Hugo Meireles

Luís Manuel Carvalho Ricardo

Luís Miguel Caldas

(O presente acórdão segue na sua redação as regras do novo acordo ortográfico, com exceção das citações/transcrições efetuadas que não o sigam)



[1] Ver Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2, 605.
[2] Proc. nº671/20.1T8BGC.G1 (Relatora Raquel Baptista Tavares, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
[3] Ac. do STJ de 23/09/2009 (Relator Bravo Serra), proc. nº238/06.7TTBGR.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.

[4] Processo 1024/12.0T2AVR.C1, in www.dgsi.pt

[5] Excetuando-se os casos em que o filho maior pretenda a alteração da prestação de alimentos já fixada, caso em que lhe caberá o ónus de intentar ação contra o progenitor obrigado a prestá-los.
[6] “A tutela (jurisdicional) do direito a alimentos dos filhos maiores que ainda não concluíram a sua formação profissional”, Julgar Online, Março de 2018, págs. 9 e 10.
[7] Cf. entre outros, o Ac do TRL de 13 de abril de 2023, processo n.º 3755/18.2T8BRR-B.L1.6, in www.dgsi,pt
[8] ANTUNES VARELA, in “Das Obrigações em Geral”, 7ª edição, a págs. 536.
[9] proc. nº 161/09.3TBGDM.P2.S1, in www.dgsi.pt/jstj