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RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
COMPRA E VENDA
PARTICIPAÇÃO SOCIAL
OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS
Sumário
(a que se refere o artigo 663º nº 7 do CPC e elaborado pelo relator): I - O incumprimento definitivo, após o decurso da interpelação admonitória, não se confunde a resolução do contrato, direito potestativo que, daquele, deriva, carecendo assim a resolução de uma expressão inequívoca, que não se compadece com a declaração, meses depois de corrido o prazo concedido, de que afinal a parte resolve o contrato parcialmente. II - Num contrato de compra e venda de participações sociais, a obrigação da vendedora, após o pagamento da primeira das três prestações de preço, de entregar os títulos com vista ao seu depósito em cofre bancário, servindo para operacionalizar a transmissão dos títulos após o pagamento da terceira prestação e para garantir a transmissão, é uma obrigação secundária de prestação autónoma, não impedindo o seu incumprimento o cumprimento da obrigação principal de transmissão, não constituindo fundamento para a resolução do contrato.
Texto Integral
Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório1
AA, nos autos melhor identificada, instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra SOLA, SGPS, S.A., e contra BB, ambos nos autos também melhor identificados, peticionando a final que:
- Seja condenada a 1ª Ré a pagar à A. €7.500.000,00, juros de mora no montante de €267.945,20, bem como os juros de mora que se vencerem desde a data de interposição da acção até integral pagamento;
- Subsidiariamente, considerando este tribunal que o crédito sobre a 1ª R. cedido pelo 2º R. à A. inexistia na data em que lhe foi cedido, seja:
- declarado nulo o contrato de cessão de créditos celebrado entre o 2º R. e a A. em 14.10.2016 por inexistência/impossibilidade de objecto; e
- o 2º R. condenado a pagar à A. €7.500.000,00, juros de mora no montante de €267.945,20, bem como os juros de mora que se vencerem desde a data de interposição da acção até integral pagamento;
- Seja o R.2 condenado no pedido igualmente condenado em custas de parte.
Alegou a A., em síntese, que em 07.01.2016 foi celebrado entre a 1ª R. e a SHC Azores Holding Company, S. A., um contrato mediante o qual esta vendia àquela, pelo preço de €12.500.000,00, 1.900.000 acções representativas de 33,3% do capital social da sociedade Cofaco, e 85.000 acções representativas de 28,33% do capital social da sociedade Coresa. O preço devia ser pago em três prestações, a primeira de cinco milhões de euros, a segunda de três milhões de euros em 31.12.2016 e a terceira de quatro milhões de euros em 31.12.2017.
O 2º R. era, à data do contrato, administrador da SHC Azores Holding Company.
Por outro lado, em 14.12.2016, entre a A. e o 2º R. foi celebrado um acordo nos termos do qual este reconhecia dever àquela €15.710,000,00, dívida que resultava dum negócio pretérito de venda de acções e direitos conexos em sociedades comerciais.
Nos termos deste acordo, o pagamento seria feito em quatro prestações, sendo que a última, no valor de €7.500.000,00 seria paga através da cessão de um crédito de que o 2º R. era titular sobre a 1ª Ré, declarando o 2º R., nesse contrato, que a SHC lhe havia cedido, em 07.10.2016, o crédito de €7.500,000,00 de que era titular sobre a 1ª R., e que correspondia às segunda e terceira prestações em que devia ser pago o preço no contrato celebrado entre a 1ª R. e a SHC.
Nos termos do contrato celebrado entre o 2º R. e a A., o primeiro ficou obrigado a notificar a 1ª R., enquanto devedora, da cessão do crédito.
Porém, a 1ª R. nunca pagou as prestações em dívida, e interpelada pela A., informou que o contrato que havia celebrado com a SHC havia sido definitivamente incumprido por esta em 23.09.2016, inexistindo pois o crédito cedido pelo 2º R. à A. em 14.10.2016, e em consequência, recusando a 1ª Ré pagar à A. qualquer quantia. Por sua vez, o 2º R. negou o incumprimento por parte da SHC, e nada pagou à A.
Em matéria de direito, alegou a A. que a cessão de créditos prescinde do consentimento do devedor, ficando este obrigado a pagar ao cessionário, sendo que as prestações tinham prazo certo, encontrando-se a devedora em mora.
Prevenindo a hipótese da 1ª R. se defender, nesta acção, invocando a inexistência do crédito, e do tribunal considerar procedente essa defesa, e bem assim por via do reconhecimento do crédito da A. pelo 2º R. e da garantia, que o cedente faz ao cessionário, da existência e exigibilidade do crédito cedido, nos termos do artigo 587º nº 1 do Código Civil, invoca a A. subsidiariamente que o contrato de cessão seja declarado nulo, não liberando o devedor, e que seja o 2º R. condenado a satisfazer o crédito.
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Contestou a 1ª R, essencialmente negando os factos relacionados com o acordo entre a A. e o 2º R., e alinhando, logo de início, factualidade anterior à descrita pela A., em concreto, o contrato celebrado entre a sociedade Olho Estratégico SGPS, S.A., que o beneficiário efectivo da 1ª R. negociou com o 2º R. já em 2012, para a aquisição de 80% do grupo Cofaco, o que sucedeu em 16.08.2012 e por trinta milhões de euros. Nesse negócio, e em 2014, as partes decidiram confiar os títulos à guarda do administrador da SHC CC e do advogado DD, que procederam ao seu depósito na agência de Braga da Caixa Geral de Depósitos. O pagamento foi fracionado, tendo a compradora pago vinte e cinco milhões de euros. Antes do vencimento da última prestação, em 2015, a SHC resolveu o contrato aludindo à falta de pagamento de juros de mora. A compradora não reconheceu o direito à resolução, vindo as partes a chegar a um acordo global em Janeiro de 2016, data em que revogaram o contrato de compra e venda de participações sociais de 2012, constituindo-se a SHC na obrigação de devolver os vinte e cinco milhões de euros que havia recebido e constituindo-se a Olho Estratégico na obrigação de devolver as participações sociais, tendo ambas as partes conferido autorização ao depositário para proceder ao levantamento dos títulos depositados em cofre. Simultaneamente, procedeu-se à celebração de dois novos contratos de compra e venda de participações sociais, pelos quais a SHC transmitiu 100% das participações sociais do grupo Cofaco, a duas empresas do universo empresarial do beneficiário da 1ª R., as sociedade D’Avó e SOLA SGPS, S.A.. Assim, em 7 de Janeiro de 2016, a SHC vendeu à sociedade D’Avó por vinte e cinco milhões de euros as participações sociais (acções ao portador) correspondentes a 66,67% do capital social da COFACO, e 56,67% do capital social da CORESA. Com vista ao pagamento do preço, a Olho Estratégico cedeu à sua participada D’Avó, o crédito de vinte e cinco milhões de euros que detinha sobre a SHC proveniente do revogado contrato de 2012. Correspondentemente, foram entregues à D’Avó as participações sociais por intervenção do depositário DD. Subsistindo a aquisição de um terço do capital social do grupo Cofaco, foi neste contexto que foi celebrado, em 07 de Janeiro de 2016, o contrato de compra e venda de participações sociais entre a SHC e a 1ª R., por doze milhões e quinhentos mil euros, a que a A. se reportou na sua petição inicial.
Nos termos contratuais (cláusula 3ª), com o pagamento dos primeiros cinco milhões de euros, a SHC tinha a obrigação de proceder à entrega dos títulos correspondentes às participações sociais transmitidas, com vista ao seu depósito em cofre bancário junto da agência central da Caixa Geral de Depósitos, sob a guarda conjunta do advogado DD e do administrador da SHC CC.
A SHC nunca efectuou a entrega das participações sociais a que se obrigou, sendo que por carta de 27.05.2016 a 1ª R. reiterou-lhe a necessidade dessa entrega dos títulos e comunicou que a não entrega a faria entrar em mora e que recusaria o cumprimento das suas obrigações, sem prejuízo de se reservar o direito de assacar à SHC todas as consequências advenientes da mora, nomeadamente mediante a respectiva conversão em incumprimento definitivo.
Por carta de 22.08.2016 a 1ª R. ré SOLA recordou à SHC a obrigação de proceder ao depósito dos títulos e declarou que a não disponibilização dos títulos em apreço para depósito em cofre constituiu a SHC em mora no cumprimento do contrato, frisando que, sendo as acções ao portador, o efeito pleno da alienação dos títulos só ocorre com a sua transmissão física, pelo que a entrega dos títulos é uma obrigação fundamental do vendedor, levantando a mora injustificada fundamentada dúvida acerca da real detenção por parte da SHC dos títulos em apreço, circunstância que minava por completo a confiança no futuro cumprimento e perfeição do contrato celebrado. Mais conferiu à SHC o prazo adicional e imperativo de 30 dias para que esta, no cumprimento do contrato celebrado em 07 de Janeiro de 2016, processe à entrega dos títulos para depósito em cofre da Agência Central de Braga da Caixa Geral de Depósitos, sob a guarda conjunta dos identificados depositários. Mais advertiu que a não entrega, dentro do prazo concedido, dos títulos em apreço determinaria o incumprimento definitivo e imediato – com dispensa de qualquer ulterior notificação para o efeito – do contrato de compra e venda de participações sociais celebrado entre as partes e datado de 07 de Janeiro de 2016, com a consequente resolução do mesmo por causa exclusivamente imputável à SHC.
Em 12.12.2016 a 1ª R. remeteu à SHC carta registada com aviso de recepção na qual efectuou uma súmula dos factos antecedentes, concluindo que volvidos não trinta, mas mais de cem dias sobre a interpelação admonitória precedente, a SHC AZORES HOLDING COMPANY continuava sem proceder à entrega dos títulos em causa, pelo que a sua mora se encontrava convertida em incumprimento definitivo.
Mais referiu que, à data, se encontravam entregues e depositados, nos termos do contrato celebrado, títulos correspondentes a 760.000 acções da Cofaco e 34.000 acções da Coresa, as quais, na economia do contrato de 07 de Janeiro de 2016, possuíam o valor relativo de cinco milhões de euros, correspondente à parte do preço já paga. Assim, declarou nada obstar a que o incumprimento definitivo da SHC não afectasse a parte já cumprida e não viciada do contrato, operando-se a redução do objecto do mesmo àquilo que é possível cumprir, com idêntica e proporcional redução da contraprestação da SOLA, ou seja, do preço. Nessa conformidade, a 1ª R. optou por exigir o cumprimento parcial do contrato na parte possível, reduzindo-o à transmissão dos títulos já entregues, pelo preço (proporcionalmente reduzido) de €5.000.000,00, já pago.
Dois dias depois da recepção da missiva antecedente, a 1ª Ré recebeu a carta da SHC em que esta lhe comunicava ter cedido à A., por contrato de cessão de créditos datado de 14 de Outubro de 2016, o crédito de sete milhões e quinhentos mil euros, para, conjuntamente com a entrega das acções, dar cumprimento a acordo de regularização de responsabilidades celebrado com a A.
A interpelação foi remetida à 1ª R. após a redução e resolução do contrato, sendo que, face à própria declaração da SHC, a cessão de créditos à autora ocorreu após a conversão da mora da SHC em incumprimento definitivo, por decurso do prazo admonitório de 30 dias fixado.
Mais alegou que a Autora tem as acções que a SHC devia ter entregue, e que participou na assembleia geral das sociedades Cofaco e Coresa, enquanto titular mesmas, sendo que na sequência da publicação do DL nº 123/2017, de 25 de Setembro, que obrigou à conversão de todas as acções ao portador em acções nominativas, as mesmas se encontram em nome da Autora. O pedido principal que a A. deduz contra a 1ª Ré é incompatível com esta titularidade das acções.
Dando como reproduzido tudo o que alegou, formulou reconvenção (subsidiária), pedindo a condenação da Autora na transmissão e entrega das acções respectivas, a qual deverá ocorrer por endosso dos respectivos títulos nominativos e sua entrega à reconvinte.
Finalmente, requereu a 1ª Ré a intervenção principal do marido da Autora, por via do regime de bens do casamento e da dedução da reconvenção.
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Contestou o segundo Réu, excepcionando a ilegitimidade activa da Autora por estar desacompanhada do marido, e negando dever à Autora qualquer quantia, porquanto o “negócio” entre a ela e o co-Réu “corresponde de modo único e exclusivo, a aspectos formais, mas nunca materiais”. Em cumprimento do acordo formal de regularização de dívida o 2º R. entregou à Autora a quantia de € 8.210.000,00 sendo certo que o remanescente do valor, na quantia de € 7.500.000,00 foi entregue através da cedência à Autora do crédito que este formalmente detinha sobre a 1ª Ré. Negou o 2º R. que na data (14 de Outubro de 2016) da celebração do acordo de regularização de dívida e do contrato de cessão de créditos celebrado com a A., o crédito cedido já não existisse. Com a celebração do aludido contrato de cessão de créditos o Réu entregou à Autora 1.140.000 ações, no valor nominal de € 5,00/cada, representativas de 20% do capital social da sociedade comercial anónima denominada “Cofaco (…) e 51.000 ações, no valor nominal de € 4,99/cada, representativas de 17% do capital social da sociedade comercial anónima denominada “Coresa (…)”.
Somente dois meses após, por meio de carta recebida em 14/12/2016, a 1ª Ré comunicou à sociedade SHC Azores Holding Company, S.A., a resolução do contrato de compra e venda de participações sociais celebrado em 07/01/2016.
Mais invocou que com a entrega das acções, a Autora as aceitou, “tomou-as como suas e (…) em 28 de Agosto de 2017, exerceu os direitos sociais inerentes às mesmas”. Pelo que, mesmo que se considerasse que o contrato de cessão de créditos em causa nos Autos é nulo por inexistência/impossibilidade do respetivo objeto, ao ter a Autora feito suas as participações sociais, em consequência da cessão de créditos, bem como ao ter exercido os direitos sociais inerentes àquelas participações sociais, deu por cumprido o contrato de cessão de créditos entre ambos celebrado e, consequentemente, deu por cumprido o acordo de regularização de dívida celebrado.
Terminou o 2º R. pedindo a condenação da Autora como litigante de má-fé.
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Replicou a A. à contestação da 1ª Ré, alinhando, desde logo, que desde dezembro de 2016 que nada mais tem pretendido que entregar à 1.ª R. as participações sociais, desde que, obviamente, a 1.ª R. se disponha a satisfazer o crédito que o 2.º R. cedeu à A.
Pronunciando-se sobre a detenção material das ações e a presença em assembleia geral da Cofaco e da Coresa, alinhou que “aquando da celebração do "Acordo de Regularização de Dívida" e do "Contrato de Cessão de Créditos (em 14.10.2016), a A. obteve a detenção material dos títulos representativos das ações com o único e exclusivo intuito de entregá-las à 1.ª R. quando esta realizasse o pagamento do preço pela compra das ações, ou seja, quando esta satisfizesse o crédito cedido à A. pelo 2.º R”. Aliás, diz, “dos referidos "Acordo de Regularização de Dívida" e "Contrato de Cessão de Créditos" não consta qualquer declaração de vontade proferida pelo A. ou pelo 2.º R. de que resulte como efeito jurídico a transmissão das referidas ações. Por outro lado, em janeiro de 2017, a A. escreveu à 1.ª R. solicitando-lhe a satisfação do crédito cedido pelo 2.º R., e não para propor qualquer negócio translativo de ações.
A sustentar a presença do filho da A. nas assembleias gerais não esteve qualquer negócio translativo entre a A. e a SHC das ações Cofaco/Coresa, e a conversão dos títulos ao portador representativos das Ações Cofaco/Coresa para títulos nominativos em nome da A. foi realizada dentro da circunstância legal de extinção dos títulos ao portador e por iniciativa da 1.ª R. (através do seu advogado). A existência de negociações, que aliás se goraram, com o beneficiário da 1ª Ré, não importam a titularidade das acções.
À data de parte dos factos relatados na PI e na contestação da 1.ª R., em particular na data da cessão do crédito à A. e na entrega das ações à A. (14.10.2106), estava em vigor o artigo 101.º/1 do Código dos Valores Mobiliários (CVM) (revogado pela Lei n.º 15/2017 de 03.05), cujo texto dispunha: "Os valores mobiliários titulados ao portador transmitem-se por entrega do título ao adquirente ou ao depositário por ele indicado.". Sempre se entendeu, na doutrina e na jurisprudência, que a tradição dos títulos era necessária para que houvesse transmissão das ações, mas não era suficiente, adicionalmente tendo de ser celebrado entre as partes um negócio jurídico que constituísse a justa causa da transmissão dos mesmos. Assim, não tendo sido celebrado entre a A. e o 2.º R. nem entre a A. e a SHC qualquer contrato que titulasse a transmissão das acções, as mesmas não lhe foram transmitidas nem a A. se tornou delas titular. Por outro lado, o nome constante do título não tem efeitos constitutivos: vale como presunção de titularidade, e não como causa/facto atributivo dessa titularidade, já tendo sido ilidida.
Perante a impossibilidade parcial (designadamente se culposa), o credor tem duas hipóteses: (i) resolve o contrato, devolve o que recebeu e recebe o que entregou, tendo ainda direito a ser indemnizado; ou (ii) exige o cumprimento do que for possível, reduz proporcionalmente a sua prestação e, querendo, apresenta pedido indemnizatório. A 1ª Ré optou pelas duas, soluções que aliás são inconciliáveis, resultando, desta circunstância, que nenhuma das correspondentes vontades declaradas surtiu efeitos, mantendo-se em vigor o contrato da 1ª Ré com a SHC.
Além disso, a obrigação cujo incumprimento a 1.ª R. imputa à SHC e na qual fundou a resolução/redução, obrigação de entrega das acções para depósito, não era essencial na economia do contrato. Além de outras razões, “se na perspetiva da 1.ª R. a manutenção da parte do negócio já cumprido era uma solução aceitável, então isso revela que a essencialidade do depósito das ações só se verificaria quando se vencesse a obrigação de pagamento da prestação respeitante às ações que estavam por depositar (da qual se viria a tornar credora a A. e que se venceria em 31.12.2016). Nessa ocasião, poderia a 1.ª R. excecionar: se não entregam/depositam as ações, não pagamos. E, eventualmente, nessa altura, recusando a SHC depositar/entregar as ações, poderia a 1.ª R converter a mora em incumprimento definitivo, ou seja, fazer em janeiro e fevereiro de 2017, aquilo que fez cerca de meio ano antes”.
Seguindo este entendimento, a resolução/redução operada pela 1.ª R. não produziu qualquer efeito, por inexistência de justa causa, subsistindo o crédito e, em consequência, devendo a 1.ª R. satisfazê-lo à A.
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Por despacho de 27.1.2020 foi admitida a intervenção principal provocada do cônjuge da Autora, e citado, o interveniente veio aos autos declarar que fazia seus os articulados e requerimentos apresentados pela Autora.
Foi fixado à acção o valor de 7.767.945,20€, foi proferido saneador tabelar, identificado o objecto do litígio3 e enunciada a matéria já assente e os temas de prova.
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Após diversas vicissitudes, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, em diversas sessões também, e finalmente foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta:
“1. Julgo procedente o pedido deduzido no ponto 1. do petitório e, bem assim, a reconvenção deduzida pela 1.ª R. SOLA, SGPS, S.A., e, em consequência: a) condeno a 1.ª R. SOLA, SGPS, S.A., a pagar à A. AA a quantia de €7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos desde 31/12/2016, sobre a quantia de €3.000.000,00 (três milhões de euros), e desde 31/12/2017 sobre a quantia de €4.500.000,00 (quatro milhões e quinhentos mil euros), até efectivo e integral pagamento; b) realizada a prestação referida em a), condeno a A/Reconvinda AA a entregar à 1.ª R./Reconvinte SOLA, SGPS, S.A., os títulos correspondentes a 1.140.000 (um milhão e cento e quarenta mil) acções da COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A., e a 51.000 (cinquenta e uma mil) acções da CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A., mediante a prévia aposição, nesses mesmos títulos, da declaração de transmissão escrita a favor da 1.ª R./Reconvinte; 2. Julgo improcedentes os pedidos formulados no ponto 2. do petitório e, em consequência, deles absolvo o 2.º R. BB; e 3. Julgo improcedente o incidente de litigância de má fé deduzido pelo 2.º R. Custas pela A. e pela 1.ª R., na proporção de 1/2 para cada uma (artigo 527.º, nºs. 1 e 2, do CPC)”.
