PROCEDIMENTO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PESSOA ESPECIALMENTE RELACIONADA COM O DEVEDOR
ALARGAMENTO POR VIA INTERPRETATIVA
RELAÇÃO DE DOMÍNIO
CRÉDITOS SUBORDINADOS
RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO DO ACORDO EXTRAJUDICIAL
Sumário

I – Tendo ficado assente a taxatividade do elenco do artigo 49º do CIRE com a nova redação da Lei 9/22, continua a justificar-se a ponderação da suscetibilidade de alargamento, por via interpretativa, do “elenco de pessoas especialmente relacionadas com o devedor”.
II – Em sede interpretativa, haverá que ter em consideração as razões que estão na base da enumeração constante do artº 49º - a situação de superioridade informativa sobre a situação económico-financeira do devedor e que possam influenciar o comportamento deste.
III – A existência de um controlo comum a ambas as sociedades – resultante de uma total coincidência entre os gerentes da sociedade credora e os administradores da sociedade devedora –, é, pela capacidade de influência direta nos destinos da sociedade devedora, suscetível de integrar uma relação de domínio nos termos do art. 21º, nº1 do CVM, suscetível de lhe atribuir o estatuto de pessoa especialmente relacionada com a devedora.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Chandra Gracias

2º Adjunto: Catarina Gonçalves

                                                                                               

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

A..., Lda., apresentou-se a procedimento especial de Revitalização (PER), pedindo a homologação de acordo extrajudicial de recuperação, assinado com credores representando a maioria de votos prevista nas als. b) e c) do nº 5 do artigo 17º - F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Juntou a identificação dos credores e documentou acordo por escrito obtido com credores que representam a maioria dos votos prevista nas als. b) e c) do nº 5 do art. 17º-F, CIRE.

Apresentada pelo Administrador Judicial Provisório a Lista Provisória de Créditos, nos termos do art. 17º-D, nº 4, do CIRE, a mesma foi objeto de impugnação por parte do credor iapmei, com os seguintes fundamentos:

 o crédito das credoras B..., Lda., e C..., Lda., é um crédito de natureza subordinado, por serem pessoas especialmente relacionadas com a devedora, atendendo que o conselho de administração da devedora é composto exatamente pelas mesmas pessoas que administram/gerem as empresas credoras que apresentaram o acordo extrajudicial neste processo;

os créditos subordinados não são considerados no apuramento dos votos nas subalíneas ii) das alíneas b) e c) do nº 5 do art. 17º-F, não se encontrando, assim, o acordo extrajudicial aprovado;

mais requer a não homologação do acordo extrajudicial, alegando que o crédito do IAPMEI, uma vez classificados os créditos das empresas “B...” e “C...” como créditos subordinados, é ressarcido de uma forma muitíssimo mais vantajosa no caso da declaração da insolvência da empresa.

O Srº AJP veio responder, alegando:

 o crédito por si reconhecido à credora B..., Lda., no montante de 942.500,00 €, de natureza garantida, está relacionado com empréstimos para a construção de unidade fabril, existindo hipoteca voluntária sobre os imóveis da devedora;

também se verifica a existência da Confissão de Dívida com Penhor Mercantil entre a Devedora e a B..., Lda.;

não existe qualquer relação de subordinação entre a credora B..., Lda. e a A..., S.A., não se verificando nenhuma das situações taxativamente referidas no art. 49º, nº 2, als. a), b), c) e d) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;

relativamente aos créditos reconhecidos à credora C..., no montante de 773.611,25 €, cuja natureza do crédito é garantida no montante de 433.839,09 € e subordinado, no montante de 339.772,16 €;

o crédito garantido está relacionado com a cessão de créditos, ocorrida no dia 16.04.2019, por parte do Banco 1..., SA à credora C..., SA., sendo que, tratando-se de uma cessão de créditos com mais de 2 anos, o crédito é de natureza garantida.

Pelo juiz a quo foi proferido Despacho, ao abrigo do disposto no artigo 17º- I, nº 4, a recusar a homologação do acordo extrajudicial apresentado pela requerente A..., SA.


*

Inconformada com tal decisão, a devedora A...., S.A., dela interpôs recurso de Apelação, sintetizando a sua motivação com as seguintes conclusões:

(…).


