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PERDA DE CHANCE
DETERMINAÇÃO DO DANO
CAUSALIDADE ADEQUADA
Sumário
I - É difícil sustentar a existência do nexo de causalidade adequada entre a apresentação extemporânea da contestação e o dano final da perda da acção; mas parece possível encontrar esse nexo quanto ao dano da perda de oportunidade de vencer (ao menos em parte), tendo em conta as regras sobre a oportunidade e a preclusão de impugnar os factos constitutivos da pretensão, alegar factos excepcionais e requerer prova e sobre o ónus da prova, tudo causa adequada da perda de oportunidade, autonomamente considerada. II . Desde logo, a afirmação deste dano não resulta da confissão ficta implicada pela falta de contestação da acção pelos RR, na medida em que interferindo um juízo de causalidade adequada, que convoca um critério legal, não exclusivamente factual…quanto ao qual, pois, não opera a confissão ficta. III - Inevitável a afirmação de não há possibilidade de saber se o aqui Autor ganharia ou não a contestação “falhada”, tratando-se, portanto, de uma matéria insusceptível de ser provada. IV - A particularidade que ocorre nesta situação, uma hipótese típica de “perda de chance”, consiste em saber como determinar a certeza do dano e respectivo montante quando o advogado descuida o processo e a falta é contrária aos interesses do seu cliente, sendo certo que quem demanda ou é demandado tem à sua frente um resultado incerto. V - Terá de ser em função da maior ou menor probabilidade de vencimento, com recurso à equidade, mas terá sempre de haver alegação e prova de que esse vencimento era provável, era possível. VI - A «perda de chance» só poderá ser valorada em termos de uma “possibilidade real” de êxito que se frustrou. VII - O julgamento hipotético, dito julgamento dentro do julgamento, assume quanto ao dano da «perda da chance» uma dupla relevância: enquanto barómetro da aferição do pressuposto da causalidade adequada, mediante a afirmação da probabilidade séria do resultado favorável e critério para a fixação equitativa do dano. VIII - Sempre distintos os momentos da prova do nexo causal, primeira e avaliação do quantitativo do dano, subsequente, ainda quando subjacente a ambos o omnipresente “juízo dentro do juízo”. IX - Porquanto no âmbito de seguro obrigatório de responsabilidade civil, aplica-se o disposto no art° 101° n°4 LCS (DL n°72/2008 de 16/4), no sentido de que 'o disposto nos n°s 1 e 2 (redução da prestação a cargo do segurador, prevista no contrato) não é oponível aos lesados em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ficando o segurador com direito de regresso contra o incumpridor, relativamente às prestações que efectuar. X - A previsão de uma franquia no contrato de seguro de responsabilidade civil profissional do advogado, celebrado entre tomador e seguradora, não é oponível ao lesado Autor.
Texto Integral
Processo n.º 3570/23.1T8GDM.P1
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DO PORTO
JUÍZO LOCAL CÍVEL DE GONDOMAR - JUIZ 3
Relatora: Isabel Peixoto Pereira
1º Adjunto: Paulo Dias da Silva
2º Adjunto: António Paulo Vasconcelos
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Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto: I.
AA veio instaurar contra BB, advogado e “A... Company SE (sucursal em Espanha)”, a ser citada na pessoa da sua representante para sinistros em Portugal B... S.A., a presente acção de condenação, concluindo a final pedindo que os Réus sejam solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de € 12 959,78 (doze mil, novecentos e cinquenta e nove euros e setenta e oito cêntimos), acrescida dos juros de mora vincendos à taxa legal desde a data de citação até efetivo e integral pagamento.
Reconduziu-se, para fundamentar a pretensão, à constituição por si do Réu como mandatário, para o representar na acção que correu termos sob o n.º 989/19.6T8FLG, intentada pelo Fundo de Garantia Automóvel com vista a obter o pagamento de quantia que pagou extrajudicialmente em sede de regularização de sinistro ocorrido em Espanha, no qual o Autor foi interveniente, com base na ausência de seguro de responsabilidade civil automóvel obrigatório válido e eficaz à data do veículo que o Autor conduzia, sendo que o Réu apresentou a contestação intempestivamente, tendo sido, por isso, proferida sentença condenando o Autor no pedido, da qual só teve conhecimento em sede de ação executiva movida pelo Fundo de Garantia Automóvel, e no âmbito da qual pagou a este a quantia de € 12 959,78. Quanto à 2ª Ré louva-se no contrato de seguro de responsabilidade civil entre ambos celebrado.
Regular e pessoalmente citados, os Réus não contestaram.
Foi proferido despacho, no qual, ao abrigo do disposto no art. 567.º n.º 1 do C.P.Civil, se consideraram confessados os factos articulados pelo Autor.
Foi cumprido o disposto no artigo 567.º, n.º 2 do C.P.Civil, não tendo o Autor apresentado alegações de direito.
Foi, então, proferida sentença, a qual decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em conformidade, condenar solidariamente os Réus Dr. BB e “A... Company SE (sucursal em Espanha)” no pagamento ao Autor AA da quantia de € 6 480,00 (seis mil, quatrocentos e oitenta euros), absolvendo-os do demais peticionado.
Dessa sentença interpôs recurso o Autor, mediante a formulação das seguintes conclusões:
1ª Jamais o recorrente poderia concordar com a decisão proferida que condenou – de preceito, julgamos – os demandados a pagarem ao demandante/recorrente a quantia de 6.480,00 €.
2ª Como demonstram os autos, devidamente citados para a presente lide os demandados, seja o Sr Dr BB, seja a Companhia de Seguros A... Company SE, não apresentaram contestação.
3ª Em face dessa posição, como decorre do disposto no artigo 567º do Cód. Proc. Civil, devem ter-se por confessados os factos articulados pelo demandante/recorrente.
4ª Assim o fez a Meritíssima Juíza a quo com todos esses factos, com excepção do ponto 24 que entendeu, e mal, com o devido respeito, ter por não provado o seguinte facto:
24) O Fundo de Garantia Automóvel entendeu assumir extrajudicialmente a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ..-NS-.., tendo indemnizado o condutor do veículo de matrícula espanhola.
5ª Quando muito, devendo esse facto ser dado como provado, poderia ter sido dada a explicação – até pelos documentos que estão juntos com a petição inicial – de que esse pagamento efectuado pelo FGA o foi a pedido do GPCV (Gabinete Português da Carta Verde) e não directamente ao condutor do veículo de matrícula espanhola.
6ª De todo o modo, jamais poderia deixar de se ter por provada – mais não fosse pela confissão fruto da não contestação – a quantia que foi paga pelo FGA e que acabou por ser aquela que o aqui recorrente teve de suportar pela apresentação extemporânea da devida contestação na acção cível de que foi alvo, instaurada pelo referido FGA.
7ª Assim, e se não estivesse em discussão nos autos uma questão que se prende com aquilo que a Doutrina designa por “perda de chance”, seguramente que a condenação teria sido bem diversa daquela que surge na decisão aqui em crise.
8ª Porém, e com o devido respeito, nada mais errado.
9ª Com efeito, essa “especificidade” não poderá considerar-se suficiente para não se fazer operar a consequência legal da não apresentação da contestação por parte dos ali demandados prevista no artigo 567º do Cód. Proc. Civil.
10ª É que se assim não fosse – o que não se aceita, admite ou concebe – naturalmente que os demandados em acções similares aos presentes autos optariam por não apresentar contestação, pois que veriam a sua “responsabilidade” ser reduzida, por equidade, a metade!!!
Aqui, ao contrário do que vai referindo o sábio Povo, O crime compensa!
11ª Como é sabido, a teoria da “perda de chance” obriga a que se faça “o julgamento dentro do julgamento”, ou seja, que nos presentes autos se procedesse ao julgamento daquilo que seria o julgamento – com produção de prova – daqueles outros autos, com o objectivo de indagar se o ali demandado (e aqui recorrente) seria ou não condenado a pagar ao FGA fosse o que fosse.
12ª Só depois de realizado esse “julgamento dentro do julgamento” poderia a Meritíssima Juíza a quo estar habilitada a decidir se assistia razão nos presentes autos ao recorrente (demandante) e a existir qual seria a “medida” dessa sua razão.
13ª Porém, e como decorre da decisão aqui em crise, a Meritíssima Juíza a quo, sem que tivesse sido produzida fosse que prova fosse, julgou-se capaz, com o devido respeito, de tecer comentários a propósito daquilo que tinha sido alegado pelo demandante, aqui recorrente.
14ª Por isso, de suposição em suposição, julgando a actuação do demandado Sr. Dr. BB, e bem, como ilícita - por incumprimento do contrato de mandato celebrado com o demandante e que consubstanciou na apresentação de uma contestação de forma extemporânea - logo tratou de na apreciação do dano ter indevidamente – pelo menos ao caos dos autos – acolhido a Doutrina e Jurisprudência que se prende com a valoração da “perda de chance”.
15ª Sob pena de nos tornarmos repetitivos sempre se dirá que, com o devido respeito por opinião diversa, não terá essa Doutrina e Jurisprudência qualquer aplicação, tanto mais que nos presentes autos nem tampouco foi apresentada contestação fosse por que demandado fosse.
16ª E se assim foi - como inquestionavelmente foi - jamais a Meritíssima Juíza a quo poderia ter arbitrado quantia diversa daquela que foi peticionada pelo ali demandante e aqui recorrente, já que nem estava, sequer, em condições de proceder ao julgamento da causa apreciando provas.
17ª Com efeito, o nº 4 do artigo 607º do Cód. Proc. Civil estabelece a directriz sobre a fundamentação de facto da sentença, sendo esta a norma geral aplicável às sentenças, diremos nós decorrentes de audiência de discussão e julgamento.
18ª Porém, existe uma norma especial que regula a estrutura da sentença no caso de o(s) demandado(s) não contestar(em) e de a revelia ser de considerar operante, qual seja o nº 3 do artigo 567º do mesmo diploma legal.
19ª Os presentes autos, atendendo à falta de contestação, não deixam de caber dentro do requisito previsto nesse nº 3, ou seja, a questão a decidir se revestir de manifesta simplicidade, pois que a complexidade que poderia surgir em relação ao tema em discussão (“perda de chance”) deveria decorrer, necessariamente, da produção de prova em sede de audiência de discussão e julgamento.
20ª Assim, e por força do disposto no artigo 567º do Cód. Proc. Civil consideram-se confessados todos os factos articulados na petição inicial (em rigor, consideram-se confessados e, como tal, provados naquele concreto processo), excepto aqueles para cuja prova se exija documentos escrito (al. d) do artigo 568º do Cód. Proc. Civil).