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Inconformada, a 1ª Ré interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
Da resolução do contrato de 07.01.2016 (celebrado entre a ré SOLA e a SHC)
Da data de produção de efeitos da declaração resolutiva
1. Por via do “Contrato de 07.1.2016” (doc 1 da p.i.), a recorrente SOLA adquiriu à sociedade SHC um conjunto de participações correspondentes – grosso modo - a 33,33% do capital social do grupo COFACO, e melhor identificadas no ponto 1 da matéria de facto assente;
2. Em março de 2016, a recorrente SOLA pagou à vendedora SHC a quantia de €5.000.000,00 (…) que correspondia, proporcionalmente, ao preço das acções representativas de 13,33% do capital do Grupo COFACO, as quais se encontravam já depositadas em cofre à guarda dos depositários designados no contrato – cfr. pontos 1, 2 a 10, em especial o ponto 6 da factualidade assente;
3. Quanto às acções remanescentes, representativas de 20% do capital do grupo COFACO (1.140.000 ações Cofaco e 51.000 ações Coresa), ficou consagrado que, logo após o pagamento daquela primeira prestação, as mesmas seriam entregues aos mesmos depositários – cfr. cláusulas 3.ª e 4.ª do Contrato de 07.1.2016, reproduzidas no ponto 1 da matéria de facto assente.
4. Quando em março de 2016 a recorrente SOLA procedeu ao identificado pagamento à SHC, advertiu, por carta a esta dirigida com a mesma data, para a necessidade de cumprimento, pela SHC, da obrigação de depositar as acções remanescentes, correspondentes a 20% do capital do Grupo COFACO (1.140.000 ações Cofaco e 51.000 ações Coresa) conferindo para o efeito um prazo de 10 dias – cfr. ponto 3 da matéria assente, contendo reprodução parcial do documento n.º 14 da contestação da SOLA.
5. Essas acções remanescentes não foram entregues aos depositários designados – cfr. ponto 6 da matéria de facto assente, o que justificou a desconfiança de que as acções poderiam não estar na disponibilidade da vendedora SHC.
6. Por isso, em 27 de Maio de 2016 a SOLA remeteu nova interpelação à SHC, com idêntico teor – cfr documento 15 da contestação da ora recorrente, parcialmente transcrito no ponto 4 da matéria assente.
7. Perante a inoperância da vendedora SHC, a SOLA remeteu-lhe nova missiva em 22 de Agosto de 2016 – cfr. documento 16 da contestação da ora recorrente, parcialmente transcrito no ponto 5 da matéria assente – mediante a qual expressamente adverte para as dúvidas existentes que a falta de entrega das acções suscitam quanto à efectiva posse material das mesmas pela SHC, e dada a ocorrência de episódio anterior de resolução inopinada de um negócio de natureza similar (cfr. documentos 1 a 10 da contestação da 1.ª ré), a SOLA não podia arriscar a manutenção deste estado de coisas até à data de vencimento da sua obrigação, em dezembro de 2016.
8. Através dessa carta concedeu um último prazo adicional e imperativo de 30 dias para a entrega dos títulos em falta para depósito em cofre, advertindo que “A não entrega, dentro do prazo ora concedido, dos títulos em apreço determinará o incumprimento definitivo e imediato – com dispensa de qualquer ulterior notificação para o efeito – do contrato de compra e venda de participações sociais celebrado entre as partes e datado de 07 de Janeiro de 2016, com a consequente resolução do mesmo por causa exclusivamente imputável à SHC AZORES.”– cfr no ponto 5 da matéria assente.
9. Esse prazo terminou no dia 22 de Setembro de 2016, data em que se verificou o incumprimento definitivo, pela SOLA, do contrato de compra e venda de acções, sendo, pois, inequívoco que, a partir dessa data, o contrato se encontra resolvido.
10. A sentença a quo considera que a formulação acima transcrita não é suficientemente explícita quanto à pretensão resolutiva da declarante SOLA – pág 22 da sentença a quo – “pelo que só com o envio da carta de 12/12/2016 [documento 17 da contestação da ré SOLA, parcialmente transcrita no ponto 11 da matéria assente], recebida em 14/12/2016, veio a 1.ª R. exercer o invocado direito de resolução.”
11. Tal interpretação viola os princípios atinentes à hermenêutica jurídica no que concerne à interpretação de declarações negociais, designadamente a prevista no art.º 238.º do CC, que determina que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
12. Da leitura da subsequente carta de 12/12/2016 [parcialmente transcrita no ponto 11 da matéria assente], resulta que a recorrente então compradora pretendeu com a mesma aproveitar a parte não viciada do negócio, em face da inoperância da vendedora,
13. Sendo que a mesma não é apta a reverter o efeito resolutivo sobre a parte do negócio que a 1.ª ré já havia declarado pretender resolver, pretensão essa que manteve intacta naquela última declaração.
14. Com essa comunicação de Dezembro de 2016, a SOLA resgatou esse segmento já concluído (perfectibilizado) do contrato (relativo às acções já depositadas e cujo preço de 5M já se encontrava pago), mantendo a declaração resolutiva que já produzira o seu efeito quanto ao demais (i.e., quanto às acções não depositadas e não pagas), o que não impede que a resolução do contrato tenha sido efetivada em 22/9/2016, como foi – cfr. ponto 2 do parecer do Prof. Coutinho de Abreu, no seu ponto 2.
15. Falecem, pois, s.m.o., os argumentos da sentença quanto ao elemento subjectivo da declaração resolutiva – i.e., quanto à interpretação da vontade declarada pela ré SOLA, autora daquela declaração resolutiva expressa nas missivas de Agosto e Dezembro de 2016, a que se vem aludindo (cfr. documentos 16 e 17 da Contestação da SOLA).
16. De todo o modo, a decisão recorrida reconhece que, mesmo na hipótese de a resolução ter operado por efeito da comunicação de Dezembro de 2016, a 1.ª Ré sempre poderia opor à autora a declaração de redução/resolução do contrato dado que, mesmo nessa hipótese, foi enviada à vendedora SHC antes do conhecimento da suposta cessão de créditos.
Vertente substantiva da declaração resolutiva
17. A sentença a quo aceita que:
i. “por efeito do transcurso do prazo admonitório fixado na carta de 22/08/2016, a sociedade SHC AZORES incorreu em incumprimento definitivo culposo da obrigação de depósito, e a presunção de culpa, em sede de responsabilidade contratual.”
ii. a obrigação do comprador (SOLA, aqui recorrente) de realizar a prestação do preço encontra-se “genética e funcionalmente ligada à obrigação do vendedor realizar a prestação da entrega da coisa.”
iii. esse incumprimento é oponível ao putativo cessionário (Quanto à “questão de saber se a 1.ª R pode opor à A. a declaração de resolução/ redução (…) A resposta é claramente afirmativa”).
18. Mas subverte a interpretação conjugada das normas contidas nos art.sº 801.º e 802.º do CC, que desse modo viola, de tal modo que parece converter em excepcional o direito potestativo à resolução do contrato bilateral em caso de conversão da mora (no cumprimento de obrigação que do mesmo dimane) em incumprimento definitivo (801.º/2).
19. Ao contrário do que propugna a sentença recorrida, apenas excepcionalmente, no caso de o incumprimento definitivo ser parcial, e de ter escassa relevância, atendendo ao interesse do credor adimplente, fica este inibido de resolver o negócio (art.º 802.º/2 do CC).
20. Não cabe ao credor invocar a essencialidade da obrigação definitivamente incumprida, enquanto elemento constitutivo do direito de resolução, mas antes caberá ao devedor alegar a sua escassa relevância no contexto do negócio (sempre atendendo ao interesse do credor), enquanto facto extintivo daquele direito de resolução.
21. A sentença a quo não só inverte o sentido normativo deste dispositivo legal como viola as regras legais quanto ao ónus da alegação e prova, já que a autora não invoca factos que permitam determinar a escassa relevância da obrigação incumprida em termos que permitam dar por preenchida essa excepção prevista na lei.
22. A separação operada pela sentença recorrida entre a obrigação do depósito das acções, de um lado, e a obrigação de entrega das mesmas, do outro, é puramente formal, e não corresponde ao sentido do acordo de vontades plasmado no contrato entre outorgado em 07.01.2016 entre a recorrente (SOLA) e a SHC, violando novamente o disposto no art.º 238.º do CC.
23. O incumprimento da SHC é parcial porque diz respeito apenas a parte das acções objecto do contrato (dado que parte delas (13.33%) se encontravam, no momento da celebração do contrato, na posse dos depositários, encontrando-se em falta as representativas de 20% do Grupo COFACO) – cfr. i.a., ponto 6 da matéria assente; e não em virtude de dizer respeito ao incumprimento de uma obrigação de depósito (e já não da obrigação de entrega).
24. O contrato não atribui à devedora SHC senão uma única obrigação contratual: a de entregar os títulos objecto do contrato, representativos de 33,33% do capital social do Grupo COFACO, aos depositários designados pelas partes; mas como estes já tinham na sua posse os títulos representativos de 13,33% do capital, tal obrigação limitava-se, verdadeiramente, ao depósito dos títulos representativos de 20% do capital do grupo (valorado nesse contrato no montante de €7.500.000,00, em causa nos presentes autos).
25. Após o cumprimento dessa obrigação, nenhum outro acto material ou jurídico era devido à vendedora SHC, no âmbito do contrato: depositadas as acções pela vendedora, caberia aos depositários entregá-las ao comprador nos termos previstos na cl. 4.ª do contrato – cfr. ponto 1 da matéria assente.
26. “É fácil ver, portanto, que SOLA tinha todo o interesse no cumprimento da obrigação de depósito das ações. Pelo mero contrato de compra e venda das ações, proprietário delas continuava sendo a SHC. Para (também) prevenir o risco de esta as não entregar à SOLA, foi estipulada a obrigação de depósito junto de terceiros que, entre outras hipóteses, entregariam à SOLA as ações quando esta pagasse a totalidade do preço.” – cfr. pág. 14 do parecer.
27. A preocupação causada na ré SOLA pela falta de entrega das acções, associada à própria importância genética da obrigação em falta, levou à resolução contratual, circunstância que resulta do contrato e que foi explicada pela testemunha Dr. DD, advogado que, mandatado pela 1.ª ré SOLA, redigiu o contrato em causa, e que explicou os motivos para a introdução dessa disposição contratual [cfr. gravações da sessão de 16-01-2023, das 11:44 às 12:32 – ficheiro denominado “Diligencia_2094-18.3T8CSC_2023-01-16_11-44-12 (1)”], designadamente nas passagens transcritas na fundamentação do presente recurso, nos seguintes segmentos: 00:31:55 – 00:33:15; 00:34:04 - 00:34:54; 00:35:36 – 00:37:15; 00:42:49 – 00:44:45; 00:45:05 – 00:45:47.
28. Essa preocupação – a dúvida quanto ao verdadeiro titular das acções; a importância, para a SOLA, da entrega das mesmas aos depositários designados – foi sucessiva e reiteradamente verbalizada, por escrito, através das cartas dirigidas à contraparte vendedora SHC - cfr o teor dos documentos a que aludem os pontos 3 a 5 e 11 da matéria de facto assente, em especial, na carta de 22.08.2016 (“esta mora injustificada no cumprimento desta obrigação levanta a fundamentada dúvida acerca da real detenção por parte da SHC AZORES dos títulos em apreço, o que, naturalmente, mina por completo a confiança no futuro cumprimento e perfeição do contrato em curso.”)
29. A compradora SOLA atribuía, pois, à obrigação definitivamente incumprida um carácter essencial – e não escassamente relevante.
30. De resto, “o incumprimento justificativo da resolução de um contrato não tem de referir-se à obrigação principal. Pode referir-se a deveres acessórios (a obrigação de depósito em questão é um dever acessório com prestação autónoma) (…)”; “A violação de tais deveres fundamenta a resolução quando não tenham escassa importância (…).” – cfr. pág. 11 e 12 do parecer.
31. “A importância do incumprimento há de ser aferida tendo em vista o quadro global do contrato, o comportamento das partes (sem ou com desvio, maior ou menor, do princípio da boa fé) e o préstimo que a prestação não cumprida proporcionaria ao credor da mesma.” Sendo que:
i) “na «economia do contrato» (para usar expressão que aparece na Sentença) celebrado entre SHC e SOLA, a importância não escassa que as partes atribuíram à obrigação de depósito das ações é logo revelada pelo facto de ela preencher duas das seis cláusulas contratuais (cl. 3ª e 5ª).”
ii) “Quanto ao comportamento das partes, é evidente que SOLA, cumprindo deveres de cuidado, correção e lealdade, alertou várias vezes SHC para a necessidade de proceder ao depósito das ações (Sentença, «factos provados» nºs 3, 4 e 5); evidente é também que SHC não cumpriu, culposamente, a obrigação de depositar a maioria das ações (Sentença, «facto provado» nº 6 e «Fundamentos de direito»), atuando reiteradamente em desconformidade com o princípio da boa fé.”
iii) “Por sua vez, é claro o interesse de SOLA no depósito das ações: tendo de despender vários milhões de euros para as adquirir, e pretendendo adquirir a totalidade das ações da Cofaco e da Coresa para integrar, de direito, estas sociedades no seu grupo societário, era de todo conveniente assegurar (pelo depósito) que tais ações lhe seriam entregues.”
32. Acresce ainda que a transmissão de ações ao portador exigia, à data (art.º 101º do CVM) uma formalidade consistente na entrega, pelo que “o contrato de compra e venda entre SHC e SOLA produziu efeitos entre as partes, mas, sem entrega das ações à SOLA, não produziu a transmissão das ações. Por esse motivo, perante o não cumprimento da obrigação de SHC para com SOLA, restaria a esta exigir daquela uma indemnização. – cfr. pág 11 a 13 do aludido parecer, com destaques e sublinhados da recorrente.
33. Tolerar passivamente, sine die, aquele incumprimento contratual da vendedora SHC constituía, pois, para a recorrente SOLA, um elevado e insuportável risco que não lhe era exigível.
34. A vendedora nunca entregou/depositou as acções remanescentes objecto do contrato, e por isso incumpriu definitivamente – como a sentença reconhece - a sua obrigação contratual, dando causa à lícita a resolução operada extrajudicialmente pela compradora – independentemente, até, da data em que tal resolução haja produzido efeitos: “Em conclusão, SOLA tinha o direito potestativo de resolver o contrato de compra e venda.”
35. Deverá, pois, ser revertida a decisão a quo, também neste conspecto - por proceder a uma incorrecta interpretação e aplicação das normas constantes do contrato de 07.01.2016 (em especial da sua cl.ª TERCEIRA), bem como das disposições constantes dos art.ºs 238.º, 801.º, 802.º e 342.º do CC.
36. Reconhecida que se encontre a licitude da resolução, improcede necessariamente a pretensão da autora recorrida.
DA ALEGADA AQUISIÇÃO DE UM CRÉDITO PELO 2.º RÉU E DA SUA PUTATIVA TRANSMISSÃO A FAVOR DOS AUTORES
(Da natureza da putativa transmissão a favor dos autores – cessão de posição contratual vs cessão de créditos)
37. A putativa aquisição do crédito dos autos pelos autores vem titulada pelo contrato de cessão junto como documento n.º 3 da p.i. [ponto 8 da matéria de facto assente], mediante o qual os autores “aceitam a cessão de um crédito” no montante de €7.500.000,00 (cláusula 1.ª e 2.ª desse acordo).
38. Contudo, no art.º 27 da Réplica (ref.ª Citius 13443058, de 02/11/2018), confessam os autores que o crédito em causa não era exigível sem que o credor realizasse também a respectiva contraprestação, consistente na entrega das remanescentes acções ao portador objecto do contrato de 07.01.2016 aos depositários designados, para que estes as entregassem à 1.ª Ré SOLA, ora recorrente – cfr cláusula quarta do contrato descrito e transcrito no ponto 8 da matéria assente.
39. Nesse contexto, e em cumprimento dessa cláusula contratual, os títulos terão sido entregues pelo 2.º Réu à Autora, para que esta os entregasse aos depositários – ponto 10 da matéria assente e fundamentação da sentença (pág 28).
40. “É um facto que a obrigação de entrega das acções passou a ser obrigação da cessionária AA”. – cfr parecer do Prof. Coutinho de Abreu, pág. 18, com remissão para a matéria assente nos pontos 19 e 13.
41. Nesta descrita configuração, o negócio celebrado entre autora e 2.º réu não se constitui como a mera cessão de um crédito, mas como uma cessão de posição contratual, por importar a obrigação de AA entregar à SOLA as ações que lhe foram entregues (envolvendo, por isso, a transmissão de um complexo de débitos e créditos – cfr. 424 do CC).
42. No limite, configurando-se esta transmissão como uma cessão de créditos, ser-lhe-ia aplicável, como bem recorda o parecer do Prof Coutinho de Abreu no ponto 3.2 do seu parecer, o regime previsto no art.º 595.º e ss. do Código Civil
43. Num e noutro caso (art.º 424.º/1 e 595.º do CC), a transmissão dependeria do consentimento ou ratificação do devedor-credor – pág. 18 do parecer.
44. Essa autorização não foi dada pela recorrente SOLA, e por isso a cessão não produziu efeitos, é nula, não lhe sendo oponível, sequer em abstracto – cfr. pág. 20 do parecer.
45. Ao decidir conforme decidido, neste segmento, a sentença a quo violou o disposto nos art.ºs 424.º, 577.º e 594.º do CC, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que absolva a 1.ª Ré do pedido.
Da comunicação da putativa cessão de créditos
46. No art.º 9.º da p.i, a autora alega que “o 2.º R. declarou que a SHC AZORES HOLDING COMPANY, S.A. lhe havia cedido, em 07.10.2016, o crédito de €7.500.000 (sete milhões e quinhentos mil euros) de que era titular sobre a 1.ª R.” (art.º 9.º da p.i.).
47. Tal “facto” foi impugnado no art.º 2.º da contestação da 1.ª Ré SOLA, e também pelo 2.º Réu, no art.º 15.º da sua contestação.
48. Os réus pronunciaram-se em desfavor da existência e validade dessa transmissão, e não impugnaram especificadamente o teor do considerando constante no “contrato de cessão de créditos” por não terem de o fazer, dado que tal matéria não foi alegada e não constitui ónus das partes impugnar especificadamente o clausulado/considerandos de contratos que reconhecem terem sido celebrados.
49. Tal cessão, da vendedora SHC a favor do 2.º Réu, nunca ocorreu.
50. A testemunha EE, advogado do 2.º Réu e da Autora, que terá formalizado os acordos juntos como documentos n.º 2 e 3 da p.i. (pontos 7 e 8 da matéria assente), expressamente declarou que o 2.º réu nunca foi titular do crédito dos autos - declarações prestadas pela testemunha EE (advogado), na sessão de julgamento de 16-01-2023, com início às 09:47 e termo às 11:39 [ficheiro Diligencia_2094-18.3T8CSC_2023-01-16_09-47-23 (1)] – cfr trechos constantes das seguintes passagens: Min 1:50:10 - 1:50:30; Min 47:16 - 47:35; Min 48:50 - 48:55; Min 00:50:23 – 00:53:10; Min 00:53:30 – 00:54:00; Min 00:55:03 – 00:55:45;
51. Ora, nemo plus juris ad alium transfere potest, quam ipse habet: se o 2.º Réu não era titular do suposto direito de crédito, também o não podia transmitir à Autora; sendo nula essa putativa transmissão.
52. Ademais, não vem alegado nem provado nos autos que a putativa cessão, a favor do 2.º Réu, do suposto crédito da SHC sobre a 1.ª Ré lhe haja sido alguma vez comunicada por seja quem for.
53. Pelo contrário, vem expressamente reconhecido pela mesma testemunha EE (que declarou ter acompanhado e preparado a formalização de todo o processo), que nunca tal comunicação se realizou - declarações prestadas pela testemunha EE (advogado), na sessão de julgamento de 16-01-2023, com início às 09:47 e termo às 11:39 [ficheiro Diligencia_2094-18.3T8CSC_2023-01-16_09-47-23 (1)] – cfr passagem constante do seguinte intervalo temporal: Min 1:44:26 – 1:44:45.
