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PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
PRECLUSÃO DO DIREITO
EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário
I - Dos princípios processuais da concentração da defesa, da preclusão e/ou da eventualidade decorre, esquematicamente, que os meios de defesa não aproveitados pelo réu em sede de defesa ficam prejudicados, não podendo ser invocados no futuro. II - Estes efeitos processuais aplicam-se dentro do próprio processo e em eventuais processos instaurados no futuro, já que seria contrário aos deveres e princípios acima referidos admitir que fundamentos e/ou factos não alegados numa primeira ação judicial pudessem servir de causa de pedir em nova ação judicial. III – Tendo a Recorrente, devidamente citada, optado por não apresentar contestação na primeira ação de reivindicação contra si intentada, está impedida de, através desta segunda ação por si intentada contra a autora daquela outra ação, pedir que se declare e reconheça a vigência de contrato de arrendamento rural sobre o prédio, sendo reconhecida como arrendatária e condenada a Ré a abster-se da prática de atos que perturbem o seu gozo sobre o prédio, por se tratar de fundamento já precludido. IV – A conclusão necessária é a verificação da exceção dilatória inominada de violação do princípio da preclusão ou da concentração da defesa nesta última ação, de conhecimento oficioso, com a consequente absolvição da Ré da instância.
Texto Integral
Processo n.º 644/24.5T8PVZ.P1
Comarca: [Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim (J2), Comarca do Porto]
Juíza Desembargadora Relatora: Lina Castro Baptista
Juiz Desembargador Adjunto: Artur Dionísio Oliveira
Juiz Desembargador Adjunto: João Proença
Em 30/04/2024, “A..., SOCIEDADE AGRÍCOLA LDA.”, sociedade com sede na Travessa ..., ..., ..., ..., instaurou a presente acção executiva para entrega de coisa certa contra “B..., LDA.”, sociedade com sede na Rua ..., ..., ..., ..., pedindo que se declare e reconheça a vigência do contrato de arrendamento rural sobre o prédio identificado da Petição Inicial, sendo reconhecida como arrendatária e condenada a Ré a abster-se da prática de atos que perturbem o seu gozo sobre o prédio, condenando-se ainda a Ré ao pagamento de sanção pecuniária compulsória nos termos do art.º 829.º-A do Código Civil por cada infração que venha a cometer.
Alega, em resumo e com relevo para a apreciação do presente recurso, que é uma sociedade comercial que tem como objeto social as atividades de produção e comercialização de equídeos e produtos agrícolas em geral e que, no âmbito da sua atividade, celebrou, em 01/07/2008, um contrato de arrendamento rural sobre sete prédios, entre eles, o Campo ..., sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., com área de 32.500 m2, inscrito na matriz predial urbana rústica sob o n.º ...65 (antigo artigo ...2... - parte).
Especifica que este contrato teve início de vigência no indicado dia de 01 de julho de 2008, com uma duração inicial de 10 anos e renovando-se por igual período, caso não fosse denunciado no seu termo por qualquer das partes.
Diz que vem utilizando o prédio de modo ininterrupto desde a celebração do contrato, afetando-o à sua atividade, designadamente para produção de pastagem e forragem para animais.
Afirma que tal contrato continua em execução nos exatos termos e objeto inicial, tendo ocorrido em 2018 a sua renovação por um novo período de 10 anos, até 2028.
Declara que, por escritura pública de 13/06/2016, AA e BB declararam vender à sociedade comercial “C..., SA.” este indicado prédio rústico. Bem como que, por escritura celebrada em 14/04/2021, o mesmo prédio veio de novo a ser transmitido pela acima referida sociedade à Ré “B..., Lda.”.
Mais alega que, desde que a Ré adquiriu o prédio, tem posto em causa a vigência do indicado contrato de arrendamento, tendo invadido o local, removendo as vedações existentes.
Alega ainda que a atuação da Ré lança a dúvida sobre a existência do arrendamento do prédio, sobre a sua honorabilidade e dos seus representantes e sobre a legitimidade do uso que tem sido feita no prédio referido.
A Ré veio contestar, invocando a pendência de causa prejudicial à presente ação, designadamente a ação por si instaurada, em 13/09/2022, distribuída como Processo n.º ..., contra AA, BB, “C..., S.A.” em liquidação e “A... – Sociedade Agrícola, Lda.”, aqui Autora, pedindo a condenação dos Réus a:
a) – reconhecerem e respeitarem o direito de propriedade da A. (aqui Ré
Construções) sobre o prédio identificado em 1 supra
b) – entregarem à A. (aqui Ré), livre de quaisquer ónus ou encargos, designadamente pessoas, coisas e animais o prédio melhor identificado supra;
c) - em montante resultante dos prejuízos causados que não é possível quantificar e que se remetem para liquidação em execução de sentença.
Afirma que a Ré “A... – Sociedade Agrícola, Lda.”, devidamente citada para contestar a ação em causa, não deduziu contestação. Fê-lo, apenas, o seu sócio gerente BB, a título individual, mas cuja contestação foi mandada desentranhar.
Defende que naquela ação se ataca o facto jurídico (contrato de arrendamento) que é pressuposto necessário desta, sendo aquela prejudicial em relação a esta. Bem como que a aqui Autora veio instaurar a presente ação com o propósito de travar ou, com mais precisão, de subverter o normal decurso processual daquela ação declarativa que, dois anos antes, não o fez na ação em curso.