21ª Por outro lado, os demandados, mais do que um direito, tinham o ónus de contestar a acção, na medida em que a revelia, a operar, produz efeitos que lhes são desfavoráveis.
Por isso, o comportamento omissivo dos demandados nos presentes autos provoca a denominada confissão tácita, ficta (ficta confessio) ou presumida, a qual fica adquirida definitivamente nos autos, isto é, com a eficácia designada de eficácia juris te jure.
22ª Daí que como entende a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores confessados que passam a ter-se os factos articulados pelo demandante na petição inicial, deixa de existir controvérsia nessa sede, limitando-se a questão à valoração jurídica desses mesmos factos.
23ª Não há, por isso, a mais ténue dúvida de que, em termos de enquadramento jurídico, se está perante um contrato de mandato celebrado entre o aqui recorrente e o ali demandado, sr Dr BB,
24ª por força do qual este se comprometeu a deduzir contestação para apresentar nos autos em que ali figurava como demandado o aqui recorrente,
25ª contrato esse que não foi cumprido por parte do mandatado, tanto mais que de modo extemporâneo deu entrada naqueles autos de uma contestação, sendo, por isso, e como já se referiu, o seu ato ilícito, o que o faz incorrer em responsabilidade civil.
26ª Bem se sabe que a obrigação de um Advogado não é de resultados, mas sim de meios.
Ora se assim é - como inquestionavelmente é - dúvidas não subsistem de que o aqui recorrido sr Dr BB, com o devido respeito, não usou dos meios que tinha ao seu alcance e que conhecia, nomeadamente o conhecimento do prazo durante o qual deveria dar entrada dessa peça processual naqueles autos.
27ª E essa sua falta acabou por determinar que naqueles outros autos o aqui recorrente acabasse por ser condenado, de preceito, a pagar ao ali demandante (FGA) a quantia de 9.651,57 €, que, depois em fase de execução de sentença ascendeu à quantia que está peticionada nos presentes autos, ou seja, 12.959,78 €.
28ª O tema em discussão nos presentes autos prende-se, como é sabido, com a chamada “perda de chance”.
29ª E para que a mesma se possa verificar - em circunstâncias normais - necessário se torna que se proceda nos presentes autos ao chamado julgamento dentro do julgamento, ou seja, que se realize nos presentes autos o julgamento que deveria ter sido realizado naqueles outros.
30ª Porém, anormalmente, nos presentes autos igualmente não ocorreu a apresentação por parte dos ali demandados de qualquer contestação, motivo por que tinha - como teve - de operar o disposto no artigo 567º do Cód. Proc. Civil, isto é, terem-se por confessados os factos articulados pelo ali demandante e aqui recorrente.
31ª E não tendo ocorrido a condenação dos demandados a pagarem ao demandante (aqui recorrente) a quantia peticionada é das maiores injustiças, tanto mais que este não tinha a mais ténue hipótese, em face da posição assumida pelos demandados, de fazer fosse que prova fosse, fosse que julgamento dentro do julgamento fosse.
32ª Não estava, sequer, a Meritíssima Juíza a quo a fazer fosse que julgamento fosse, fosse de que matéria de facto fosse, em consequência da posição assumida pelos demandados nos presentes autos.
33ª E não obstante a doutrina da perda de chance se apresentar como um dano de “não saber” ou de “não conseguir objectivamente demonstrar” o nexo causal entre o facto do agente e o dano final, quando foi o facto daquele que provocou essa situação de incerteza quanto àquele nexo causal - como o refere a Meritíssima Juíza a quo na decisão aqui em crise - nem por isso deve o mesmo deixar de ser valorado, nos presentes autos, atendendo à quantia que o aqui recorrente teve de suportar.
34ª Como se lê na decisão aqui em crise: - (…) o curso dos acontecimentos que é preciso conjeturar para averiguar se houve ou não nexo causal é o desenrolar do processo judicial que não chegou a começar, enquanto o grau de probabilidade de o lesante ter sido o causador do dano é o grau de probabilidade da referida ação vir a ter êxito.
35ª Mas para que tudo isso se possa verificar necessário se torna que - nestes autos - tivesse sido possível realizar esse julgamento dentro do julgamento, essa averiguação do desenrolar daqueles outros autos que não chegaram a iniciar-se, o que, comprovadamente não possível realizar atenta a falta de contestação por parte dos aqui dois demandados!
36ª E perceba-se que, para além de o demandado Sr. Dr. BB não ter apresentado, na fase declarativa, a contestação como lhe competia e do que estava incumbido, nada acabou por fazer na fase executiva, o que fez com que o recorrente ao invés de ter pago a quantia de 9.651,57 € tivesse de suportar a quantia de 12.959,78 €.
37ª Por isso, e com o devido respeito, de nada adianta a Meritíssima Juíza a quo andar de suposição em suposição, de conjecturação em conjecturação, uma vez que, aquilo que deveria ter sucedido nos presentes autos - e não sucedeu - era que se tivesse realizado o julgamento da acção não contestada dentro destes autos para, desse modo, se aferir qual teria sido o dano decorrente da actuação negligente e ilícita do demandado Sr. Dr. BB.
38ª Melhor teria andado, de novo com o devido respeito, a Meritíssima Juíza a quo se tivesse condenado, em face dos factos que teve de considerar provados nos termos do disposto no artigo 567º do Cód. Proc. Civil, os demandados a pagarem ao demandante (aqui recorrente) a quantia peticionada.
39ª Por um lado, por ser esse o seu prejuízo efectivo e, por outro, por não ter sido possível, pela posição assumida por ambos os demandados avaliar as possibilidades que poderiam ter surgido naqueles outros autos.
40ª Condenar os demandados em quantia inferior àquela que estava peticionada - em face do que sucedeu nestes autos - seria beneficiar mais uma vez o lesante, pois que não contestando incorreria apenas numa condenação parcial, mais não fosse encontrada de acordo com a equidade…
41ª Por isso, jamais a Meritíssima Juíza a quo estaria autorizada - em face do comportamento, ou da falta dele, por parte dos demandados nos presentes autos - poderia ter afirmado o seguinte: (…)
No caso, mesmo que a contestação tivesse sido admitida, é incerto o resultado final relativamente à prova da inexistência de contrato de seguro e à responsabilidade na produção do acidente, pelo que não é possível concluir que o dano resultante da perda de chance pelo facto de a contestacã̧o não ter sido tempestivamente apresentada pelo primeiro Réu equivale ao valor peticionado, até porque resulta da petição inicial que o próprio Autor discorda dos termos da contestação apresentada, reconhecendo que os termos da mesma poderiam não ser bastantes para obter a improcedência da ação.
Assim, considero equitativo fixar em sensivelmente metade do valor peticionado (até tendo em conta a possibilidade de não se determinar a culpa de qualquer um dos condutores na produção do sinistro) em € 6 480,00 (seis mil, quatrocentos e oitenta euros) a quantia indemnizatória, sendo certo que também se ignora a forma como foi obtida o valor que foi pago ao lesado condutor do veículo de matrícula espanhola.
42ª Ora, com o devido respeito por opinião diversa, para que a Meritíssima Juíza a quo se pudesse pronunciar nesses moldes necessário seria que se tivesse realizado o “julgamento dentro do julgamento”.
E, de novo com o devido respeito, jamais o facto de ter a matéria de facto alegada pelo recorrente sido dada por provada, em obediência ao disposto no artigo 567º do Cód. Proc. Civil, lhe permitia fazer o julgamento dentro do julgamento, afirmando mesmo que poderia não suceder isto ou aquilo…!
43ª E se assim é, como inquestionavelmente é, jamais se deveria ter socorrido da figura da equidade para determinar o prejuízo do demandante/recorrente que correspondia a metade porque poderia (mais uma suposição de entre tantas outras) não se provar isto ou aquilo…!
44ª Outra questão aflorada no presente recurso prende-se com o facto de a Meritíssima Juíza a quo não ter condenado os demandados ao pagamento daquela quantia acrescida dos juros legais a contar da citação, como peticionado.
45ª Impõe-se, por isso, que a quantia em que vierem a ser condenados os demandados/recorridos, com infra se peticionará, seja acrescida dos juros legais a contar da citação para a ressente demanda.
46ª Assim e de acordo com tudo o que supra se deixou vertido, deve ser dada por provada a exacta matéria de facto constante da sentença recorrida, e bem assim o facto sob 24, com o seguinte teor 24) O Fundo de Garantia Automóvel entendeu assumir extrajudicialmente a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ..-NS-.., tendo indemnizado o condutor do veículo de matrícula espanhola.
47ª E, em consequência, ser julgada a presente acção totalmente procedente e os demandados condenados a pagar ao recorrente a quantia peticionada de 12.959,78 € por ser a mesma correspondente ao dano que o recorrente sofreu pelo facto ilícito do recorrido Sr. Dr BB naqueles outros autos.
Pede a revogação da decisão impugnada e, em sua substituição, o proferimento de Acórdão que, acolhendo as razões expostas pelo recorrente no presente recurso, condene os demandados não contestantes a pagarem ao recorrente a quantia de 12.959,78 €, acrescida dos juros legais a contar da citação.
Recorreu também a co-Ré Seguradora da decisão final, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I. O Tribunal “a quo” condenou solidariamente os Réus no pagamento ao Autor da
quantia € 6.480,00, decisão com a qual a Apelante não se conforma, porquanto o 1.º Réu sempre teria de ser condenado no pagamento da franquia acordada.
II. Face à factualidade assente, foi segura a responsabilidade civil profissional decorrente do exercício da advocacia, com um limite de €150.000,00 por sinistro (sem limite de anuidade), e uma franquia de €5.000,00 por sinistro, a qual fica a cargo do segurado, conforme ponto 10 das “Condições Particulares do Seguro de Responsabilidade Civil” constantes da Apólice.
III. A inoponibilidade da franquia perante Terceiro, não pode significar a condenação solidária da ora Apelante neste valor.
IV. A franquia estabelecida ao capital seguro, trata-se de uma parcela da indemnização que ficará exclusivamente a cargo do Segurado e que será deduzida do valor a pagar pela Ré Seguradora ao lesado, conforme estabelece o artigo 49.º, n.º 3 do RJCS.
V. Em casos absolutamente congéneres ao presente, têm Decidido os Tribunais Superiores, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 2.10.2016 e de 8.11.2018 (processos n.ºs 688/14.5TBTNV.E1 e 139/14.5T8BJA.E1, respetivamente).
VI. Ademais, nos autos encontram-se presentes todos os sujeitos da relação material controvertida e, como tal, não pode a franquia em causa deixar de ser oponível ao Autor.
