EMBARGOS DE EXECUTADO
CITAÇÃO EDITAL
PROCEDIMENTO
REVELIA
FALTA DE CITAÇÃO
NULIDADE DA CITAÇÃO
Sumário

I – A última residência do citando não é necessariamente alguma das moradas constantes das bases de dados mencionadas o artigo 244.º, n.º 1, do CPC, na versão anterior à reforma de 2013 (correspondente ao actual artigo 236.º, n.º 1); estas são apenas elementos coadjuvantes, a par de outros que o tribunal julgue conveniente utilizar, para se apurar a última residência conhecida do citando, a qual pode não coincidir com nenhuma das moradas constantes das referidas bases.
II – A afixação do edital numa morada distinta da última residência conhecida do citando, num local onde este nunca residiu, reduz a probabilidade de o mesmo ter conhecimento desse edital e, por conseguinte, pode prejudicar a possibilidade do citando de apresentar tempestivamente a sua defesa.
III – Seja como for, por força do disposto no artigo 483.º do CPC, na versão anterior à reforma de 2013 (correspondente ao actual artigo 566.º), na situação de revelia absoluta do réu, o tribunal está obrigado a conhecer oficiosamente de qualquer irregularidade que tenha sido cometida na citação e, verificando a sua ocorrência, a ordenar a repetição do acto, não distinguindo aquela norma as nulidades previstas no artigo 198.º, n.º 4 (correspondente ao actual artigo 191.º, n.º 4), das demais irregularidades previstas no n.º 1, do mesmo artigo.
IV – A oposição à execução mediante embargos é uma das formas processualmente admissíveis para a arguição da falta ou da nulidade da citação do réu para o processo que correu à revelia deste, conforme expressamente previsto no artigo 729.º, al. d), do CPC, conjugado com o artigo 696.º, al. e), subalínea i), do mesmo código, não dependendo tal arguição em sede de embargos da procedência ou, sequer, da dedução prévia do recurso de revisão.
V – A remissão que o artigo 729.º, al. d), do CPC, faz para o artigo 696.º, al. e), do mesmo código, abrange apenas os fundamentos do recurso de revisão consagrados nesta alínea, não se estendendo ao prazo de interposição previsto no artigo seguinte, designadamente na parte final, do n.º 2, desse artigo 697.º.

Texto Integral

Proc. n.º 7666/23.1T8PRT-C.P1







Acordam no Tribunal da Relação do Porto




I. Relatório

Por apenso à execução de sentença que o Fundo de Garantia Automóvel (doravante FGA) move contra AA e outro, veio o mencionado executado deduzir oposição à execução mediante embargos, ao abrigo do disposto no artigo 729.º, al. d), conjugado com o artigo 696.º, al. e), subalínea i), ambos do Código de Processo Civil (CPC), alegando que a sua citação para a acção declarativa é nula e que, por essa razão, não teve oportunidade de aí se defender.
Conclui pedindo a extinção da execução.
Liminarmente admitidos os embargos, o embargado apresentou contestação, alegando que a citação levada a cabo no processo declarativo respeitou todos os formalismos legais e que a nulidade sempre deveria ter sido arguida pelo embargante através de recurso de revisão, no prazo de 60 dias a contar de Fevereiro de 2023, data em que foi interpelado pela embargada para pagar a quantia em que foi condenado e em que teve conhecimento da respectiva decisão judicial, mais alegando que o embargante se confessou devedor perante o FGA.
Após realização da audiência prévia, o Tribunal proferiu saneador sentença onde julgou os embargos totalmente improcedentes e determinou o prosseguimento da execução.