*

Não foram apresentadas contra-alegações ao recurso

*
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
*
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Se a decisão recorrida errou ao considerar subordinado o crédito da B... ao abrigo do disposto no artigo 49º, nº2, al. b) do CIRE.
2. Se a decisão recorrida, ao considerar que o Plano de Revitalização não respeita o princípio da igualdade entre os credores, violou o disposto nos arts. 195º e 215º, ambos do CIRE
*
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Na sentença sob recurso, o tribunal a quo, teve em consideração os seguintes factos, que entendeu de relevo para a decisão das questões em causa:
1º- A requerente A..., S.A. foi constituída, em 2013, como sociedade por quotas com o capital social de €500,00 e tinha como sócios D... SGPS, Lda e AA SGPS, SA.
2º- Por deliberação de 29.08.2013 a gerência foi atribuída a:
- BB;
- CC;
- AA;
3º- O capital social da A..., S.A. encontra-se dividido atualmente por cinco acionistas:
- BB com 5 acções;
- CC com 5 acções;
- AA com 5 acções;
- D..., S.A. com 178.996 acções;
- E..., SGPS, S.A. com 89.498 acções;
4º- A D..., S.A. detém participações sociais nas seguintes sociedades:
a) F..., S.A., cujo participação social representa 75% do Capital Social – Capital Social total da sociedade de 1.805.000,00 €;
b) C..., S.A., cuja participação social representa 60% do Capital Social – Capital Social total da sociedade de 500.001,00 €;
c) G..., Unipessoal Lda., cuja participação social representa 100% do Capital Social – Capital Social total da sociedade de 500,00 €;
d) H..., Lda, cuja participação social representa 33,33% do Capital Social –Capital Social total da sociedade de 5.001,00 €.
5) - A E..., SGPS, S.A. detém participações sociais nas seguintes sociedades:
AA) I..., S.A., cuja participação social representa 97,99% do Capital Social – Capital Social total da sociedade de 50.000,00 €;
BB) J..., S.A., cuja participação social representa 49,50% do Capital Social – Capital Social total da sociedade de 50.000,00 €;
CC) H..., Lda, cuja participação social representa 33,34% do Capital Social – Capital Social total da sociedade de 5.001,00 €.
DD) K..., S.A. (anteriormente designada L..., S.A.), cuja participação social representa 48% do Capital Social – Capital Social total da sociedade de 50.000,00 €;
EE) F..., S.A., cuja participação social representa 22% do Capital Social – Capital Social total da sociedade de 1.805.000,00 €;
FF) M..., Lda., cuja participação social representa 20,02% do Capital Social – Capital Social total da sociedade de 100.000,00 €;
GG) C..., S.A., cuja participação social representa 30% do Capital Social – Capital Social total da sociedade de 500.001,00 €;
II) N..., Lda., cuja participação social representa 100% do Capital Social – Capital Social total da sociedade de 30.000,00 €.
6) - A sociedade A..., S.A. obriga-se com a assinatura conjunta de 3 administradores ou de um procurador, no âmbito dos poderes especiais que lhe tenham sido conferidos pelo Conselho de administração.
7) – A gerência e posteriormente a administração A..., S.A. esteve sempre atribuída às pessoas referidos em 2).
8)- A C..., SA, foi  constituída como sociedade por quotas com o capital social de €5001,00 e tinha como sócios BB, CC, AA cada com uma quota no valor nominal de €1.667,00.
9) - Por deliberação de 21.01.2008 a gerência foi atribuída a:
- BB, CC e AA.
10)- Encontra-se registado pela Ap. ...28 um aumento do capital social para €50.001,00 e a alteração do contrato social, com os seguintes sócios:
- BB, com uma quota no valor nominal de €16.667,00 CC com uma quota no valor nominal de €16.667,00;
- AA, com uma quota no valor nominal de €16.467,00;
- DD com uma quota no valor nominal de €100,00;
- EE com uma quota no valor nominal de €100,00;
11) - Encontra-se registada pela Ap. ...31 a transformação da sociedade em sociedade anónima:
Número de ações 50.001
Valor nominal: €1.00
Forma de obrigar a sociedade: Pelas assinaturas conjuntas de 3 administradores ou pela assinatura de um procurador, no âmbito dos poderes especiais que lhe tenha sido conferido pelo Conselho de administração.
12)- A gerência e a administração C..., SA esteve sempre atribuída às pessoas referidos em 9).
13) - Pela Ap. ...16 foi registada a constituição da sociedade O..., Unipessoal, Lda, com o capital social de €1,00 que tinha como sócio e gerente CC,
14) - Pela Ap. ...02 foi registado um aumento do capital social para €500,00 e a alteração do contrato de sociedade para sociedade por quotas com a firma B..., Lda., passando a ser sócios:
- CC com uma quota no valor nominal de €187,50;
- BB com uma quota no valor nominal de €187,50;
- AA com uma quota no valor nominal €125,00.
15) - A gerência foi atribuída a:
- BB,
- CC,
- AA.
16) - Pela Ap. ...17 foi registado um aumento do capital da sociedade para €50.000,00 e transformação da sociedade em sociedade anónima e designação de membro social, passando a constar:
- Forma de obrigar: a) Pela assinatura conjunta de 3 administradores; b) pela assinatura de um procurador, no âmbito dos poderes especiais que lhes tenha sido conferido pelo Conselho de administração.
17) - Pela Ap. ...02 foi registada a transformação da sociedade para sociedade por quotas e designação dos membros do órgão social, tendo como sócios:
- CC com uma quota no valor nominal de €18.637,50;
- BB com uma quota no valor nominal de €18.637,50;
- FF com uma quota com o valor nominal de €12.425,00;
- P..., Unipessoal Lda. com uma quota com o valor nominal de €75.000;
- Títulos e Q..., Lda. com uma quota com o valor nominal de €225,00;
Forma de obrigar a intervenção conjunta de 3 gerentes ou de um procurador e um gerente.
18) - A gerência e administração da sociedade desde Outubro de 2017 esteve sempre atribuída a: BB, CC e AA.
19) - Por escritura pública denominada de “cessão de créditos hipotecários” outorgada ,no dia 16.04.2019, o Banco 1..., SA, na qualidade de cedente e CC, na qualidade de administrador da sociedade C..., SA, declarou aquele que é credor da sociedade A..., S.A. na importância de €349.040,50, crédito este decorrente de um contrato de mútuo celebrado em 10 de Novembro de 2014, por documento particular, no montante inicial de €520.000,00. Que para garantia do contrato de mútuo, o Banco é titular de hipoteca voluntária constituída pela sociedade A..., S.A sobre os seguintes imóveis:
-Prédio rustico, Pinhal, sito em ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na CRP ... sob o nº ...08 e inscrito na matriz rústica sob o artigo ...28.
- Prédio urbano, composto por armazém de um piso e logradouro, Lote ...1, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na CRP ... sob o nº ...57.
Que a referida hipoteca encontra-se registada a favor da Banco, pela inscrição Ap. ...14.
Que, pela presente escritura e pelo preço global de €359.040,56, já recebido, cede à sociedade C..., SA o crédito hipotecário, com todos os seus direitos, garantias e demais acessórios, sem qualquer reserva ou exceção, sendo, por isso, transmitidas para a cessionária a hipoteca incidente sobre os imóveis.