Mais exceciona, a título supletivo, a litispendência com a ação acima indicada, em que a causa de pedir é a não existência de ónus/ encargos sobre o seu prédio enquanto nesta ação a causa de pedir é a existência do contrato de arrendamento que incide sobre o mesmo prédio e em que o pedido naquela é a entrega do prédio livre de pessoas e coisas e animais e neste é o reconhecimento do arrendamento sobre o prédio e a aqui Ré abster-se da prática de atos que perturbem o gozo pela Autora. Advoga serem idênticas as partes, causa de pedir e pedido.
Em sede de impugnação contesta a celebração e vigência do invocado contrato de arrendamento.
Conclui pedindo que, com base na causa prejudicial invocada, deverá a presente instância ser suspensa, ao abrigo do disposto no art.º 272, n.º 1 do Código de Processo Civil[1].
Se assim se não entender, pede a sua absolvição da instância, com base na exceção dilatória de litispendência.
Mais pede que, com base na impugnação deduzida, deve a ação ser considerada inteiramente improcedente, com as legais consequências.
A Autora veio pronunciar-se sobre as exceções deduzidas, impugnando a factualidade alegada como fundamento das mesmas e as consequências processuais pedidas.
A Ré foi notificada para juntar aos autos certidão judicial dos articulados admitidos no processo n.º ..., do Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 1.
Foi ordenado o acompanhamento eletrónico deste Processo com o n.º ....
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Nestes autos com o n.º ... figura como Autora “B..., Lda.” e como Réus AA, BB, “C..., S.A. – em liquidação” e “A..., sociedade agrícola, Lda.”, sendo que a aí Autora pede que os Réus sejam condenados a a) reconhecerem e respeitarem o direito de propriedade da A. sobre o prédio identificado em 1 supra; b) entregarem à A. livre de quaisquer ónus ou encargos, designadamente pessoas, coisas e animais o prédio melhor identificado supra; c) em montante resultante dos prejuízos causados que não é possível quantificar e que se remetem para liquidação em execução de sentença.
A aí Autora alega, em síntese, que, por escritura de 14/04/2021, lavrada no Cartório Notarial sito à Rua ..., ..., na cidade ..., comprou à sociedade “C..., S.A. – em liquidação” no âmbito do plano de insolvência, o prédio rústico denominado “...”, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o n.º ...76 / ... e inscrito na matriz predial rústica sob o art.º ...65.
Declara que esta venda foi efetuada livre de quaisquer ónus ou encargos.
Afirma que, no dia 29/04/2021, enviou os seus colaboradores ao terreno para vedarem a passagem de gado cavalar do anterior proprietário do terreno AA e mulher, que são proprietários de uma vasta área confinante com o terreno adquirido por si. Diz que, nessa ocasião, surgiu o Sr. AA, e mais tarde, o filho BB, que exibiram um suposto contrato de arrendamento que inclui este terreno por si adquirido, opondo-se aos colaboradores desta.
Mais afirma que, tendo dado disso conta no processo de insolvência, ficou agendado o dia 21/07/2021 para a entrega do imóvel. Bem como que, tendo-se dirigido para o local o Sr. CC, administrador da C... em liquidação, acompanhado da respetiva mandatária e o seu colaborador DD para procederem à vedação do terreno, compareceu no local o Sr. BB e, logo de seguida, o pai AA e, mais uma vez, não foi possível investi-la na posse do terreno.
Mais alega terem sido estes dois senhores, AA e BB, pai e filho que, por escritura de compra e venda com renuncia de hipoteca, celebrada em 13/06/2016, aquele por si e os dois também em representação da mulher e mãe EE, declararam vender à sociedade C... S.A., livre de quaisquer ónus ou encargos, pelo preço de seiscentos e sete mil euros, já recebidos, o prédio em causa.
Também que no invocado contrato de arrendamento figuram, como primeiros outorgantes e senhorios, AA e mulher EE e como arrendatária a sociedade Ré representada pelos seus sócios gerentes AA e o filho BB, com sede na residência de todos eles.
Defende que os identificados senhores, ao alienarem o prédio à insolvente C... e ao declararem que o faziam livre de quaisquer ónus ou encargos, sendo simultânea e cumulativamente os únicos sócios e gerentes da suposta arrendatária aqui Ré, consideraram extinto, por caducidade, o citado contrato de arrendamento.
Advoga que a 3ª Ré ao invocar o direito de arrendamento nas circunstâncias vindas de assinalar, configura um verdadeiro abuso e atenta contra os mais elementares princípios de boa fé que impõe às partes no exercício dos seus direitos, deva comportar-se de modo a não defraudarem a expectativa dos outros.
O Réu BB veio contestar, alegando, entre o mais, que ele próprio e AA intentaram ação, por apenso aos referidos autos de insolvência, visando a declaração de nulidade da venda retratada na petição inicial, a qual se encontra pendente sob o Processo n.º 3644/17.8T8STA-U, a qual constitui uma causa prejudicial.
Mais exceciona que a Ré “C..., SA – Em liquidação” nunca pretendeu adquirir e fazer ingressar no seu património o prédio em causa nos autos e tinha perfeito conhecimento, e foi condição acordada entre as partes, que a posse do prédio continuaria a ser exercida pela Ré “A..., Lda.”