VII. Acresce que, a franquia é oponível aos terceiros lesados, como resulta do disposto no artigo 147.º do RJCS.
VIII. Ao não ter condenado o 1.º Réu, Dr. BB, no pagamento da franquia contratada oo Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 405.º, 497.º, n.º 1 e 512.º a 514.º do Código Civil, o artigo 49.º, n.º 3 e artigo 147.º do Decreto-Lei n.º 72/2008 e, ainda, o ponto 10 das “Condições Particulares do Seguro de Responsabilidade Civil” e o ponto 15 do Artigo 1.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional” do contrato de seguro celebrado entre a Apelante e a Ordem dos Advogados (junto pelo Autor com o requerimento de 10/04/2024, com a Ref.ª 48567635).
Conclui já pedindo a substituição da decisão do Tribunal “a quo”, por outra que, condene o 1.º Réu no pagamento da franquia acordada no contrato de seguro dos Autos, no valor de € 5.000,00, diretamente ao Autor.
Colhidos os vistos legais, impõe-se decidir.
II.
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).
Assim, o presente recurso tem por objecto as seguintes questões, ambas jurídicas:
- a da liquidação do dano da perda da chance emergente do acto ilícito contratual de falta de apresentação da contestação na acção para a qual fora mandatado pelo Autor e
- a da condenação da Ré no pagamento solidário da totalidade da indemnização arbitrada, pese embora a contratação de franquia no contrato de seguro.
Assim é que, desde logo, não obstante vir suscitada a impugnação de matéria de facto havida como não provada, da mesma não cabe conhecer, por desnecessidade/inutilidade.
Nos recursos apenas se impõe tomar posição sobre as questões que sejam processualmente pertinentes/relevantes (suscetíveis de influir na decisão da causa), nomeadamente no âmbito da matéria de facto.
Com efeito, de acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão submetidos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte (cfr. arts. 6.º, n.º 1, 30.º, n.º 2, e 130.º, do CPC).
Neste sentido, v.g., os Acs. do STJ de 19.05.2021, Proc. n.º 1429/18.3T8VLG.P1.S1 (desta 4.ª Secção), de 09.02.2021, Proc. n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1 (1.ª Secção), de 30.06.20, Proc. n.º 4420/18.6T8GMR-B.G2.S1 (6.ª Secção), de 28.01.2020, Proc. nº 287/11.3TYVNG-G.P1.S1 (6.ª Secção), de 22.03.2018, Proc. n.º 992/14.2TVLSB.L1.S1 (7.ª Secção) e de 10.10.2017, Proc. n.º 8519/12.4TBCSC-A.L1.S1 (1.ª Secção).
Vale por dizer que o dever de reapreciação da prova por parte da Relação apenas existe no caso de o recorrente respeitar todos os ónus previstos no art. 640.º, n.º 1 do CPC, e, para além disso, a matéria em causa se afigurar relevante para a decisão final (cfr. o citado aresto de 09.02.2021).
Ora, toda a lógica subjacente à decisão recorrida, muito decisivamente a procedência da acção, independentemente da demonstração do facto alegado pelo A. e não provado [que, adiante-se, é manifestamente contrariado pelo teor da documentação junta, ao invés do aduzido, como não deixa de admitir/reconhecer o recorrente mesmo, ao pugnar por uma demonstração correctiva/explicativa), induz que se houve por irrelevante a questão de saber que entidade indemnizou primeiro o lesado, uma vez que assente que o FGA foi quem assumiu o exercício do direito de regresso legitimamente.
Donde, o facto cuja aquisição probatória vem reclamada é insuscetível de influir na decisão da causa (à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito), com o que, nesse segmento, é o recurso é inútil, o que, só por si, sempre determina a impossibilidade de se conhecer do seu objeto quanto aos correspondentes argumentos e objecto.
A matéria de facto a considerar para a decisão das questões enunciadas é, assim, a havida como demonstrada na decisão recorrida, nos seus exactos termos.
Há que começar por ter como certo, que a "responsabilidade civil é um instituto jurídico que comunga da tarefa primordial do Direito que consiste na ordenação e distribuição dos riscos e contingências que afectam a vida dos sujeitos e a sua coexistência social" (Manuel Carneiro da Frada, Uma «terceira via» no Direito da Responsabilidade Civil ?, Almedina, 1997, pag. 15).
A responsabilidade civil consiste na obrigação de reparar os danos sofridos por alguém. Trata-se de indemnizar os prejuízos de que esse alguém foi vítima.
«Fala-se de indemnizar porque se procura tornar o lesado indemne dos prejuízos ou danos, reconstituindo a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento causador destes (…). A responsabilidade civil traduz-se, pois, na obrigação de indemnização» (Inocêncio Galvão Telles, in Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 1997, 7.ª edição revista e actualizada, p. 208).
Ora o dever de indemnização só existe quando, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos:
A. A ilicitude do facto danoso;
B. A culpa, sob forma, de dolo ou negligência do autor do facto;
C. Um nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado. Não se discutindo na situação decidenda o preenchimento dos pressupostos sob A. e B., para que um advogado seja responsabilizado pelos danos resultantes do incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato, torna-se necessária a alegação e prova do nexo de causalidade entre o facto (a sua conduta omissiva ou negligente) e os invocados danos (a não obtenção do resultado pretendido). Anote-se, desde já, quanto à ilicitude, que a conduta que a integra é a da não apresentação em tempo da contestação, que não também a da insuficiência ou conteúdo desta (aflorada na petição), na medida em que este teor[1] foi absolutamente estranho ou inócuo ao desfecho da acção. Donde, a procedência da acção o foi na medida da consideração como confessados dos factos alegados pelo ali A., por falta de contestação. O primeiro problema a afrontar vem a ser o da afirmação do nexo de causalidade entre aquele facto e um dano padecido pelo lesado/demandante.
É evidente que o artº 563º do C.Civil traduz entre nós, de entre as três principais construções doutrinárias sobre o nexo de causalidade entre o facto e o dano (equivalência das condições ou da “conditio sine qua non”; das condições selectivas; e da causalidade adequada) a doutrina da causalidade adequada. Assim, fazendo-se apelo à ideia da probabilidade do dano, a “indemnização confina-se aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão do seu direito ou interesse protegido”, cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, pág. 521. Na verdade, segundo o que se dispõe no artº 563º do C.Civil “não há que ressarcir todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão só os que ele tenha na realidade ocasionado, os que possam considerar-se pelo mesmo produzidos. O nexo de causalidade entre o facto e o dano desempenha, consequentemente, a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar, cfr. Almeida Costa, in obra citada, pág. 397, pois o contrário seria absolutamente injusto. Sempre o dano a que se reconduz o A (como resulta da liquidação da pretensão indemnizatória deduzida) se traduz na frustração total da pretensão implicada pela contestação na acção primeira, a absolvição total do pedido. Desde logo, a afirmação deste dano não resulta da confissão ficta implicada pela falta de contestação da acção pelos RR, na medida em que interferindo um juízo de causalidade adequada, que convoca um critério legal, não exclusivamente factual…quanto ao qual, pois, não opera a confissão ficta. Inevitável a afirmação de não há possibilidade de saber se o aqui Autor ganharia ou não a contestação “falhada”, tratando-se, portanto, de uma matéria insusceptível de ser provada[2].
A particularidade que ocorre nesta situação, uma hipótese típica de “perda de chance”, consiste em saber como determinar a certeza do dano e respectivo montante quando o advogado descuida o processo e a falta é contrária aos interesses do seu cliente, sendo certo que quem demanda ou é demandado tem à sua frente um resultado incerto. Adiante-se entendermos que terá de ser em função da maior ou menor probabilidade de vencimento, com recurso à equidade, mas terá sempre de haver alegação e prova de que esse vencimento era provável, era possível.
Nessa parte assiste inteira razão à M.ma Juiz recorrida, quando justifica a falta de aquisição probatória de que o resultado pretendido com a contestação/ oposição teria previsivelmente sido obtido totalmente caso o 1º réu/mandatário tivesse cumprido pontualmente as suas obrigações.
Como ali se anota, sendo a vitória judicial sempre de natureza incerta e tendo toda a causa um resultado aleatório, o autor não pode afirmar que a ação judicial teria sido julgada total ou parcialmente procedente, muito embora haja ficado, irremediavelmente, comprometida a obtenção do benefício subordinado que se mostrava inerente ao êxito do procedimento judicial. Trata-se de uma situação em que não se pode afirmar, com absoluta segurança, qual o conteúdo da decisão judicial, nomeadamente, porque tal depende ainda do modo como o juiz aprecia determinados factos, interpreta as normas jurídicas pertinentes e procede à subsunção daquela factualidade ao Direito aplicável, mas em que já se sabe, por outro lado, com certeza suficiente, que a vítima perdeu uma oportunidade de obter essa decisão favorável.
Na medida em que o aqui 1º réu não desenvolveu injustificadamente a actividade para que fora concretamente nomeado, o autor viu-se coarctado no seu direito de discutir judicialmente a decisão da causa, de na justiça defender os seus interesses e lutar por aquilo que julgava ser seu direito: uma absolvição (ao menos) parcial da pretensão contra si deduzida.
Observa-se que, no que se acompanhará, de muito perto, o Acórdão do STJ de 05.02.2013, acessível em www.dgsi, pela acutilância e pertinência do ali expendido e pela similitude à situação decidenda: …não há possibilidade de saber se o aqui Autor ganharia ou não a oposição/contestação “falhada”, tratando-se, portanto, de uma matéria insusceptível de ser provada. É certo ainda que nestes autos não se produziu a prova relativa aos fundamentos da oposição/contestação naqueles outros deduzida, na medida da aquisição dos factos alegados, por falta de contestação, bem assim. Contudo, não deixará de se reconhecer que a prova que viesse a ser nestes autos produzida não seria nunca a mesma que se teria produzido naqueles outros (e por isso que, como se adiantou, não é possível saber (“absolutamente”, que não apenas “probabilisticamente”) se a conduta activa do 1º Réu determinaria ou não um resultado diferente na acção respectiva.
Desde logo, no confronto com a prova também requerida pelo ali Autor, numa maior proximidade temporal e “existencial” ao sinistro em discussão, aqui excluída pelo facto de a contraparte não ser a titular da originária relação controvertida, o que logo implica a necessidade de um juízo de “correcção” da aptidão demonstrativa de uma prova “interessada” apenas.