20) - Por escritura denominada “Confissão de dívida com hipoteca unilateral”, outorgada no dia 11.02.2020, AA, na qualidade de membro do conselho de administração e em representação da sociedade A..., SA declarou que, por esta escritura, confessa a sociedade A..., SA, que representa, devedora da quantia de setecentos mil euros à sociedade B..., Lda. A importância em dívida será exigível aquando da interpelação judicial extrajudicial para o efeito. Para garantia do mencionado empréstimo, a sociedade que representa, constitui segunda hipoteca voluntária unilateral a favor da sociedade B..., Lda. sobre os prédios referidos em 19).
21) - Por escritura denominada “Confissão de dívida com hipoteca voluntária unilateral” outorgada no dia 6.06.2024, CC e AA, em representação da sociedade A..., SA declararam que a sociedade A..., SA se confessa devedora da sociedade B..., Lda. da importância global de cento e noventa e sete mil euros. Que para garantia do capital em dívida, a sociedade que representam, constitui a favor da sociedade credora, hipoteca voluntária unilateral sobre os prédios referidos em 19).
22) - Sobre os prédios referidos em 19) encontram-se registados os seguintes ónus:
- A hipoteca voluntária registada pela AP. ...97 de 10.11.2014 a favor do Banco 1..., SA até ao montante máximo assegurado de €743.600,00.
- Cessão de créditos registada Ap. ...23 de 18.04.2019 a favor C..., SA, tendo como sujeito passivo o Banco 1..., SA.
- Hipoteca voluntária registada pela AP. ...98 de 13.02.2020 a favor da B..., SA até ao montante máximo assegurado de €750.000,00.
- Encontra-se pendente o registo de hipoteca voluntária pela Ap. ...94 de 6.06.2024.
23) – No acordo extrajudicial e no plano de recuperação juntos com o requerimento inicial, os quais se dão aqui como integralmente reproduzidos, consta, para além do mais, o seguinte:
1) Relativamente aos Créditos Garantidos, é proposto:
a) Quanto aos Créditos Garantidos da C..., S.A., é proposto:
i. Perdão integral de juros de mora, cláusulas penais, indemnizatórias e compensatórias, despesas de cobrança e comissões, que sejam devidos até à data do trânsito em julgado do Despacho da Homologação do Plano de Recuperação e do Acordo Extrajudicial de Recuperação;
ii. Capitalização dos juros remuneratórios que sejam devidos até à data do trânsito em julgado do Despacho da Homologação do Plano de Recuperação e do Acordo Extrajudicial de Recuperação;
iii. Cancelamento do penhor mercantil sobre o seguinte bem dado de penhor:
Descascador de Tambor, modelo TD12;
iv. Perdão de 10,00% do capital devido;
v. Carência de capital de 12 meses, contados a partir do mês seguinte ao trânsito em julgado do Despacho da Homologação do Plano de Recuperação e do Acordo Extrajudicial de Recuperação;
vi. Pagamento de 90,00% do capital devido em 7 prestações anuais, postecipadas, iguais e sucessivas, iniciadas no mês seguinte ao termo da carência;
vii. Pagamento de juros remuneratórios vincendos calculados a partir do trânsito em julgado do Despacho da Homologação do Plano de Recuperação e do Acordo Extrajudicial de Recuperação, à taxa fixa de 1,50 pontos percentuais;
b) Quanto aos Créditos Garantidos da B..., Lda., é proposto:
i. Perdão integral de juros de mora, cláusulas penais, indemnizatórias e compensatórias, despesas de cobrança e comissões, que sejam devidos até à data do trânsito em julgado do Despacho da Homologação do Plano de Recuperação e do Acordo Extrajudicial de Recuperação;
ii. Capitalização dos juros remuneratórios que sejam devidos até à data do trânsito em julgado do Despacho da Homologação do Plano de Recuperação e do Acordo Extrajudicial de Recuperação;
iii. Perdão de 10,00% do capital devido;
iv. Pagamento de 90,00% do capital devido, nos seguintes termos:
1. Dação em pagamento do equipamento dado em penhor mercantil sobre o seguinte bem: Descascador de Tambor, modelo TD12, ao qual é atribuído o valor líquido contabilístico atual, ou seja, 255.041,64 €;
2. Carência de capital de 12 meses, contados a partir do mês seguinte ao trânsito em julgado do Despacho da Homologação do Plano de Recuperação e do Acordo Extrajudicial de Recuperação;
3. O remanescente do valor será pago em 7 prestações anuais, postecipadas, iguais e sucessivas, iniciadas no mês seguinte ao termo da carência;
v. Pagamento de juros remuneratórios vincendos calculados a partir do transito emjulgado do Despacho da Homologação do Plano de Recuperação e do Acordo Extrajudicial de  Recuperação, à taxa fixa de 1,50 pontos percentuais;
2) Relativamente aos Créditos Comuns da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDR - Centro) e do IAPMEI - Agência para a  Competitividade e Inovação, I.P., é proposto:
a) Perdão integral de juros de mora, cláusulas penais, indemnizatórias e compensatórias, despesas de cobrança e comissões, que sejam devidos até à data do trânsito em julgado do Despacho da Homologação do Plano de Recuperação e do Acordo Extrajudicial de Recuperação;
b) Capitalização dos juros remuneratórios que sejam devidos até à data do trânsito em julgado do Despacho da Homologação do Plano de Recuperação e do Acordo Extrajudicial de Recuperação;
c) Perdão de 75,00% do capital devido;
d) Carência de capital de 36 meses, contados a partir do mês seguinte ao trânsito em julgado do Despacho da Homologação do Plano de Recuperação e do Acordo Extrajudicial de Recuperação;
e) Pagamento de 25,00% do capital devido em 7 prestações anuais, postecipadas, iguais e sucessivas, iniciadas no mês seguinte ao termo da carência;
f) Pagamento de juros remuneratórios vincendos calculados a partir do transito em julgado do Despacho da Homologação do Plano de Recuperação e do Acordo Extrajudicial de Recuperação, à taxa fixa de 1,50 pontos percentuais;
3) Relativamente aos Créditos Subordinados da C..., S.A., é proposto:
a) Perdão integral de juros de mora, cláusulas penais, indemnizatórias e compensatórias, despesas de cobrança e comissões, que sejam devidos até à data do trânsito em julgado do Despacho da Homologação do Plano de Recuperação e do Acordo Extrajudicial de Recuperação;
b) Capitalização dos juros remuneratórios que sejam devidos até à data do trânsito em julgado do Despacho da Homologação do Plano de Recuperação e do Acordo Extrajudicial de Recuperação;
c) Perdão de 95,00% do capital devido;
d) Carência de capital de 36 meses, contados a partir do mês seguinte ao trânsito em julgado do Despacho da Homologação do Plano de Recuperação e do Acordo Extrajudicial de Recuperação;
e) Pagamento de 5,00% do capital devido em 7 prestações anuais, postecipadas, iguais e sucessivas, iniciadas no mês seguinte ao termo da carência, subordinado ao prévio pagamento aos demais credores;
f) Pagamento de juros remuneratórios vincendos calculados a partir do transito em julgado do Despacho da Homologação do Plano de Recuperação e do Acordo Extrajudicial de Recuperação, à taxa fixa de 1,50 pontos percentuais”.
24º- Na lista provisória de créditos o Srº Administrador Judicial Provisório reconheceu os seguintes créditos:
- Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro um crédito no montante de 261.566,19 €, com natureza de comum.
- IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P um crédito no montante de 775.014,52 €, com natureza de comum.
- B..., Lda. um crédito no montante de 942.500,00 €, com natureza de garantido.
- C..., S.A um crédito no montante de 773.611,25 €€, sendo 339.772,16 € com natureza de subordinado e 433.839,09 € garantido.
*
 A Sentença recorrida recusou a homologação do plano de revitalização apresentado, fundamentando tal recusa em duas distintas ordens de razões:
a) considerando a credora B..., Lda., uma “pessoa especialmente relacionada com a devedora”, ao abrigo de uma interpretação extensiva da al. b), do nº2 do artigo 49º, CIRE, o que acarreta a qualificação de tal crédito como subordinado [artigo 48º, al. a)], o acordo judicial não respeita as maiorias exigidas previstas nas alíneas. b) ou c) do nº5 do art. 17º-F do CIRE.
b) ainda que se tivesse em consideração a natureza de garantido do crédito da B... e que, por isso, o acordo extrajudicial alcançava as maiorias exigidas para a sua homologação, este não podia ser homologado por violação do princípio da igualdade.
*
a) Se a credora B..., Lda., pode ser considerada “pessoa especialmente relacionada pelo devedor”, por via de uma interpretação extensiva do artigo 49º, nº2, al. b), do CIRE
O tribunal a quo, considerou que a credora B..., Lda é uma pessoa especialmente relacionada com a requerente/devedora, apoiando-se numa interpretação extensiva do artigo 49º, nº2, alínea b), do CIRE, o que acarretaria a qualificação do seu crédito subordinado, com a seguinte fundamentação:
“(…)
O art. 49º, nº 2, al. c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas refere que são ainda havidos como especialmente relacionados com o devedor “os administradores, de direito ou de facto, do devedor e aqueles que o tenham sido em algum momento nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.
O que, conjugado com a al. b) tem sido considerado pela jurisprudência, como fundamento para a integração dos casos em que a gerência da sociedade credora e da devedora é exercida, pela mesma pessoa (neste sentido Ac. RL de 29.05.2008, proc. nº 1548/2008-2, de 2.02.2010, proc. º 171/07.5TBOBR-C.C1, de 20.6.2017, proc. nº 810/16.7T8PDL-D.L1-7 e da RL de 31.10.2023, proc. nº 10242/23.5T8SNT e da RP de 30.01.2024, proc. nº 1763/23.9T8VNG.P1, estes dois últimos em que os gerentes e sócios eram os mesmos, todos in www.dgsi.pt), como é o caso.
Na verdade, os gerentes da credora B..., Lda. são os administradores da requerente do PER, obrigando-se quer a credora quer a requerente com as mesmas pessoas.
Aliás repare-se que quer o acordo extrajudicial junto, quer a declaração da requerente e das credoras para encetarem negociações foram subscritas pelas mesmas pessoas da parte da requerente e da parte das credoras.
Os gerentes da credora e os administradores da requerente/devedor têm essa qualidade os primeiros desde 2017 e a requerente/devedora desde a constituição da sociedade requerente.
A credora B..., Lda. e a requerente do processo especial de revitalização são sociedades comerciais.
E foi um dos administradores da requerente e gerente da credora que, representando a sociedade requerente, outorgou a escritura de confissão de dívida e constituição de hipoteca de 6.06.2024 (um mês antes de a requerente se apresentar a PER) e dois administradores da requerente/devedora e gerentes da credora que outorgaram a escritura de confissão de dívida e constituição de hipoteca outorgada em 11.02.202.
A credora B..., Lda, por intermédio dos seus gerentes que eram simultaneamente administradores da requerente/devedora, conhecia como não podia deixar de ser a situação económica, patrimonial e financeira da requerente. A administração e representação, nas sociedades por quotas cabe à gerência nos termos do art. 252º, nº 1, do CSC e nas sociedades anónimas ao conselho de administração (art. 405º do CSC); Administradores que têm poderes e competência para praticar todos os actos de administração e de disposição (art. 406º do CSC)
Assim, o critério para a classificação dos créditos não pode confinar-se à diferente identidade jurídica das partes. Tem de relevar o facto de que quem manifestou a vontade de conceder e contrair os créditos foram as mesmas pessoas singulares que formaram e manifestaram a vontade de ambas as sociedades. As pessoas que vinculam a sociedade credora são as mesmas que vinculam a devedora.
É certo que a constituição dos créditos foi entre sociedades e não entre os administradores e gerentes de ambas sociedades, razão pela qual, em termos estritamente literais, dir-se-ia que não se verifica nenhuma das alíneas do art. 49º, nº 2 do CIRE, nomeadamente a al. b) e c).
E, assim, teríamos a constituição de créditos entre duas sociedades, representadas pelas mesmas pessoas, actuando estas em representação orgânica de ambas as sociedades, mas em que apenas os gerentes/administradores relevariam como pessoas especialmente relacionadas.
Deste modo, ocorrendo a constituição do crédito e consequente dívida entre duas sociedades, só na hipótese do art. 49º, nº 2, al. b) do CIRE poderia haver pessoas especialmente relacionadas com o devedor, uma vez que os representantes/administradores/gerentes das sociedades, não sendo eles próprios a sociedade, não relevariam para tal efeito.
Porém, salvo o devedor respeito por opinião contrária, não podemos concordar.
Por interpretação extensiva, sendo os intervenientes na constituição do crédito sociedades (pessoas colectivas), o relacionamento especial de que fala o art. 49º, nº 2, al.s b) e c) do CIRE tem que se haver por estabelecido se os gerentes e administradores forem comuns a ambas as sociedades.
(…).
A Lei nº 9/2022, de 11.01 veio efectivamente pôr termo à discussão consagrando a positivação da taxatividade relativa ao elenco das pessoas especialmente relacionadas com o devedor.
No entanto, apesar da alteração, ainda é possível recorrer a uma interpretação extensiva, porquanto, estando-se perante uma norma excepcional, encontra-se vedado o recurso à integração analógica (art. 11º do Código Civil). Como refere Miguel Teixeira de Sousa “Nada parece impedir a interpretação extensiva das enumerações taxativas, desde que respeitados os limites impostos pelos elementos de interpretação enunciados no artigo 9º do Código Civil” (Resolução em benefício da massa insolvente por contrato celebrado com pessoa especialmente relacionada com o devedor – Ac. de Uniformização de Jurisprudência nº 15/2014, de 13.11.2014, proc. 1936/10, Cadernos de Direito Privado, nº 50, pág. 46 e ss).
Como se refere no Ac. da RC de 13.05.2012, proc. n.º 885/09.5T2AVR.C1, in www.dgsi.pt “A interpretação extensiva verifica-se, pois, sempre que a letra da lei se refira à espécie e o seu significado deva abarcar, por imposição dos elementos não literais da interpretação, o género ou sempre que a letra de uma tipologia taxativa respeita a um ou a alguns subtipos e o seu significado deva abranger, pelo mesmo motivo, outros subtipos do mesmo tipo.
A interpretação extensiva é, portanto, uma interpretação praeter litterum, dado que a dimensão pragmática da lei vai além da sua dimensão semântica e tem subjacente um juízo de agregação – o que vale para a parte deve valer para o todo.
Como daqui decorre, a interpretação extensiva, assume, regra geral, a forma de extensão teleológica: a própria razão de ser da lei reclama a aplicação aos casos que não são directamente abrangidos pela letra da lei, mas que indubitavelmente se compreendem na sua finalidade.
São dois os argumentos que se podem convocar para fundamentar uma interpretação extensiva: o argumento de identidade de razão – argumento a pari – e o argumento de maioria de razão – argumento a fortiori. De harmonia com o primeiro, onde a razão de decidir seja a mesma, mesma há-de ser a decisão; de acordo com o segundo, se a lei contempla, explicitamente, certas situações para que estabelece um dado regime, há-de forçosamente pretender abranger também outra ou outras que, com mais fortes motivos, exigem ou justifiquem aquele regime”.