54. O que existe – ponto 13 da matéria assente - é uma comunicação datada de 14 de Dezembro de 2016 e recebida pela 1.ª ré em 16 de Dezembro de 2016 (após a produção de efeitos da carta referida no ponto 11 da matéria assente), mediante a qual a SHC (e não o suposto cessionário, em nome próprio) comunica a cessão de créditos (directamente) a favor da Autora.
55. Há, desse modo, uma manifesta quebra no trato sucessivo da putativa cessão de créditos, dado que a suposta cessão originária do crédito – da SHC ao Réu BB – referida no contrato de cessão de créditos, não ocorreu e nunca foi comunicada à Autora.
56. Não tendo ocorrido comunicação, a cessão é inoponível à putativa devedora SOLA, sendo inválidas e inoponíveis as cessões subsequentes, nomeadamente a alegada cessão de crédito realizada pelo 2.º Réu a favor dos autores.
57. Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 577.º, nº 1e 583.º, n.º 1, do CC.
58. Por tudo, e de novo, o crédito em causa não mais existia quando foi comunicada à SOLA a “cessão de créditos”; a cessão em causa nunca poderia ter ocorrido sem autorização da SOLA, sendo-lhe inoponível; e ainda que fosse abstractamente viável, a suposta cessão de créditos é ineficaz, por ter sido comunicada após a resolução do negócio, e por ter sido cedida por pessoa diversa de quem a autora indica como sendo o credor, em violação do trato sucessivo da transmissão do crédito.
Da transmissão da propriedade sobre as acções dos autos
59. Relativamente à transmissão, a favor dos autores, da propriedade sobre as 1.140.000 acções da COFACO e 51.000 acções da CORESA (correspondentes a 20% do Grupo Cofaco), a sentença a quo decidiu no sentido de que os factos provados nos pontos 18 a 24 não permitem concluir no sentido de que “[essas] acções são hoje propriedade da autora AA e estão corporizadas pelos títulos nominativos”.
60. Erra a decisão a quo também neste segmento.
61. À data da celebração do contrato em análise, as ações COFACO e CORESA eram tituladas ao portador, sendo aplicável, portanto, o art.º 101º do Código dos Valores Mobiliários, cujo regime estabelece que a transmissão só se dá com a entrega, a qual constitui requisito essencial para a transmissão da propriedade das ações – cfr. pág. 13 e 14 do parecer.
62. Quando a SHC entregou os títulos das acções (cumprindo o «modo») à autora AA com base em acordo («título»), a propriedade das mesmas foi para esta transmitida e esta passou a ser real (ou, no mínimo, presumível) proprietária dessas ações, pelo que só ela poderia cumprir a obrigação de entrega das mesmas - esta conclusão é confortada pelos «factos provados» com os nºs 20, 23 e 24, e 18.
63. Contra isto não vale dizer que foi «enquanto prova do crédito e meio de pagamento que esta [AA] os [títulos acionistas ao portador] conservou na sua posse (cfr. ponto 10 dos factos provados e cláusula quarta do referido contrato)», não a título de propriedade.
64. À mesma ou equivalente conclusão se chega por outra via: é incontestável que AA exerceu e exerce posse (por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade) sobre as ações, pelo que, na qualidade de possuidora, goza da presunção da titularidade do direito de propriedade sobre essas ações, presunção essa que não foi ilidida (nº 2 do art.º 350º do CCiv.) – cfr. pág. 19 do parecer.
65. Assim, por força das disposições conjugadas dos art.ºs 101º do CVM (aplicável, à data), e nº 1 do art.º 1268º do CCiv., a autora recorrida AA deverá ser qualificada como real (ou, no mínimo, presumível) proprietária das acções dos autos (correspondentes a 20% do grupo COFACO), pelo que não pode exigir o respectivo preço.
66. Concluindo-se, de novo, que deverá ser revertida a decisão a quo, declarando-se a absolvição da 1.ª Ré SOLA do pedido.
Subsidiariamente,
DO RECURSO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
Contextualização histórica do contrato dos autos
67. Entendendo-se que o contrato de 07.01.2016, visto individualizadamente na sua forma, conteúdo e dinâmica próprios, não é suficiente para demonstrar a essencialidade da aludida obrigação incumprida de entrega/depósito das acções pela vendedora SHC (e para afastar a sua escassa relevância, pese embora o que acima se deixou dito quanto ao ónus), então, deverá incluir-se na matéria assente o acervo dos factos relativos aos antecedentes desse contrato, os quais ajudam a explicar a motivação da recorrente e a solidez dos fundamentos na base da resolução contratual.
68. Deverá dar-se por provada a matéria de facto atinente aos contratos celebrados entre SHC e as empresas que integram o grupo económico da recorrente SOLA (Olho Estratégico; D’Avó – cfr documentos n.º 1, 4, 10 da contestação da SOLA, contendo certidões permanentes do registo comercial), os quais não só precederam cronologicamente o contrato de 07.01.2016, como também o antecederam do ponto de vista lógico.
69. No sentido da efectiva celebração desses contratos, bem como da afirmação dos seus pressupostos e contexto negocial, depôs a testemunha DD, advogado responsável pela formalização dos documentos contratuais descritos, e pela elaboração das interpelações juntas como documentos n.º 1 da p.i, e n.º 3, 5, 6, 8, 9, 11, 12, 14 a 17 da contestação da SOLA.
70. Os depoimentos das restantes testemunhas confirmam e pressupõem os factos expostos no depoimento da testemunha DD, e nenhuma os infirma ou sequer coloca em causa.
71. Ademais, tais documentos n.º 3, 5, 6, 8, 9, 11, 12, 14 a 17 da contestação da SOLA não foram impugnados por quaisquer das partes, pelo que a sua outorga deve constar da matéria dada como provada.
72. Assim, com base na aludida documentação (documentos n.º 1 da p.i, e n.º 3, 5, 6, 8, 9, 11, 12, 14 a 17 da contestação da SOLA) e ainda no depoimento da testemunha DD (com especial relevância para as gravações da sessão de 16-01-2023, das 11:44 às 12:32 – ficheiro denominado “Diligencia_2094-18.3T8CSC_2023-01-16_11-44-12 (1)”], nas seguintes passagens Min 00:04:40 – 00:06:57; Min 00:07:25 - 00:08:00; Min; 00:09:59 – 00:12:40; Min 00:20:16 – 00:22:56; Min 00:25:57 – 00:28:30), deve incluir-se no acervo dos factos provados o alegado nos art.ºs 13, 14, 17, 18, 25 a 38, 44 a 46 da contestação da SOLA, a saber:
A) Por documento datado de 16 de Agosto de 2012 [documento junto à contestação da 1.ª ré SOLA com o nº 3], a SHC AZORES HOLDING COMPANY vendeu à sociedade OLHO ESTRATÉGICO, SGPS, S.A., pelo preço de trinta milhões de euros, 80% do Grupo Cofaco, ou seja, 80% do capital social da sociedade COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS e 68% do capital social da sociedade CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS.
B) A sociedade compradora, OLHO ESTRATÉGICO, tem por beneficiário efectivo FF, que é igualmente o seu Administrador Único [documento junto à contestação da 1.ª ré SOLA com o nº 4].
C) com a celebração de tal contrato foram entregues os títulos representativos das participações sociais de todo o Grupo Cofaco, com excepção das relativas a 20% da sociedade COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS e 17% da sociedade CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, que a vendedora SHC AZORES HOLDING COMPANY reservou para si, por não terem sido objecto de transmissão.
D) Por documento datado de 09 de Julho de 2014, as partes contratantes decidiram confiar os títulos supra referidos à guarda do administrador da SHC CC e do advogado DD, com escritório na cidade de Braga, que procederam ao seu depósito em cofre da Agência Central de Braga da Caixa Geral de Depósitos [documento junto à contestação da 1.ª ré SOLA com o nº 5].
E) Em 07.01.16, SHC AZORES HOLDING COMPANY e OLHO ESTRATÉGICO revogaram o contrato de compra e venda de participações sociais datado de 16 de Agosto de 2012, para o que subscreveram o escrito junto à contestação da 1.ª ré SOLA com o nº 9.
F) Em tal escrito [documento junto à contestação da 1.ª ré SOLA com o nº 9] as partes declararam que, por virtude da resolução contratual, a SHC AZORES HOLDING COMPANY se constituía na obrigação de devolver à OLHO ESTRATÉGICO os vinte e cinco milhões de euros que desta havia recebido, constituindo-se a OLHO ESTRATÉGICO, por seu turno, na obrigação de devolução das participações sociais objecto da transmissão revogada, e conferindo ambas as partes autorização expressa ao depositário DD para proceder ao levantamento dos títulos depositados em cofre.
G) Simultaneamente com a revogação do contrato de Agosto de 2012, procedeu-se à celebração de dois novos contratos de compra e venda de participações sociais, pelos quais a SHC AZORES HOLDING COMPANY transmitiu já não 80%, mas 100% das participações sociais do Grupo Cofaco.
H) Esses dois novos contratos de compra e venda foram celebrados com duas outras empresas do universo empresarial de FF, a saber, D’AVÓ – INDÚSTRIA DE PRODUTOS ALIMENTARES, S.A. [documento junto à contestação da 1.ª ré SOLA com o nº 10] e a 1.ª ré SOLA.
I) Assim, no referido dia 07 de Janeiro de 2016 a SHC AZORES HOLDING COMPANY vendeu à sociedade D’AVÓ – INDÚSTRIA DE PRODUTOS ALIMENTARES, pelo preço de vinte e cinco milhões de euros, as participações sociais (acções ao portador) correspondentes a 66,67% do capital social da COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A. e 56,67% do capital social da CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A. [documento junto à contestação da 1.ª ré SOLA com o nº 11].
J) Com vista ao pagamento do respectivo preço, a OLHO ESTRATÉGICO cedeu à sua participada D’AVÓ o crédito de vinte e cinco milhões de euros que detinha sobre a SHC AZORES HOLDING COMPANY, proveniente da revogação do contrato de Agosto de 2012 [documento junto à contestação da 1.ª ré SOLA com o nº 12].
K) Deste modo, a D’AVÓ pagou à SHC AZORES HOLDING COMPANY o preço de vinte e cinco milhões de euros por via de compensação de créditos, tal qual resulta expressamente da cláusula segunda do contrato junto à contestação da 1.ª Ré SOLA com o nº 11.
L) Com a celebração de tal contrato foram entregues à D’AVÓ os títulos correspondentes às participações sociais transmitidas (66,67% do capital social da COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A. e 56,67% do capital social da CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A.), bem como os correspondentes às restantes participações sociais do Grupo Cofaco (15% do capital social da CORESA e 100% do capital social das sociedades COFACO AÇORES, COFACO MADEIRA, MA e COMPICO).
M) Tal entrega foi materializada por intervenção do depositário DD, a quem havia sido conferida autorização para proceder ao levantamento dos títulos depositados em cofre – cfr cláusula terceira do contrato junto com o nº 11.
N) Deste modo, o empresário FF (utilizando para o efeito a sociedade de que é beneficiário, D’AVÓ – INDÚSTRIA DE PRODUTOS ALIMENTARES, S.A.) logrou colocar um ponto final no problema anteriormente gerado pela SHC AZORES HOLDING COMPANY com a sua inopinada tentativa de resolução contratual, celebrando contrato com quitação integral do pagamento do preço relativo a dois terços do capital social do Grupo Cofaco.
O) Com vista à aquisição do capital remanescente do Grupo COFACO, no mesmo dia 07 de Janeiro de 2016 é celebrado o contrato de compra e venda de participações sociais entre SHC AZORES HOLDING COMPANY e SOLA SGPS que a autora junta à sua p.i. como documento nº 1.
73. Quanto à essencialidade da obrigação de depósito na negociação do contrato, deverá ainda aditar-se os seguintes factos (alegados nos art.ºs 44 a 46 da contestação da 1.ª Ré).
74. Tais factos surgem pressupostos na matéria dada por provada nos pontos 1, 3 a 13, 23 e 24 e igualmente comprovados pelos documentos acima indicados e pelas declarações acima transcritas do advogado DD – cfr. gravações da sessão de 16-01-2023, das 11:44 às 12:32 – ficheiro denominado “Diligencia_2094-18.3T8CSC_2023-01-16_11-44-12 (1)”], nas seguintes passagens Min 00:04:40 – 00:06:57; Min 00:07:25 - 00:08:00; Min; 00:09:59 – 00:12:40; Min 00:20:16 – 00:22:56; Min 00:25:57 – 00:28:30. São eles:
P) Parte das participações sociais objecto do contrato de 07.01.2016 já se encontrava em posse do depositário DD, mais propriamente 760.000 (setecentos e sessenta mil) acções da COFACO COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS e 34.000 (trinta e quatro mil) acções da CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS,
Q) correspondendo este número de acções à diferença entre as entregues à D’AVÓ por força do contrato celebrado com a SHC AZORES HOLDING COMPANY e as que remanesceram em posse daquele depositário por força da revogação do primitivo contrato com a OLHO ESTRATÉGICO.
R) Cabia, deste modo, à SHC AZORES HOLDING COMPANY proceder à entrega dos títulos (ao portador) correspondentes às restantes 1.140.000 (um milhão cento e quarenta mil) acções da COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS e 51.000,00 (cinquenta e um mil) acções da CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, com vista ao respectivo depósito em cofre, tal qual contratualmente convencionado.
75. Todos os factos cujo aditamento se requer (de “A” a “R”) foram alegados (art.ºs 13, 14, 17, 18, 25 a 38, 44 a 46 da contestação da SOLA) – na dupla condição de matéria de excepção alegada na contestação e factos constitutivos do direito invocado na reconvenção – e não foram impugnados, nem na réplica, nem nos momentos para o efeito previstos no art.º 3.º/4 do CPC, o que tanto bastaria para que merecessem inclusão na matéria de facto provada.
76. Mais acresce que estão documentalmente provados (como indicado acima, na sua própria enunciação), e resultam comprovados pela prova testemunhal concretamente transcrita e prossuposta em toda a demais prova produzida.
77. Mediante a alteração à matéria de facto proposta mantém-se a fundamentação de direito apresentada no primeiro segmento do recurso, que se dá por reproduzido, agora com acrescido fundamento factual.
TERMOS EM QUE deverá o presente recurso ser julgado procedente e a 1.ª ré SOLA absolvida do pedido”.
*
Contra-alegou o 2º Réu formulando a final as seguintes conclusões:
A- A Recorrente não consegue nas suas Alegações afastar os fundamentos que sustentam o sentido decisório perfilhado na douta decisão recorrida.
B- Falece em demonstrar qualquer erro de julgamento.
C- Limita-se a Recorrente a indicar depoimentos testemunhais, sem fundamentar devidamente as razões da discordância face à leitura que dos mesmos depoimentos extraiu o Tribunal a quo, ou sequer esclarecer quais os concretos factos são infirmados por quais concretos depoimentos ou outros meios de prova,
D- Donde, sempre deverá o recurso interposto, na parte que concerne à impugnação da matéria de facto ser rejeitado, por aplicação da norma constante do nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil.
E- O que mais é erigido pela Recorrente para infirmar a factualidade assente são esparsas referências a declarações de testemunhas, descontextualizadas e nunca concretamente determinadas a infirmar qualquer identificado ponto da matéria de facto.
F- Feita a exegese das mui doutas alegações da Recorrente avulta a ausência nelas de qualquer razão apta a infirmar a legalidade do douto aresto recorrido e, bem assim, a omissão da invocação de qualquer razão nova, com a virtualidade de cometer fosse proferida decisão em sentido oposto.
Nada havendo a apontar à decisão recorrida deve, pois, manter se, com o que se fará a inteira e sã justiça.
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Contra-alegou a A. formulando a final as seguintes conclusões:
Resolução do contrato celebrado em 07.01.2016 entre a Recorrente e a SHC
A) Decorre da sentença impugnada e de quanto acima se demonstrou que foi infundada e, por isso, injustificada a resolução do contrato celebrado em 01.01.2016 entre a Recorrente e a SHC, do qual decorre o crédito cuja satisfação a Recorrida peticiona nos presentes autos.
B) Com efeito, contrariamente ao que alega a Recorrente, nem cabia à Recorrida alegar e provar que a prestação incumprida era de escassa importância, nem é exato que a prestação de depósito das ações fosse subjetivamente e/ou objetivamente essencial.
C) Quanto ao primeiro aspeto: nestes autos, a invocada resolução é uma exceção perentória impeditiva do direito da Recorrida; logo, cabe à Ré que a invoca, neste caso, a Recorrente, alegar e provar os factos em que a funda, e não à Recorrida, ora Autora, demonstrar que esses factos não ocorrem (artigo 342.º/2 CC). Não obstante, a Recorrida alegou profusamente as razões de facto e de Direito que tornam infundada e injustificada a resolução (artigos 88.º a 115º. da Réplica).
D) Quanto ao segundo aspeto, vimos que a obrigação de depósito das ações não é a obrigação de entrega das ações nem a consome: aquela tem função de garantia, e esta função de tradição da coisa vendida.
E) No âmbito de um contrato de compra e venda de ações, a obrigação de depósito das mesmas só é essencial se verificadas as seguintes condições: (i) a totalidade das ações a transacionar são repartidas em lotes, os quais vão sendo transmitidos ao longo de um período determinado, contra o pagamento do preço respeitante a cada lote; (ii) para o comprador é fundamental comprar todas as ações objeto do negócio, e não apenas aquelas que esteja condições de, no momento da sua celebração, pagar. Ou seja: o comprador não pretende comprar o lote 1, se não tiver a garantia de que se tornará titular das ações que integram o lote 2, o lote 3 e assim por diante.
F) O comportamento da Recorrente, por esta confessado e documentado nos autos, infirma as condições de essencialidade elencadas. Com efeito: (i) a Recorrente não pugnou para que, no contrato assinado com a SHC, constasse que o incumprimento da obrigação de depositar as ações fosse fundamento de resolução, não obstante o contrato conter uma cláusula específica (a sexta) dedicada, precisamente, aos fundamentos da resolução; (ii) a Recorrente pagou (5.000.000€) e tornou-se titular de parte das ações objeto do negócio (o primeiro lote), (correspondentes a 13,33% do capital social da Cofaco, e a 11,33% do capital social da Coresa), sem que as restantes ações objeto do mesmo contrato (correspondentes a 20% do capital social da Cofaco, e a 17% do capital social da Coresa) houvessem sido depositadas. Se o depósito fosse para si essencial, a Recorrente jamais teria feito pagamento de parte das ações sem que o depósito de todas as ações fosse realizado. (iii) perante o incumprimento, a Recorrente reduziu (não resolveu) o contrato, preservando a titularidade das ações correspondentes a 13,33% do capital social da Cofaco, e a 11,33% do capital social da Coresa.
G) Esta conduta, demonstrante da não essencialidade da obrigação de depósito para a Recorrente, explica-se (como acima se demonstrou) porque o Senhor FF nunca quis adquirir mais de 80% do denominado “Grupo Cofaco. A omissão de depósito das ações pela SHC constituiu, na economia do contrato, não o incumprimento de uma obrigação essencial, mas um pretexto espúrio para o Senhor FF realizar o seu desidrato: adquirir 80% do Grupo Cofaco, e não os 100% a que se tinha (através da sociedade D’Avó e da Recorrente) obrigado. H) Em suma, a obrigação de depósito das ações nem era subjetiva nem objetivamente essencial, pelo que a Recorrente, ao invocar o seu incumprimento para reduzir/resolver o contrato, agiu infundada e injustificadamente, produziu uma declaração ineficaz, mantendo-se, pois, na ordem jurídica, os efeitos decorrentes daquele contrato, designadamente o direito de crédito de que é titular a Recorrida.
Negócio jurídico celebrado entre o R. BB e a Recorrida:
cessão de créditos ou cessão da posição contratual?
I) O conteúdo do acordo celebrado entre o R. BB e a Recorrida é a cessão de um crédito, e não, como pretende a Recorrida, a cessão da posição contratual. Qualificação, recorde-se, pela qual a Recorrente nunca havia pugnado nos articulados, estreando-a, portanto, neste recurso.