*

Inconformado, o embargante apelou deste decisão, apresentando a respectiva alegação, onde formula as seguintes conclusões:
«1.ª Da factualidade dada como provada resulta que os éditos foram afixados em morada na qual o ora Recorrente nunca residiu (Pontos 11. e 13. dos factos provados);
2.ª Porquanto, em Maio de 2012, a proprietária do imóvel de ... onde o Recorrente residiu, prestou informação no autos de que o mesmo, seu inquilino, procedeu à entrega das chaves em Setembro de 2011, tendo nessa data regressado ao Algarve;
3.ª Foi o ..., Lote ..., ..., em Albufeira, a morada que o Autor da acção declarativa identificada em 1. supra, indicou na respectiva Petição Inicial (cfr. 3. dos factos provados);
4.ª Bem como foi essa a morada que, em Abril de 2012, resultou associada aos documentos do Recorrente, designadamente Cartão de Cidadão, carta de condução, Segurança Social e registo automóvel (cfr. 7 dos factos provados);
5.ª Mais esclareceu a referida proprietária, em Maio de 2012, que o Recorrido, nunca residiu no n.º ...05, da Rua ..., em ..., e sim no ...03;
6.ª No entanto, em 15/11/2012, foi o edital afixado na Rua ...;
7.ª Da factualidade provada, resulta igualmente que apenas foi publicado um anúncio no dia 10/11/2012 (cfr. 14 dos factos provados), quando a lei impunha que fossem publicados dois anúncios;
8.ª Houve, portanto, clara violação das formalidades da citação edital previstas nos n.ºs 2 e 3 do art. 248.º do CPC de 1961, então em vigor (art. 240.º do NCPC);
9.ª Tais circunstâncias, negaram ao então R., aqui Recorrente, qualquer possibilidade de contestar a acção, o qual foi julgado e condenado sem dela ter tido conhecimento;
10.ª Em consequência de tal violação, resulta a nulidade da citação, conforme estatuído no artigo 198.º do CPC de 1961 (art. 191.º NCPC).
11.ª Nulidade essa que, em qualquer dos casos, é, por força do art. 196.º do NCPC, de conhecimento oficioso.
12.ª A sentença proferida no âmbito do processo declarativo não constitui título executivo válido contra o Executado – Embargante, aqui Recorrente».
Termina pugnando pela substituição da decisão recorrida por outra que declare a nulidade da citação e determine a procedência dos embargos de executado, com a consequente extinção da execução.
*

O recorrido apresentou resposta à alegação do recorrente, pugnando pela improcedência da apelação e, subsidiariamente, para a hipótese de ser considerada nula a citação, requereu a ampliação do objecto do recurso, formulando a este respeito as seguintes conclusões:
«1. Antes da citação para a presente execução, o aqui embargante já havia tido conhecimento da condenação ora executada no âmbito dos presentes autos.
2. Tanto mais que, o mesmo efectuou pagamentos voluntários ao embargado, através dos quais, reconheceu a sua dívida perante o FGA.
3. Em bom rigor, a nulidade de citação a verificar-se, o que não ocorreu, mas apenas se admite por mera hipótese académica, sempre deveria ter sido arguida através de recurso de revisão no prazo de 60 (sessenta) dias após a interpelação para pagamento, data em que o mesmo teve conhecimento da decisão judicial em causa.
4. Ora vejamos, invoca o ora embargante a al. e) do artigo 696.º do CPC por remissão do artigo 729.º do CPC como fundamento dos embargos ora apresentados.
5. Por sua vez, o artigo 697.º, n.º 2, al. c), refere que o recurso de revisão é apresentado no prazo de 60 dias a contar da data em que teve conhecimento do facto que serve de base a revisão.
6. Tal como referido, o embargante foi interpelado em Fevereiro de 2021.
7. Sendo que, os seus pagamentos tiveram início em Maio de 2023.
8. Ora, dúvidas não nos restam, que já há muito se mostra totalmente ultrapassado o prazo para arguir a nulidade que com os presentes embargos pretende.
9. Pelo que, para todo e qualquer caso, desde já, se indica que a arguição da nulidade de citação encontra-se já caducada, nos termos do disposto no artigo 697.º, n.º 2 do CPC».
*

A recorrente pronunciou-se sobre a solicitada ampliação do objecto do recurso.
*


II. Fundamentação

A. Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do CPC, não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes:
- A nulidade da citação do recorrente para a acção declarativa;
- A tempestividade da arguição dessa nulidade.
*