(…).
A natureza subordinada dos créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, como já supra se referiu, encontra justificação na presunção de que essas pessoas estão colocadas numa posição preferencial ou de vantagem em relação aos demais credores, quer por terem acesso a informação privilegiada de que estes não dispõem, máxime a situação patrimonial e financeira do devedor, quer pelo facto de o devedor poder aproveitar-se da proximidade inerente a demais credores, designadamente no que diz respeito ao esvaziamento ou à dissipação do seu património, quer ainda pela circunstância de essas pessoas poderem, de alguma forma, ter “influenciado a actuação do devedor, tendo-o levado a adoptar, na condução dos seus negócios, condutas lesivas para os credores com quem ele não mantinha um vinculo daquela espécie” (MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, Nótula sobre a Responsabilidade da Massa Insolvente pelas suas dívidas, Revista de  Direito da Insolvência, nº 3, Almedina, pág. 94). Desta feita, se o objectivo do legislador é abranger o maior número de pessoas que tenham presumivelmente uma superioridade informativa, ou seja, que estejam em condições de conhecer a situação em que se encontrava o devedor e possam ter participado em actos conjuntos ou influenciado de alguma forma o comportamento deste e com isso evitar ou diminuir o eventual prejuízo para os credores, não faz sentido eximir aos efeitos da norma as pessoas que comprovadamente sejam especialmente relacionadas com o devedor (Catarina Serra, Lições de Direito de Insolvência, pág. 75).
Assim, na interpretação da norma impõe-se considerar os interesses que a lei pretende acautelar. Este elemento teleológico é decisivo na interpretação da lei, clarificando a sua finalidade.
Deste modo, como se referiu no Acórdão do RC, de 2.02.2010, Proc.171/07.5TBOBR-C.C1 in www.dgsi “o artº 49º do CIRE não deve ser interpretado com um excessivo rigor formal, mas antes plástica e razoavelmente, de sorte a concluir-se, ou não, se o caso concreto encerra o quid essencial que lhe subjaz, a saber: se o credor reclamante, directa ou indirectamente, tem na sua posse informação sobre a situação do devedor que o coloque numa situação de superioridade face aos demais credores no que toca à definição ou condicionamento de factualidade de que o seu crédito emirja. Precisamente para se obter o fito prosseguido pela lei, qual seja o de obviar a que pessoas detentoras de tal superioridade informativa, dela possam aproveitar-se para criar ou condicionar factos e situações que determine o seu assim indevido favorecimento creditício relativamente a outras que não estão na posse de tal informação”.
Também no Ac. da RP de 30.01.2024, proc. nº 1763/23.9T8VNG.P1 in www.dgsi.pt se refere que “Ponderando que se deve ter presente, enquanto elemento teleológico decisivo na interpretação do preceito (da alínea b) do nº 1 do art. 49º do CIRE), os interesses que se pretende acautelar (a sujeição dos créditos ao regime de subordinação justifica-se em atenção à ‘situação de superioridade informativa sobre a situação do devedor’ que tais credores gozam relativamente aos demais[2]), dever recusar-se, na tarefa (de interpretação da norma), qualquer excessivo rigor, adoptando-se antes critério de razoabilidade de sorte a apurar se a situação ‘encerra o quid essencial que lhe subjaz’, qual seja o de saber se credor, “directa ou indirectamente, tem na sua posse informação sobre a situação do devedor que o coloque numa situação de superioridade face aos demais credores”[3](o propósito é o de obstar que pessoas detentores de superioridade informativa possam dela prevalecer-se e beneficiar no confronto com os demais credores)”.
Se o intuito do legislador através da criação do instituto da subordinação de créditos, em particular das pessoas especialmente relacionadas com o devedor, foi o de combater o aproveitamento por parte do devedor de relações de especial proximidade para praticar actos prejudiciais aos demais credores da insolvência, naturalmente que tem de existir uma abertura do elenco de pessoas especialmente relacionadas com o devedor, pois só assim, pensamos que fica acautelada, com uma maior justiça, a principal finalidade do processo em causa.
Repare-se que, neste caso, a requerente concedeu uma garantia ao crédito da credora B..., Lda., beneficiando-o em detrimento de todos os outros credores com créditos constituídos já à data e com valores também elevados, nomeadamente o crédito do IAPMEI. Não estamos apenas perante a constituição de um crédito, mas de um crédito garantido. A requerente confessou ainda um mês antes de se apresentar a Processo Especial de Revitalização um crédito e garantiu-o mediante a constituição de hipoteca.
Posto isto, importa concluir que os gerentes da credora B..., Lda. são também administradores da requerente/devedora desde a sua constituição e, por isso, conheciam necessariamente a situação financeira e patrimonial da requerente e podem exercer sobre esta uma influência dominante, pelo que não pode deixar de se interpretar a al. b) conjugada com a al. c) do nº 2 do art. 49º no sentido de existir uma relação de domínio a que se refere o art. 21º, nº 1 do CVM quando os gerentes e administradores da sociedade credora e da requerente/devedora são os mesmos e exercem a gerência/administração efectiva dessas sociedades.
Deste modo, há que concluir que a credora B..., Lda. é uma pessoa especialmente relacionada com a requerente/devedora, sendo, por isso, o seu crédito subordinado.”
*
Insurge-se a devedora/Apelante contra o decidido, com a seguinte argumentação:
- face à taxatividade do artigo 49º do CIRE, consagrada expressamente pelo legislador com a publicação da Lei nº 9/2022, que veio dar nova redação aos artigos 48º e 49º, e tratando-se de normas legais excecionais, não admitem interpretação extensiva;
- considerar que, ao dar a atual redação ao artigo 49º, o legislador disse menos do que aquilo que pretendia, é afastar da interpretação um dos seus elementos essenciais;
- o facto de os administradores de várias empresas serem os mesmos, não permite, por si só, concluir pela existência de uma posição dominante, ainda mais quando, nenhum deles, individualmente considerado, tem o poder de determinar os destinos de uma só dessas empresas;
- era evidente que o crédito da B... sobre a recorrente nunca poderia ser considerado subordinado, na medida em que a mesma não se enquadra em nenhuma das situações previstas nas quatro alíneas do nº2 do artigo 49º do CIRE.
A oposição do Apelante centra-se em dois fundamentos:
1. inadmissibilidade de interpretação extensiva, face à taxatividade do elenco do artigo 49º.
2. o crédito da B... nunca poderia ser considerado subordinado, na medida em que não se enquadra em nenhuma das situações previstas nas 4 alíneas do nº2 do artigo 49º.
Vejamos o que se poderá acrescentar relativamente ao tratamento dado a cada uma dessas questões na decisão recorrida, ao qual, desde já, adiantamos aderir na íntegra.
1.a. inadmissibilidade de interpretação extensiva do artigo 49º
Quanto a esta questão, é óbvia a ausência de razão da Apelante.
As normas excecionais contrapõem-se às normas gerais/direito regra, às quais é aplicável o argumento a contrario, ou seja, se consagram para certos casos um regime excecional, então, todas as situações não previstas na hipótese da norma deverão seguir o regime inverso que será o direito regra[1].