Sempre na medida de vicissitudes como a da falta de testemunhas, teor do depoimento (nunca igual), compreensão do julgador, motivações extra-jurídicas da decisão…
Tudo para afastar a argumentação pela recorrente de que os termos desta acção e, assim, a falta de contestação pelos RR, ao impedir-lhe a realização de prova sobre as circunstâncias do sinistro em causa na primeira acção, foram decisivos ou determinantes e, consequentemente, injustos, afastando a demonstração de que a contestação teria necessariamente “ganho de causa total”.
Na verdade, como se alcançará melhor infra, ao realizá-lo por forma ao apuramento agora do dano indemnizável, o “julgamento dentro do julgamento” não é, por impossibilidade ontológica, o mesmo julgamento, mas um juízo hipotético, aproximado quanto possível – donde a admissão de prova quanto a factos atinentes ao plano da acção anterior-, mas necessariamente distinto. Por isso que, ainda quando não haja lugar a produção de prova, como sucedeu nestes autos, não é impossível o mesmo juízo virtual ou hipotético, desde que, e assim sucedeu, a parte tenha alegado os factos relevantes ao mesmo juízo. É que ainda que nestes autos pudesse o A produzir a prova da realidade dos factos que naquela contestação intempestiva aduzira e sempre não estaria feita a prova de naqueles outros assim teria sido também.
Assim, ausente a demonstração (positiva, num certo sentido) pelo Autor de que, não fora a actuação do 1º Réu e o resultado da acção contra si instaurada teria sido outro, ao menos, o da procedência parcial da defesa/oposição apresentada…porém, o 1º réu violou, culposamente, os seus deveres profissionais, nos termos expostos, deixando de satisfazer, cabalmente, a prestação a que estava vinculado, o que importa o não cumprimento defeituoso da obrigação e que o torna responsável pelo prejuízo causado ao credor, nos termos das disposições combinadas dos artigos 798º e 799º, nº 1, ambos do CC.
E, se não se pode afirmar o nexo de causalidade adequada entre a omissão ilícita e culposa do 1º réu e os danos sobrevindos para o autor, tal pode não conduzir, irremediavelmente, à irresponsabilização do profissional que violou, nas circunstâncias apontadas, os seus deveres para com o cliente, sob pena de solução inversa implicar, intoleravelmente, a existência de muitas infracções, sem sanção suficiente, com a consequente dificuldade de responsabilizar o advogado perante o cliente, por incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato. A este propósito, acentue-se que a questão se reconduz à discussão sobre se o ordenamento jurídico-civil nacional tutela o dano conhecido pela «perda de chance» ou de oportunidade, que ocorre quando uma situação omissiva faz perder a alguém a sorte ou a «chance» de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo, como aconteceu, no caso concreto, com a conduta do 1º réu, que privou o autor da «chance» de obter um resultado favorável. É que, mediante a apresentação extemporânea da defesa, o 1º réu fez, desde logo, perder ao ali Ré, ora Autor, toda e qualquer expectativa de ganho de causa na acção, independentemente das vicissitudes processuais que a mesma conheceria, na hipótese de tal não haver sucedido, o que pode representar um dano ou prejuízo autónomo para aquele que, seguramente, nunca augurou que o inêxito da defesa/oposição pudesse, alguma vez, derivar de tão flagrante negligência do seu patrono.
A questão da tutela deste dano vem sendo discutida na doutrina e jurisprudência portuguesas. No que a esta última interessa, vai-se oscilando entre posições mais restritivas, da qual são exemplo os Acórdãos do STJ de 18.10.2012 e de 29.05.2012 e posições mais amplas, como a assumida no Acórdão supra citado, que se vem seguindo de muito perto e no Acórdão da Relação do Porto de 28.02.2013, tudo decisões, precisamente, a propósito da responsabilidade civil de Advogado, acessíveis na base de dados do ITIJ.
Vejamos:
No plano contratual, a perda de oportunidade pode desencadear responsabilidade de acordo com a vontade das partes, que erigiram essa «chance» em bem jurídico protegido pelo contrato, sendo certo que o cumprimento defeituoso do mandato pelo 1º réu originou um dano para o autor que não viu satisfeita a prestação devida, por incúria e negligência daquele, que o privou, fazendo-o perder a sorte ou «chance» de vir a triunfar (mesmo que parcialmente) na acção.
Já se sustentou (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 28.02.2013, acima citado) que, considerado o direito de defesa como um bem, juridicamente, tutelado, não só, pela lei processual, como pelo mandato existente entre o autor e o 1º Réu, a impossibilidade ou limitação do seu exercício, por omissão culposa deste, pode representar um prejuízo ou dano, em si mesmo considerado, isto é, um dano autónomo.
Não subscrevemos esta posição, por entendermos antes que importa, ao menos de lege data, apreciar o nexo de causalidade adequada existente entre a conduta omissiva e o dano ou prejuízo sofrido pelo autor, em consequência da mencionada abstenção.
Também Rui Cardona Ferreira, por seu lado, em Indemnização do Interesse Contratual Positivo e Perda de Chance (Em especial, na contratação pública), Coimbra, 2011, opta por se aproximar “dos autores que entendem não estar em causa, na perda de chance, um dano patrimonial autónomo”, tratando-se antes de uma hipótese de lucros cessantes, e propondo uma “revisão” da teoria da causalidade adequada. Para efeitos de cálculo da indemnização, entende que se deve ter em conta “o grau de aleatoriedade, ou incerteza, relativa à possibilidade de concretização da chance, não fora a prática do acto ilícito” (pág. 347).
“Ao nível da aferição do nexo causal (passamos, data venia, a reproduzir o Acórdão do STJ, citado em último lugar), assiste-se a uma alteração do paradigma tradicional, com destaque, a este propósito, para a teoria da «perda de chance» ou oportunidade perdida, destinada a ultrapassar as dificuldades de prova do nexo causal, pretendendo-se com a mesma evitar a solução drástica, e, em muitos casos, injusta, a que conduz o modelo clássico do «tudo ou nada», isto é, em que o julgador, depois de valorada toda a prova produzida, não encontra um grau suficiente de probabilidade para optar pela solução de que o agente causou o dano. Com efeito, a teoria geral da causalidade, no âmbito da responsabilidade contratual, tem subjacente o princípio do «tudo ou nada», porquanto obriga a que o risco de incerteza da prova recaia, em conjunto, sobre um único sujeito, quer seja o lesante, quando, perante as dificuldades probatórias, o julgador baixa o «standard» ordinário da prova para afirmar um nexo causal duvidoso, e ordena a reparação total do dano sofrido, quer seja o lesado, quando o órgão judicial mantém esse «standard» ordinário de prova e nega o nexo causal e a responsabilidade.
Porém, a teoria da «perda de chance» ou da oportunidade veio alterar esta colocação, uma vez que distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, isto é, o lesante responde apenas na proporção e na medida em que foi autor do ilícito, traduzindo uma solução equilibrada que pretende conformar-se com uma sensibilidade jurídica a que repugna a desoneração do agente danoso por dificuldades probatórias, mas, também, que não comina a reparação da totalidade do dano que, eventualmente, não cometeu. […]
A jurisprudência foi pioneira na teorização da «perda de chance», referindo-se, em regra, aos casos em que o lesado se encontra, de certo modo, numa situação de desequilíbrio ou de desigualdade de armas relativamente ao agente, porque carece de conhecimentos e meios para fazer apreciar e demonstrar a existência da causalidade, atenuando as dificuldades da prova, tendo ainda como efeito distribuir entre as partes a carga da incerteza, mas fazendo incidir sobre o lesante, apenas, a responsabilidade proporcional à medida do dano que causou.[…]
A questão que, de imediato, se coloca é, então, a de determinar qual é esse grau suficiente de probabilidade e quais são as regras ou critérios a que se deve recorrer para o calcular, pois que de tais respostas depende a consideração de que se está perante hipóteses de causalidade demonstrada ou antes de causalidade não demonstrada, sendo estas últimas as que concernem com a doutrina da «perda de chance» e com a fórmula da sua reparação […]
A perda de oportunidade apresenta-se em situações que podem qualificar-se, tecnicamente, de incerteza, situando-se o seu campo de aplicação entre dois limites, sendo um constituído pela probabilidade causal, nula ou irrelevante, de o facto do agente causar o dano, em que não há lugar a qualquer indemnização, e o outro constituído pela alta probabilidade, que se converte em razoável certeza da causalidade, que dá lugar à reparação integral do dano final, afirmando-se o nexo causal entre o facto e este dano.
Através destes dois limiares, importa, pois, distinguir três tipos de hipóteses, ou seja, a perda de oportunidade genérica, imperfeita, simples ou comum, abaixo do limiar de seriedade da «chance», que não dá direito a qualquer reparação [a], a perda de oportunidade super-específica, super-qualificada, ou perfeita, igual ou acima do limiar da certeza da causalidade, e que determina a afirmação do nexo causal entre o facto e o dano final [b] e a perda de oportunidade específica, qualificada, situada entre os dois limiares, e que pode dar lugar à actuação da doutrina da «perda de chance». E são os casos de «chances» sérias e reais que expressam probabilidades consideráveis, sem embargo de serem insuficientes para efeito de afirmação do nexo causal. (a acentuação é nossa)
Assim sendo, a doutrina da «perda de chance» ou da perda de oportunidade, propugna, em tese geral, a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas, simplesmente, que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis, permitindo indemnizar a vítima nos casos em que não se consegue demonstrar que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente, mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as probabilidades de que a vítima dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando como sérias e reais. (novamente, a acentuação é nossa).
A «chance» ou oportunidade perdida merece a tutela do direito porque, à data da violação ilícita, integra o património jurídico do lesado, o seu património económico e moral, sendo ressarcível por consubstanciar “um dano certo, salvo quanto ao seu montante, onde acaba por emergir a perda de uma possibilidade actual, e não de um resultado futuro”.
É um dano presente que consiste na perda de probabilidade de obter uma futura vantagem, um acréscimo patrimonial (acrescentamos, atenta a situação decidenda, também um não decréscimo ou diminuição patrimonial), sendo, contudo, a perda de «chance» uma realidade actual e não futura, um bem jurídico digno de tutela, embora possa surgir no futuro, reportando-se ao valor da oportunidade perdida e não ao benefício esperado.