Acrescenta que aquela sociedade nunca tomou posse do prédio, que continuou a ser usado e fruído, como até então, pela sua arrendatária “A..., Lda.”, usando-o para pastagem dos cavalos da Coudelaria.
Concretiza que o prédio está, desde 2008, dado de arrendamento à “A..., Lda.” e declarado junto das entidades oficiais como afeto à coudelaria explorada por esta.
Remata pedindo que que os autos sejam suspensos face à existência de uma causa prévia e prejudicial e que sempre a ação seja dada como não provada e improcedente.
Esta contestação foi mandada desentranhar com fundamento em falta de pagamento da taxa de justiça devida. Este despacho transitou em julgado.
A Ré “C..., S.A.” veio contestar, afirmando que adquiriu, livre de ónus e encargos, o prédio melhor identificado na petição inicial e objeto dos presentes autos. Bem como que tal prédio, posteriormente, foi por si vendido, livre de ónus e encargos, à Autora.
Nega a existência de qualquer contrato de arrendamento, adiantando que a existir, porventura, qualquer escrito que tal indicie, o mesmo é forçosamente simulado e, por conseguinte, nulo.
Conclui pedindo que a ação seja considerada improcedente, com a sua absolvição do pedido.
A aí Ré “A... - Sociedade Agrícola, Lda.” devidamente citada, não apresentou contestação, decorrido o prazo para o efeito.
Com data de 27/05/2024, o aí Réu BB veio requerer a suspensão da instância até decisão, com trânsito em julgado, dos presentes autos.
Com data de 03/09/2024, foi proferido despacho a indeferir a pretensão do Réu, com fundamento em que não existe qualquer relação de prejudicialidade que determine a suspensão desta instância.
Com data de 24/09/2024, o Réu BB veio recorrer da decisão, mantendo-se o recurso pendente.
Com data de 16/10/2024, foi proferido despacho saneador que decidiu “Pelo exposto, o Tribunal julga desde já parcialmente procedente a ação e, em consequência: a) Declara que a A B..., L.DA é a proprietária do prédio rústico denominado “...”, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o n.º ...76 / ... e inscrito na matriz predial rústica sob o art.º ...65. b) Condena-se os RR AA, BB, C..., S.A., e A... – SOCIEDADE AGRICOLA, LDA, a reconhecerem tal direito de propriedade da A, abstendo-se da prática de atos que perturbem o mesmo, e bem a assim a entregar à A o referido imóvel, livre de pessoas, coisas ou animais.” e determinou o prosseguimento dos autos quanto ao pedido formulado sob a alínea c), para verificação da obrigação, por parte dos RR de indemnizar a Autora pelos eventuais prejuízos causados com a não entrega do imóvel.
Com data de 23/10/2024, a aí Autora veio desistir da instância quanto ao pedido formulado sob a alínea c).
Com data de 25/10/2024, foi proferida sentença homologatória da desistência da instância quanto a este pedido formulado sob a alínea c) do petitório.
Com data de 27/11/2024, o aí Réu BB veio recorrer desta sentença homologatória de desistência da instância com fundamento em violação do princípio do contraditório invocando a pendência do recurso interposto do despacho de indeferimento da suspensão da instância por pendência de causa prejudicial, bem como que foi notificado da sentença cujo recurso ora se interpõe, sem que tivesse decorrido o prazo concedido pelo tribunal para proceder à alteração dos meios de prova, sem que tivesse decorrido o prazo legalmente previsto para o respetivo exercício do contraditório, através de recurso, do despacho saneador notificado. Conclui pedindo que o presente recurso seja julgado procedente, por provado, nos termos supra expostos, tudo com as demais consequências legais.
Este recurso está pendente de apreciação da sua admissibilidade pelo tribunal de 1.ª Instância.
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Sequencialmente nos presentes autos foi proferido despacho judicial com o seguinte teor resumido: “(…) Considerando a noção de prejudicialidade sobredita, cremos que a acção que corre termos no Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim sob o n.º ... constitui causa prejudicial relativamente à presente. Na verdade, naquela, para além de invocar a aquisição do direito de propriedade sobre o prédio sub judicio, a aqui ré também alegou que a aqui autora não lhe vem permitindo entrar na posse do seu prédio com fundamento num suposto contrato de arrendamento de 01/07/2008, cuja existência contesta e, subsidiariamente, cuja invocação reputa abusiva, dadas as circunstâncias que antecederam a aquisição. Uma vez que a (in)existência do mesmo contrato à data da aquisição do prédio pela aqui autora é um facto principal de ambas as acções, que em nenhuma delas é controvertida a ausência de oposição à renovação e que na acção instaurada em primeiro lugar se pede que o Tribunal reconheça como abusiva a invocação do contrato de arrendamento em virtude das circunstâncias que rodearam a aquisição do direito de propriedade pela autora, afigura-se-nos que o trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na acção n.º ... é determinante para o desfecho da presente Em vista da autoridade do caso julgado e do princípio da preclusão, caso o Tribunal venha a considerar que a aqui autora deve entregar o prédio em questão em ambos os processos, livre de ónus e encargos, por inexistir motivo que a tanto obste, após o trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida, não poderá ser reaberta a discussão entre as partes acerca da válida invocação do contrato de arrendamento para impedir a entrada da aqui ré na sua posse, sob pena de contradição de julgados. Tanto basta para que se reconheça a prejudicialidade da decisão a proferir na acção que pende no Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim. Nestes termos e com os fundamentos que antecedem, declaro suspensa a instância, por pendência de causa prejudicial, até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na acção n.º ..., que corre termos no Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim –J1.”