B. Factos Provados

São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal a quo:
1. Correu termos pelo Juízo Central Cível do Porto - Juiz 4 uma ... em que foi autor BB e réus CC, AA e Fundo de Garantia Automóvel, em que no dia 19 de Fevereiro de 2020 foi proferida sentença, com a seguinte decisão: «Pelo exposto, considero parcialmente procedente a presente ação e condeno solidariamente os réus CC, AA e Fundo de garantia Automóvel a pagarem ao autor a quantia global de 173.380,70, absolvendo os mesmos do demais peticionado. Mais condeno os Réus CC e AA a pagar ao Instituto de Segurança Social, SA a quantia de €9.556,20, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados da data da citação. Custas por autor e réus, na proporção do decaimento e sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.».
2. A decisão proferida nesses autos transitou em julgado em 05/05/2021.
3. No dia 11.01.2012 a secretaria que tramitava aqueles autos remeteu ao ora embargante uma carta de citação para contestar a sobredita acção, por via postal, registada com aviso de recepção, para a morada indicada na petição inicial, sita em ..., ... ALBUFEIRA.
4. A referida carta foi devolvida em 25/01/2012 com a menção «não reclamada».
5. Nessa sequência, em 16/02/2012 foi ordenada a citação por contacto pessoal por carta precatória, a qual se frustrou, tendo-se deslocado à sobredita morada a Sr.ª Escrivã-auxiliar DD no dia 12/03/12 e lavrado o seguinte auto: «Neste local, onde me desloquei por duas vezes, nunca encontrei ninguém que me abrisse a porta e respondesse pelos meus chamamentos. Hoje encontrei os proprietários e residentes da fracção contígua, do lado direito e os mesmos informaram-me que o citando é o proprietário da fracção a que os autos referenciam como endereço, sendo certo que o mesmo apenas ali vem de forma esporádica. Informaram ainda que esta fracção é utilizada para arrendamento turístico, pelo que nos períodos em que não está arrendada, se encontra desocupada porque o proprietário nunca aqui habitou. Na caixa do correio que se encontra cheia de correspondência, pode ver-se do exterior uma conta da EDP, dirigida ao citando, o que de facto e a avaliar pela correspondência que se encontra nessa caixa de correio, não deve ali vir ninguém há bastante tempo. Pelo exposto não dei cumprimento ao ordenado».
6. Nesse seguimento, pela secretaria do aludido Tribunal foi ordenada a notificação do autor para indicar elementos identificativos do aí réu AA no sentido de serem efectuadas as competentes pesquisas.
7. Das pesquisas levadas a cabo em 02/04/2012 com base na carta de condução, Cartão de cidadão, Segurança social e registo automóvel resultou a morada ..., ... ALBUFEIRA.
8. Da pesquisa realizada na mesma data junto da autoridade tributária, resultou a indicação que o domicílio fiscal do Réu AA era na Rua ..., ... A, ..., ... ....
9. No dia 02/04/2012 a secretaria que tramitava aqueles autos remeteu ao ora embargante uma carta de citação para contestar a sobredita acção, por via postal, registada com aviso de recepção, para a morada sita em Rua ..., ... A, ..., ... ....
10. A referida carta foi devolvida em 16/04/2012 com a menção «não reclamada».
11. Foi emitido mandado para citação pessoal, que se frustrou, tendo O Sr. Oficial de Justiça EE, que se deslocou ao local no dia 28/05/2012 lavrado a seguinte informação: «Em virtude de ter apurado que o citando residiu no ... –A do no ...03 e não n.º ...05 como indicado. Na casa “...”, proprietária do locado, fui informado que aquela fracção encontra-se devoluta desde Setembro de 2011. Quanto ao citando, aquando da entrega do locado informou que ia para o Algarve, já que é originário de lá. Nada mais sabem sobre ele, como mais nada consegui apurar.»
12. No dia 03/07/2012 foi ordenada a citação edital do réu, ora embargante.
13. No dia 15/11/2012 o edital foi afixado na Rua ..., ... A, ..., ... ..., como última morada conhecida do citando, à porta do Tribunal de Valongo e à porta da Junta de Freguesia ... – ....
14. O anúncio foi publicado no Jornal de notícias do dia 10/11/2012.
15. O Ministério Público foi citado em 21/02/2013, nada tendo dito ou requerido.
16. O réu ora embargante não contestou nem interveio naqueles autos.
17. O exequente, na qualidade de garante, pagou ao lesado o montante de capital e juros de € 181.892,97 a 09-06-2021.
*