Desta forma, no âmbito da responsabilidade contratual, são, juridicamente, relevantes as violações das «chances» que constituem o objecto sobre que incide a prestação debitória, subsumíveis ao comando do artigo 483º, do CC, para efeito da reparação dos danos verificados. Mas, sendo o dano da perda de «chance» um exemplo da actual relevância da causalidade puramente probabilística, “uma das formas de resolver este género de problemas é a de considerar a perda de oportunidade como um dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano final (apenas hipotético, v. g., da ausência de cura, da perda do concurso, do malograr das negociações por outros motivos), para cuja ocorrência se não pode asseverar um nexo causal suficiente, considerando-se, então, que a mera possibilidade de uma pessoa se curar, apresentar-se a um concurso ou negociar um contrato consubstancia um bem jurídico tutelável, cuja perda pode desencadear responsabilidade civil, de acordo com a vontade das partes, elevando-se, assim, a «chance» a bem jurídico protegido pelo contrato.”
À perda de «chance» dedica pormenorizado estudo Júlio Gomes, Direito e Justiça, vol. XIX, 2005, II, escrevendo, em estilo de conclusão, que: “Afigura-se-nos, pois, que a mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória…Na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção de causalidade probabilística, parece-nos que a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de jure condito…Admitimos, no entanto, um espaço ou dimensão residual da perda de chance no Direito português vigente: referimo-nos a situações pontuais, tais como a situação em que ocorre a perda dum bilhete de lotaria, ou em que se é ilicitamente afastado dum concurso ou de uma fase posterior dum concurso. Trata-se de situações em que a chance já se “densificou” o suficiente para, sem se cair no arbítrio do juiz, se poder falar no que Tony Weir apelidou de “uma quase propriedade”, um “bem”.
Também Rute Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, 179 e seguintes, dedica pormenorizado estudo a esta figura, afirmando, a dado passo (p. 232), que: “A perda de chance, enquanto tal, está ausente do nosso direito. Em Portugal, poucos são os Autores que se referem à noção de perda de chance e, quando o fazem, dedicam-lhe uma atenção lateral e pouco desenvolvida.
Pode, também, entender-se que paira nas entrelinhas de decisões judiciais portuguesas, estando subjacente a algumas delas em que os tribunais expendem um raciocínio semelhante ao que subjaz a esta teoria, sem, no entanto, se lhe referirem.”
E, mais adiante: “Também são especialmente pertinentes, a este propósito, as decisões relativas a casos de responsabilidade civil em que se inclui no montante reparatório aquilo que o lesado poderia vir a ganhar quando completasse a formação universitária que frequenta no momento em que se produziu a lesão.”
Paulo Mota Pinto, em Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, 1103 nota de pé de página, debruça-se sobre a figura, referindo que: “…Não parece que exista já hoje entre nós base jurídico-positiva para apoiar a indemnização de perda de chances…Antes parece mais fácil percorrer o caminho da inversão do ónus, ou da facilitação da prova, da causalidade e do dano, com posterior redução da indemnização, designadamente por aplicação do artigo 494.º do Código Civil, do que fundamentar a aceitação da “perda de chance” como tipo autónomo da dano, por criação autónoma do direito para a qual faltam apoios…”
Escrevendo Carneiro de Frada, Direito Civil, Responsabilidade Civil, Método do Caso, 103, que: “Um outro exemplo dá-o o dano conhecido por “perda de chance” praticamente por desbravar entre nós. Entre as suas áreas de relevância encontra-se a da responsabilidade médica: Se o atraso de um diagnóstico diminuiu em 40% as possibilidades de cura do doente, quid juris? Já fora deste âmbito, como resolver também o caso da exclusão de um sujeito a um concurso, privando-o da hipótese de o ganhar?...Uma das formas de resolver este género de problemas é a de considerar a perda de oportunidade um dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano final (apenas hipotético, v.g. da ausência de cura, da perda do concurso, do malograr das negociações por outros motivos), para cuja ocorrência se não pode asseverar um nexo causal suficiente. Mas então tem de se considerar que a mera possibilidade de uma pessoa se curar, apresentar-se a um concurso ou negociar um contrato consubstancia um bem jurídico tutelável. Se no plano contratual, a perda de oportunidade pode desencadear responsabilidade de acordo com a vontade das partes (que erigiram essa “chance” a bem jurídico protegido pelo contrato), no campo delitual esse caminho é bem mais difícil de trilhar: a primeira alternativa do artigo 483.º, n.º1 não dá espaço e, fora desse contexto, tudo depende da possibilidade de individualizar a violação de uma norma cujo escopo seja precisamente a salvaguarda de uma chance. Ainda assim, surgem problemas, agora na quantificação do dano, para o qual um juízo de probabilidade se afigura indispensável. Derradeiramente, não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (cfr. o artigo 566.º, n.º3).”
Justifica-se também aqui a transcrição do que escreve Armando Braga, estribando-se em doutrina italiana e francesa, A Reparação do Dano Corporal da Responsabilidade Extracontratual, p. 125): “O denominado dano de perda de chance tem sido classificado como dano presente. Este dano consiste na perda de probabilidade de obter uma futura vantagem sendo, contudo, a perda de chance uma realidade actual e não futura. Considera-se que a chance de obter um acréscimo patrimonial é um bem jurídico digno de tutela. A vantagem em causa que poderia surgir no futuro, deve ser aferida em termos de probabilidade. O dano da perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida (estatisticamente comprovável) e não ao benefício esperado. O dano da perda da chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida. É precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização.”
Olhando, novamente, para a jurisprudência, o STJ já decidiu que: “No caso dos autos, como a possibilidade de a recorrente ganhar o concurso estava envolta em manifesta álea, por dependente da vontade de outrem, que não os contraentes, pelo que era imprevisível (no sentido de coisa fortuita ou acidental que ocorreria ou deixaria de ocorrer), não poderá ser imputado esse facto – não ter ganho o concurso – à recorrida, como consequência ainda do incumprimento do contrato celebrado. Só esta conclusão é compatível com o conceito de causalidade adequada, sendo que o lesante é responsável por todos os prejuízos que “necessariamente” resultem do não cumprimento do contrato.”(Ac. de 6.3.2007, processo n.º 07A 138, que se pode ver em www.dgsi.pt). E, no Acórdão de 16.06.2009, processo n.º 1623/03.1TCLRS.S1, com texto no mesmo sítio: “Não se encontrando a possibilidade de a autora ser vencedora do concurso público a que se pretendia submeter, apenas, dependente da sua vontade, mas, também, do entendimento e querer do júri do concurso de selecção, o que, de todo o modo, era um dado imprevisível, no sentido de coisa fortuita ou acidental, que ocorreria ou poderia deixar de acontecer, mas que não é susceptível de demonstração, não pode imputar-se à ré o facto de aquela não ter ganho o concurso, em virtude da sua exclusão preliminar, como consequência, necessária e directa, do incumprimento contratual da obrigação de entrega atempada da proposta que deveria fazer chegar à entidade destinatária da mesma. O dano do não vencimento do concurso, mesmo superada que fosse a exclusão proveniente da apresentação intempestiva da proposta, não pode ser considerado como uma lesão que a autora, provavelmente, não teria sofrido, em virtude de a sua selecção e escolha, também, depender de um juízo de discricionariedade técnica e científica. Não existe nexo causal entre o acto danoso da entrega intempestiva da proposta pela ré e o facto de a autora ter sido excluída do concurso público a que se pretendia candidatar através da mesma.”
Por sua vez, o Supremo Tribunal Administrativo, perante os factos provados de que o autor, soldado da GNR, se não tivesse sido afastado da corporação, “poderia já ter concorrido e sido promovido ao posto de cabo, podendo estar a auferir o vencimento e demais abonos correspondentes àquele posto”, entendeu que “a perda definitiva da possibilidade de ter progredido na carreira constitui, sem dúvida, um dano decorrente daquele afastamento ilegal e, portanto, indemnizável, verificados que estão os pressupostos do artigo 483.º do Código Civil (facto ilícito e culposo, mas não através da condenação do Estado a pagar ao Autor as diferenças salariais entre o posto de soldado e o de cabo, como foi decidido e muito menos aumentando para o dobro esses montantes, como pede o Autor, no recurso subordinado, mas sim pela fixação, na falta de outros elementos, de uma importância que se afigure justa e razoável para compensar essa perda de chance, ou seja, com recurso à equidade (artigo 566.º, n.º3 do Código Civil)”. E continua: “Dado que decorre dos autos que a possibilidade de o Autor ter ascendido ao posto de cabo era elevada…considera-se adequado, em juízo de equidade, que o valor desta indemnização seja fixado em 50% do montante da indemnização fixada, a título de diferenças salariais, no tribunal a quo” (Ac. de 24.10.2006, processo n.º 0289/06, que se pode ver ainda no mesmo sítio, na parte referente a tal Tribunal).
São conhecidas as dificuldades sentidas quanto à resposta a dar a esta questão, em abstracto. Apenas a título de exemplo, e somente no âmbito de indemnizações pedidas com fundamento em violação do mandato forense, referem-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça[3]:
– no sentido de que a perda da chance de vencer a acção constitui um dano autónomo, cfr. os acórdãos de 28 de Setembro de 2010, ou de 10 de Março de 2011 e ainda o recente acórdão de 5 de Fevereiro de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 488/09.4TBESP.P1.S1 (foi julgada extemporânea a apresentação do requerimento de prova);
– afirmando que “A perda de oportunidade não sendo (…) um dano presente (…) só pode ser qualificado de dano futuro mas eventual ou hipotético, salvo se a prova permitir que com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança concluir que o lesado obteria certo benefício não fora a chance perdida”, cfr. acórdão de 29 de Abril de 2010;
– observando que “a doutrina da perda de chance não tem, em geral, apoio na nossa lei civil que exige a certeza dos danos indemnizáveis e a existência de nexo de causalidade entre eles e a conduta do lesante. Apenas quando se prove que o lesado obteria, com forte probabilidade, o direito não fora a chance perdida, se pode fundamentar uma indemnização pelos respectivos danos”, os acórdãos do Supremo Tribunal de 29 de Maio de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 8972/06.5TBBRG.G1.S1), do qual se faz a transcrição, de 26 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 1410/04.0TVLSB.L1.S1), de 18 de Outubro de 2012, proc. nº 7/04.9TVLSB.L1.S1, com sumário disponível em www.stj.pt;
– no sentido de que basta um nexo causal entre o incumprimento e o dano traduzido no desentranhamento da contestação e subsequente condenação no pedido, sendo irrelevante uma causa virtual não provada, cfr. o acórdão de 22 de Janeiro de 2009, www.dgsi.proc. nº 3955/08, com sumário em www.stj.pt;
– entendendo que “a perda de oportunidade de utilização” de uma via processual “não constitui por si mesma um dano patrimonial”, cfr. o acórdão de 4 de Novembro de 2008, proc. nº 2713/08, com sumário em www.stj.pt.