Inconformada com este despacho, a Autora veio interpor o presente recurso, rematando com as seguintes
CONCLUSÕES: 1. O Tribunal a quo suspendeu os presentes autos por entender, que, os que correm atualmente no Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim, Juiz 1, sob o n.º ... constituem causa prejudicial face aos presentes autos. 2. Para tal, o Tribunal a quo fez uma interpretação e aplicação incorreta do n.º 1 do art.º 272.º do CPC, bem como uma incorreta análise dos factos que opõe as partes nas duas ações, isto porque, 3. Nos presentes autos a Autora pede que venha a ser reconhecida e declarada a vigência de um contrato de arrendamento rural onde é arrendatária e que engloba vários prédios, um dos quais: «Campo ..., sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., com área de 32.500 m2, inscrito na matriz predial rústica sob o n.º ...65 (antigo artigo ...2... - parte)» E onde é senhoria a aqui Ré, B..., Lda. 4. Nos autos agora considerados prejudiciais, a aqui Ré, B..., Lda., veio pedir aos ali RR, entre os quais a Recorrente, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre aquele prédio e, como consequência desse reconhecimento, a entrega pelos RR desse prédio livre de pessoas e bens. 5. Os RR naquela ação não contestaram, não puseram em causa o direito de propriedade, mas quanto à entrega do bem, um dos ali RR, (a Recorrente) entende ter direito a manter-se no gozo do bem até ao decurso do prazo relativo a um arrendamento rural que incide sobre o prédio. 6. Para ver reconhecido o seu direito de gozo sobre o prédio, a Autora entendeu que deveria discutir a existência e vigência do referido contrato de arrendamento num outro processo onde esse fosse o único objeto da ação, isto é, onde o pedido e a causa de pedir exclusivamente se focassem na manutenção do contrato de arrendamento e não, como na ação onde é Ré, se discutisse de forma genérica a obrigação de entrega à Autora do prédio. 7. A tal não se opõe o princípio da concentração da defesa na contestação visto tal matéria não constituir a causa de pedir daqueles autos, como decorre da leitura da certidão junta aos autos onde se recorre. 8. Não tendo por isso a Recorrente de ver extinto o direito de discutir a vigência do contrato de arrendamento na ordem jurídica. 9. O Tribunal a quo entendeu, porém, que a decisão relativa ao pedido de entrega do prédio em causa livre de ónus e encargos desses outros autos constitui sim causa prejudicial sobre os presentes autos, 10. Sucede, que, no nosso entender não é assim é precisamente o oposto, a procedência do pedido formulado nos presentes autos é que torna, ou não, legítima a manutenção do gozo que a Recorrente vem exercendo sobre o prédio em causa objeto do contrato de arrendamento rural. 11. Sendo a questão da existência e manutenção do contrato de arrendamento essencial para uma acertada e justa decisão daqueles outros autos, sendo esta questão que constitui antes a matéria prejudicial de esses outros autos, e não o contrário como entendeu o Tribunal a quo. 12. A Recorrente entende que tem legitimidade para manter o gozo sobre o prédio em causa e que essa legitimidade lhe advém de ser a arrendatária em contrato celebrado em momento anterior à aquisição, quer do atual proprietário quer do ante proprietário. 13. E que tal arrendamento se mantém em vigor. O que nestes autos se pede seja declarado. 14. A reconhecer-se a existência e manutenção deste contrato fica demonstrada a legitimidade e licitude da atuação da Recorrente impondo-se a absolvição da Recorrente nos outros autos. 15. Mostra-se assim, que, ao contrário do decidido, e em respeito da correta interpretação do n.º 1 do art.º 272.º CPC, é a questão da validade, existência e manutenção em vigor do arrendamento rural sobre o prédio em causa que é a questão prejudicial, a essencial, que influenciará a decisão dos outros autos onde a Recorrente é Ré, 16. Em defesa da coerência do sistema judicial e da justiça devem os presentes autos continuar e ver decidida a questão da validade, existência e manutenção do contrato de arrendamento e, só após, de acordo com a decisão destes autos, decidir as questões levantadas nesses outros autos. 17. Só assim se pode responder às questões levantadas nos dois processos, o contrário é escolher a justiça formal em detrimento da justiça material. 18. Para perceber o ponto de vista da Recorrente basta pensar na hipótese de a decisão desses outros autos vir a considerar por hipótese que a legitimidade do gozo da Recorrente sobre o prédio lhe advém de um qualquer outro facto jurídico, que não o arrendamento, que lhe legitima a retenção do bem, p ex direito a indemnização sobre o senhorio, incumprimento contratual por parte do senhorio, etc. Em tal situação teremos o Tribunal a pronunciar-se sobre o mérito da ação e nenhuma decisão será tomada relativa à subsistência do contrato de arrendamento, que, de resto, apenas acidentalmente é aludido na PI e apenas para considerar abusiva a sua invocação pelos ali RR, não a sua validade. 19. Isto é, pode a sentença relativa aqueles outros autos não chegar a pronunciar-se sobre a existência e subsistência do contrato de arrendamento que aqui se pretende ver reconhecido. Sendo assim pergunta-se, onde reside a prejudicialidade desses autos sobre o presente? 20. Não existe tal prejudicialidade, pelo contrário, sustentamos que a causa dos presentes autos é que constitui causa prejudicial desses outros autos. A decisão aqui proferida influenciará decisivamente esses outros autos. 21. Nestes termos, deverá vir a ser revogada a decisão de suspensão dos presentes autos, devendo estes continuarem os seus termos.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do CP Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
A questão a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, é atinente à legalidade da decisão de suspensão da instância, por pendência de causa prejudicial.