J) De parte alguma dos autos (seja das alegações das partes, seja da prova produzida) decorre que a Recorrida tenha ficado obrigada a entregar o que fosse à Recorrente. Antes ficou provado que a Recorrente recebeu as ações vendidas pela SHC à Recorrente, com o único fito de lhe as entregar quando esta se dispusesse a pagar o que deve.
K) Na perspetiva do R. BB e da Recorrida, a projetada entrega, por esta, das ações à Recorrente constituía um meio de obtenção do pagamento, e não o cumprimento de uma obrigação. Querendo identificar um obrigado à entrega das ações, seria a SHC.
L) O que, repare-se, em nada beliscaria a posição da Recorrente: verificando-se o incumprimento dessa obrigação de entrega, poderia a Recorrente opor à Recorrida a exceção de não cumprimento (ainda que imputável ao credor originário).
M) Do exposto decorre que deve improceder a pretensão de qualificar como cessão da posição contratual o acordo celebrado entre o R. BB e a Recorrida; o qual, na linha da sentença, há de valer como cessão de créditos.
N) Igualmente improcede o argumento segundo o qual, faltando prova de que a SHC havia transmitido o crédito objeto dos autos ao R. BB, não poderia a sentença pressupor que o R. BB fosse legítimo titular do crédito e, por isso, válida fosse a cessão que fez à Recorrida.
O) Mas isto é a Recorrente a pretender mais direitos do que os que o direito substantivo lhe concede. Na cessão de créditos, o devedor está obrigado a pagar a quem o credor originário, por comunicação a si dirigida, identificar como cessionário do crédito. Esta comunicação, como sabemos, ocorreu; aliás, foi a Recorrente quem a juntou aos autos. Se a cessão efetivamente ocorreu ou se há outros cedentes envolvidos é um assunto, um problema, que não interessa, juridicamente, à Recorrente: ao pagar a quem o credor originário indica, o devedor satisfaz a sua obrigação. Logo: se a ocorrência de um eventual trato sucessivo não interessa ao devedor, não há interesse a tutelar.
Da putativa transmissão das ações para a titularidade da Recorrida
P) Insiste a Recorrente que a Recorrida se tornou titular das ações que lhe foram entregues pelo R. BB para que as entregasse à Recorrente. Afirma-o remetendo para o parecer que junta, com dois argumentos: (i) formou-se um título (negócio jurídico) e ocorreu um modo (entrega das ações); (ii) sendo as ações nominativas, e nelas figurando o nome da Recorrida, presume-se que delas é titular, sendo certo que esta presunção não foi ilidida.
Q) Todavia, o acordo de cessão de créditos jamais poderia ser um válido título. Em primeiro, porque o crédito que está a ser cedido é pecuniário, e não um crédito de um acionista sobre uma sociedade. Adicionalmente, e até principalmente, como resulta claramente do texto do acordo (junto aos autos sob doc. 3) e da prova produzida, não há qualquer indício que o R. BB e a Recorrida tenham querido celebrar um acordo translativo da titularidade das ações.
R) E se não há negócio jurídico translativo das ações, rectius, se não há título, a entrega das ações à Recorrente não pode valer como modo.
S) O efeito presuntivo da titularidade que a Recorrente pretende assacar à posse ou à inscrição do nome da Recorrida nos títulos não pode proceder a partir do momento em que, como sucede nos autos, se tornaram claras e provadas as razões por que ocorre aquela situação de facto, sendo que essas razões não são, nem de perto nem de longe, um negócio jurídico, um meio juridicamente atendível, de transmissão das ações.
Subsidiariamente (ampliação do âmbito do recurso – artigo 636.º CPC)
T) Ao contrário do que decorre da sentença, se fosse justa a causa invocada pela Recorrente para resolver o contrato celebrado entre a Recorrente e a SHC, então essa resolução teria operado no dia 22.09.2016.
U) Logo, vingando as teses da Recorrente, impõe-se a conclusão de que o R. BB cedeu à Recorrida, em 07.10.2016, um crédito inexistente, sendo pois nula a cessão.
Consequentemente, o R. BB deve, ainda, à Recorrida os 7.500.000,00€ (sete milhões e quinhentos mil euros) que confessou dever-lhe em 07.10.2016. A esta quantia acrescem juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos desde 31.12.2016, sobre a quantia de €3.000.000,00 (três milhões de euros), e desde 31.12.2017 sobre a quantia de €4.500.000,00 (quatro milhões e quinhentos mil euros), até efetivo e integral pagamento. (…).
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil - a questão a decidir é a absolvição da 1ª Ré do pedido que contra ela formulou a Autora, e, se procedente, a condenação do 2º Réu no pedido contra ele formulado pela Autora.
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III. Matéria de facto
A decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância é a seguinte:
“Estão provados, com relevância para a apreciação das enunciadas questões de direito, os seguintes factos:
1. Em 07/01/2016, a sociedade SHC Azores Holding Company, S.A., e a 1.ª R. celebraram, como primeira e segunda outorgantes, respectivamente, um contrato escrito, intitulado «Contrato de Compra e Venda de Participações Sociais» - que aqui se dá por integralmente reproduzido -, no âmbito do qual estipularam, além do mais, o seguinte:
«Cláusulas PRIMEIRA Pelo presente contrato, e pelo preço global de €12.500.000,00 (doze milhões e quinhentos mil euros), a primeira outorgante vende à segunda: a) 1.900.000 (um milhão e novecentas mil) acções de valor nominal de €5,00 (cinco euros) cada, representativas de 33,33% do capital social da sociedade COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A. (…); b) 85.000 (oitenta e cinco mil) acções do valor nominal de €4,99 (quatro euros e noventa e nove cêntimos) cada, representativas de 28,33% do capital social da sociedade CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A. (…). SEGUNDA 1- O preço de €12.500.000,00 (…) mencionado na cláusula anterior será pago pela segunda outorgante à primeira da seguinte forma: a) €5.000.000,00 (cinco milhões de euros) até ao dia 31/01/2016; b) €3.000.000,00 (três milhões de euros) até ao dia 31/12/2016; c) €4.500.000,00 (quatro milhões e quinhentos mil euros) até ao dia 31/12/2017. d) 2 – (…)». TERCEIRA Com a assinatura do presente contrato e pagamento da verba constante da alínea a) do número um da cláusula anterior, a primeira outorgante procede: a) ao depósito dos títulos correspondentes às 1.900.000 (…) acções do valor nominal de €5,00 (…) cada, representativas de 33,33% do capital social da sociedade COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A., nos termos do disposto na cláusula quinta; b) ao depósito dos títulos correspondentes às 85.000 (…) acções do valor nominal de €4,99 (…) cada, representativas de 28,33% do capital social da sociedade CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A., nos termos do disposto na cláusula quinta. (…). QUINTA Os títulos representativos das acções transmitidas ao abrigo do presente contrato e melhor identificadas nas alíneas a) e b) da cláusula terceira serão, no momento da celebração deste contrato, depositados em cofre bancário junto da Agência Central de Braga da Caixa Geral de Depósitos, sob a guarda conjunta de DD e CC, que procederão à respectiva entrega: a) à segunda outorgante, após a prova do pagamento da totalidade do preço estabelecido no corpo da cláusula primeira e cláusula segunda deste contrato; b) à segunda outorgante, desde que prestada garantia bancária, on first demand, emitida por banco de primeira linha domiciliado em Portugal, que antecipadamente garanta o recebimento do preço remanescente, nas datas acordadas neste contrato; (…)» - sublinhado acrescentado.
2. À data da celebração do contrato referido em 1., o 2.º R. era administrador da sociedade SHC Azores Holding Company, S.A. 3. Por carta de 14/03/2016, a 1.ª R. comunicou à sociedade SHC Azores Holding Company, S.A., que a recebeu, o seguinte: «Somos a informar que, nesta data, procedemos à transferência, para conta titulada pela SHC Azores Holding Company, S.A., (…) da quantia de €5.049.315,07 (…) destinada ao pagamento da primeira prestação do preço (no montante de cinco milhões de euros) relativo à compra e venda de participações sociais das sociedades ‘Cofaco – Comercial e Fabril de Conservas, S.A.’ (1.900.000 acções) e ‘Coresa – Conserveiros Reunidos, S.A.’ (85.000 acções), formalizado por contrato celebrado entre as sociedades SOLA SGPS e SHC AZORES HOLDING COMPANY no dia 07 de Janeiro, constante da alínea a) do n.º 1 da respectiva cláusula segunda, acrescido de juros (…). Nos termos das disposições combinadas das cláusulas terceira e quinta do contrato em referência, com o pagamento da prestação em apreço constitui obrigação da SHC AZORES HOLDING COMPANY proceder ao depósito dos títulos correspondentes às participações sociais objecto da transmissão com vista à sua colocação em cofre aberto junto da Agência Central da Caixa Geral de Depósitos de Braga sob a guarda conjunta dos depositários DD e CC. Nesta conformidade, e em cumprimento do contratualmente estabelecido, somos a solicitar que, dentro do prazo máximo de 10 dias, a SHC AZORES HOLDING COMPANY proceda à entrega aos identificados depositários de 1.140.000 acções da Cofaco – Comercial e Fabril de Conservas, S.A., e de 51.000 acções da Coresa – Conserveiros Reunidos, S.A., com vista ao respectivo depósito em cofre aberto junto da Agência Central da Caixa Geral de Depósitos de Braga, onde, para o efeito, já se encontram depositadas 760.000 acções da Cofaco - Comercial e Fabril de Conservas, S.A. e 34.000 acções da Coresa – Conserveiros Reunidos, S.A., tudo perfazendo o conjunto de participações sociais objecto da transmissão».
4. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 27/05/2016, a 1.ª R. comunicou à sociedade SHC AZORES HOLDING COMPANY, que a recebeu, o seguinte: «Por contrato de compra e venda de participações sociais datado de 07 de Janeiro de 2016 a SOLA SGPS, pelo preço de €12.500.000,00 (…) adquiriu à SHC AZORES: a) 1.900.000 (um milhão e novecentas mil) acções de valor nominal de €5,00 (cinco euros) cada, representativas de 33,33% do capital social da sociedade COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A.; eb) 85.000 (oitenta e cinco mil) acções do valor nominal de €4,99 (quatro euros e noventa e nove cêntimos) cada, representativas de 28,33% do capital social da sociedade CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A. Nos termos da cláusula segunda do contrato celebrado, o referido preço de €12.500.000,00 será pago em três prestações anuais, com os seguintes valores e datas de vencimento: a) €5.000.000,00 (…) até ao dia 31/01/2016; b) €3.000.000,00 (…) até ao dia 31/12/2016; c) €4.500.000,00 (…) até ao dia 31/12/2017. A prestação de €5.000.000,00 (…) vencida em 31/01/2016 encontra-se paga. De acordo com o estipulado nas cláusulas terceira e quinta do contrato em referência, com o pagamento da primeira prestação, no referido montante de cinco milhões de euros, a SHC AZORES obrigou-se a proceder ao depósito dos títulos correspondentes às participações sociais objecto de transmissão em cofre bancário da Agência Central de Braga da Caixa Geral de Depósitos, sob a guarda conjunta de DD e CC (administrador da SHC AZORES). Para o citado efeito encontram-se já depositadas no aludido cofre bancário 760.000 (…) acções da COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A., e 34.000 (…) acções da CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A. Mantém a SHC AZORES em seu poder, porém, as remanescentes 1.140.000 (…) acções da COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A. e 51.000 (…) acções da CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A., não tendo ainda procedido à respectiva entrega aos identificados depositários para depósito em cofre. A não disponibilização dos títulos em apreço para depósito em cofre constitui a SHC AZORES em mora no cumprimento do contrato, uma vez que se mantém relapsa na realização de prestação que lhe cabe. (…). Até ao cumprimento, por parte da SHC AZORES, desta sua prestação, a SOLA SGPS recusará o cumprimento de qualquer prestação própria, para o que expressamente declara lançar mão do instituto da excepção de não cumprimento do contrato (exceptio non adimpleti contractus). Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a SOLA SGPS reserva-se igualmente o direito de assacar à SHC AZORES todas as consequências advenientes da mora actual no cumprimento do contrato mediante a respectiva conversão em incumprimento definitivo».
5. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 22/08/2016 – que aqui se dá por integralmente reproduzida –, a 1.ª R. comunicou à sociedade SHC AZORES HOLDING COMPANY, que a recebeu em 23/08/2016, o seguinte: «(…). Por carta datada do pretérito dia 27 de Maio de 2016 a SOLA SGPS interpelou a SHC AZORES, certo é que, até ao momento, a situação de facto permanece inalterável, mantendo a SHC em sua posse os títulos correspondentes a 1.140.000 (…) acções da COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A., e de 51.000 (…) ACÇÕES DA CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A. Ora, a manutenção desta situação de não cumprimento da obrigação de entrega dos títulos é insustentável. As acções em apreço são ao portador. Significa isto que apesar do contrato de compra e venda celebrado entre as partes, os efeitos plenos da alienação dos títulos só poderão ocorrer com a transmissão física dos mesmos. (…). «(…) [N]o próximo 31 de Dezembro de 2016 vence-se uma segunda prestação do preço, no montante de três milhões de euros. Como decorre da interpelação antecedente, a SOLA SGPS não procederá a este pagamento sem que a SHC AZORES efectue, por seu turno, a entrega dos títulos em falta. (…). Para além do exposto, releva a circunstância de a entrega dos títulos ser uma obrigação fundamental do vendedor SHC AZORES e, em bom rigor, praticamente a única a que o mesmo se encontra adstrito. Com efeito, esta mora injustificada no cumprimento desta obrigação levanta a fundamentada dúvida acerca da real detenção por parte da SHC AZORES dos títulos em apreço, o que, naturalmente, mina por completo a confiança no futuro cumprimento e perfeição do contrato em curso. Nesta conformidade, pela presente interpelação, de natureza admonitória, a SOLA SGPS expressamente confere à SHC AZORES o prazo adicional de 30 (trinta) dias para que esta, no cumprimento do contrato celebrado em 07 de Janeiro de 2016, proceda à entrega dos títulos correspondentes a 1.140.000 (…) acções da COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A., e de 51.000 (…) ACÇÕES DA CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A. para depósito emcofre da Agência Central de Braga da Caixa Geral de Depósitos, sob a guarda conjunta dos identificados depositários. A não entrega, dentro do prazo ora concedido, dos títulos em apreço determinará o incumprimento definitivo e imediato – com dispensa de qualquer ulterior notificação para o efeito – do contrato de compra e venda de participações sociais celebrado entre as partes e datado de 07 de Janeiro de 2016, com a consequente resolução do mesmo por causa exclusivamente imputável à SHC AZORES. Resolvido o contrato por incumprimento definitivo da SHC SGPS constituir-se-á esta na obrigação de devolução à SOLA SGPS da parte do preço paga, no montante de cinco milhões de euros, bem como na obrigação do pagamento de todos os prejuízos decorrentes do incumprimento contratual, a calcular posteriormente. Em caso de verificação de resolução contratual, a SOLA SGPS exercerá retenção sobre os títulos já depositados até integral ressarcimento da parte do preço paga e prejuízos adicionais a liquidar».
6. Porém, a sociedade SHC Azores Holding Company, S.A., nunca entregou os títulos correspondentes a 1.140.000 acções da COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A., e 51.000 acções da CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A., para depósito em cofre da Agência Central de Braga da Caixa Geral de Depósitos.
7. Em 14/10/2016, a A. e seu marido GG, ora interveniente principal, e o 2.º R, celebraram como primeiros e segundo outorgantes, respectivamente, um contrato escrito, com a designação «Acordo de Regularização de Dívida» - que aqui se dá por integralmente reproduzido -, no âmbito do qual acordaram, além do mais, o seguinte:
«(…). Considerandos 1. Por ‘Contrato’ celebrado em 20 de Novembro de 2002, entre os Primeiros Outorgantes e o Segundo Outorgante, a Primeira Outorgante mulher vendeu ao Segundo Outorgante a totalidade das Ações, de que era titular no capital social de todas as sociedades que integravam o denominado ‘Grupo Cofaco’ e o direito de preferência na subscrição do aumento de capital que viesse a ser deliberado nas sociedades que integravam o denominado ‘Grupo Cofaco’. (…). 4. No referido ‘Contrato’ o Primeiro Outorgante marido declarou, expressa e definitivamente, que dava o seu consentimento à sua mulher e também Primeira Outorgante para as transmissões e obrigações ali assumidas e descritas nos números anteriores deste Considerando. 5. Pelo identificado Contrato, os Outorgantes fixaram o preço da venda das participações sociais e do direito de preferência na subscrição do aumento de capital que viesse a ser deliberado nas sociedades que integravam o denominado «Grupo Cofaco’ (…), pelo valor de €15.710.000,00 (…), tendo o Segundo Outorgante ficado devedor à Primeira Outorgante mulher dessa quantia. (…). Cláusulas Primeira a) Pelo presente ‘Acordo de Regularização de Dívida’ o Segundo Outorgante entrega à Primeira Outorgante, em cumprimento do estabelecido no ‘Contrato’ identificado nos considerandos anteriores, a quantia de €15.710.000,00 (…), do modo e nos prazos seguintes: 1. Nesta data a quantia de €2.500.000,00 (…), por cheque, que a Primeira Outorgante declara ter recebido e, por isso, dá aqui a respectiva quitação; 2. Em 24/10/2016 a quantia de €2.210.000,00 (…); 3. Em 31/10/2016, a quantia de €1.000.000,00 (…); 4. Em 14/11/2016, a quantia de €2.500.000,00 (…); 5. O remanescente valor de €7.500.000,00 (…) é pago, nesta data, através da cessão de um crédito, de igual valor, que o Segundo Outorgante é titular sobre a sociedade ‘SOLA, SGPS, S.A.’, através de ‘Contrato de Cessão de Créditos’ celebrado no dia de hoje. b) Os Primeiros Outorgantes declaram, para todos os efeitos, que aceitam a regularização da identificada dívida nos montantes, prazos e modo descritos na anterior alínea a) desta Cláusula, não havendo lugar ao pagamento de qualquer juro ou outra compensação financeira pelo tempo decorrido desde a data do referido ‘Contrato’. Segunda Em consequência da regularização integral da dívida, como estabelecido na cláusula anterior, os Outorgantes aceitam revogar e, consequentemente, dar sem qualquer efeito, todos os contratos, acordos e compromissos expressos ou tácitos, celebrados e estabelecidos entre si e que tiveram como finalidade o descrito nos Considerandos anteriores quanto às sociedades comerciais do denominado ‘Grupo Cofaco’, com excepção do ‘Contrato’ celebrado entre as Partes em 20 de Novembro de 2002».
8. Para cumprimento da obrigação referida no n.º 5 da alínea a) dessa cláusula primeira, o 2.º R. e a A. e seu marido celebraram, no mesmo dia 14/10/2016, como «Primeiro Outorgante» ou «Cedente» e «Segundos Outorgantes» ou «Cessionários», respectivamente, um contrato intitulado de «Contrato de Cessão de Créditos», com o seguinte conteúdo: «Considerandos A) No âmbito do ‘Contrato de Compra e Venda de Participações Sociais’, datado de 07 de Janeiro de 2016, a sociedade SHC Azores Holding Company, S.A., (…) ficou credora da sociedade ‘SOLA, SGPS, S.A.’ (…) do valor de €7.500.000,00 a pagar em duas prestações, a saber - uma de €3.000.000,00 (…), a pagar até ao dia 31 de Dezembro de 2016; - e outra de €4.500.000,00 (…), a pagar até ao dia 31 de Dezembro de 2017; B) Por ‘Contrato de Cessão de Créditos’, datado de 7 de Outubro de 2016, a identificada sociedade SHC Azores Holding Company, S.A., cedeu o crédito que se identifica no Considerando A) ao aqui Primeiro Outorgante; C) Atentos os termos, condições e obrigações constantes do ‘Contrato’, celebrado em 20 de Novembro de 2002, e do ‘Acordo’, celebrado em 14 de Outubro de 2016, ambos entre o Primeiro Outorgante e os Segundos Outorgantes, bem como a importância da entrega do crédito pelo Primeiro Outorgante, para liquidação parcial de dívida, aos Segundos Outorgantes, estes procedem à aquisição dos créditos melhor identificados no Considerando A) ao Primeiro Outorgante, nos termos e condições constantes das Cláusulas seguintes: (…) Primeira: Pelo presente Contrato, o Primeira Outorgante cede à Segunda Outorgante mulher, ao abrigo do disposto nos artigos 577.º e seguintes do Código Civil, a totalidade do crédito identificado no Considerando A), pelo valor de €7.500.000,00 (…). Segunda: Os Segundos Outorgantes aceitam a cessão do crédito identificado na Cláusula anterior. Terceira: Acordam os Primeiro e Segundos Outorgantes que a presente cessão de crédito é a título liberatório pelo que, os Outorgantes dão aqui a sua quitação de pagamento do preço. Quarta: O Primeiro Outorgante entrega neste acto aos Segundos Outorgantes todos os documentos que servem de suporte ao crédito cedido. Quinta: O Primeiro Outorgante declara, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 589.º e seguintes do Código Civil, que subroga, enquanto Credor, os Segundos Outorgantes em todosos direitos emergentes daquele supra citado Contrato em consequência da liquidação integral a que procedeu, declarando nada mais ter a receber a esse título. Sexta: O Primeiro Outorgante e os segundos Outorgantes acordam que a notificação da transmissão do Crédito ao respectivo devedor é efectuada pelo Primeiro Outorgante.