No entanto, o próprio legislador, com vista a salvaguardar o espírito da norma, dispôs no artigo 11º do Código Civil que “As normas excecionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva”.
Como sustenta Miguel Teixeira de Sousa, precisamente a propósito da interpretação do artigo 49º do CIRE, “é sempre possível – se, como é claro, os elementos de interpretação enunciados no art.9º do CC o impuserem –, estender uma enumeração taxativa para além da sua letra, por exemplo, a coerência do sistema[2]”.
Também Ana Perestelo de Oliveira[3] afirma possibilidade de uma extensão interpretativa, nos termos característicos de uma tipicidade delimitativa: a analogia entre a situação do sujeito que controla a sociedade em virtude de fator interno (como a detenção de capital) e a daquele cujo controlo assenta no poder económico externo, constitui razão suficiente para justificar a ponderação da suscetibilidade de alargamento, por via interpretativa, do “elenco de pessoas especialmente relacionadas com o devedor”.
E Maria de Fátima Ribeiro[4] reconhece ser orientação maioritariamente acolhida na jurisprudência a afirmada necessidade de recurso à interpretação extensiva, de modo a abranger no leque das pessoas especialmente relacionadas determinadas pessoas que não se prevê estarem nele contidas.
Para alcançar a melhor interpretação do artigo 49º, o caminho mais correto é, segundo Catarina Serra,  identificar e manter presentes os fins que presidiram à conceção da disciplina das pessoas especialmente relacionadas com o devedor: “Só evitando uma leitura rígida ou demasiado literal da norma do artigo 49º é possível assegurar a realização plena dos fins visados pelo legislador e a exclusão de todos os resultados irrelevantes ou indesejáveis[5]”.
Improcedem, assim, as conclusões em contrário formuladas a tal respeito pela Apelante nas suas alegações de recurso.
1.b. Se a credora /B... pode ser considerada como “pessoa especialmente relacionada com o devedor”, ao abrigo do disposto no artigo 49º, nº2, al. b).
Sendo incontrovertida nos autos a natureza taxativa da enumeração das pessoas que, segundo o artigo 49º, nº2, als. a) a d), “são exclusivamente considerados especialmente relacionados com o devedor pessoa coletiva”, vejamos se a situação em apreço, embora, à primeira vista e numa mera interpretação literal de tais alíneas, não se encontre expressamente prevista em nenhuma delas, poderá ainda ser enquadrada na al. b) do nº2 do artigo 49º, sobretudo quando conjugado com a previsão da al. c).
Dispõe o citado artigo 49º, nº2, CIRE:
   2 - São exclusivamente considerados especialmente relacionados com o devedor pessoa coletiva:
a) Os sócios, associados ou membros que respondam legalmente pelas suas dívidas, e as pessoas que tenham tido esse estatuto nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
 b) As pessoas que, se for o caso, tenham estado com a sociedade insolvente em relação de domínio ou de grupo, nos termos do artigo 21.º do Código dos Valores Mobiliários, em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
 c) Os administradores, de direito ou de facto, do devedor e aqueles que o tenham sido em algum momento nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
d) As pessoas relacionadas com alguma das mencionadas nas alíneas anteriores por qualquer das formas referidas no n.º 1.
O legislador afasta-se do conceito de relação de domínio ou de grupo constante do Código das Sociedades Comerciais, remetendo para a definição contida no artigo 21º do Código dos Valores Mobiliário:
1 - Para efeitos deste Código, considera-se relação de domínio a relação existente entre uma pessoa singular ou colectiva e uma sociedade quando, independentemente de o domicílio ou a sede se situar em Portugal ou no estrangeiro, aquela possa exercer sobre esta, directa ou indirectamente, uma influência dominante.
2 - Existe, em qualquer caso, relação de domínio quando uma pessoa singular ou colectiva:
      a) Disponha da maioria dos direitos de voto;
       b) Possa exercer a maioria dos direitos de voto, nos termos de acordo parassocial;
       c) Possa nomear ou destituir a maioria dos titulares dos órgãos de administração ou de fiscalização.
       3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, e sem prejuízo da imputação de direitos de voto à pessoa que exerça influência dominante, as relações de domínio existentes entre a mesma pessoa singular ou coletiva e mais do que uma sociedade são consideradas isoladamente.
       4 - Para efeitos deste Código consideram-se em relação de grupo as sociedades como tal qualificadas pelo Código das Sociedades Comerciais, independentemente de as respetivas sedes se situarem em Portugal ou no estrangeiro.
Assentando as relações de domínio e de grupo, essencialmente na titularidade (total ou parcial) de participações de uma sociedade sobre outra, inexistem nos autos elementos suficientes para afirmar esse tipo de relação entre a sociedade credora (B...) e a sociedade devedora A.... E dizemos que inexistem tais elementos, uma vez que desconhecemos quem são os detentores do capital das duas sociedades que detêm a quase totalidade do capital social da devedora A..., as sociedades D..., S.A., e E..., SGPS, S.A.[6], sendo que, é a própria devedora que, no seu requerimento inicial, alega que “se encontra inserida num grupo de sociedades que têm os mesmos sócios/acionistas, cujo âmbito de atividade se situa no mercado da produção, comercialização e venda de pellets (…), Todo o grupo funciona numa lógica de maximização no aproveitamento de sinergias, razão pela qual a requerente tem apenas um funcionário”.
De qualquer modo, as situações elencadas nas várias alíneas do nº2 do artigo 21º, são meramente exemplificativas, não esgotando o conceito de domínio aqui tido em causa[7] (como resulta da expressão contida no nº1, “em qualquer caso”), identificando-se a relação de domínio como “a relação existente entre uma pessoa singular ou coletiva e uma sociedade quando, independentemente do domicílio ou a sede se situar e Portugal, aquela possa exercer sobre esta, direta ou indiretamente, “uma influência dominante”.
Como tem salientado a doutrina, a opção pela remessa para a definição de relação de domínio constante do Código dos Valores Mobiliários em detrimento do conceito dado pelo Código das Sociedades Comerciais, teve por objetivo o alargamento das situações abrangidas.
No caso em apreço, embora, face aos elementos existentes, apenas possamos afirmar, quanto à estrutura social das sociedades, que alguns acionistas e sócios são comuns a ambas as sociedades[8], a conexão entre ambas que se encontra exposta em toda a sua crueza na matéria de facto dada como provada, reside na total coincidência entre os gerentes da credora B... e os administradores da insolvente.
De tal modo que, encontrando-se a gerência e a administração de tais sociedades, confiadas às mesmas pessoas singulares, deparamo-nos com um fenómeno de dupla representação, em que os administradores de uma atuam simultaneamente como gerentes da outra:
- quer o acordo extrajudicial de recuperação, quer a declaração da requerente e das credoras para encetarem as negociações, foram subscritas pelas mesmas pessoas físicas, na tríplice qualidade de representantes das credoras B..., C... e pela devedora A... (em tais atos, quer as credoras B... e C..., quer a devedora, foram representadas por aqueles a quem se encontra entregue, em exclusivo, a gerência da B... e a administração da C... e da A... (CC, BB, AA);