Contudo, há uma questão prévia que entendemos dever apreciar, consistente na verificação de uma exceção dilatório inominada.
Trata-se de matéria de conhecimento oficioso deste Tribunal da Relação e foi já dada a oportunidade às partes de sobre a mesma se pronunciarem (cf. art.º 577.º, 578.º, 655.º e 3.º, n.º 3, todos do CP Civil).
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foram os seguintes os factos considerados provados na decisão recorrida:
1) Em 30/04/2024, a sociedade A..., Sociedade Agrícola, Lda. instaurou a presente ação contra a ré B..., Lda., pedindo que fosse reconhecido e declarada a vigência do contrato de arrendamento rural sobre o prédio identificado no art.º 3.º da petição inicial, reconhecendo-se a autora como arrendatária e condenando-se a ré a abster-se da prática de atos que perturbem o gozo da autora sobre o dito prédio.
2) Em 13/09/2022, a aqui ré B..., Lda. instaurou contra a aqui autora A..., Sociedade Agrícola, Lda., AA e BB e C..., S.A. – em Liquidação a ação que veio a correr termos sob o n.º ..., pedindo (a) a condenação das rés a reconhecerem o direito de propriedade da autora sobre o prédio identificado em 1.; (b) a entregarem à autora o mesmo prédio, livre de quaisquer ónus e encargos; (c) a condenarem a rés numa indemnização em montante a apurar em incidente de liquidação.
3) Para fundar a ação identificada em 2), a aqui ré alegou, além do mais, que: - adquiriu o prédio em litígio no âmbito do plano de insolvência em 14/04/2021; - a venda foi efetuada livre de ónus e encargos; - os ali réus AA e BB haviam declarado vender à ré sociedade insolvente C..., S.A. – em liquidação o prédio em questão livre de ónus e encargos em 13/06/2016; - que os réus AA e BB, na qualidade de únicos sócios e gerentes da aqui autora, vêm impedindo a aqui ré de tomar posse efetiva do prédio em causa, invocando um contrato de arrendamento celebrado em 01/07/2008; - ao declararem alienar o prédio à ré insolvente os réus AA e BB consideraram extinto, por caducidade, o citado contrato de arrendamento; - se tivesse sido informada de que sobre o terreno incidia um contrato de arrendamento rural com termo em 30/06/2018, sempre poderia ter-se oposto à renovação; - a invocação pela aqui autora do contrato de arrendamento sobredito quando os seus únicos sócios e representantes haviam declarado vender o prédio livre de ónus e encargos constitui abuso de direito.
4) Para fundar a presente acção, a autora alegou, além do mais, que: - em 01/07/2008 celebrou um contrato de arrendamento mediante o qual tomou de arrendamento, além de outros 6 prédios, o prédio referido em 1., pelo período de 10 anos, com renovações por igual período; - em 13/06/2016, AA e BB declararam vender o prédio mencionado à sociedade C..., S.A.; - posteriormente, por escritura celebrada em 14/04/2021, o referido prédio veio de novo a ser transmitido pela sociedade C..., S.A. – em liquidação à ré; - em ambas as escrituras os vendedores declararam que a transmissão ocorria livre de ónus e encargos; - desde que adquiriu o prédio, a ré tem posto em causa a manutenção da vigência do contrato de arrendamento.
5) Na ação referida em 2) a aqui autora foi regularmente citada e não apresentou contestação, decorrido o prazo para o efeito.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Como resulta da matéria de facto dada como provada, em 30/04/2024, a sociedade “A..., Sociedade Agrícola, Lda.” instaurou a presente ação contra a Ré “B..., Lda.”, pedindo que seja reconhecido e declarada a vigência de um contrato de arrendamento rural sobre o prédio identificado no art.º 3.º da Petição Inicial, reconhecendo-se a Autora como arrendatária e condenando-se a Ré a abster-se da prática de atos que perturbem o seu gozo sobre o dito prédio.
Em 13/09/2022, a aqui Ré “B..., Lda.” instaurou contra a aqui Autora “A..., Sociedade Agrícola, Lda.”, AA e BB e “C..., S.A. – em Liquidação” ação que corre termos sob o n.º ..., pedindo (a) a condenação das Rés a reconhecerem o direito de propriedade da Autora sobre o prédio identificado em 1.; (b) a entregarem à Autora o mesmo prédio, livre de quaisquer ónus e encargos; (c) a condenarem as Rés numa indemnização em montante a apurar em incidente de liquidação.