9. O 2.º R. efectuou as prestações referidas nos nºs. 1. a 4. da alínea a) da cláusula primeira do contrato referido no ponto antecedente.
10. Na sequência da celebração dos contratos referidos em 7. e 8., o 2.º R. entregou à A. os títulos ao portador representativos de 1.140.000 acções da COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A., e de 51.000 acções da CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A., para que a A. as entregasse à 1.ª R. quando esta satisfizesse o crédito, no valor de €7.500.000,00, objecto do «contrato de cessão de créditos» referido em 8., correspondente a parte do preço de aquisição das acções.
11. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 12/12/2016, a 1.ª R. comunicou à sociedade SHC AZORES HOLDING COMPANY, que a recebeu em 14/12/2016, o seguinte: «(…) [P]or carta datada de 22 de Agosto de 2016 e recebida pela SHC AZORES no dia seguinte, a SOLA SGPS efectuou interpelação admonitória pela qual conferiu o prazo adicional e limite de 30 dias para que a SHC procedesse à entrega dos títulos correspondentes a 1.140.000 (…) acções da COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A., e de 51.000 (…) acções da CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A., para depósito em cofre da Agência Central de Braga da Caixa Geral de Depósitos. Sublinhou a SOLA SGPS que a entrega dos títulos é uma obrigação principal do vendedor SHC AZORES (…) e que a mora injustificada no cumprimento dessa obrigação levanta a fundamentada dúvida acerca de tal detenção, por parte da SHC AZORES, dos títulos em apreço. Mais advertiu a SOLA SGPS que a não entrega, dentro do prazo concedido, dos títulos em apreço determinaria o incumprimento definitivo e imediato – com dispensa de qualquer ulterior notificação para o efeito, do contrato de compra e venda de participações sociais celebrado entre as partes e datado de 07 de Janeiro de 2016, com a consequente resolução do mesmo por causa exclusivamente imputável à SHC AZORES. Ora, volvidos não trinta, mas mais de cem dias após a interpelação em causa, a SHC AZORES continua sem proceder à entrega dos títulos em falta. Encontra-se a sua mora convertida em incumprimento definitivo.Presentemente estão entregues e depositados nos termos do contrato celebrado títulos correspondentes a 760.000 (…) acções da COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A., e 34.000 (…) acções da CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A. Como referido supra, na economia do contrato de 07 de Janeiro de 2016 estes títulos entregues e depositados possuem o valor relativo de cinco milhões de euros, o que corresponde à parte do preço já paga. Vale assim por dizer que, presentemente, existe correspondência entre a parte do preço paga e os títulos entregues. Nada obsta, por isso, que o incumprimento definitivo da SHC AZORES não afecte já a parte já cumprida e não viciada do contrato, operando-se assim a redução do objecto do mesmo àquilo que é possível cumprir, com idêntica e proporcional redução da contraprestação da SOLA SGPS, ou seja, do preço. Nesta conformidade, e no exercício do direito que a lei lhe confere, a SOLA SGPS opta por exigir o cumprimento parcial do contrato na parte possível, reduzindo-o à transmissão de 760.000 (…) acções da COFACO - COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A., e 34.000 (…) acções da CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A., já entregues pela vendedora, pelo preço (proporcionalmente reduzido) de €5.000.000,00 (…) já pago. Considera assim a SOLA SGPS concluído e cumprido este segmento contratual, sem prejuízo de se reservar o direito a reclamar indemnização pelos danos decorrentes do incumprimento contratual da SHC AZORES no que ao remanescente do objecto contratual inicial diz respeito».
12. Nesta sequência, por carta de 27/12/2016, a 1.ª R. solicitou a DD, na qualidade de depositário, a entrega das acções correspondentes ao segmento do contrato concluído e cumprido, ou seja, 760.000 acções da sociedade comercial COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A., e 34.000 acções da sociedade CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A., tendo o referido DD entregado as referidas acções à 1.ª R em 05/01/2017.
13. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 14/12/2016, o 2.º R. comunicou à 1.ª R., que a recebeu em 16/12/2016, o seguinte: «Assunto: Comunicação de Cessão de Créditos Exmo. Sr. Dr. FF, Nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 583.º do Código Civil, por mim e na qualidade de Administrador da sociedade anónima SHC Azores Holding Company, S.A., (…) venho comunicar que a minha representada, por contrato de cessão de créditos celebrado em 14/10/2016, cedeu o crédito sobre essa sociedade ‘SOLA, SGPS, S.A.’ (…), no valor global de €7.500.000,00,decorrente do ‘Contrato de Compra e Venda de Participações Sociais’, datado de 07 de Janeiro de 2016, das Ações representativas de 33,33% do capital social da sociedade comercial ‘Cofaco – Comercial e Fabril de Conservas, S.A.’ (…) e das Acções representativas de 28,33% do capital social da sociedade comercial ‘Coresa – Conserveiros Reunidos, S.A.’, (…) a AA (…), para conjuntamente com a entrega das Acções representativas de parte do capital social das identificadas sociedades comerciais, que se identificam com 1.140.000 Acções representativas de 20% do capital social da ‘Cofaco - Comercial e Fabril de Conservas, S.A.’ e 51.000 Acções representativas de 17% do capital social da ‘Coresa – Conserveiros Reunidos, S.A.’, dar cumprimento ao acordo de regularização de responsabilidades com esta celebrado».
14. No início do mês de Janeiro de 2017, a A. comunicou à 1.ª R., por carta, o seguinte: «Exmos. Srs. Como é do vosso conhecimento e ao abrigo de um contrato de cessão de créditos feito entre BB e eu própria, venho por este meio reclamar o pagamento de 7.500.000,00 milhões de euros, cuja primeira prestação, no valor de 3.000.000 Milhões de Euros, deveria ter ocorrido em 31 de Dezembro de 2016 e a próxima, no valor de 4.500.000 Milhões de Euros, a realizar até ao final 31 de dezembro de 2017. Esta cessão de créditos corresponde à dívida da sociedade ‘SOLA SGPA SA’ para com a sociedade SHC Azores Holding Company, S.A., e que em devido tempo foi comunicado por carta a essa sociedade. Assim, solicito a sua melhor atenção para este assunto e aguardo o pagamento da prestação vencida, no montante de 3.000.000 Milhões para o IBAN ES ...2310».
15. Por carta datada de 12/01/2017, a 1.ª R comunicou à A., em resposta, além do mais – que aqui se dá por integralmente reproduzido – que, «quando [recebeu] tal comunicação [reportava-se a 1.ª R. à comunicação da cessão do crédito referida em 13.] já há muito (desde 23 de Setembro de 2016) o contrato em apreço se encontrava definitivamente incumprido pela SHC AZORES, tendo entretanto, sido objecto de resolução e redução, pelo que, à data de tal comunicação (16 de Dezembro de 2016) inexistia qualquer relação contratual geradora de crédito passível de ser cedido a terceiro. Em suma, a SHC AZORES cedeu o que já não possuía. (…)».
16. A A., por intermédio do seu filho, HH, e do seu marido, o interveniente principal GG, fez várias diligências junto de FF, presidente do conselho de administração da 1.ª R, para obter a satisfação do crédito referido na cláusula primeira do contrato referido em 8., no valor global de €7.500.000,00.
17. Apesar disso, a 1.ª R. nunca pagou à A. tal quantia em dinheiro.
18. Na sequência e por causa dos factos referidos em 15. a 17., foram encetadas negociações entre FF, por um lado, e GG e HH, respectivamente marido e filho da A., por outro, por iniciativa do primeiro, com vista à venda das acções referidas em 8. a FF, as quais, porém, se vieram a frustrar.
19. No dia 28/08/2017, teve lugar a assembleia geral das sociedades COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A. e CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A.
20. A A. remeteu ao Presidente da Assembleia Geral da sociedade COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A., e ao Presidente da Assembleia Geral da sociedade CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A., cartas datadas de 25/08/2017 e 28/08/2017, respectivamente, com o seguinte teor: «Excelentíssimo Senhor Presidente (…) AA, (…) acionista dessa sociedade, vem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 380.º do Código das Sociedades Comerciais, nomear HH (…) para a representar na Assembleia Geral da sociedade a realizar no dia 28 de Agosto de 2017, pelas 10:30h (…), deliberar e votar como entender todos os assuntos constantes da ordem de trabalhos descritos na convocatória da Assembleia Geral, datada de 21 de Julho de 2017». (carta de 25/08/2017) «Excelentíssimo Senhor Presidente (…). AA (…), vem por este meio comunicar, ao abrigo do disposto no artigo 380.º do CSC, que se fará representar na Assembleia Geral da Coresa – Conserveiros Reunidos, S.A., agendada para o próximo dia 28 de Agosto de 2017, por HH (…) a quem confere os mais amplos poderes para discutir, propor e votar, no sentido que se lhe afigurar mais conveniente, os seguintes pontos da ordem de trabalho: (…)». (carta de 28/08/2017).
21. Nesta sequência, HH compareceu, em representação da A., na reunião da assembleia geral referida em 19.
22. Após a publicação do Decreto-Lei n.º 123/2017, de 25 de Setembro, que obrigou à conversão de todas as acções ao portador em acções nominativas, as sociedades COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A. e CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A., publicaram em 18 de Outubro de 2017 anúncio dirigido aos detentores de títulos de acções ao portador, destinado à sua substituição por novos títulos de acções nominativas.
23. Em 02/11/2017, a A., no acto representada pelo seu filho HH – a quem a primeira entregou a carta de representação de 30/10/2017 (Doc. 28 junta com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzida) – procedeu à entrega na COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS de títulos ao portador correspondentes a 1.140.000 acções tendo, em sua substituição, recebido novos títulos nominativos correspondentes ao mesmo número de acções, com a indicação de pertencerem a AA.
24. No mesmo dia 02/11/2017, a A., no acto igualmente representada pelo seu filho HH – a quem a primeira entregou a carta de representação de 30/10/2017 (Doc. 32 junta com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzida) – procedeu à entrega na CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS de títulos ao portador correspondentes a 51.000 acções, tendo em sua substituição recebido novos títulos nominativos correspondentes ao mesmo número de acções, com a indicação de pertencerem a AA.
4.2. Factos não provados
Não há factos não provados com relevo para o julgamento da causa.
Motivação da decisão da matéria de facto4
*
IV. Apreciação
Com o seu recurso, a recorrente juntou aos autos um parecer jurídico do Professor Jorge Manuel Coutinho de Abreu. Nada obsta à junção, nos termos do artigo 651º do Código de Processo Civil.
Primeira nota prévia:
Pretende a recorrente que este tribunal aprecie uma série de argumentos pelos quais, a seu ver, a sentença errou, em contexto de recurso em matéria de direito, e subsidiariamente pretende a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, para que se consigne como provada a factualidade das negociações que já vinham de 2012.
Impõe-se assim um primeiro ponto de esclarecimento sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
A recorrente não impugnou nenhum dos factos dados como provados, não expressou qualquer vontade de os impugnar e em todo o caso não os identificou nas conclusões da alegação como sendo factos a reapreciar, razão pela qual sempre qualquer pretensão nesse sentido seria rejeitada, à força da inobservância dos ónus previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil. Desta nota resulta uma incidência, no próprio segmento do recurso em matéria de direito: - é que não tem efeito discorrer na impugnação do direito, com testemunhos, com excertos de testemunhos, nem com documentos. Para a apreciação da solução jurídica da sentença relevam apenas os factos que estão provados.
Segunda nota prévia: - balizando as questões a decidir, verifica-se que no caso concreto a A. invocou ter um crédito sobre a 1ª Ré, por lhe ter sido cedido pelo 2º Réu, e a 1ª Ré defendeu-se dizendo que quando o crédito foi cedido o mesmo já não existia porque ela, 1ª Ré, tinha declarado resolvido o contrato do qual tal crédito resultava, por incumprimento definitivo da primitiva credora. Além disto, a 1ª Ré manifestou apenas que a A. não podia querer deter as acções e simultaneamente cobrar o crédito, e por isso, coerentemente, para o caso de se entender que o crédito cedido ainda existia, pediu que a A. fosse condenada a entregar-lhe as acções. Ou seja, não se discutiu nos articulados se “a cessão em causa nunca poderia ter ocorrido sem autorização da SOLA, sendo-lhe inoponível; e ainda que fosse abstractamente viável, a suposta cessão de créditos é ineficaz, por ter sido comunicada após a resolução do negócio, e por ter sido cedida por pessoa diversa de quem a autora indica como sendo o credor, em violação do trato sucessivo da transmissão do crédito”. Também não se discutiu se o crédito não existia porque o 2º Réu nada devia à Autora, ou porque a primitiva credora não houvesse cedido o crédito ao 2º Réu, nem se discutiu se a cessão de crédito não se configurava juridicamente como tal, mas sim como uma cessão da posição contratual, porquanto à A. tivesse sido transmitida a obrigação originária do cedente, de entregar os títulos, com a implicação de que a cessão da posição contratual dependia do consentimento do devedor.
Assim, todas estas questões, ainda que o tribunal tenha discorrido sobre a cessão de créditos fazendo o respectivo enquadramento teórico, e designadamente todas as conclusões da alegação que se dirigem a atacar a “ALEGADA AQUISIÇÃO DE UM CRÉDITO PELO 2.º RÉU E DA SUA PUTATIVA TRANSMISSÃO A FAVOR DOS AUTORES” – configuram-se como questões novas, de que o tribunal de recurso não pode conhecer – artigo 627º do Código de Processo Civil.
Terceira nota prévia: - da impugnação subsidiária da decisão sobre a matéria de facto, de modo a que se dê como provado o histórico do negócio anterior em que esteve envolvida a SHC. O tribunal de primeira instância considerou, no despacho saneador, que essa matéria era irrelevante para a decisão da causa e excluiu-a, portanto, da discussão e prova, do que as partes não reclamaram.
A ligação entre o histórico anterior e saber se o contrato novo, entre SHC e 1ª Ré, foi resolvido por via da interpelação admonitória de Agosto ou apenas após a comunicação de incumprimento definitivo feita em Dezembro, é, como se percebe, nenhuma. A ligação entre tal histórico anterior e a questão de saber se a resolução foi lícita, far-se-ia para reforço da caracterização da obrigação de depósito das acções como essencial – conclusão 67.
Com o devido respeito, não conseguimos perceber: - os factos que a recorrente pretende aditar, sobre o negócio anterior, bem descrevem como, nele, a SHC depositou, sem delongas nem incidentes, os títulos correspondentes a 80% do capital do grupo Cofaco e 68% do capital social do grupo Coresa. Quer isto dizer que aqui histórico nenhum há de incumprimento pela SHC da obrigação de depositar os títulos, fenecendo uma qualquer tendência reincidente. O que resulta mais desse histórico, segundo a redação dos factos que a recorrente propugna sejam aditados?
Que “com a revogação do contrato de Agosto de 2012, procedeu-se à celebração de dois novos contratos de compra e venda de participações sociais”, por via dos quais acabou por não ser devolvida a quantia de vinte e cinco milhões de euros paga (foi cedida a uma nova sociedade do mesmo grupo) nem serem devolvidos à SHC os títulos entregues, havendo intervenção do depositário, de acordo com as partes, para a entrega dos títulos a uma das sociedades do mesmo grupo empresarial que substitui a primitiva compradora. Assim, o “empresário FF (utilizando para o efeito a sociedade de que é beneficiário, D’AVÓ – INDÚSTRIA DE PRODUTOS ALIMENTARES, S.A.) logrou colocar um ponto final no problema anteriormente gerado pela SHC AZORES HOLDING COMPANY com a sua inopinada tentativa de resolução contratual, celebrando contrato com quitação integral do pagamento do preço relativo a dois terços do capital social do Grupo Cofaco. O) Com vista à aquisição do capital remanescente do Grupo COFACO, no mesmo dia 07 de Janeiro de 2016 é celebrado o contrato de compra e venda de participações sociais entre SHC AZORES HOLDING COMPANY e SOLA SGPS que a autora junta à sua p.i. como documento nº 1” (sublinhado nosso – o problema foi a inopinada tentativa de resolução contratual, ou seja, o problema não tem ligação alguma com qualquer comportamento duvidoso relacionado com depósito de títulos).
Finalmente, a recorrente insiste (73. Quanto à essencialidade da obrigação de depósito na negociação do contrato) pelo aditamento de que parte “das participações sociais objecto do contrato de 07.01.2016 já se encontrava em posse do depositário DD, mais propriamente 760.000 acções (Cofaco) e 34.000 (Coresa), facto que já está consignado no facto provado nº 12.
Que esse número de acções corresponda à diferença entre as entregues à D’AVÓ por força do contrato celebrado com a SHC e as que remanesceram em posse daquele depositário por força da revogação do primitivo contrato com a OLHO ESTRATÉGICO e que coubesse à SHC proceder, segundo o contrato à entrega dos títulos restantes, já resulta do contrato e é absolutamente irrelevante, recorde-se, para caracterizar a essencialidade da obrigação de depósito, consignar donde provém a diferença.
Julgamos assim ter demonstrado que, independentemente da solução de direito que vamos passar a analisar, se revela a todos os títulos completamente inútil o aditamento dos factos propugnados na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, sendo jurisprudência firme a que deriva da proibição da prática de actos inúteis que o artigo 130º do Código de Processo Civil estabelece, estar vedado ao tribunal de recurso reapreciar decisões de facto sem qualquer relevo para a solução jurídica da causa.
Quarta nota prévia: - a recorrente insurge-se contra a sentença na parte em que considerou que a Autora não era proprietária das acções, apesar de as ter em seu poder, apesar da sua conversão legal em nominativas, e no nome da Autora, e apesar da sua representação, já em 2017, na assembleia geral das sociedades a que tais acções dizem respeito. Todavia, essa insurgência visava demonstrar que o contrato celebrado entre o 2º Réu e a Autora não era uma simples cessão de crédito mas uma cessão simultânea de crédito e obrigação, isto é, uma cessão da posição contratual, não comunicada à recorrente e por esta não consentida, e consequentemente nula – conclusão final (ponto 3.4) do parecer do Professor Coutinho de Abreu.
Como já advertimos, e como aliás a própria sentença refere, esta defesa não foi oferecida nos articulados, nenhum dos Réus pondo em causa a cessão do crédito do 2º Réu à Autora, pelo que, também o conhecimento, pela Relação, desta questão da transmissão das acções à Autora, enquanto constituinte de um diverso instituto jurídico, se mostra prejudicada por não ter sido decidida pela 1ª instância – sendo aliás certo que a nulidade em causa não é de conhecimento oficioso.
A parte sobrante de utilidade da questão da transmissão da propriedade das acções à Autora – não pode a Autora receber o pagamento das acções, em cumprimento de um contrato de venda delas, sendo dona delas – mostra-se consumida pela decisão dado ao pedido reconvencional, que condenou a Autora a entrega-las à 1ª Ré, não havendo razão para qualquer pronúncia adicional deste tribunal sobre a questão da transmissão das acções e propriedade delas por parte da Autora.
Assim circunscrito o âmbito das questões do recurso, prossigamos.
1ª questão: - Da existência do crédito cedido pelo 2º Réu à Autora, na data da cedência.