- também as declarações de confissão de dívida e de constituição de hipoteca que suportam o crédito da New Peletts sobre a In Bark Solutins, são subscritas pelas pessoas que sendo os administradores da A..., exercem em conjunto a gerência da B...!
Esta coincidência total de representantes entre as sociedades credoras e a sociedade devedora poderia, inclusive, levar à qualificação de tais atos como negócio consigo mesmo (artigo 261º do Código Civil), na medida em envolvem atos não compreendidos no objeto das sociedades credoras e dos quais resultam vantagens para as credoras (empréstimos à devedora com constituição de hipotecas a favor daquela).
Na interpretação da al. b) do nº2 do art. 49º do CIRE, e como elemento teológico a considerar, temos a justificação dada para a sujeição dos créditos ao regime de subordinação no Preâmbulo do DL 53/2004, de 18/03 – em atenção à “situação de superioridade informativa sobre a situação do devedor” que tais credores gozam relativamente aos demais.
Nas palavras de Catarina Serra, o objetivo do legislador é “abranger, à partida, o maior número de sujeitos que tenham presumivelmente uma “superioridade informativa”, ou seja, que estejam em condições de conhecer a situação em que se encontrava o devedor e possam ter participado em atos conjuntos ou possam ter influenciado de alguma forma o comportamento deste. Compreende-se bem o objetivo. Mediatamente, visa-se evitar ou prejudicara prática de atos em prejuízo dos credores[9]”.
Semelhante entendimento é sustentado por Maria de Fátima Ribeiro[10], identificando as seguintes razões que levaram a considerar as pessoas enumeradas nas als. a) a d) do nº2 art. 49º, como especialmente relacionadas com o devedor:
- pessoas que estariam em condições de poder conhecer a situação em que se encontrava o devedor (superioridade informativa);
- pessoas que de algum modo poderiam ter influenciado a atuação do devedor, levando-o a adotar, na condução dos seus negócios, condutas lesivas para os credores com quem ele não mantinha um vínculo daquela espécie.
A total coincidência de gerentes e administradores entre as duas sociedades, praticamente desde a respetiva constituição, e uma vez que é através dos seus gerentes/administradores que a respetiva vontade se forma se materializa e manifesta, leva a que a sociedade “credora” e a sociedade devedora estejam, simultaneamente, na posse de toda a informação económica, patrimonial e financeira, respeitante a ambas as sociedades (total coincidência ao nível da gestão que se estende igualmente à outra sociedade que subscreveu o acordo de pagamento, C...), encontrando-se colocadas em posição para influenciarem diretamente o comportamento uma e da outra.
E não estamos a falar de um perigo abstrato de instrumentalização de uma e de outra sociedade em função de determinadas necessidades e a favor de uma ou de outra, mas de uma “confusão” entre as sociedades, de “mistura de responsabilidades”, pelo facto de terem administradores/gerência comuns – a gerência e posterior administração da A..., esteve, sempre, atribuída a CC, BB e R..., que correspondem aos sócios/gerentes da ... –, mas de algo que possibilitou o alcançar de uma maioria para aprovação de um plano.
Com efeito, os créditos da B... encontram-se formalizados através de:
- uma “escritura de confissão de dívida com hipoteca unilateral”, no dia 11-02-2020, outorgada por AA, na qualidade de membro de administração e em representação da A..., pela qual se declara devedora da quantia de 700.000,00 € à B...;
- uma “escritura de confissão de dívida com hipoteca unilateral”, no dia 06-06-2024, um mês antes da apresentação do presente Acordo Extrajudicial em tribunal, outorgada por CC e R..., em representação da A..., pela qual se confessa devedora B... de 197.000,00 €.
Ou seja, as pessoas físicas que, em nome da A..., declararam dever à sociedade B..., as quantias totais de 897.000 €, são os gerentes e detentores da totalidade do capital social da “credora” B....
Tais declarações de dívida, acompanhadas da constituição de hipotecas, permitiram a elaboração de um acordo extrajudicial em que fosse dado distinto tratamento aos demais credores, todos comuns.
Há aqui um acordo entre a devedora e as credoras que, com ela subscrevem o acordo extrajudicial, que prejudicam os demais credores.
É aqui, nítida, uma aliança para prejudicar os demais credores, conseguindo a detenção de créditos, “garantidos”, para, no momento seguinte conseguirem as maiorias necessárias à aprovação do plano e de modo a conseguirem uma redução de 75% do capital dos credores que não possuem qualquer ligação à devedora, prejudicando-os.
Como reconhece Letícia Marques Costa[11], existem por vezes acordos simulatórios de dívidas para que o devedor se possa apresentar à insolvência ou até mesmo para dar inicio ao PER, ou em que um dos credores (simulador) possui um grande peso (atento o valor do seu crédito) a fim de serem asseguradas as maiorias necessárias para o devedor alcançar os seus intentos.
Ora, o nº1 do artigo 21º do CVM considera relação de domínio a relação existente entre uma pessoa singular ou coletiva e uma sociedade quando aquela possa exercer sobre esta, direta ou indiretamente, uma influencia dominante.
No caso em apreço, a existência de um controlo comum a ambas as sociedades credoras que subscreveram o acordo extrajudicial e à sociedade devedora, faz perigar os interesses dos demais credores (a par do risco de conflito de interesses entre credoras e devedora), sobretudo quando, face ao seu volume, representam a maioria dos créditos, impondo aos demais credores uma solução que, não só, os gradua à frente dos destes, como lhes impõe restrições muito superiores ao nível de perdão do capital, moratórias, pagamento de juros etc.
No sentido de que da articulação entre as als. b) e c), do artigo 49º, não pode deixar de se interpretar a al. b) do nº2 do artigo 49º no sentido de se considerar existir a relação de domínio a que se reporta o artigo 21º, nº1 do CVM quando a sociedade credora e a sociedade requerente do PER têm um sócio comum, que em ambas as sociedades exerce a sua gerência efetiva, por, sobre a mesma poderem exercer influência dominante, se pronunciou o Acórdão do TRL de 31-010-2023[12].
Também no Acórdão do TRP de 04-05-2022[13], se reconhece que o conceito de domínio constante do nº1 do art. 21º do CVM pode ser preenchido por outros convénios de direito comum, aptos a criar relações de domínio de uma sociedade sobre outra, ou mesmo uma mera administração unitária, de facto, das duas sociedades.
Improcedem, como tal, também nesta parte, as alegações da Apelante.
*
Confirmada por este tribunal a decisão que considerou a credora B... como “pessoa especialmente relacionada com a devedora”, qualificando tal crédito como subordinado, mantém-se válidas as considerações constantes da sentença recorrida que culminaram na recusa a homologação do acordo por desrespeito das maiorias exigidas nas als. b) ou c) do nº5 do artigo 17º-F do CIRE, ficando prejudicada a apreciação das demais questões colocadas pela Apelante, respeitantes à recusa do plano por violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do Acordo.
A Apelação é de improceder.