A figura da perda de chance tem tido tratamento circunstanciado noutros países, com destaque para a França, principalmente nos casos de tratamento médico em que se coteja o resultado da actuação clínica negligente com o estado do paciente se não fora ela (Cfr-se Yvonne Lambert-Faivre, Droit Du Dommage Corporel, Systèmes d’Indemnization, 685 e seguintes)[4]. Nessa conformidade, surge-nos a definição da Cour de Cassation (1.ª Chambre Civil, Acórdãos de 21.11.2006, 4.6.2007 e 14.5.2009) de que “só constitui uma perda de chance reparável, o desaparecimento actual e certo duma eventualidade favorável”.
Fica-nos aqui uma definição particularmente clara sobre o que seja a figura que vimos abordando. Mas não podemos ir, perante ela, mais longe, na perspectiva da temática, que aqui nos importa, porque se, por um lado, se exige que o desaparecimento seja actual e certo, por outro, a “éventualité favorable” abre caminho a particulares incertezas.
Para aquele Tribunal, a indemnização constitui a regra desde que – como se refere no Tratado de Responsabilidad Civil coordenado por Reglero de Campos, I, 321 – a perda de oportunidade de ganho seja real e séria e não demasiado hipotética. Vindo tais ideias já – sempre parafraseando esta obra, agora a páginas 785 – da decisão do Conselho de Estado francês, de 3.8.1928, que concedeu indemnização em caso de concurso público perdido porque havia uma possibilidade “séria e real de vitória”.
Concedendo a indemnização, vêm entendendo, porém, os franceses que, perante a perda de chance, a insegurança sobre esta deve levar a uma diminuição do montante indemnizatório em comparação com o que seria devido no caso de o conteúdo daquela se ter efectivamente verificado (por todos, o Ac. da Cour de Cassation de 16.7.1998, 1.ª Chambre Civil, em que se acentuou que “la réparation d’une perte de chance doit être mesurée à la chance perdue et ne peut être égale à l’avantage qu’aurait procuré cette chance si elle s’était réalisée”, e, bem assim, Yvonne Faivre, ob. e loc. citados).
Ainda a propósito da perda de chance, continua aquela obra coordenada por Reglero de Campos: “…hay que ser conscientes de que incluso el criterio base de la incertitude causal es questionable. Su utilización contradice un postulado básico del Derecho de daños; incurre en responsabilidad quien causó un daño, no alguen del que solo se sabe que pudo ocasionar-lo.” Claro que esta afirmação tem de ser interpretada com alguma subtileza. Como se refere ainda na mesma obra, agora a páginas 798, a certeza cede lugar à probabilidade em plano muito geral, vista a incapacidade de ser alcançado um conhecimento incontroverso no mundo da experiência. Provar é “apoiar a existência de factos na formulação de hipóteses válidas, não a partir da segurança total, mas apenas da probabilidade. A actividade probatória converte-se, assim, num juízo de aceitabilidade dos factos em função do seu nível de probabilidade. E, por isso, a apreciação fáctica fica sujeita às regras ou critérios (positivos) com que apreciar que se alcançou um grau de probabilidade suficiente. Debaixo desta perspectiva, a perda de oportunidade é a chave que abre a porta a um ressarcimento quando não se alcança esse grau suficiente de probabilidade…”
Na ordem interna portuguesa, a figura da perda de chance não tem tido um tratamento, quer a nível doutrinário, quer a nível jurisprudencial, que permita guindá-la a um capítulo autónomo dentro do direito dos danos e (ou) da relação de causalidade.
Temos para nós que não se trata dum dano futuro, porque a natureza dos danos, para estes efeitos, há-de ser aferida tendo em conta a data da decisão judicial que os aprecia e, quando é proferida a decisão judicial de primeira instância, já se verificou a perda da chance. Não vale aqui o critério da previsão – com toda a sua insegurança - que o artigo 564.º, n.º2 do Código Civil contempla.
Mantêm-se, portanto, os contornos que se vêm sedimentando no tempo relativos, quer aos danos, quer ao nexo de causalidade.
Quanto aos danos, o que nos importa é o da certeza, emergente do artigo 483.º. Certeza essa que cede dando lugar à “previsibilidade” só no caso do artigo 564.º. Esta referência a “previsibilidade” afasta a aplicação deste preceito, por analogia, aos casos de perda de chance porque nestes, no momento em que se julga, não se estabelece já qualquer raciocínio relativamente ao que é previsível.
Tudo se passou e só se o preceito se referisse a “probabilidade” poderia valer, analogicamente, para aqui.
Paredes-meias com a certeza dos danos, caminham as regras da causalidade adequada, interpenetrando-se em ordem a pensar-se, não só se o dano se verificou, como se se está numa relação causal com a conduta do agente.
O acolhimento da teoria da causalidade adequada – comum entre nós – não deixa de encerrar a que a antecede logicamente da conditio sine qua non ou da equivalência de condições. Antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se foi conditio sine qua non dele.
Não o tendo sido, falece logo a relação causal.
Tem sido este o entendimento face ao artigo 563.º do Código Civil, como se pode ver em Pessoa Jorge, ob. cit., 393, Galvão Teles, Direito das Obrigações, 404, A. Varela, Das Obrigações em Geral, 9.ª ed., 918, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6.ª ed., 654 e Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 343 e, bem assim, em acórdãos do Supremo Tribunal (por todos o de 17.04.2007, no referido sítio)[5].
Por outro lado, o quantum indemnizatório obedece, entre nós, ao princípio da reparação integral do artigo 562.º do Código Civil[6]. Decerto que o artigo 494.º pode levar a redução do montante indemnizatório, mas ali não está, a nosso ver, o caso da incerteza sobre o dano ou sobre o nexo de causalidade. Sendo ainda certo que o preceito se refere a condutas culposas, quando muitas das que estão na base da perda de chance são dolosas.
Não se justifica, pois, entre nós, a redução do montante indemnizatório que os franceses levam a cabo e que referimos supra.
Outrossim, não se descortina, nos artigos 342.º e seguintes do Código Civil, a nosso ver, uma inversão do ónus de prova, no sentido de caber ao agente que afastou a chance provar que esta não conduziria à vantagem invocada. A “extrema dificuldade de prova do facto” não inverte o critério legal de distribuição do ónus da prova (A. Varela, Sampaio Nora e Miguel Bezerra, Manual de Processo Civil, p. 467, nota rodapé e M. Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 203).
Aliás, na maioria dos casos em que se levanta a questão da perda de chance, tanto é difícil ao autor provar que o conteúdo da chance veria a luz do dia, como ao réu que não veria.
Aqui se convoca o Acórdão(UJ) do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022, no DR-18/2022, SÉRIE I de 2022-01-26, o qual decidiu: O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade. E convoca-se na medida ainda da perfeita concordância com o critério aí delineado, de distinção entre prova do nexo causal, primeira e avaliação do quantitativo do dano, ainda quando subjacente a ambos o omnipresente “juízo dentro do juízo”. Data venia, passamos a citar (eliminando as notas de rodapé, por despiciendas ao caso): « A certeza do dano e a imputação objetiva deste ao ato lesivo (nexo causal), requisitos exigíveis segundo os princípios e regras do nosso direito de responsabilidade civil, não dispensam que se apure, caso a caso, a suficiente probabilidade da consistência e seriedade da concreta “chance” processual comprometida. A verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de um nexo causal entre o facto lesivo e o dano, impõem, em linha com o que se referiu, que a “chance”, para poder ser indemnizável, seja “consistente e séria” e que a sua concretização se apresente com um grau de probabilidade suficiente e não com carácter meramente hipotético. Só assim a “chance” preencherá, num limiar mínimo, a certeza que é condição da indemnizabilidade do dano, só assim este pode ser considerado como objetivamente imputável ao ato lesivo e só assim se respeitará a regra (e a ideia de justiça) de que ao lesante apenas poderá ser imposto que responda pelos danos que causou. Significa isto que a toda a chance ou oportunidade perdida (a todo o ato lesivo e a todo processo perdido) não se segue, como que automaticamente e sem mais, uma indemnização por dano da perda de chance: a verificação do ilícito não contém já em si o dano a indemnizar. Assim como se argumenta, para recusar o dano da perda de chance, que o desfecho dum concreto processo judicial que não se chegou a desenrolar é uma certeza indemonstrável, também há quem afirme, no polo oposto, que um processo judicial não se acha perdido de antemão e que a mera pendência processual constitui um fator de pressão sobre a contraparte, pelo que, independentemente das circunstâncias concretas de tal processo e da sua prova, sempre, ocorrendo ato lesivo, haveria que conceder indemnização por dano da perda de chance. Mas, com todo o respeito, não pode ser: à luz das regras e princípios vigentes de responsabilidade civil, só uma “chance” com um mínimo de consistência pode aspirar a exprimir a certeza (“relativa”) do resultado comprometido (pelo ato lesivo) ser considerado provável. Não há indemnização civil sem dano e este tem que ser certo, sendo que a certeza do dano de chance (que, por isso, merece a tutela do direito e ser indemnizado) está exatamente na probabilidade suficiente, em função da consistência da chance, do resultado favorável da ação comprometida. Uma “chance” puramente abstrata e especulativa – isto é, independente da prova de qualquer concreta probabilidade – não é, de modo algum, um dano certo; assim como não atingirão a certeza exigível, não sendo indemnizáveis, as “perdas de chance” que correspondam a uma pequena probabilidade de sucesso da ação comprometida. Concretizando um pouco mais, para estarmos perante uma chance com probabilidade de sucesso suficiente terá, em princípio e no mínimo, o sucesso da chance (o sucesso da provável ação comprometida) que ser considerado como superior ao seu insucesso, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o ato lesivo, seria mais provável que a sua ocorrência. Como no início admitimos, a incerteza, característica da perda de chance, acaba por dizer respeito quer ao nexo causal quer ao dano, pelo que pode objetar-se que uma coisa é o mínimo de relevância/consistência que a chance deve ter e outra, diversa, o limiar mínimo de prova necessária (o mínimo de standard probatório de probabilidade suficiente) para considerar demonstrado o nexo causal entre o facto lesivo e o resultado/dano e, nesta linha de raciocínio, a exigência percentual poderia ser superior em relação ao standard probatório (de probabilidade suficiente) e poderia ser inferior para se afirmar a seriedade e consistência da chance. Mas, sem prejuízo da devida ponderação casuística, não parece que, no que diz respeito às perdas de chances processuais, tal distinção deva ser estabelecida, atenta a conexão entre o dano e o nexo causal, sendo a probabilidade deste que confere consistência à chance e esta consistência que alicerça o standard probatório. Significa e impõe o que vem de dizer-se