C. O Direito
1. O embargante baseou a oposição à execução no disposto no artigo 729.º, al. d), do CPC, conjugado com o disposto no artigo 696.º, al. e), subalínea i), do CPC.
Nos termos do disposto naquele artigo 729.º, al. d), a falta de intervenção do réu no processo de declaração é fundamento de oposição à execução quando se verificar alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º, designadamente quando, tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita – cfr. subalínea i).
No caso concreto, decorre dos autos e não é questionado por nenhuma das partes que o réu, agora embargante, não deduziu qualquer oposição, não constituiu mandatário nem interveio de qualquer forma no processo declarativo, tendo-se verificado uma situação de revelia absoluta, nos termos previstos no artigo 483.º do CPC, na versão então vigente, correspondente ao actual artigo 566.º do CPC.
O dissenso respeita apenas à nulidade da citação edital efectuada nessa acção declarativa: o exequente/embargado considera que a mesma obedeceu a todos os formalismos legais, tendo este entendimento sido sufragado na decisão recorrida; diferentemente, o executado/embargante considera que a citação padece de uma nulidade de conhecimento oficioso.
Não tem razão o recorrente quando afirma que a citação edital devia ter sido realizada na morada indicada pelo autor na petição inicial, situada em Albufeira, no Algarve, por resultar dos elementos carreados para os autos ser esta a sua última residência conhecida.
O que resulta daqueles elementos é que foi tentada a citação postal nessa morada, mas a carta foi devolvida com a menção «não reclamada» (cfr. pontos 3 e 4 dos factos provados), após o que foi tentada a citação por contacto pessoal na mesma morada, mais uma vez sem sucesso, tendo a oficial de justiça que aí se deslocou por duas vezes informado em 12.03.2012 que, segundo os proprietários e residentes da fracção contígua, o réu é o proprietário da fracção, mas nunca ali habitou, utilizando-a para arredamento turístico, permanecendo a mesma desocupada nos períodos em que está desabitada, mais acrescentando que a caixa de correio se encontrava cheia de correspondência, indiciando que não ia lá ninguém há muito tempo (cfr. ponto 5 dos factos provados).
É certo que, no âmbito das diligências posteriormente realizadas para citar o réu noutra morada, situada em ..., ..., o proprietário deste imóvel comunicou que o réu já não morava aí desde Setembro de 2011, data em que lhe entregou o locado e lhe disse que ia para o Algarve, de onde era originário (cfr. ponto 11 dos factos provados).
Mas desta informação não resulta que o réu tivesse passado a residir na morada indicada na petição inicial, não resultando, sequer, que o mesmo tenha efectivamente passado a residir no Algarve, pois nem o funcionário que recolheu a informação antes mencionada, nem a pessoa que lha forneceu, tinham como atestar esse facto. De resto, como vimos anteriormente, essa hipótese foi claramente infirmada pelo resultado das diligências descritas nos pontos 3 a 5 dos factos provadas, anteriormente mencionadas.
Assim, nenhum dos elementos carreados para os autos permitia ao Tribunal concluir que a última residência conhecida do réu fosse a indicada na petição inicial. Ainda que se admitisse que, depois de deixar de morar em ..., ..., aquele foi viver para o Algarve – o que, como dissemos, não cremos poder extrair-se com segurança dos elementos juntos aos autos – sempre se desconheceria a respectiva morada.
O que as diligências levadas a cabo permitem concluir é que a última residência conhecida do réu, ora embargante, correspondia a uma morada em ..., ....
Contudo, tem razão o recorrente quando afirma que os éditos foram afixados numa morada na qual nunca residiu, pelo que a citação edital não foi feita na sua última residência conhecida.
Os éditos foram afixados na Rua ..., ..., ... - A, em ..., correspondente à morada resultante da pesquisa realizada junto da autoridade tributária (cfr. pontos 8 e 13 dos factos provados). Sucede que, anteriormente, havia sido tentada a citação do réu nessa mesma morada, por via postal (cfr. pontos 9 e 10 dos factos provados) e por contacto pessoal, tendo o funcionário de justiça que realizou esta última tentativa apurado junto do ex-senhorio do citando que o este residiu no ... – A do no ...03 e não do n.º ...05 (cfr. ponto 11 dos factos provados).
Assim sendo, impõe-se concluir que a última residência conhecida do citando se situava naquele no ...03 da Rua ..., ....