A sentença discorreu, e citamos: “Cumpre a este respeito esclarecer, a título preliminar, que a cessão de créditos, na relação entre as partes (cedente e cessionário), opera imediatamente, o que significa que a cessão determina a transmissão do direito de crédito da esfera jurídica do cedente para o cessionário, independentemente da comunicação da cessão ao devedor cedido. Com efeito, e como acima sublinhado, o credor pode ceder a terceiros o seu crédito, na totalidade ou em parte, independentemente do consentimento do devedor (artigo 577.º, n.º 1, primeira parte, do CC). As condições de validade e eficácia inter-partes da cessão são apenas aquelas que a lei impõe aos contratos, onerosos ou gratuitos, que lhe servem de base (artigo 578.º, n.º 1, do CC), o que significa que, observadas estas, o contrato produz logo o efeito de transmissão do crédito da esfera jurídica do cedente para a esfera jurídica do cessionário. É certo que, de acordo com o n.º 1 do artigo 583.º do CC, a cessão só produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada ou desde que ele a aceite. Porém, o sentido e alcance desta regra de ineficácia relativa é explicitado no número seguinte, que regula a hipótese de o devedor pagar ao cedente ou celebrar com ele algum negócio relativo ao crédito antes da notificação ou aceitação da cessão. Decorre do n.º 2 desse artigo, com efeito, que em tal hipótese o devedor pode opor ao cessionário o pagamento ou o negócio jurídico respeitante ao crédito, excepto se o cessionário alegar e provar que o devedor tinha conhecimento da cessão. Pretende-se desse modo tutelar o interesse do devedor que, desconhecendo a cessão, por dela não ter sido oportunamente notificado, paga a dívida ao cedente ou celebra com ele um negócio respeitante ao crédito, julgando erradamente que o cedente é ainda o titular do correspondente direito de crédito. O problema, agora perspectivado do ângulo do cessionário, é, assim, de inoponibilidade da cessão de créditos ao devedor cedido, com tal restrito alcance: na referida hipótese legal, e apenas nessa, o cessionário não pode opor ao devedor a cessão de créditos, exigindo-lhe que pague de novo ou que lhe pague independentemente do negócio que, no desconhecimento da cessão, celebrou com o cedente. Mas, sublinhe-se de novo, a falta de notificação ou aceitação da cessão por parte do devedor não impede a transmissão do crédito do cedente para o cessionário, e, considerando que a cessão não modifica em nada o direito de crédito, também não afasta a responsabilidade do devedor pelo seu cumprimento, caso o crédito exista e seja exigível, como garantido pelo cedente ao cessionário (artigo 587.º, n.º 1, do Código Civil). Volvendo ao caso concreto com tais elementos de análise, conclui-se que o momento relevante para aferir da existência do crédito cedido, na esfera jurídica do 2.º R. (cedente), corresponde, pois, à data da celebração do denominado «contrato de cessão de créditos» (14/10/2016), e não à data em que a cessão foi comunicada à 1.ª R. (16/12/2016)”.
Não se encontra no recurso dissensão quanto a este segmento da sentença. A data relevante é assim a de 14.10.2016.
A sentença prosseguiu analisando se, pela carta de 22.08.2016 e respectivo prazo nela concedido (até 23.09.2016 – e, portanto, antes da cessão formalizada em 14.10.2016) – a 1ª Ré havia resolvido o contrato ou se a resolução só tinha operado em Dezembro desse ano.
Considerou-se:
“Provou-se que, por carta de 22/08/2016, a 1.ª R., que figurava como compradora no contrato donde emergiu o crédito cedido («contrato de compra e venda de participações sociais» de 07/01/2016), fixou à SHC AZORES, SA, que aí figurava como vendedora, um prazo admonitório de 30 dias para que procedesse à entrega dos títulos correspondentes a 1.140.000 acções da COFACO … e de 51.000 acções da CORESA…, para depósito em cofre da Agência Central de Braga da Caixa Geral de Depósitos, o que considerou ser uma obrigação contratual principal da SHC AZORES, S.A. (…). Nessa carta, comunicou ainda à SHC AZORES, S.A., que «[a] não entrega, dentro do prazo ora concedido, dos títulos em apreço determinará o incumprimento definitivo e imediato – com dispensa de qualquer ulterior notificação para o efeito – do contrato de compra e venda de participações sociais celebrado entre as partes e datado de 07 de Janeiro de 2016, com a consequente resolução do mesmo por causa exclusivamente imputável à SHC AZORES». Muito embora se possa incluir na interpelação do prazo admonitório, por economia de meios, a declaração condicional de resolução do contrato (…) não se afigura que a 1.ª R. tenha optado por essa solução. Com efeito, não só a carta de 22/08/2016 não é totalmente explícita a esse respeito (cfr. quatro últimos parágrafos), como, sobretudo, o comportamento posterior da 1.ª R. revela o contrário. Com efeito, analisando diacronicamente a sequência de cartas enviadas pela 1.ª R. à A., verifica-se que, por meio dessa carta de 22/08/2016, a R. limitou-se a fixar um prazo admonitório para o cumprimento da obrigação de depósito das acções, exercendo, assim, a correspondente faculdade legal, prevista no n.º 1 do artigo 808.º do CC. Só com o envio da carta de 12/12/2016, recebida em 14/12/2016, veio a 1.ª R. exercer o invocado direito de resolução e redução do «contrato de compra e venda de participações sociais» de 07/01/2016, como decorre da seguinte passagem desta última carta: «Ora, volvidos não trinta, mas mais de cem dias após a interpelação em causa, a SHC AZORES continua sem proceder à entrega dos títulos em falta. Encontra-se a sua mora convertida em incumprimento definitivo. Presentemente estão entregues e depositados nos termos do contrato celebrado títulos correspondentes a 760.000 (…) acções da COFACO (…) e 34.000 (…) acções da CORESA (…). Como referido supra, na economia do contrato de 07 de Janeiro de 2016 estes títulos entregues e depositados possuem o valor relativo de cinco milhões de euros, o que corresponde à parte do preço já paga. Vale assim por dizer que, presentemente, existe correspondência entre a parte do preço paga e os títulos entregues. Nada obsta, por isso, que o incumprimento definitivo da SHC AZORES não afecte já a parte já cumprida e não viciada do contrato, operando-se assim a redução do objecto do mesmo àquilo que é possível cumprir, com idêntica e proporcional redução da contraprestação da SOLA SGPS, ou seja, do preço. Nesta conformidade, e no exercício do direito que a lei lhe confere, a SOLA SGPS opta por exigir o cumprimento parcial do contrato na parte possível, reduzindo-o à transmissão de 760.000 (…) acções da COFACO (…) e 34.000 (…) acções da CORESA (…), já entregues pela vendedora, pelo preço (proporcionalmente reduzido) de €5.000.000,00 (…) já pago. Considera assim a SOLA SGPS concluído e cumprido este segmento contratual, sem prejuízo de se reservar o direito a reclamar indemnização pelos danos decorrentes do incumprimento contratual da SHC AZORES no que ao remanescente do objecto contratual inicial diz respeito». Aliás, a própria R. SOLA SGPS, S.A., reconhece que foi através desta carta de 12/12/2016 – e não antes –, que considerou «concluído e cumprido este segmento contratual [refere-se à parte do contrato que respeita à venda de 760.000 acções da COFACO, S.A., e 34.000 acções da CORESA. S.A., já entregues pela vendedora, pelo preço (proporcionalmente reduzido) de €5.000.000,00, já pago] e resolvido o remanescente por incumprimento definitivo da SHC AZORES», nos termos dos artigos 808.º, n.º 1, 2.ª parte, e 802.º, n.º 1, do CC (artigos 69.º e 70.º da contestação). Contrariamente ao sustentado pela 1.ª R., a resolução do contrato, por incumprimento definitivo, não ocorreu, pois, antes, mas depois da cessão de créditos. Não é, pois, verdade que o 2.º R. tenha transmitido à A., por meio do «contrato de cessão de créditos» de 14/10/2016, um «crédito inexistente». A defesa da R. é, pois, neste ponto, improcedente.
Para a recorrente, esta interpretação “viola os princípios atinentes à hermenêutica jurídica no que concerne à interpretação de declarações negociais, designadamente a prevista no art.º 238.º do CC, que determina que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”. Prossegue a recorrente afirmando que a carta de Dezembro apenas revela o aproveitamento da parte não viciada do negócio, sendo que “não é apta a reverter o efeito resolutivo sobre a parte do negócio que a 1.ª ré já havia declarado pretender resolver, pretensão essa que manteve intacta naquela última declaração”. Sustenta “Com essa comunicação de Dezembro de 2016, a SOLA resgatou esse segmento já concluído (perfectibilizado) do contrato (relativo às acções já depositadas e cujo preço de 5M já se encontrava pago), mantendo a declaração resolutiva que já produzira o seu efeito quanto ao demais (i.e., quanto às acções não depositadas e não pagas), o que não impede que a resolução do contrato tenha sido efetivada em 22/9/2016, como foi – cfr. ponto 2 do parecer do Prof. Coutinho de Abreu, no seu ponto 2”.
Estamos, antes de mais, na presença de declarações negociais, sujeitas às regras interpretativas consignadas nos artigos 236º a 238º do Código Civil, ou seja, que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, e que nos negócios formais não pode valer um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto ainda que imperfeitamente expresso.
Após uma primeira carta, em Março de 2016, em que a 1ª Ré refere ter pago a primeira prestação de cinco milhões e fixa o prazo de 10 dias para a SHC depositar as acções, conforme resulta das cláusulas terceira e quinta do contrato, a 1ª Ré manda uma segunda carta, em Maio do mesmo ano, em que renova que a SHC não depositou e tem de depositar, e manda uma terceira carta, em Agosto de 2016. O teor desta é, recorde-se: «(…). Por carta datada do pretérito dia 27 de Maio de 2016 a SOLA SGPS interpelou a SHC AZORES, certo é que, até ao momento, a situação de facto permanece inalterável, mantendo a SHC em sua posse os títulos correspondentes a 1.140.000 (…) acções da COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A., e de 51.000 (…) ACÇÕES DA CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A. Ora, a manutenção desta situação de não cumprimento da obrigação de entrega dos títulos é insustentável. As acções em apreço são ao portador. Significa isto que apesar do contrato de compra e venda celebrado entre as partes, os efeitos plenos da alienação dos títulos só poderão ocorrer com a transmissão física dos mesmos. (…). «(…) [N]o próximo 31 de Dezembro de 2016 vence-se uma segunda prestação do preço, no montante de três milhões de euros. Como decorre da interpelação antecedente, a SOLA SGPS não procederá a este pagamento sem que a SHC AZORES efectue, por seu turno, a entrega dos títulos em falta. (…). Para além do exposto, releva a circunstância de a entrega dos títulos ser uma obrigação fundamental do vendedor SHC AZORES e, em bom rigor, praticamente a única a que o mesmo se encontra adstrito. Com efeito, esta mora injustificada no cumprimento desta obrigação levanta a fundamentada dúvida acerca da real detenção por parte da SHC AZORES dos títulos em apreço, o que, naturalmente, mina por completo a confiança no futuro cumprimento e perfeição do contrato em curso. Nesta conformidade, pela presente interpelação, de natureza admonitória, a SOLA SGPS expressamente confere à SHC AZORES o prazo adicional de 30 (trinta) dias para que esta, no cumprimento do contrato celebrado em 07 de Janeiro de 2016, proceda à entrega dos títulos correspondentes a 1.140.000 (…) acções da COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A., e de 51.000 (…) ACÇÕES DA CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A. para depósito emcofre da Agência Central de Braga da Caixa Geral de Depósitos, sob a guarda conjunta dos identificados depositários. A não entrega, dentro do prazo ora concedido, dos títulos em apreço determinará o incumprimento definitivo e imediato – com dispensa de qualquer ulterior notificação para o efeito – do contrato de compra e venda de participações sociais celebrado entre as partes e datado de 07 de Janeiro de 2016, com a consequente resolução do mesmo por causa exclusivamente imputável à SHC AZORES. Resolvido o contrato por incumprimento definitivo da SHC SGPS constituir-se-á esta na obrigação de devolução à SOLA SGPS da parte do preço paga, no montante de cinco milhões de euros, bem como na obrigação do pagamento de todos os prejuízos decorrentes do incumprimento contratual, a calcular posteriormente. Em caso de verificação de resolução contratual, a SOLA SGPS exercerá retenção sobre os títulos já depositados até integral ressarcimento da parte do preço paga e prejuízos adicionais a liquidar».
O declaratário normal colocado na posição da SHC teria dúvidas sobre se a 1ª Ré interpelou admonitoriamente o devedor? Não. Teria dúvidas sobre se após o decurso de 30 dias, sem satisfação da obrigação, o incumprimento definitivo se dava? Não. Teria dúvidas sobre se a seguir ao incumprimento se seguia a resolução, ou como no texto, a consequente resolução? O incumprimento definitivo e a resolução do contrato não são o mesmo instituto jurídico nem são o espelho um do outro, ou dito de outro modo, a resolução não é a consequência inevitável do incumprimento definitivo. Esta é, desde logo, a indemnização do prejuízo causado, como resulta do artigo 798º do Código Civil, devendo ser reconstituída a situação que existiria, nos termos do artigo 562º do mesmo Código. De acordo com o artigo 801º do Código Civil, pode o direito à indemnização cumular-se com o direito à resolução. Neste caso, o incumprimento é fundamento do direito potestativo, e pode dizer-se que este não nasce, na esfera jurídica do seu titular, enquanto o fundamento se não verificar. Por estas razões, precisamos no texto de uma declaração inequívoca de resolução. Ora, “com a consequente resolução do mesmo” não garante uma afirmação no tempo presente, mas no tempo futuro, e sob condição. Por outro lado, “Resolvido o contrato por incumprimento definitivo da SHC SGPS constituir-se-á (…)” volta a dizer-nos que a resolução ainda não ocorreu e “Em caso de verificação de resolução contratual” é manifesto que a 1ª Ré está a expressar uma vontade resolutiva futura e condicionada. Nada, todavia, garante, no próprio texto, que essa vontade se mantenha: - ao contrário do incumprimento definitivo por decurso do prazo concedido, que no texto se afirma como constituído sem necessidade de ulterior comunicação, já a resolução, ainda que consequente, poderá dar-se “Em caso de verificação”. É que, em termos teóricos, não sendo expressa e directa a vontade de resolver, mas diferida, fica aberta a possibilidade duma mudança de vontade, em função duma reponderação de interesses pela declarante ou duma qualquer outra resposta que a SHC desse que justificasse uma renegociação, ou eventualmente dum depósito não das acções em falta, mas de parte delas.
Queremos com isto dizer que secundamos a afirmação do tribunal de primeira instância no sentido de que “a carta de 22/08/2016 não é totalmente explícita a esse respeito”, (o da resolução).
Assim, e porque a carta não é totalmente explícita, autorizado ficou o tribunal a procurar noutros elementos fácticos o esclarecimento da vontade da 1ª Ré, ou como a sentença afirmou, o comportamento contraditório.
Na carta de Dezembro de 2016 a 1ª Ré escreveu: «(…) [P]or carta datada de 22 de Agosto de 2016 e recebida pela SHC AZORES no dia seguinte, a SOLA SGPS efectuou interpelação admonitória pela qual conferiu o prazo adicional e limite de 30 dias para que a SHC procedesse à entrega dos títulos correspondentes a 1.140.000 (…) acções da COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A., e de 51.000 (…) acções da CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A., para depósito em cofre da Agência Central de Braga da Caixa Geral de Depósitos. Sublinhou a SOLA SGPS que a entrega dos títulos é uma obrigação principal do vendedor SHC AZORES (…) e que a mora injustificada no cumprimento dessa obrigação levanta a fundamentada dúvida acerca de tal detenção, por parte da SHC AZORES, dos títulos em apreço. Mais advertiu a SOLA SGPS que a não entrega, dentro do prazo concedido, dos títulos em apreço determinaria o incumprimento definitivo e imediato – com dispensa de qualquer ulterior notificação para o efeito, do contrato de compra e venda de participações sociais celebrado entre as partes e datado de 07 de Janeiro de 2016, com a consequente resolução do mesmo por causa exclusivamente imputável à SHC AZORES. Ora, volvidos não trinta, mas mais de cem dias após a interpelação em causa, a SHC AZORES continua sem proceder à entrega dos títulos em falta. Encontra-se a sua mora convertida em incumprimento definitivo.Presentemente estão entregues e depositados nos termos do contrato celebrado títulos correspondentes a 760.000 (…) acções da COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A., e 34.000 (…) acções da CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A. Como referido supra, na economia do contrato de 07 de Janeiro de 2016 estes títulos entregues e depositados possuem o valor relativo de cinco milhões de euros, o que corresponde à parte do preço já paga. Vale assim por dizer que, presentemente, existe correspondência entre a parte do preço paga e os títulos entregues. Nada obsta, por isso, que o incumprimento definitivo da SHC AZORES não afecte já a parte já cumprida e não viciada do contrato, operando-se assim a redução do objecto do mesmo àquilo que é possível cumprir, com idêntica e proporcional redução da contraprestação da SOLA SGPS, ou seja, do preço. Nesta conformidade, e no exercício do direito que a lei lhe confere, a SOLA SGPS opta por exigir o cumprimento parcial do contrato na parte possível, reduzindo-o à transmissão de 760.000 (…) acções da COFACO - COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A., e 34.000 (…) acções da CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A., já entregues pela vendedora, pelo preço (proporcionalmente reduzido) de €5.000.000,00 (…) já pago. Considera assim a SOLA SGPS concluído e cumprido este segmento contratual, sem prejuízo de se reservar o direito a reclamar indemnização pelos danos decorrentes do incumprimento contratual da SHC AZORES no que ao remanescente do objecto contratual inicial diz respeito».
Comportamento contraditório, dizíamos, que se revela no decurso do prazo não de “trinta, mas mais de cem dias após a interpelação em causa, a SHC AZORES continua sem proceder à entrega dos títulos em falta”. A pensarmos que a carta de Agosto era uma declaração de resolução antecipada, bastariam então 30 dias para que automaticamente o contrato estivesse resolvido. Se o contrato tivesse sido resolvido em Setembro, a SHC não teria de continuar obrigada a proceder à entrega dos títulos, não sendo assim compreensível que a SHC, mais de cem dias depois, continua sem entregar os títulos. Assim, e com correspondência imperfeitamente expressa no texto da carta de Dezembro, a 1ª Ré acaba a comunicar à SHC que não resolveu o contrato por incumprimento definitivo após o decurso do prazo de 30 dias, tendo deixado passar mais dois meses. À mesma interpretação se chega com “Encontra-se a sua mora convertida em incumprimento definitivo” quer dizer, é no tempo presente, o da emissão da carta, que a mora se converte em incumprimento definitivo. Se assim não fosse, já não se falaria sequer em mora, dir-se-ia simplesmente que em 23 de Setembro o contrato havia sido resolvido por nessa data, sem entrega dos títulos, se ter verificado o incumprimento definitivo.
Não vemos assim que não seja possível encontrar no texto da carta de Dezembro um mínimo de correspondência com o sentido de que a resolução se dá em Dezembro e não em 23 de Setembro de 2016.
Comportamento contraditório ou direito de variar? No parecer que a recorrente juntou aos autos o Professor Coutinho de Abreu, depois de afirmar (ponto 2.2) “É verdade que se verifica uma contradição nas declarações (…)”, sustenta que a resolução total do contrato foi efetivada em 22/09/2016, baseando-se na interpretação da carta de Agosto, mas que a 1ª Ré tinha o direito de, sem prejuízo da data de resolução, variar, isto é, revogar a sua declaração de resolução, parcialmente.
Nos termos do artigo 432º do Código Civil, a resolução do contrato é admitida quando fundada na lei ou em convenção. Como relata historicamente Menezes Cordeiro5 no seu estudo “Da Resolução do Contrato”, o incumprimento definitivo previsto no artigo 808º nº 1 do Código Civil “seria remetido para o regime do 801.º (impossibilidade culposa)(29)” e através do nº 2 do mesmo preceito, obtém-se, nos contratos bilaterais, a estatuição legal da possibilidade de resolução contratual no caso de incumprimento definitivo.