que, colocando-se num processo (como acontece no caso do processo do Acórdão fundamento e no caso deste processo) a questão da indemnização pelo dano da perda de chance, tal probabilidade – o mesmo é dizer, a consistência concreta da oportunidade ou “chance” processual que foi comprometida – tem sempre que ficar apurada/provada, uma vez que, sem a mesma estar apurada/provada, não se poderá falar em “dano certo” e sem este não pode haver indemnização. Apuramento este que terá assim que ser feito na apreciação incidental – o já chamado “julgamento dentro do julgamento” – a realizar no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda de chance, em que se indagará qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o ato lesivo (a falta do mandatário), indagação que no fundo irá permitir estabelecer, caso se apure que a ação comprometida tinha uma suficiente probabilidade de sucesso (ou seja, no mínimo, uma probabilidade de sucesso superior à probabilidade de insucesso), que há dano certo (a tal chance “consistente e séria”) e ao mesmo tempo o nexo causal entre o facto ilícito do mandatário e tal dano certo. Apreciação/decisão hipotética em que, sendo assim, se procurará, num juízo de prognose póstuma, reconstituir, para efeitos da possível indemnização do dano da perda de chance, o desenrolar e a decisão que o processo (onde foi cometida a falta do mandatário) teria tido – na perspetiva do tribunal que o teria que decidir – sem tal falta do mandatário, com o que, concluindo-se que o processo teria tido uma suficiente (no referido limiar mínimo) probabilidade de sucesso, se estará também a concluir ter sido o evento lesivo conditio sine qua non (requisito mínimo da causalidade jurídica) do dano. Apreciação/decisão hipotética que acabará também por relevar para o quantum indemnizatório, uma vez que a indemnização deve corresponder ao valor da chance perdida e este valor será o reflexo do grau de probabilidade da perda de chance em relação à vantagem que se procurava e se perdeu em definitivo. Assim, visando-se com tal apuramento estabelecer o preenchimento de requisitos da responsabilidade civil (dano e nexo causal), estão em causa (no subsequente processo, em que se pede a indemnização pelo dano da perda de chance) elementos/factos constitutivos do direito indemnizatório invocado pelo lesado/mandante, sendo este – face ao encargo que o ónus da prova, quando aos requisitos da responsabilidade civil, lhe coloca (cfr. 342.º/1 do C. Civil) – que terá que fornecer os elementos que irão permitir apurar qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometida a falta do advogado (ou seja, os factos que irão permitir apurar que o processo comprometido tinha uma suficiente, no referido limiar mínimo, probabilidade de sucesso ou, dito por outras palavras, que a chance perdida era consistente e séria). Não se ignora que tal apuramento – tal “julgamento dentro do julgamento” – nem sempre será fácil, havendo casos em que, traduzindo-se (como no Acórdão recorrido) a falta do mandatário na não interposição de recurso de apelação, poderá ser relativamente acessível averiguar, com elevada probabilidade, o desfecho que o processo teria tido sem tal falta do mandatário; e havendo casos em que, traduzindo-se (como no Acórdão fundamento) a falta na não apresentação tempestiva do requerimento probatório, será bem menos acessível estabelecer o desfecho que o processo (dependente de prova que não foi produzida) teria tido sem a falta do advogado. Tanto mais que, repete-se, no incidental “julgamento dentro do julgamento”, como juízo de prognose póstuma que é, o que se pretende alcançar é a prova da decisão hipotética que o processo teria tido sem a falta do mandatário (tendo em vista reconstruir a situação hipotética que, sem tal falta, existiria), ou seja, o tribunal da ação de indemnização deve adotar a perspetiva do tribunal que teria que decidir o processo e não exatamente o seu prisma de decisão, uma vez que, insiste-se, o que está verdadeiramente em causa, em termos de configuração jurídica, é a reconstituição do curso hipotético dos acontecimentos sem o evento/facto lesivo (reconstituição de que a decisão hipotética do processo, na perspetiva do tribunal que teria decidido o processo, é instrumental). Não sendo isto iludível (a dificuldade em averiguar, em certos casos, a decisão hipotética), o certo é que o respeito pelas regras e princípios que regem a responsabilidade civil – a certeza do dano, a doutrina da causalidade adequada, a função essencialmente reparatória/ressarcitória da responsabilidade civil e a proibição do enriquecimento sem causa do lesado – não podem ser afastados, ainda que tal obste a uma responsabilidade generalizada das perdas de chance processual. A violação de deveres específicos – voluntária e contratualmente assumidos – dos mandatários forenses, com o argumento da intrínseca incerteza relativa do desfecho dum processo judicial, não pode passar sempre incólume, mas a sua responsabilização tem que respeitar, sem voluntarismos, a segurança jurídica e ser rodeada dos necessários cuidados, não podendo prescindir, como se referiu, da imposição ao lesado do ónus de provar – seja fácil ou difícil – a verificação do dano (a consistência e seriedade da concreta chance processual comprometida), a suficiente probabilidade (no referido limiar mínimo) de obtenção de ganho de causa no processo em que foi cometida a falta pelo mandatário forense. Questão diferente e a jusante da prova da existência de dano (da prova da consistência e seriedade da concreta chance processual comprometida), é a já referida questão da avaliação e fixação do quantum indemnizatório devido em caso de perda de chance consistente e séria. Podendo dizer-se, aqui chegados, que será um pouco sofístico, com todo o respeito, invocar que pela teoria da diferença, consagrada entre nós no art. 566.º/2 do C. Civil, não se vê sequer onde esteja o dano, uma vez que, segundo tal teoria, o dano resultará da diferença entre o valor atual do património após o ato lesivo e o valor hipotético que o património deveria ter se o ato lesivo não se tivesse verificado e, justamente por isto, recorrendo à teoria da diferença, observa-se (um pouco sofisticamente) que as “chances” perdidas não se encontram no património atual do lesado e também não constariam no seu património hipotético, porque ou se teriam concretizado no benefício ou teriam de todo desaparecido. O que sucede é que a teoria da diferença, enquanto método de quantificação do dano patrimonial (e não tanto para apurar da sua existência), não serve para quantificar um dano com as características do dano da perda de chance (…).»
O círculo de abrangência desta certeza relativa é, ele próprio, como vem de anotar-se, extremamente fluído. Da certeza absoluta vai-se descendo e, percorre-se, com frequência, todo um caminho que tanto pode ser de proximidade daquela, como de afastamento gradual. Por exemplo, a natureza dos factos pode exigir uma prova menos intensa. Como diz, socorrendo-se dum brocado latino, Manuel de Andrade, no local citado, “para o que é mais difícil de provar são admitidas provas mais leves”. Ou pode até exigir do juiz de facto uma extrapolação – por presunção judicial ou mesmo independentemente dela – indo para além do que efectivamente aconteceu. Como se refere nos citados Princípios de Direito Europeu da Responsabilidade Civil, agora no artigo 2:105, sob a epígrafe “Prova do dano”, “O dano deve ser provado de acordo com as regras processuais gerais. O tribunal pode calcular o dano por estimativa quando a prova exacta se revele demasiado difícil ou onerosa.” O que nos parece seguro é que este cálculo, por estimativa, ainda se situa no domínio da decisão factual, pois ali se situam os dados que permitem a extrapolação e, bem assim, as presunções judiciais.
Do mesmo modo, provar o que é normal ou vulgar exigirá muito menos do que provar o que é invulgar ou raro.
Nesta senda – extremamente difícil, diga-se – o juiz, não alcançando o grau de convicção que lhe permita a decisão factual, tem, se necessário for, a ajuda da lei. Quer o recurso às presunções judiciais (artigo 351.º do Código Civil) quer a atenção ao artigo 516.º do Código de Processo Civil, permitem-lhe alcançar, ainda em plano factual, a fixação que corresponda, ou mais aproximadamente corresponda, à justa composição do litígio.
Na natureza dos factos a provar e respectiva exigência de prova, podem-se incluir aqueles que não tiveram, efectivamente, lugar.
Repare-se, não obstante, que – ainda que imperceptivelmente, dada a vulgaridade e probabilidade - a ficção existe com imensa frequência nos julgamentos da matéria de facto. Assim, por exemplo, se alguém vê o seu veículo destruído por outrem, não deixam de se considerar os prejuízos daí derivados, quando não se sabe, nem se pode saber, se, não tendo ocorrido a destruição, o proprietário não teria um acidente gerador de danos superiores, que assim teriam sido evitados. Claro que nestes casos, o grau de probabilidade de minoração da relevância do facto danoso é tão pequeno que ninguém deixará de julgar ignorando a possibilidade de se verificar o acidente. Já nos casos de tratamento médico negligente (e lembremo-nos da dimensão que os franceses dão à figura da “perte de chance”) a fixação factual relativamente ao que se passaria se não tivesse tido lugar tal tratamento, poderá envolver muito menor grau de incerteza. Assim como nos concursos em que a probabilidade relativamente ao resultado, ainda que nebulosa, também assenta em dados atendíveis. O juiz tem de decidir no plano factual, com os elementos de que disponha. No primeiro caso, perante os dados médicos certos e os conhecimentos de medicina que lhe forem facultados; no segundo, face ao número de concorrentes e respectiva preparação, à preparação da pessoa impedida de participar e aos critérios de exigência do júri.
O que acabamos de afirmar vem de encontro ao entendimento, a maior parte das vezes apenas implícito, mas firme, da nossa jurisprudência, que tem fixado factualmente e com seguimento indemnizatório, por exemplo, que um estudante universitário, que se viu impossibilitado de acabar o curso em virtude do facto danoso, ganharia determinado montante se o acabasse [7].
No que ao caso importa,
Relativamente à incerteza, aleatoriedade e consequente impossibilidade de prever o desfecho da demanda, do recurso ou de qualquer acto judicial inserto no mandato forense, trata-se de uma situação em que não se pode afirmar, com absoluta segurança, que o conteúdo da decisão judicial teria sido distinto, caso não tivesse interferido o aludido facto ilícito, nomeadamente, porque tal dependia ainda do modo como o juiz aprecia determinados factos, interpreta as normas jurídicas pertinentes e procede à subsunção daquela factualidade ao Direito aplicável, mas em que já se sabe, por outro lado, com certeza suficiente, que a vítima perdeu uma oportunidade de obter essa decisão favorável.
(Novamente passamos a acompanhar o STJ, no Acórdão de 05.02.2013)
“Porém, este «juízo dentro do juízo»[8] é, de facto, essencial, quer na determinação da existência de uma “chance” séria de vitória no processo, quer, posteriormente, na fixação do “quantum” indemnizatório correspondente.