Nesta última ação a aí Autora (e aqui Ré) alegou, além do mais, que: - adquiriu o prédio em litígio no âmbito do plano de insolvência em 14/04/2021; - a venda foi efetuada livre de ónus e encargos; - os ali réus AA e BB haviam declarado vender à ré sociedade insolvente C..., S.A. – em liquidação o prédio em questão livre de ónus e encargos em 13/06/2016; - que os réus AA e BB, na qualidade de únicos sócios e gerentes da aqui autora, vêm impedindo a aqui ré de tomar posse efetiva do prédio em causa, invocando um contrato de arrendamento celebrado em 01/07/2008; - ao declararem alienar o prédio à ré insolvente os réus AA e BB consideraram extinto, por caducidade, o citado contrato de arrendamento; - se tivesse sido informada de que sobre o terreno incidia um contrato de arrendamento rural com termo em 30/06/2018, sempre poderia ter-se oposto à renovação; - a invocação pela aqui autora do contrato de arrendamento sobredito quando os seus únicos sócios e representantes haviam declarado vender o prédio livre de ónus e encargos constitui abuso de direito.
Nesta ação intentada em 13/09/2022 a aqui Autora (e ali Ré) foi regularmente citada e não apresentou contestação, decorrido o prazo para o efeito.
Em termos gerais, o CP Civil estabelece as regras estruturantes do processo civil dispondo que "O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição."(Cf. art.º. 3.º, n.º 1) e "Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que baseiam as exceções invocadas" (Cf. art.º. 5.º, n.º 1) e ainda, por inerência, que "A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir." (Cf. art.º. 609.º, n.º 1).
O sistema processual civil assenta, portanto, na livre disponibilidade das partes e na auto responsabilização destas: o Tribunal apenas pode conhecer o que lhe é trazido em termos de factos e de pedidos, não podendo ultrapassar estes limites.
O processo civil não é mais do que um conjunto de regras ordenadoras da forma e dos prazos de arguição em Tribunal das pretensões jurídicas das partes.
A obrigação de seguir este "figurino legal" conduz necessariamente à autorresponsabilização dos sujeitos processuais: caso pretendam praticar um qualquer ato processual terão de o fazer pela forma e no prazo previsto na lei, sob pena de preclusão.
Refere, a este propósito, José Lebre de Freitas[2] "Ónus, preclusões e cominações ligam-se entre si ao longo de todo o processo, com referência aos atos que as partes, considerada a tramitação aplicável, nele têm de praticar dentro de prazos perentórios. (...) As partes têm assim o ónus de praticar os atos que devam ter lugar em prazo perentório, sob pena de preclusão e, nos casos indicados na lei, de cominações. A autorresponsabilidade da parte exprime-se na consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da omissão do ato."
Sob a perspetiva do Réu, o processo civil confere-lhe duas específicas modalidades de defesa: por impugnação e por exceção, ambas como corolário do princípio do contraditório.
Recorrendo às palavras do Mestre Alberto dos Reis[3] “Com a impugnação ou defesa indireta o réu propõe-se demonstrar que o autor não tem o direito de que se inculca titular, ou porque não existe o facto constitutivo, ou porque este não é idóneo para produzir o efeito jurídico que o autor pretende. Com a exceção no sentido amplo o réu alega um facto impeditivo tendente a mostrar que o direito do autor não nasceu (a simulação, por exemplo), ou um facto do qual resulta que o direito do autor nasceu realmente, mas já se extinguiu (o pagamento, por exemplo).”
Estes vários modos de defesa têm que ser exercidos dentro dos tempos fixados na lei processual.
Assim, quanto ao momento da sua arguição, o CP Civil estabelece, no art.º 573.º, o princípio geral de que a defesa do réu, com exceção dos factos supervenientes ou daqueles que possam ser conhecidos oficiosamente, deve ser deduzida na contestação[4].
Tal como refere Paulo Pimenta[5] “Daqui resulta que o réu deve incluir na sua peça processual todos os meios de defesa de que disponha, seja a defesa direta (impugnação), seja a defesa indireta (exceções dilatórias e perentórias), em vez de reservar para momento ulterior do processo certos meios defensionais, que utilizaria apenas no caso de improcedência dos primeiramente invocados.”
Habitualmente justifica-se este regime legal com a obediência aos princípios processuais da concentração da defesa, da preclusão e/ou da eventualidade, de onde decorre, esquematicamente, que os meios de defesa não aproveitados pelo réu em sede de defesa ficam prejudicados, não podendo ser invocados no futuro.
Se assim não fosse ficaria sempre aberta a possibilidade de sucessivas renovações do litígio, a pretexto da formulação de novos pedidos assentes noutros fundamentos.
A questão pertinente para a apreciação do presente recurso é a de decidir se estes efeitos processuais apenas se aplicam dentro do próprio processo ou se têm eficácia em eventuais processos instaurados no futuro.
A resposta terá, necessariamente, que ser afirmativa.