Note-se que, ao contrário do que o recorrido parece pressupor, a última residência não é necessariamente algum das moradas constantes das bases mencionadas o artigo 244.º, n.º 1, do CPC (na versão vigente na data em que foi feita a citação em causa, que regula tal citação), designadamente o domicílio fiscal fornecido pela AT. Essas bases são apenas elementos coadjuvantes, a par de outros que o tribunal julgue conveniente utilizar, para se apurar a última residência conhecida do citando, a qual pode não coincidir com nenhuma das moradas constantes daquelas bases, até porque não vigorava em Portugal, no momento em que a citação foi feita, tal como não vigora ainda hoje, um regime de domicílio obrigatório para efeitos judiciais.
Por esta razão, é totalmente irrelevante que seja imputável ao citando a divergência entre o número de porta constante do domicílio fiscal do réu e o número de porta daquela que foi, efectivamente, a sua residência em ....
Em suma, dos elementos carreados para os autos resulta que, no momento em que foi ordenada e realizada a citação edital do réu, ora embargante, a sua última residência conhecida correspondia ao ... – A, do no ...03, da Rua ..., em ..., ..., mas aquela citação foi realizada, e o respectivo edital foi afixado, no ... – A, do n.º ...05, da mesma rua.
Concluímos, assim, que não foram observadas as formalidades prescritas na lei para a realização da citação edital do réu, designadamente a sua realização na última residência do citando, nos termos previstos nos artigos 244.º, n.º 1, e 248.º, n.º 2, do CPC, na versão então vigente, o que determina a nulidade dessa citação, em conformidade com o estatuído no artigo 198.º, n.º 1, do CPC, novamente na versão então vigente.
É certo que, nos termos do disposto no n.º 4, do mesmo artigo 198.º (correspondente ao actual artigo 191.º, n.º 4), a arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado. Compreende-se que assim seja. Como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa em anotação à norma do actual artigo 191.º, n.º 1, do CPC, que mantém a redacção do anterior artigo 198.º, n.º 4 (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, p. 230), «[c]onsiderando que a citação se destina a dar ao réu conhecimento da ação contra si proposta e conceder-lhe oportunidade de defesa (art. 219, nº 1), só serão tidos como geradores de nulidade os vícios que prejudiquem realmente a defesa. O que aqui temos é a salvaguarda, em termos substanciais e não meramente formais, do princípio do contraditório».
Mas afigura-se inquestionável que a afixação do edital numa morada distinta da última residência conhecida do citando, num local onde este nunca residiu, reduz fortemente a probabilidade de o mesmo ter conhecimento desse edital e, por conseguinte, pode prejudicar a possibilidade do citando de apresentar tempestivamente a sua defesa, compreendendo-se mal por que razão o recorrido afirma que «em nenhum momento se verificou qualquer falta susceptível de prejudicar a citação do citando».
Seja como for, a norma do referido artigo 198.º, n.º 4, não é aplicável nas situações em que o citando permanece em situação de revelia absoluta, como sucedeu neste caso, por força do já citado artigo 483.º do CPC, na versão anterior à reforma de 2013 do CPC.
Nos termos deste preceito legal, se o réu, além de não deduzir qualquer oposição, não constituir mandatário nem intervier de qualquer forma no processo, verificará o tribunal se a citação foi feita com as formalidades legais e mandá-la-á repetir quando encontre irregularidades, não distinguindo a norma as nulidades previstas no artigo 198.º, n.º 4, das demais irregularidades previstas no n.º 1, do mesmo artigo, não distinguindo sequer as nulidades de que o tribunal pode conhecer oficiosamente das que dependem de arguição (cfr. artigo 202.º do CPC).
Significa isto que, na situação de revelia absoluta do réu, o tribunal está obrigado a conhecer oficiosamente de qualquer irregularidade que tenha sido cometida na citação e, verificando a sua ocorrência, a ordenar a repetição do acto. Compreende-se que assim seja, pois está em causa o direito a intervir no processo, na sequência de prévia citação, o qual entronca no próprio direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, mais propriamente na vertente da chamada proibição da indefesa. Como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa em anotação ao actual artigo 566.º do CPC, correspondente ao anterior artigo 483.º (cit., pp. 628-629), perante o «total alheamento do réu, e por se recear que o mesmo radique em qualquer irregularidade no ato da citação, a lei acautela que o juiz, antes de fazer funcionar qualquer cominação para a revelia, apure se a citação respeitou todas as formalidades legais e, detetando alguma irregularidade, promova a sua repetição, aguardando-se o decurso de novo prazo para a contestação».