A resolução é uma declaração negocial receptícia que se torna eficaz logo que chega ao poder do seu destinatário – artigos 436º nº 1 e 224º nº 1, ambos do Código Civil – e é irrevogável, salvo os casos legalmente previstos. Além disso, e como regra, a resolução opera retroactivamente, nos termos do artigo 434º nº 1 do Código Civil, e não pode ser parcial, salvo acordo da parte contrária. Neste sentido, Menezes Cordeiro, no mesmo estudo, refere:
“O direito potestativo à resolução, uma vez constituído, deve ser exercido, para produzir efeitos. O seu beneficiário faz, em regra, uma ponderação quanto ao fundamento e um juízo de oportunidade económica. Pode não lhe convir restituir o que ele próprio haja recebido ou pode entender conveniente manter uma relação mais ampla com a contraparte, evitando situações potencialmente litigiosas. Querendo exercê-lo, não há liberdade de estipulação: ou exerce, ou não exerce. Tecnicamente, temos um ato jurídico stricto sensu. Em especial: a resolução não pode ser sujeita a uma condição resolutiva, sob pena de deixar na incerteza o seu alcance (64). V. O direito à resolução não pode ser parcialmente exercido. Essa eventualidade é possível: mas apenas com o acordo da contraparte. Na falta deste, o titular ou resolve, ou não resolve. Não pode escolher o melhor dos dois mundos. De outro modo, a segurança do comércio jurídico ficaria afetada, enquanto o beneficiário receberia um potencial de vantagens que nem o contrato nem a lei lhe reconhecem. A aplicação, à resolução, de institutos paralelos aos da redução (292.º) e da conversão (293.º) requereriam, sempre, o acordo da outra parte: iriam colocar esta perante uma situação de tipo contratual com a qual, de todo, ela poderia, legitimamente, não contar”.
Esta mesma razão de segurança, ainda que a benefício do devedor faltoso, justifica que não seja possível, sem qualquer lei, convenção ou acordo nesse sentido, vir revogar parcialmente a resolução operada.
É certo que, se nos negócios bilaterais sinalagmáticos o destinatário não aceitou a resolução, e os efeitos práticos da resolução não foram cumpridos – no caso concreto, a SHC não devolveu o preço recebido e a 1ª Ré não devolveu a parte das acções que estavam depositadas – parece estar-se perante um caso paralelo ao da resolução ilícita não aceite nem cumprida, que justifica a possibilidade de persistência contratual para acomodação dos interesses das partes. No parecer do Professor Coutinho de Abreu6 justifica-se que “tudo depende da ponderação dos interesses em jogo e da possibilidade de os compatibilizar. Interessa ao devedor saber rapidamente o que impõe o credor e as consequências mais ou menos gravosas resultantes de uma resolução total ou parcial; interessa ao credor poder “arrepender-se” da primeira decisão e optar por uma solução mais vantajosa. Se os efeitos da resolução (total) ainda não foram concretizados (…) a solução do conflito de interesses poderá aconselhar a admissão do jus variandi. Admissibilidade mais defensável ainda se houver acordo das partes”.
Essa ponderação de interesses, essa não concretização, estão no pensamento da admissão da persistência contratual no caso da resolução ilícita – veja-se com amplas referências jurisprudenciais e doutrinárias, o estudo de Adriano Squilacce e Alexandre Mota Pinto “A RESOLUÇÃO ILÍCITA: UMA CONTRADIÇÃO NOS TERMOS?” publicado em Actualidad Jurídica Uría Menéndez / 28-20117. No mesmo sentido, o acórdão desta Relação e Secção proferido em 23.03.2023 no processo 2916/20.9T8PDL.L1-68: - “(…) 9- Nada obsta a que se mantenha, rectius, subsista o vinculo contratual ilicitamente resolvido, designadamente quando se verificam três pressupostos: (i) o cumprimento das prestações contratuais ainda é possível; (ii) a parte lesada mantém interesse na execução do contrato; (iii) a execução do contrato não é excessivamente onerosa para aquele que o resolveu ilicitamente”.
Porém, o fundamento da persistência contratual é mais profundo porque se liga à invalidação do direito potestativo de resolução quando falha o fundamento que a lei lhe reconhece como constituinte. Por isso, não é seguro o apoio nesta doutrina para a defesa do direito de variar a resolução feita, convertendo-a numa resolução parcial. Mais, admitir um jus variandi abstracto, quando se radica o seu fundamento na ponderação dos interesses contratuais, naturalmente concretos, é uma contradição.
Somos assim mais levados a entender que o teor da carta de Dezembro mais revela que para a 1ª Ré o contrato subsistia, o incumprimento não a tendo levado a resolver até então, o que só veio a fazer através da referida carta de Dezembro nos termos que ponderou convenientes, o que tudo reforça que a resolução se não operou por via da carta de Agosto, que não era, para o declaratário normal colocado na posição do declaratário concreto, clara nem expressa nem inequívoca.
Em suma, confirmamos a sentença quando refere que o crédito existia na data em que foi cedido pelo 2º Réu à Autora, ou seja, em Outubro de 2016.
*
2ª questão: - Da licitude da resolução contratual.
Apesar da existência do crédito cedido, o tribunal de primeira instância ponderou a oponibilidade da resolução contratual de Dezembro de 2016 à Autora.
Considerou o tribunal que: “A questão que cumpre agora apreciar é a de saber se a 1.ª R. pode opor à A. a declaração de resolução/redução do contrato constante da carta de 12/12/2016, que enviou à SHC AZORES antes do conhecimento da cessão de créditos. A resposta é claramente afirmativa. Embora a cessão de um crédito não dependa, como dissemos, do consentimento do devedor (artigo 577.º, n.º 1, do CC), não pode o devedor cedido ficar prejudicado por força da transmissão (cessão) do crédito a um terceiro. Isso mesmo decorre do artigo 585.º do CC: «O devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão». Neste pressuposto, o da oponibilidade à A. da declaração de resolução (parcial) e redução do contrato de 07/01/2016 constante da carta de 12/12/2016, resta saber se não assistia à 1.ª R. o direito (potestativo) de resolver o referido contrato – fonte do crédito cedido –, com o fundamento invocado na referida carta, como defendeu a A. em resposta a tal excepção. Analisando o teor dessa missiva, verifica-se que o que determinou a resolução parcial do referido contrato de 07/01/2016 e a sua redução, nos termos aí expressos, foi o incumprimento definitivo da obrigação de depósito dos títulos correspondentes à totalidade das participações sociais vendidas pela sociedade SHC AZORES (que aí figura como vendedora e primeira outorgante) à 1.ª R. (que aí figura como compradora e segunda outorgante), melhor identificadas na cláusula primeira do contrato, prevista nas cláusulas terceira e quinta desse mesmo contrato, com o seguinte conteúdo: «TERCEIRA Com a assinatura do presente contrato e pagamento da verba constante da alínea a) do número um da cláusula anterior, a primeira outorgante procede: a) ao depósito dos títulos correspondentes às 1.900.000 (…) acções do valor nominal de €5,00 (…) cada, representativas de 33,33% do capital social da sociedade COFACO – COMERCIAL E FABRIL DE CONSERVAS, S.A., nos termos do disposto na cláusula quinta; b) ao depósito dos títulos correspondentes às 85.000 (…) acções do valor nominal de €4,99 (…) cada, representativas de 28,33% do capital social da sociedade CORESA – CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A., nos termos do disposto na cláusula quinta. (…). QUINTA Os títulos representativos das acções transmitidas ao abrigo do presente contrato e melhor identificadas nas alíneas a) e b) da cláusula terceira serão, no momento da celebração deste contrato, depositados em cofre bancário junto da Agência Central de Braga da Caixa Geral de Depósitos, sob a guarda conjunta de DD e CC, que procederão à respectiva entrega: a) à segunda outorgante, após a prova do pagamento da totalidade do preço estabelecido no corpo da cláusula primeira e cláusula segunda deste contrato; b) à segunda outorgante, desde que prestada garantia bancária, on first demand, emitida por banco de primeira linha domiciliado em Portugal, que antecipadamente garanta o recebimento do preço remanescente, nas datas acordadas neste contrato. c) à primeira outorgante, retomando esta a posse e propriedade das acções, se verificada qualquer situação de incumprimento considerado, por este contrato, condição resolutiva automática do mesmo». A 1.ª R., no artigo 70.º da sua contestação, enquadra o exercício do direito de resolução (parcial) e redução do contrato nas normas conjugadas dos artigos 808.º, n.º 1, 2.ª parte, e 802.º, n.º 1, ambos do CC. Não há dúvida que, por efeito do transcurso do prazo admonitório fixado na carta de 22/08/2016, a sociedade SHC AZORES incorreu em incumprimento definitivo culposo da obrigação de depósito prevista nas cláusulas terceira e quinta do contrato, nos termos do invocado n.º 1 do artigo 808.º do CC, atento o princípio da pontualidade, imperante em matéria de cumprimento dos contratos (artigo 406.º, n.º 1, primeira parte, do CC), e a presunção de culpa, em sede de responsabilidade contratual, prevista no n.º 1 do artigo 799.º do CC. Sucede que o direito potestativo à resolução do contrato opera paradigmaticamente – ainda que não necessariamente (neste sentido, Adriano Vaz Serra, Resolução do Contrato, Lisboa, 1957, pp. 15 e seguintes, Pedro Romano Martinez, ob. cit., pp. 142-143) – nos contratos bilaterais, como decorre do n.º 2 do artigo 801.º do CC. Ora, são contratos bilaterais ou sinalagmáticos aqueles em que «cada um dos contraentes promete uma prestação em troca da prestação ou correspectivo da contraprestação e esta daquela» (Adriano Vaz Serra, ob. cit., p. 6). Como se explica nesta mesma obra, referente aos trabalhos preparatórios do Código Civil, «nos contratos bilaterais propriamente ditos (…), as duas obrigações estão entre si numa conexão causal: cada um dos contraentes só se obriga a prestar para obter a prestação da outra parte». É precisamente o caso do contrato de compra e venda (artigo 874.º do CC), como é consensualmente reconhecido: a obrigação do comprador de realizar a prestação do preço está genética e funcionalmente ligada à obrigação do vendedor de realizar a prestação de entrega da coisa (artigo 874.º, alíneas b) e c), do CC; cfr., entre outros, Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume III, Contratos em especial, 14.ª edição, Almedina, 2022, p. 14). A circunstância de a lei se referir expressamente a essa categoria de contratos, a respeito da resolução por incumprimento (artigo 802.º, n.º 1, do CC), embora não restrinja a operatividade do direito de resolução às hipóteses de incumprimento definitivo de obrigações sinalagmáticas, permite, todavia, condicionar o seu exercício a uma ideia central de proporcionalidade, de modo a garantir que «haja adequação entre a gravidade do incumprimento e a pretensão de extinção do vínculo» (Pedro Romano Martinez, ob. cit., p. 129). Lembre-se que é precisamente a dependência recíproca das obrigações que justifica que, havendo incumprimento definitivo da obrigação de uma das partes, a outra se liberte da obrigação que sobre si recai, que se constituiu por causa da prestação (dependência genética) a que a outra parte se obrigou e para obter a satisfação do interesse a ela subjacente (dependência funcional). Assim, pode o comprador resolver o contrato de compra e venda se o vendedor, incorrendo em incumprimento definitivo, não entregar a coisa vendida, libertando-se assim da obrigação correspectiva de pagar o respectivo preço. É essa ideia central de proporcionalidade que está subjacente ao artigo 802.º do CC. Com efeito, o n.º 1 deste artigo reconhece ao credor a faculdade de resolver o negócio (ou de exigir o cumprimento do que for possível, reduzindo a sua contraprestação), em caso de impossibilidade ou incumprimento parcial da prestação, mas o n.º 2 do mesmo artigo veda ao credor essa possibilidade «se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância». Ora, foi precisamente a norma do n.º 1 do artigo 802.º do CC que a 1.ª R. invocou para desencadear a resolução do contrato, reconhecendo, desse modo, que o incumprimento imputado à SHC AZORES era parcial, por decorrer apenas da violação da obrigação de depósito prévio da totalidade das acções (ao portador) antes de vencidas todas as prestações referentes ao preço. Todavia, encarando o sentido dessa obrigação de depósito na economia do contrato celebrado, evidencia-se nela o carácter instrumental e acessório dessa prestação debitória, face às obrigações centrais decorrentes da teleologia desse mesmo contrato: a saber, a obrigação de pagamento do preço e a correlativa obrigação de entrega das acções. Com efeito, o depósito prévio das acções serve para operacionalizar essa obrigação de entrega, não se autonomizando como factor excludente do cumprimento, no momento contratualmente previsto, dessa mesma obrigação. É certo que estamos, neste trecho da performance contratual da sociedade SHC AZORES, credora originária, perante um desvio parcial ao programa contratual estabelecido entre as partes; porém, daí não decorre, num quadro em que a lei qualifica o incumprimento parcial relevante como excluindo os desvios contratuais de escassa importância, que esteja legitimada a resolução parcial do contrato, com esse motivo. É que, apesar da falta de depósito das acções, nos termos acordados, ainda não ocorreu o incumprimento da prestação central da vendedora (entrega das acções à 1.ª R.), nem se tornou impossível a realização desta prestação, sendo que é através dela, e não da realização do depósito previsto nas cláusulas terceira e quinta do contrato, que se assegura a satisfação do interesse do comprador (1.ª R.). Este, com efeito, não recusaria (não recusaria licitamente) receber as acções do vendedor, mesmo que a entrega ocorresse sem o prévio depósito de tais títulos. Não há, pois, fundamento legal para a resolução parcial do contrato, nos termos comunicados pela 1.ª R. à SHC AZORES, SA, na sua carta de 12/12/2016”.
Para a recorrente, o tribunal, “subverte a interpretação conjugada das normas contidas nos art.sº 801.º e 802.º do CC, que desse modo viola, de tal modo que parece converter em excepcional o direito potestativo à resolução do contrato bilateral em caso de conversão da mora (no cumprimento de obrigação que do mesmo dimane) em incumprimento definitivo (801.º/2)”. É o contrário: - “apenas excepcionalmente, no caso de o incumprimento definitivo ser parcial, e de ter escassa relevância, atendendo ao interesse do credor adimplente, fica este inibido de resolver o negócio (art.º 802.º/2 do CC)”.
Cabe ao devedor alegar a escassa relevância da obrigação definitivamente incumprida, enquanto facto extintivo do direito de resolução. A Autora não invocou factos dos quais resulte a escassa relevância.
Além disto, a “separação operada pela sentença recorrida entre a obrigação do depósito das acções, de um lado, e a obrigação de entrega das mesmas, do outro, é puramente formal, e não corresponde ao sentido do acordo de vontades plasmado no contrato entre outorgado em 07.01.2016 entre a recorrente (SOLA) e a SHC, violando novamente o disposto no art.º 238.º do CC”.
Defende ainda a recorrente que o “incumprimento da SHC é parcial porque diz respeito apenas a parte das acções objecto do contrato (dado que parte delas (13.33%) se encontravam, no momento da celebração do contrato, na posse dos depositários, encontrando-se em falta as representativas de 20% do Grupo COFACO) – cfr. i.a., ponto 6 da matéria assente; e não em virtude de dizer respeito ao incumprimento de uma obrigação de depósito (e já não da obrigação de entrega)”.
Sustenta ainda que a única obrigação da devedora SHC foi a que foi incumprida, pois se tivesse sido cumprida, nenhuma outra acção material ou jurídica teria a devedora de realizar.
Conclui que “tinha todo o interesse no cumprimento da obrigação de depósito das ações. Pelo mero contrato de compra e venda das ações, proprietário delas continuava sendo a SHC. Para (também) prevenir o risco de esta as não entregar à SOLA, foi estipulada a obrigação de depósito junto de terceiros” e que a preocupação causada pela falta de entrega das acções levou à resolução contratual, segundo o depoimento de uma testemunha. Mais sustenta que a sua preocupação foi reiteradamente verbalizada à SHC, e que assim se conclui que a 1ª Ré atribuía à obrigação definitivamente incumprida um carácter essencial.
Afirma que o incumprimento justificativo da resolução de um contrato não tem de referir-se à obrigação principal, podendo referir-se a deveres acessórios, e que a importância do incumprimento tem de ser aferida “tendo em vista o quadro global do contrato, o comportamento das partes (sem ou com desvio, maior ou menor, do princípio da boa fé) e o préstimo que a prestação não cumprida proporcionaria ao credor da mesma.” Sendo, quanto a este último aspecto, que “iii) “Por sua vez, é claro o interesse de SOLA no depósito das ações: tendo de despender vários milhões de euros para as adquirir, e pretendendo adquirir a totalidade das ações da Cofaco e da Coresa para integrar, de direito, estas sociedades no seu grupo societário, era de todo conveniente assegurar (pelo depósito) que tais ações lhe seriam entregues.”
Finalmente, e por força do artigo 101º do CVM, “a transmissão de ações ao portador exigia, à data (art.º 101º do CVM) uma formalidade consistente na entrega, pelo que “o contrato de compra e venda entre SHC e SOLA produziu efeitos entre as partes, mas, sem entrega das ações à SOLA, não produziu a transmissão das ações. Por esse motivo, perante o não cumprimento da obrigação de SHC para com SOLA, restaria a esta exigir daquela uma indemnização” e que “Tolerar passivamente, sine die, aquele incumprimento contratual da vendedora SHC constituía, pois, para a recorrente SOLA, um elevado e insuportável risco que não lhe era exigível”.
A recorrida Autora recorda que a resolução contratual não se funda no contrato entre a SHC e a 1ª Ré, pois que nada nele foi previsto quanto a obrigações cujo incumprimento concedesse à parte não infractora o direito de resolver, e em consequência que a resolução só pode ter por fundamento a lei, isto é, rege-se pelo regime geral. Acresce que o incumprimento que gera a faculdade resolutória há-de respeitar à obrigação principal, citando a propósito o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 28.03.2023 no processo 211/21.5T8GMR.G1.S1 (Relatora Conselheira Clara Sottomayor). Para a recorrida, a prestação incumprida não tem a natureza da prestação principal, ensaiando a recorrente uma “revisão terminológica para acomodar a natureza indisputavelmente acessória da prestação de depósito”, a obrigação de depósito não consome a obrigação de entrega das acções, não cabe à recorrida alegar e demonstrar a escassa relevância da obrigação incumprida, a essencialidade da obrigação tem de resultar objectivamente.
Resulta das cláusulas terceira e quinta do contrato, tal como a recorrente afirma, que a SHC só tinha de depositar as acções, nada mais lhe sendo exigido fazer. Resulta também do contrato que a 1ª Ré não adquiria as acções senão em Dezembro de 2017, quando tivesse pago a terceira prestação – quer dizer, o contrato de compra e venda das acções só se concluía, com a transmissão de todas elas à compradora, em Dezembro de 2017, e não através de transmissões parciais correspondentes às prestações parciais de pagamento do preço. Do facto da acção material – porque em rigor, a acção jurídica sempre assistiu o contrato, desde o início, de uma parte e outra, mediante as respectivas declarações negociais – se limitar ao depósito das acções, ou do facto de haver várias cláusulas no texto contratual sobre a obrigação de depósito, resulta que a obrigação de depósito era essencial?
A questão coloca-se nos autos em função da invocação e da pertinência jurídica do enquadramento do incumprimento definitivo parcial na impossibilidade de cumprimento prevista no artigo 802º do Código Civil, para efeitos resolutivos, em cujo nº 2 se sagra que “O credor não pode, todavia, resolver o negócio, se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância”.
Esclareça-se então primeiro: - a resolução contratual por incumprimento é um direito potestativo que se constitui a partir da ocorrência do seu fundamento concreto.
Neste sentido, veja-se o acórdão de 15.01.2015 do Supremo Tribunal de Justiça, processo 2365/08.7TBABF.E1.S1, em cujo sumário se pode ler:
“(…). III- Tal não significa, todavia, que se possa resolver um contrato bilateral ou sinalagmático, como é o caso do contrato promessa dos autos, por simples capricho ou a bel-prazer de qualquer dos contraentes isto é, por livre alvedrio de qualquer deles, mesmo em caso de incumprimento temporário, normalmente designado por mora. IV- Como escreveu o saudoso Prof. Baptista Machado, «o direito de resolução, diz-se, é um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento. O que significa que precisa de se verificar um facto que crie este direito – melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (ou o surgimento) desse direito potestativo. Tal facto ou fundamento é aqui, obviamente, o facto de incumprimento ou a situação de inadimplência» (J. Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in «João Baptista Machado, Obra Dispersa», vol. I, Braga, 1991, pg. 130/1 e segs. sendo nosso o destaque a negrito). (…)”.