Tal como se explica no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/12/2016, tendo como Relator Fonseca Ramos[6]: “A concentração dos meios de defesa e a obrigatoriedade de os alegar, sob pena do direito de invocação, preclusão, estão ligados à estabilidade das decisões, o que tem a ver com o instituto do caso julgado, e com o dever de lealdade e de litigar de boa fé (processual). Não faria sentido que alguém, reagindo a um ato que considera ofensivo da posse que exerce sobre uma coisa, dispondo de factos idóneos a paralisar esse ato ofensivo, não concentrasse nessa defesa todos os argumentos de facto e de direito de que dispusesse: deverá por razões de litigância transparente, invoca-los de uma só vez, cooperando para a resolução definitiva do litígio. O princípio da preclusão ou da eventualidade é um dos princípios enformadores do processo civil, decorre da formulação da doutrina e encontra acolhimento nos institutos da litispendência e do caso julgado – art.º 580.º, n.º 2, do Código de Processo Civil – e nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito – art.º 552.º, n.º 1, d) – e das exceções, quanto à defesa – art.º 573.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.”
No mesmo sentido, decidiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/12/2009, tendo como Relator Azevedo Ramos[7]: “São realidades jurídicas distintas a excepção dilatória do caso julgado, que pressupõe a repetição de uma causa com identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (art.º 498.º do CPC) e a chamada excepção inominada da preclusão da dedução da defesa, que não exige tal identidade. Sendo suficiente o mencionado princípio da preclusão da dedução da defesa para conduzir, por si só, à improcedência de todos os pedidos (principais e subsidiários) é de considerar prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nas conclusões da revista, que, por isso, não carecem de ser apreciadas – art.º 660.º, n.º 2, do CPC.”
Na doutrina Teixeira de Sousa[8] explica de forma exemplar os contornos desta exceção dilatória inominada.
Recorrendo às suas palavras “A preclusão realiza duas funções primordiais. Uma destas é a função ordenatória, dado que a preclusão garante que os atos só podem ser praticados no prazo fixado pela lei ou pelo juiz. Uma outra função da preclusão é a função de estabilização: uma vez inobservado o ónus de praticar o ato, estabiliza-se a situação processual decorrente da omissão do ato, não mais podendo esta situação ser alterada ou só podendo ser alterada com um fundamento específico.”
Mais à frente afirma que “a preclusão intraprocessual e a preclusão extraprocessual não são duas modalidades alternativas da preclusão (no sentido de que a preclusão é intraprocessual ou extraprocessual), mas duas manifestações sucessivas de uma mesma preclusão: primeiro, verifica-se a preclusão da prática do ato num processo pendente; depois, exatamente porque a prática do ato está precludida nesse processo, torna-se inadmissível a prática do ato num outro processo. Portanto, a preclusão começa por ser intraprocessual e transforma-se em extraprocessual quando se pretende realizar o ato num outro processo.”
Conclui que “(…) a preclusão extraprocessual é independente do caso julgado, porque opera mesmo que o processo no qual se produziu a correspondente preclusão intraprocessual não esteja terminado com sentença transitada em julgado.” acrescentando que “(…) depois de haver no processo uma decisão transitada em julgado, a preclusão extraprocessual deixa de operar per se, passando a atuar através da exceção de caso julgado. Em suma: pode falar-se de “preclusão e caso julgado”, mas não de “caso julgado e preclusão”.”
Os fundamentos para esta doutrina assentam, desde logo, nos deveres de cooperação e da boa fé, tendo por fim último preservar a estabilidade das decisões.
Seria obviamente contrário aos deveres e princípios acima referidos admitir que fundamentos e/ou factos não alegados numa primeira ação judicial pudessem servir de causa de pedir em nova ação judicial.
É, desde logo, uma questão de litigância transparente e de lealdade processual exigir que o réu, dispondo de factos alegadamente idóneos para contrariar a tese do autor, os apresente para efeitos de defesa na primeira ação judicial contra si interposta.
Além disso, a interposição de uma segunda ação judicial, além de duplicar o trabalho judicial, poderia conduzir a uma decisão contraditória com a primeira.
No caso em apreciação, a Recorrente, devidamente citado, optou por não apresentar contestação no indicado Processo n.º ..., conformando-se com a mesma.
Assim sendo, por aplicação das regras processuais acima expostas, atinentes aos ónus, prazos perentórios e respetivos efeitos preclusivos, não poderá agora suscitar a vigência de um contrato de arrendamento para obstar à naquela ação pretendida entrega do imóvel.
Não assiste, pois, razão à aqui Recorrente ao defender que, entendeu que deveria discutir a existência e vigência do referido contrato de arrendamento num outro processo onde esse fosse o único objeto da ação, isto é, onde o pedido e a causa de pedir exclusivamente se focassem na manutenção do contrato de arrendamento e não, como na ação onde é Ré, se discutisse de forma genérica a obrigação de entrega à Autora do prédio.
Nem ao afirmar que a tal não se opõe o princípio da concentração da defesa na contestação visto tal matéria não constituir a causa de pedir daqueles autos.
A verdade é que a causa de pedir da presente ação é exatamente aquela que a Recorrente poderia ter invocado em sede de defesa por exceção ou em sede de reconvenção.
É certo que a reconvenção tem, por via de regra, natureza facultativa. Contudo, na presente situação seria um ónus da aqui Recorrente, precisamente por que esta revestiria caráter de defesa.
A Recorrente deveria ter contestado e reconvindo na primeira ação para afastar o risco da futura preclusão do direito, por força do caso julgado que se venha a constituir sobre uma eventual decisão favorável ao aí autor.