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IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida de recusa da homologação do Acordo extrajudicial por desrespeito das maiorias exigidas nas als. b) ou c) do nº5 do artigo 17º-F do CIRE.

Custas a suportar pela Apelante.       

                             Coimbra, 14 de janeiro de 2025

V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.

(…).



[1] Catarina de Oliveira Carvalho, “Comentário ao Código Civil, Parte Geral”, Universidade Católica Editora, Coord. de Luís Carvalho Fernandes e José Brandão Proença, anotações I e II ao art. 11º, p. 55.
[2] “Resolução em benefício da massa insolvente por contrato celebrado com pessoa especialmente relacionada com o devedor”, Anotação ao Ac. UJ nº 15/2014, Cadernos de Direito Privado, Nº 50 Abril/Junho 2015, p. 61.
[3] “A Insolvência nos grupos de sociedades: notas sobre a consolidação patrimonial e a subordinação de créditos intragrupo”, in RDS I (2009), 4, 995 – 1028, pp. 1026-1027, disponível in https://www.revistadedireitodassociedades.pt/artigos/a-insolvencia-nos-grupos-de-sociedades-notas-sobre-a-consolidacao-patrimonial-e-a-subordinacao-de-creditos.
[4] Insolvência, Pessoas especialmente relacionadas, resolução em benefício da massa insolvente e subordinação de créditos”, in V Congresso do Direito da Insolvência”, Coord. Catarina Serra, Almedina, p. 97.
[5] Catarina Serra, “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina, pp. 73-74.
[6] Esta sociedade já foi denominada AA, SGPS, S.A., sendo AA precisamente um dos três/Administradores gerentes comuns que subscreveram o acordo extrajudicial de recuperação, o que nos leva a suspeitar de que, também ao nível do capital social, se verifique coincidência de titulares entre as duas referidas empresas credoras e a devedora.
[7] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Recuperação de Empresas e Insolvência Anotado”, 2ª ed., QUID JURIS, p. 316.
[8] Embora se encontrem juntas aos autos as certidões de registo comercial de ambas as sociedades, desconhecemos quem detém as sociedades S..., S.A. e E... SGPS, S.A., sociedades estas que detêm a quase totalidade do capital da devedora A... (99,994%), sendo que E... SGPS, S.A, já foi denominada AA, SGPS, S.A., sendo que o AA, pessoa singular, é um dos sócios da credora B... e da A....
[9] Catarina Serra, “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina, p.75.
[10] “Insolvência, Pessoas especialmente relacionadas, resolução em benefício da massa insolvente e subordinação de créditos”, in V Congresso do Direito da Insolvência”, Coord. Catarina Serra, Almedina, p. 94.
[11] “A Insolvência de Pessoas Singulares”, Coleção TESES, Almedina, pp. 238-239.
[12] Acórdão relatado por Manuel Ribeiro Marques, e Acórdão do TRP de 30-1-2024, relatado por João Ramos Lopes, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[13] Acórdão relatado por João Diogo Rodrigues, disponível in www.dgsi.pt. Em sentido semelhante, Acórdão do TRL de 20-06-2017, de Luís Filipe Pires de Sousa, também citado pela decisão recorrida, segundo o qual “Deve ser qualificado como subordinado o crédito de sociedade cujo único gerente era também gerente da (futura) insolvente, que obrigava só com a sua assinatura, tendo nesta última qualidade constituído hipoteca unilateral a favor da primeira sociedade porquanto tal gerente exerceu uma influência dominante sobre a devedora.”