Quem invoca o direito de resolver tem de provar os factos dos quais ele resulta – artigo 342º nº 1 do Código Civil. No que respeita ao caso previsto no artigo 802º do Código Civil, incumprimento parcial, “facto do qual ele resulta” é, não só o não cumprimento parcial, mas a não escassa importância desse incumprimento. Não tinha assim de ser a Autora a alegar e provar que a obrigação incumprida era escassamente relevante.
Sobre a possibilidade de resolução contratual de obrigação não principal, lê-se no acórdão desta Relação de Lisboa, proferido em 21.5.1998 e consultável no sítio electrónico da dgsi sob o nº de documento RL199805210012122 (Relator Ferreira Girão):
“I - A mora relevante para equiparação ao incumprimento definitivo, nos termos do n. 1 do artigo 808 do Código Civil, é a que respeita à prestação principal; II - Quanto às prestações acessórias ou deveres acessórios, o seu incumprimento também poderá conduzir à resolução do contrato, mas só quando assuma importância ou gravidade que tal justifique. III - A simples mora relativa ao cumprimento de obrigações pecuniárias integradoras do preço - de pouca monta e sem cominação de um prazo admonitório suplementar - conjugado com a alegada superveniência de um negócio pecuniariamente mais vantajoso para o promitente vendedor não podem, só por si, traduzir a perda de interesse na prestação por parte deste, nos termos do n. 1 do artigo 808 do CC”.
Já no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.06.2004, consultável no sítio electrónico da dgsi sob o nº de documento SJ200502150044021 (Relator Conselheiro Alves Velho):
“1 - Pressuposto da resolução do contrato-promessa é, em regra, o incumprimento da obrigação principal, a realização do contrato prometido. 2 - Quando não esteja em causa o incumprimento dessa obrigação, haverá que averiguar, em concreto, qual a relevância da prestação incumprida na economia do contrato, em termos de proporcionar ao credor os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a conclusão do contrato, nomeadamente tendo em conta a respectiva repercussão no todo contratado. 3 - A par de obrigações acessórias ou secundárias que intervêm no evoluir do contrato e que, como tais, se apresentam como instrumentais do exacto cumprimento da obrigação principal e da satisfação do interesse do credor, nela se projectando, outras há que surgem como autónomas ou "desvinculadas" da obrigação da contraparte, como sucede com as prestações que se traduzem em efeitos antecipados do contrato prometido”.
No seu texto, o Supremo Tribunal de Justiça ponderou: “(…) 4. 3. 1. - A factualidade demonstrada evidencia o retardamento sucessivo no cumprimento das prestações ou deveres acessórios, a satisfazer pelos Recorrentes, quer com vista à preparação do processo que devia instruir a escritura, até 27 de Setembro de 2002, fazendo os registos e/ou outorgando a competente procuração com a renúncia à gerência, quer pelo falta de entrega (tradição) do estabelecimento da Sociedade no dia 1 de Setembro. Mais se mostra que as proprietárias das quotas da sociedade proprietária do estabelecimento de Creche e Jardim de Infância vieram, entretanto, a encerrá-lo definitivamente”.
Com base nestas obrigações incumpridas, o Supremo Tribunal de Justiça considerou, e as considerações têm o interesse, além do mais, duma exemplificação de relações relevantes entre obrigações principais e secundárias:
“É certo que pressuposto da resolução é, em regra, o incumprimento da obrigação principal, a realização do contrato prometido. Quando não esteja em causa o incumprimento dessa obrigação, haverá que averiguar, em concreto, qual a relevância da prestação incumprida na economia do contrato, em termos de proporcionar ao credor os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a conclusão do contrato. Sem perder de vista que qualquer desvio do clausulado representa um incumprimento, não pode deixar de se ter em conta a respectiva repercussão no todo contratado. 4. 3. 3. - A par de obrigações acessórias ou secundárias que intervêm no evoluir do contrato e que, como tais, se apresentam como instrumentais do exacto cumprimento da obrigação principal e da satisfação do interesse do credor, nela se projectando, outras há que surgem como autónomas ou "desvinculadas" da obrigação da contraparte, como sucede com as prestações que se traduzem em efeitos antecipados do contrato prometido (cfr. ANA PRATA, "O Contrato-promessa e o seu Regime Civil", pp. 632 e 697). Tais obrigações não se integram no sinalagma específico do contrato-promessa, razão por que só devem considerar-se fundamento de resolução quando se detecte um vínculo funcional entre o cumprimento dessas prestações e as demais obrigações emergentes do contrato em termos tais que o incumprimento de umas justifica o ulterior incumprimento das outras (acs. STJ de 16/12/93 e 12/7/01 in CJ I-III-185 e IX-III-30. Numa palavra, só deverão admitir-se como causa legal de resolução os inadimplementos em que se verifique um nexo de instrumentalidade entre as prestações que afecte a evolução da execução contratual pondo em crise a viabilização do seu objectivo final. Na área da actividade comercial os contratos são geralmente celebrados na previsão de uma determinada utilização do objecto da prestação. Se uma das partes, por incumprimento seu, frustra a utilidade prevista e esperada pode fazer desaparecer a utilidade do negócio. Quando tal suceda "deve, em termos gerais, ser considerada grave a inexecução (...) que torne inviável ou impossibilite o credor de aplicar o objecto da prestação ao uso especial que tinha em mira", seja a mora a fazer perder a utilidade esperada ou quando, durante a mora, ocorra o facto que torne inviável ou frustre o fim da prestação que faz parte do plano de validade negocial como motivo juridicamente relevante (vd. BAPTISTA MACHADO, "Obra Dispersa", I, 146). 4. 3. 4. - Ora, na perspectiva e para os efeitos convocados, no contrato sob apreciação avulta a obrigação de tradição, prestação própria do contrato prometido e correspondente a antecipação dos efeitos deste, claramente vocacionada para a satisfação do fim da prestação principal e funcionalmente ligada à mesma, cujo incumprimento, só por si, permitiu a inviabilização do objectivo final do contrato. Com efeito, salta à vista que, sendo o fim do negócio a aquisição do estabelecimento de Creche e Jardim de Infância de que a Sociedade Comercial, cujas quotas a Autora se propôs adquirir na totalidade, era proprietária, aquela obrigação de tradição se destinava a permitir-lhe dispor do estabelecimento, nomeadamente em termos de gestão e direcção, desde o início do ano lectivo, sem interferência nessa área de outras pessoas, designadamente dos ainda sócios da Sociedade detentora da empresa. O encerramento definitivo do Infantário que veio a ocorrer "uns dias depois de 16 de Dezembro" só foi possível por não ter sido minimamente cumprido pelos RR. o programa contratual, frustrando e inviabilizando por completo o plano de validade negocial e os fins com ele visados e esperados. isso acresce o demais circunstancialismo provado relativamente às inverificadas qualidades e estado do estabelecimento. Desaparecidas ou inviabilizadas as finalidades que a Autora visava conseguir com a prestação principal - a propriedade do estabelecimento com a respectiva transferência para si em 1 de Setembro, que culminou com o encerramento definitivo, por outrem, do mesmo estabelecimento cerca de três meses e meio depois - deve ter-se também por desaparecido o seu interesse no contrato, de harmonia com a razoabilidade própria da actividade de natureza comercial prosseguida, nos termos consentidos pelo art.º 808 n. 1 C. Civil. Surge, pois, como justificada a declaração resolutiva (…)”.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.06.2011 proferido no processo º 208/05.2TCFUN.L1.S1, lê-se no seu sumário, além do mais: “(…) V - Os deveres secundários ou acessórios distinguem-se entre os deveres secundários com prestação autónoma e deveres secundários acessórios da prestação principal. VI - Os deveres acessórios da prestação principal destinam-se a preparar o cumprimento ou assegurar a perfeita execução da prestação principal; são, por conseguinte, instrumentais do cumprimento da obrigação principal, encontrando-se a ela ligados funcionalmente. VII - O incumprimento dos deveres acessórios da prestação principal – contrariamente à violação de um dever secundário com prestação autónoma – pode gerar mora ou incumprimento definitivo, se o mesmo determinar o retardamento ou incumprimento definitivo da obrigação principal que visa preparar ou cujo cumprimento visa assegurar”.
No seu texto considerou-se:
“Acontece, porém, que frequentemente dos contratos, designadamente dos contratos-promessa de compra e venda, como é o caso, paralelamente à prestação principal, derivam deveres secundários de prestação (dos quais se distinguem os simples deveres acessórios de conduta). No caso, interessa-nos apenas, entre os deveres secundários de prestação, caracterizar os denominados deveres acessórios da prestação principal, que, como observa A. Varela, se destinam a preparar o cumprimento ou assegurar a perfeita execução da prestação principal. São, por conseguinte instrumentais do cumprimento da obrigação principal, encontrando-se a ela ligados funcionalmente. Na formulação de Mota Pinto, tais deveres secundários ou acessórios distinguem-se entre os deveres secundários com prestação autónoma e deveres secundários acessórios da prestação principal. Ora, enquanto a violação de um dever secundário com prestação autónoma não fará, por regra, o violador entrar em mora quanto à obrigação principal emergente do contrato, nem justificará, por maioria de razão, a resolução do negócio (embora possa gerar obrigação de indemnizar pelos prejuízos emergentes), uma vez que o seu incumprimento, sendo independente da obrigação principal, não arrasta o incumprimento desta, já a violação de um dever acessório da prestação principal pode gerar qualquer uma das referidas situações (mora ou incumprimento definitivo) se o seu incumprimento determinar o retardamento ou o incumprimento definitivo da obrigação principal que visa preparar ou cujo cumprimento visa assegurar”.
No acórdão desta Relação proferido em 26.04.2022 no processo 16430/19.1T8LSB.L1-7 (Rel. Micaela Sousa) lê-se, no seu sumário e além do mais: “(…) 5 – Se as partes nada convencionarem sobre os efeitos da falta de cumprimento de uma obrigação secundária, o regime sancionatório previsto para o sinal apenas terá lugar, em princípio, se a obrigação incumprida for a obrigação principal e típica do contrato. 6 – Todavia, o direito de resolução poderá existir também relativamente à violação de uma obrigação secundária ou acessória, impondo-se aferir da importância da obrigação violada, por referência ao interesse do credor e no contexto do quadro contratual concretamente em presença”.
No contrato que uniu a SHC à 1ª Ré, a obrigação principal desta era pagar o preço e a obrigação principal daquela era transmitir a propriedade das acções à compradora, transmissão que juridicamente só ocorria paga que fosse a totalidade do preço, em Dezembro de 2017, como já vimos. Podemos assim caracterizar a obrigação de depósito, onerando a SHC, após o pagamento da primeira prestação, como uma obrigação principal? A obrigação de depósito e a de entrega das acções confundem-se? Uma consome a outra? Na economia do contrato e mesmo segundo as regras de interpretação do texto contratual, de acordo com os artigos 236º e 238º do Código Civil, a obrigação principal era a de depósito? A resposta vai por pergunta: - se não houvesse depósito, era impossível a entrega das acções em Dezembro de 2017? A resposta é negativa, e negativa por isso é a sobreposição, confusão ou consumpção das duas obrigações, ou a qualificação da obrigação de depósito como obrigação principal.
Como qualifica-la? O cumprimento da obrigação de depósito preparava ou operacionalizava o cumprimento da obrigação principal, embora o seu incumprimento não impedisse a realização da obrigação principal – nada impedia que apesar de não ter depositado, a SHC entregasse as acções à 1ª Ré em Dezembro de 2017 – e no fundo servia como uma espécie de pura garantia de existência, sem estar associada a efeitos jurídicos: - quer isto dizer, como a 1ª Ré só adquiria a propriedade das acções após o pagamento final, até lá não teria qualquer direito social correspondente. Como a factualidade provada nos desassiste do fundamento do suposto receio (meramente declarado pela 1ª Ré à SHC) de que as acções não existissem – o que como vimos acima não resultava do histórico contratual mesmo segundo os factos que a recorrente pretendia aditar – estamos em presença duma simples garantia. Na conjugação da operacionalização da obrigação principal que resulta das cláusulas terceira e quinta com este efeito de simples garantia, não deixamos de estar perante uma obrigação secundária com prestação autónoma, cuja relevância não justifica, a nosso ver, a resolução contratual.
Com efeito, apesar da SHC ter ignorado o aviso inicial para depósito em dez dias (Março de 2016), o aviso de Maio do mesmo ano em que a 1ª Ré já invocava a excepção de não cumprimento do contrato, já no aviso de Agosto, cinco meses depois, se lhe lançou interpelação admonitória, quando ainda nem se tinha chegado ao pagamento da segunda prestação. Ora, é certo que a SHC não agiu de boa-fé ao não cumprir a sua prestação, mas a 1ª Ré não ficou desarmada, ao invocar a excepção de não cumprimento, que levaria a uma situação de impasse, sem demonstrarem os factos maior prejuízo para a 1ª Ré, até porque, como resulta dos factos, em Dezembro a 1ª Ré pretendeu reduzir o contrato à parte já cumprida, tendo as acções sido entregues pelo depositário, e não ficando assim a 1ª Ré prejudicada por ter despendido cinco milhões de euros que integraram a primeira prestação.
Resta dizer que a sentença recorrida não subverteu “a interpretação conjugada das normas contidas nos art.sº 801.º e 802.º do CC, que desse modo viola, de tal modo que parece converter em excepcional o direito potestativo à resolução do contrato bilateral em caso de conversão da mora (no cumprimento de obrigação que do mesmo dimane) em incumprimento definitivo (801.º/2)”, tratando-se outrossim de qualificar as obrigações incumpridas e de perceber a sua relevância para as partes.
Relativamente ao argumento da recorrente em como “oincumprimento da SHC é parcial porque diz respeito apenas a parte das acções objecto do contrato (dado que parte delas (13.33%) se encontravam, no momento da celebração do contrato, na posse dos depositários, encontrando-se em falta as representativas de 20% do Grupo COFACO) – cfr. i.a., ponto 6 da matéria assente; e não em virtude de dizer respeito ao incumprimento de uma obrigação de depósito (e já não da obrigação de entrega)” desvirtua o que consta da parte final do dito ponto 6 – a SHC nunca entregou … para depósito - e entrega para depósito é, apenas, depositar – e bem assim contraria o teor das comunicações da 1ª Ré para com a SHC, nas quais sempre se referiu à obrigação de depósito.
Finalmente, quanto à argumentação de que a 1ª Ré “tinha todo o interesse no cumprimento da obrigação de depósito das ações. Pelo mero contrato de compra e venda das ações, proprietário delas continuava sendo a SHC. Para (também) prevenir o risco de esta as não entregar à SOLA, foi estipulada a obrigação de depósito junto de terceiros”, reiteramos que os factos provados não nos assistem de qualquer matéria que mostrasse que, para a 1ª Ré, era prejudicial que a SHC continuasse a ser dona das acções até à sua transmissão final, sendo certo que o mero depósito em execução do contrato também não garantia, como já dissemos, a transmissão das acções para a 1ª Ré antes do pagamento da última prestação, e consequentemente o interesse era de mera garantia, desacompanhado de factos que justificassem o receio da 1ª Ré.
Apesar da transacção ter objectivamente um valor considerável, preciso seria que tivéssemos factos relacionados com a SHC para fundamentar um receio de inexistência das acções (de tal modo que obrigasse ao seu depósito), que não se confunde com o receio de incumprimento do contrato.
Renovamos que o argumento de que “a transmissão de ações ao portador exigia, à data (art.º 101º do CVM) uma formalidade consistente na entrega, pelo que “o contrato de compra e venda entre SHC e SOLA produziu efeitos entre as partes, mas, sem entrega das ações à SOLA, não produziu a transmissão das ações. Por esse motivo, perante o não cumprimento da obrigação de SHC para com SOLA, restaria a esta exigir daquela uma indemnização” e que “Tolerar passivamente, sine die, aquele incumprimento contratual da vendedora SHC constituía, pois, para a recorrente SOLA, um elevado e insuportável risco que não lhe era exigível” não tem correspondência com a realidade, pois que a recorrente parte, nestas afirmações, do princípio de que a obrigação de depósito consome a obrigação de transmissão, o que não é o caso.
Em suma, não encontramos razão para dissentir do entendimento do tribunal de primeira instância, que julgou não ser lícita a resolução do contrato feita. Em consequência, subsistem as obrigações do referido contrato, sendo o crédito cedido à Autora exigível. No sentido desta subsistência, veja-se o sumário do Acórdão da Relação do Porto de 28.10.2021 proferido no processo 22083/18.7T8PRT.P2 (Rel. José Carvalho): “I - A resolução do contrato pressupõe uma motivação, tem que ter um fundamento válido. Tradicionalmente entendia-se que a declaração resolutória que não preenchia os respetivos pressupostos legais, embora ilícita, não se encontrava afetada de invalidade ou de ineficácia, pelo que, mesmo injustificada, produzia efeitos, determinando a cessação do vínculo contratual. II - Na doutrina e jurisprudência mais recentes, perante a falta de fundamento, não se constitui qualquer direito a resolver o contrato. A declaração da ilicitude de certa resolução consubstancia a confirmação de que a dita resolução foi ineficaz e, como tal, a resolução não produz os efeitos que tinha em vista: o efeito extintivo. Daí que o contrato se mantenha em vigor na ordem jurídica”.
Em suma, improcede o recurso.
Tendo nele decaído, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.
*
V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e em consequência em confirmar integralmente a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2025
Eduardo Petersen Silva
Cláudia Barata
Elsa Melo
Processado por meios informáticos e revisto pelo relator
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1. Seguimos de perto o teor dos articulados, que não reproduzimos integralmente, salvo nalguns trechos, para conseguir eliminar nomes, números e expressões que não se revelam de qualquer interesse para a finalidade do relatório, que é a de tornar claras as questões que as partes trouxeram a juízo.
2. Isto é, o R. que for condenado.
3. - Da responsabilidade da Ré SOLA (…), pelo pagamento à autora (…)e ao interveniente (…)da quantia de 7.500.000 €, acrescida de juros vencidos e vincendos, por força da cessão a estes do crédito detido sobre aquela; – da existência do crédito cedido e da validade da cessão de créditos; - Subsidiariamente: da nulidade do contrato de cessão de créditos celebrado e da responsabilidade do réu, BB, pelo pagamento, à autora e ao interveniente da quantia de 7.500.000 €, acrescida de juros vencidos e vincendos; - Da obrigação, em caso de condenação da SOLA (…) no pedido, de a autora e de o interveniente entregarem a esta 1.140.000 acções ao portador representativas de capital social da sociedade “COFACO Comercial e Fabril de Conservas, S.A.” e de 51.000 acções ao portador, representativas de capital social da sociedade “CORESA – Conserveiros Reunidos, S.A.”. - Da verificação dos pressupostos da litigância de má-fé por parte da autora e do interveniente; - Da verificação dos pressupostos do exercício de abuso de direito por parte da autora e do interveniente.
4. Em resultado do que diremos sobre a impugnação subsidiária da matéria de facto, a motivação da primeira instância não é relevante, pelo que não a transcrevemos.
5. https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&opi=89978449&url=https://portal.oa.pt/media/132086/antonio-menezes-cordeiro.pdf&ved=2ahUKEwj06tbmgfGKAxXyc_EDHX_iBxY4FBAWegQIIBAB&usg=AOvVaw12uEEkW4xbJc_-FPI14cMX
6. Seguindo “o entendimento dominante na Alemanha” e apoiando-se em Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol II, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 1529-1530, nota 4339.
7. https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&opi=89978449&url=https://www.uria.com/documentos/publicaciones/2915/documento/articuloUM.pdf%3Fid%3D3276&ved=2ahUKEwj4xOWP2fCKAxWYBdsEHeg0MzI4ChAWegQIFBAB&usg=AOvVaw3bHJ_lvsJIA7Fd0JjlquuZ
8. Rel. Adeodato Brotas.