Tendo a Recorrente optado por não apresentar contestação nem reconvenção, ficou precludida, a partir desse momento, a invocação de quaisquer meios de defesa que poderia ter deduzido na primeira ação.
Isto é, a pretensão de ver reconhecido e declarada a vigência de um contrato de arrendamento rural sobre o prédio objeto dos dois processos teria o efeito necessário de extinguir as pretensões da Autora naquela ação de obter a entrega do prédio, livre de quaisquer ónus ou encargos e de condenação numa indemnização. Até por que a Autora naquela outra ação alega precisamente que os réus AA e BB, na qualidade de únicos sócios e gerentes da aqui Autora, vêm impedindo a aqui ré de tomar posse efetiva do prédio em causa, invocando um contrato de arrendamento celebrado em 01/07/2008, que entende não existir.
A invocação nesta ação da matéria de exceção que a Recorrente estava em condições de ter oposto na contestação daquela outra ação tratar-se-ia de uma quase repetição da outra ação, sensivelmente entre as mesmas partes, sensivelmente com os mesmos factos e com os mesmos pedidos, ainda que de forma invertida.
Conclui-se, pois, que estamos perante uma violação do princípio da preclusão ou da concentração da defesa, a qual configura uma exceção dilatória, com a consequente absolvição da Ré da instância.
Decidiu-se no mesmo sentido, em casos paralelos ao dos presentes autos, designadamente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/12/2016 acima citado.
Bem como no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/09/2017, tendo como Relator Júlio Gomes[9]: “O princípio da concentração da defesa faz impender sobre o réu o ónus de, na acção, apresentar, contra a pretensão do autor, todos os fundamentos que com ela possam colidir, impondo-se-lhe também o ónus de reconvir, dado que o pedido reconvencional não poderá ser formulado fora desse processo. Posto que, numa precedente acção judicial, os autores, podendo-o ter feito (já que os factos em causa ocorreram antes da sua citação para essa causa), não invocaram, perante os réus, factos conducentes à conclusão de que haviam adquirido a propriedade de um imóvel que por estes últimos lhes era reivindicada por efeito de acessão industrial imobiliária, é de considerar precludida a invocação dessa figura na presente ação.”
Ainda no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/11/2023, tendo como Relator António Magalhães[10]: “Numa ação anterior em que a autora, aqui ré, pediu o reconhecimento do direito de propriedade sobre um prédio rústico e a condenação da ré, aqui autora, a entregar-lho imediatamente, impendia sobre a ali ré o ónus de reconvir, pedindo o mesmo efeito jurídico que a ali autora se propunha obter. Não o tendo feito, ficou precludida a possibilidade de pedir tal efeito em acção ulterior, com base na acessão industrial imobiliária. Ainda que se entenda que sobre a dita ré não impendia o ónus de reconvenção, na acção anterior, sempre teria precludido a possibilidade de pedir o mesmo efeito, em acção ulterior, por a ré, aqui autora, não ter recorrido na contestação ao instituto da acessão industrial imobiliária, como teria de o fazer por efeito do princípio da concentração da defesa na contestação, decorrente do disposto no art.º 573º do CPC”
Reitera-se que a Recorrente/Autora está impedida de, através da presente ação, pedir que se declare e reconheça a vigência de contrato de arrendamento rural sobre o prédio identificado da Petição Inicial, sendo reconhecida como arrendatária e condenada a Ré a abster-se da prática de atos que perturbem o seu gozo sobre o prédio, por se tratar de fundamento já precludido.
Conclui-se pela verificação da exceção dilatória inominada da violação do princípio da preclusão ou da concentração da defesa, com a consequente absolvição da Ré da instância e ficando prejudicada a apreciação dos fundamentos do presente recurso.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar verificada a exceção dilatória inominada da violação do princípio da preclusão ou da concentração da defesa, com a consequente absolvição da Ré da instância e ficando prejudicada a apreciação dos fundamentos do presente recurso.
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Custas a cargo da Recorrente/Autora – art.º 527.º do CP Civil.
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Notifique e registe.
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)
Porto, 14 de janeiro de 2025
Lina Baptista
Artur Dionísio Oliveira
João Proença
____________________________ [1] Doravante apenas designado por CP Civil, por questões de operacionalidade e celeridade. [2] In Introdução ao Processo Civil – Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3.ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pag.182. [3] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora; 1985; p. 32. [4] Este princípio apenas contém como exceções as situações de defesa superveniente, claramente sem aplicação na situação vertente. [5] In Processo Civil Declarativo, 2.ª Edição, 2017, Almedina, pág. 191. [6] Proferido no Processo n.º 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2 e disponível em www.dgsi.ptna data do presente Acórdão. [7] Proferido no Processo n.º 8870/03.4TVLSB.L1.S1 e disponível em www.dgsi.ptna data do presente Acórdão. [8] In “Preclusão e caso julgado”, Paper 199, de 3.5.2016, Blog do IPPC – https://blogippc.blogspot.pt/ [9] Proferido no Processo n.º 6509/16.7T8PRT.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão. [10] Proferido no Processo n.º 1999/19.9T8VIS.C1.S1 e disponível em www.dgsi.ptna data do presente Acórdão.