É também por esta razão que o vício decorrente da publicação do anúncio num único número de um jornal (cfr. ponto 14 dos factos provados), em vez da sua publicação em dois números seguidos, prevista no artigo 248.º, n.º 3, do CPC, na versão vigente na data da realização da citação edital, cabe nos poderes de cognição deste tribunal ad quem, ainda que esta questão não tenha sido suscitada previamente perante o tribunal a quo.
O modelo de recursos adoptado pela nossa lei processual civil é, na terminologia proposta por Miguel Teixeira de Sousa, um modelo de reponderação, que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame, que vise a repetição da instância no tribunal de recurso. Como escreve Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, Almedina, 6.ª ed., pp. 139-140), «os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando (…) estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis». É precisamente o que se passa, como vimos, com a nulidade em causa.
O conhecimento oficioso das nulidades da citação edital antes apontadas estaria prejudicado se as mesmas se devessem considerar sanadas, o que não sucede no caso dos autos. Tal apenas sucederia se o citando tivesse intervindo no processo declarativo sem arguir logo a nulidade da sua citação, como decorre do disposto nos artigos 198.º, n.º 2, 2.ª parte, e 202.º, do CPC, na versão aqui aplicável, e é corroborado pelo artigo 196.º do mesmo diploma. Ora, como vimos, o réu manteve-se numa situação de revelia absoluta, sendo a dedução de embargos à execução da sentença a sua primeira intervenção.
Do exposto já decorre não assistir razão ao recorrido quando afirma que o executado não pode agora invocar matéria que não consta da sua oposição, sob pena de estar em frontal violação do ónus de concentração previsto no artigo 573.º do CPC. Mas sempre se dirá que a invocação desta norma se afigura deslocada, tendo em conta que os embargos não configuram uma contestação ao pedido executivo, mas antes uma petição de uma acção declarativa autónoma.
Em síntese conclusiva, verifica-se que a citação edital do ora executado/embargante para a acção declarativa onde foi proferida a sentença que serve de base a esta execução é nula, por inobservância das formalidades previstas no artigo 244.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, na versão então vigente, sendo certo que o réu não teve qualquer intervenção nesse processo, tendo-se mantido numa situação de revelia absoluta, pelo que está verificada a situação prevista no artigo 729.º, al. d), do CPC, na versão actual, conjugado com o artigo 696.º, al. e), subalínea i), do mesmo código, o que determina a procedência dos presentes embargos de executado.
2. Prevenindo a hipótese de procedência da nulidade invocada pelo recorrente, o recorrido veio solicitar a ampliação do objecto do recurso, tendo em vista o reconhecimento da caducidade daquela arguição, alegando que tal nulidade deveria ter sido arguida pelo embargante através de recurso de revisão, no prazo de 60 dias a contar de Fevereiro de 2023, data em que foi interpelado pela embargada para pagamento e em que teve conhecimento da decisão judicial em causa.
Esta questão já havia sido suscitada pelo recorrido na contestação aos embargos, como decorre do relatório deste aresto, não tendo chegado a ser apreciada pelo Tribunal a quo.
Embora a decisão recorrida não o afirme, é manifesto que não o fez em virtude da solução dada à questão da nulidade – tendo esta sido julgada improcedente, tornou-se inútil e, por isso, ficou prejudicada a apreciação da caducidade da sua arguição.
Não estamos, assim, perante nenhuma das situações que justificam o pedido de ampliação do objecto do recurso, previstas no artigo 636.º, n.º s 1 e 2, do CPC: não está em causa um fundamento em que a parte vencedora tenha decaído e o recorrido não arguiu a nulidade da decisão recorrida nem impugnou a decisão proferida sobre pontos da matéria de facto não impugnados pelo recorrente.
O que está em causa é a situação prevista no artigo 665.º, n.º 2, do CPC: a necessidade, gerada pela procedência da apelação, de apreciar uma questão que o tribunal recorrido deixou de conhecer, por tal conhecimento ter ficado prejudicado pela solução dada ao litígio.
Nos termos daquela norma, se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
No caso concreto, o tribunal recorrido não chegou a apreciar os factos em que o embargado, agora recorrido, fundamentou a alegada caducidade da arguição da nulidade da citação.
Contudo, essa apreciação revela-se desnecessária, tendo em conta a manifesta improcedência da argumentação do ora recorrido.
Na contestação aos embargos, este afirma que a nulidade da citação deveria ter sido arguida através de recurso de revisão, no prazo de 60 dias a contar da data em que o recorrente teve conhecimento da decisão judicial em causa.
Não é inteiramente claro se o embargado considera que a embargante não podia arguir a nulidade em sede de oposição à execução – o que nos remeteria para a figura do erro na forma do processo – ou se considera que esta arguição estava, de alguma forma, dependente da interposição do recurso de revisão no prazo legal.
Seja como for, é absolutamente inequívoco que a oposição à execução mediante embargos é uma das formas processualmente admissíveis para a arguição da falta ou da nulidade da citação do réu para o processo que correu à revelia deste, conforme expressamente previsto no artigo 729.º, al- d), do CPC, conjugado com o artigo 696.º, al. e), subalínea i), do mesmo código, não havendo, por isso, qualquer erro na forma de processo.
É, igualmente, inequívoco que essa arguição em sede de embargos não depende da procedência ou, sequer, da dedução do recurso de revisão. Pelo contrário, como alerta Lebre de Freitas em anotação ao artigo 771.º, na versão anterior à reforma do CPC de 2013, correspondente ao actual artigo 729.º (Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, Coimbra Editora, 2003, p. 199), «[a] propositura de execução em que o réu intervenha sem invocar a falta de citação para a acção declarativa (…) ou para a própria acção executiva (…) preclude a invocação do vício (…), que, de qualquer modo, proposta a execução, só nesta pode ser feito valer».
Da mesma contestação aos embargos infere-se que, no entendimento do embargado, a remissão que o artigo 729.º, al. d), do CPC, faz para o artigo 696.º, al. e), do mesmo código, não abrange apenas os fundamentos do recurso de revisão consagrados naquela alínea, mas também o prazo de interposição previsto no artigo seguinte, designadamente na parte final, do n.º 2, desse artigo 697.º, razão pela qual o prazo de interposição do recurso de revisão seria, igualmente, o prazo da oposição mediante embargos com algum daqueles fundamentos.
Mas esta interpretação não tem qualquer sustentação.
Em primeiro lugar, a mesma não encontra qualquer apoio na letra da lei, sendo antes afastada pelo elemento gramatical da interpretação. Na verdade, a redacção da al. d), do artigo 729.º, refere-se apenas às «situações previstas na alínea e) do artigo 696.º», não fazendo menção a qualquer outra disposição legal ou a qualquer prazo, dela não se extraindo qualquer remissão para alguma norma para além da constante da referida alínea e), nomeadamente para a norma do artigo 697.º, n.º 2, do CPC.
Em segundo lugar, o artigo 729.º do CPC regula apenas os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, não pretendendo regular outros aspectos processuais da oposição por embargos, designadamente os prazos em que pode ser interposta, matéria que tem a sua sede no artigo 728.º do CPC.
Em terceiro lugar, nada justifica que o regime processual do recurso de revisão se aplique aos embargos de executado, com a consequente derrogação do regime processual destes, mesmo nos casos em que os respectivos fundamentos são comuns. Na verdade, não obstante esta identidade (parcial) de fundamentos, são totalmente distintos os requisitos e as finalidades de cada um dos mecanismos em causa. Neste sentido se pronunciou o ac. do TRG, de 17.02.2022, citado pelo recorrente (proc. n.º 7594/19.5T8VNF-A.G1, rel. Elisabete Alves). E o contrário não resulta do ac. do TRG, de 29.10.202, citado pelo recorrido, que aborda apenas os requisitos, designadamente temporais, do recurso de revisão, não se debruçando sobre a tempestividade dos embargos de executado.
Nestes termos, improcede a argumentação que o recorrido havia esgrimido em sede de contestação aos embargos e que não chegou a ser conhecida pelo Tribunal a quo. Nada obsta, portanto, à já anunciada procedência dos embargos e à consequente extinção da execução quanto ao embargante/recorrente AA.
Na procedência dos embargos e da apelação, as respectivas custas serão suportadas pelo embargado/recorrido, nos termos do disposto no artigo 527.º do CPC.
*

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
……………………………………………………….
……………………………………………………….
……………………………………………………….


*



IV. Decisão
Pelo exposto, na total procedência da apelação, os juízes do Tribunal da Relação do Porto revogam a decisão recorrida e julgam totalmente procedentes os presentes embargos de executado, com a consequente extinção da execução quanto ao executado embargante AA.

Custas dos embargos e da apelação pelo embargado/recorrido.

Registe e notifique.


*





Porto, 14 de Janeiro de 2025

Relator: Artur Dionísio Oliveira
Adjuntos: Rodrigues Pires
Alberto Taveira