Assim, o curso dos acontecimentos que é preciso conjecturar para averiguar se houve ou não nexo causal é o desenrolar do processo judicial que não chegou a começar, que não foi contestado, onde não foi apresentado o requerimento probatório ou relativamente ao qual não foi interposto recurso, enquanto que o grau de probabilidade de o lesante ter sido o causador do dano é o grau de probabilidade da referida acção, contestação, produção de prova ou recurso.
Importa, por seu turno, saber se o juiz está, nestes casos, obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no primeiro processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando se o grau de probabilidade de vitória naquele deve ser realizado, segundo o ponto de vista do juiz da acção de responsabilidade civil movida contra o advogado, ou se passa por averiguar como, presumivelmente, tal teria sido decidido pelo juiz da acção falhada ou omitida, através da reconstrução de um processo imaginário.
Considerando que a oportunidade perdida deve ser avaliada, o mais possível, com referência ao caso concreto, o juiz está obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo, segundo o prisma de avaliação do juiz da acção “falhada”, por ser aquele que mais se coaduna com a noção de «perda de chance». Não se ignora que o cálculo da probabilidade de vitória na acção “falhada” será mais ou menos dificultado, consoante o tipo de acto ilícito em causa, sendo mais fácil nos casos em que, por exemplo, o advogado não interpôs recurso da decisão proferida, em primeira instância, deixando que a mesma transitasse em julgado e, ao invés, mais complexo quando o advogado não propôs a acção, prescrevendo, entretanto, o direito, não a contestou, ou não apresentou, tempestivamente, o requerimento probatório, porquanto, nesta última situação, a sorte da acção “falhada”, caso não tivesse ocorrido o acto faltoso, dependeria, em muito maior grau, do julgamento da matéria de facto, mais difícil de prever, sendo certo ainda que não será fácil replicar na acção de responsabilidade civil movida contra o advogado o julgamento que ocorreria naquela outra acção, e, desde logo, porque uma das partes da acção “falhada” não é, igualmente, parte na acção de responsabilidade civil, pelo que, em regra, poderá faltar, nesta última, todo o “apport” que por aquela parte seria levado para a “acção falhada”, mormente, ao nível dos meios probatórios, sendo, pois, mais difícil prever qual seria o desfecho da mesma.”
Em resumo:
A particularidade que ocorre na situação de “perda de chance” numa ação judicial, consiste em saber como determinar a certeza do dano e respectivo montante quando o advogado descuida o processo e a falta é contrária aos interesses do seu cliente, sendo certo que quem demanda ou é demandado tem à sua frente um resultado incerto.
É difícil sustentar a existência do nexo de causalidade adequada entre a apresentação extemporânea da contestação e o dano final da perda da acção; mas parece possível encontrar esse nexo quanto ao dano da perda de oportunidade de vencer (ao menos em parte), tendo em conta as regras sobre a oportunidade e a preclusão de impugnar os factos constitutivos da pretensão, alegar factos excepcionais e requerer prova e sobre o ónus da prova, tudo causa adequada da perda de oportunidade, autonomamente considerada. A «perda de chance” só poderá ser valorada em termos de uma “possibilidade real” de êxito que se frustrou».
No caso presente, concorda-se com a decisão recorrida quanto à possibilidade de ao menos ganho parcial da causa pelo ali Réu… É o que mais justificará a concordância com o arbitramento da indemnização concreta, nesta “dupla relevância” do julgamento hipotético: enquanto barómetro da aferição do pressuposto da causalidade adequada, mediante a afirmação da probabilidade séria do resultado favorável e critério para a fixação equitativa do dano. A mais das razões aduzidas na sentença recorrida, dois factos emergentes da matéria apurada nos autos quanto aos aspectos em discussão da causa na qual a contestação foi intempestiva nos parecem relevar decisivamente no sentido da menor probabilidade de vencimento total da causa pelo Autor, ainda quando pela possibilidade séria de decaimento apenas parcial nesta, em termos de a chance de vencimento ser suficiente para que a consistência da oportunidade perdida justifique uma indemnização, a calcular segundo a equidade (nº 3 do artigo 566º do Código Civil).
Assim, conjecturando o curso dos acontecimentos a futurar naquela acção, a um tempo:
- releva menos o ónus da prova que ali se impunha ao FGA de demonstrar a culpa efectiva do ali Réu e ora A no sinistro, que a presunção de culpa que sobre o mesmo impendia, por vir caracterizada (e emergir de presunção natural) a condução interessada do veículo, nos termos e para os efeitos do art. 503º do CC, a inverter o ónus probatório no que ao circunstancialismo do sinistro importava. Sendo certo que, em última análise, como se apela na sentença, subsistente a repartição de responsabilidades por via do risco, quando se considere já a natureza da prova possível sobre o acidente: os condutores dos veículos, com versões previsivelmente contraditórias e antagónicas, sempre “interessadas” ou “parciais”, decisivamente a do ora A., ali Réu e os dados objectivos eventualmente existentes (croquis, participações e danos nos veículos), tantas vezes inconclusivos à afirmação de uma ou outra das versões em confronto.
De forma não escamoteável, quanto à (in)existência de seguro válido e eficaz, aqui se faz relevar a natureza e qualidade do A. naqueles autos, o FGA, entidade integrada no ISP, entidade reguladora da actividade seguradora em Portugal, mormente no ramo automóvel, o qual, como é sabido por todos os que têm experiência judiciária, realiza averiguações sérias antes de assumir o pagamento de um sinistro, não sendo leve ou ligeiro quanto à aferição da sua própria responsabilidade, muito decisivamente no que tange à inexistência do contrato de seguro que é razão da sua intervenção/responsabilidade. Tudo para dizer que, apresentando-se a possibilidade de vencimento da acção pelo ora A., esta não se apresenta com a consistência de uma vitória total, com o que perfeitamente adequado e justificado o critério assumido na decisão recorrida.
Outrossim indo referido justamente a metade do valor pedido na acção respectiva, não se afigura desrazoável ter por afirmados no valor de metade os encargos exigidos em sede de execução ou cobrança.
Nessa parte, assim, improcedente o recurso do Apelante Autor, julgando-se ser de manter na íntegra a decisão recorrida.
Quanto, agora, ao recurso pela 2ª Ré.
Adiante-se que mais sufragamos a doutrina e jurisprudência convocadas na decisão recorrida para fundamentar a decisão.
Na verdade, temos para nós relevar nesta sede decisivamente a natureza obrigatória do seguro de responsabilidade civil em causa e os interesses de protecção que lhe subjazem.
Uma das funções do seguro – e, por maioria de razão, do seguro obrigatório imposto a certos profissionais, que, como a do advogado, exercem actividades com riscos elevado de produção de danos[9] – é a de assegurar que o lesado não deixará de ser ressarcido dos danos que sofreu.
Em resumo, encontramo-nos no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil, e por isso se aplica, ao caso dos autos, o disposto no art° 101° n°4 LCS (DL n°72/2008 de 16/4), no sentido de que 'o disposto nos n°s 1 e 2 (redução da prestação a cargo do segurador, prevista no contrato) não é oponível aos lesados em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ficando o segurador com direito de regresso contra o incumpridor, relativamente às prestações que efectuar, com os limites referidos naqueles números'. O normativo tem um sequente lógico nas disposições dos art°s 146° e 147° LCS.
E, se bem que com opiniões divergentes na doutrina, há que reconhecer que a jurisprudência tem entendido pacificamente tratar-se de um seguro obrigatório de responsabilidade civil - cf., Ac.S.T.J. 14/12/2016, p° 5440/15.8T9PRT-B.P1.S1, relatado pelo Cons0 Silva Gonçalves, Ac.R.P. 9/11/2017, p° 9108/16.0T8PRT-A.P1, relatado pela Desa Inês Moura, e Ac.R.L. 22/9/2015, p° 1496/09.0YXLSB.L1-1, relatado pela Desa Isabel Fonseca.
Baseia-se a jurisprudência na norma do art° 104° E.O.A. (Lei n° 145/2015 de 9/9) - "o advogado com inscrição em vigor deve celebrar e manter um seguro de responsabilidade civil profissional tendo em conta a natureza e âmbito dos riscos inerentes à sua atividade, por um capital de montante não inferior ao que seja fixado pelo conselho geral e que tem como limite mínimo (euro) 250 000, sem prejuízo do regime especialmente aplicável às sociedades de advogados e do disposto no artigo 38.° da Lei n.° 2/2013, de 10 de janeiro".
Acrescenta-lhe o elemento filológico de interpretação tirado do sentido das palavras que integram o texto descrito ("o advogado com inscrição em vigor deve celebrar e manter um seguro de responsabilidade civil profissional"), apontando no sentido da obrigatoriedade do seguro do Advogado no exercício do seu cargo, mais precisamente de que um tal seguro de responsabilidade civil profissional do advogado tem natureza imperativa.
Lê-se ainda na jurisprudência do S.T.J.: 'Se assim não fosse, em lugar do termo 'deve' (está obrigado) o legislador teria recorrido ao vocábulo "pode" (direito de deliberar, agir, mandar); e só nesta última locução se poderia retratar o sentido de que o seguro de responsabilidade civil de advogado é de natureza facultativa.'
'Também a 'ratio' que superintendeu à redacção daquele texto normativo se projecta em exigir do Advogado, cuja actividade profissional envolve o risco de incumprimento de prazos e de outras delicadas tarefas processuais, a necessidade de se fazer acompanhar de seguro obrigatório, capaz de garantir a sua responsabilidade praticada nos actos de que a parte o incumbiu. '
Sufragando, como sufragamos, esta doutrina, e com base nos normativos citados, a previsão de uma franquia no contrato de seguro de responsabilidade civil profissional do advogado, celebrado entre tomador e seguradora, não é oponível ao lesado Autor, pelo que, e em suma, nada existe que alterar ao douto dispositivo de Ia instância.
O contrato em causa tem por objecto o risco decorrente de acção ou omissão dos actos e omissões praticados pelos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão, logo, o tomador de seguro é a Ordem e os segurados os advogados com inscrição em vigor[10].
Quanto ao resto e aqui seguimos o Acórdão do STJ de 17.10.2019, na base de dados da dgsi, é indiscutível, por um lado, a aplicabilidade ao contrato de seguro dos autos do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo DL nº 72/2008, de 16.04, actualmente alterado pela Lei n.º 147/2015, de 9.09), designadamente a aplicabilidade da norma do artigo 101.º, n.º 4, reservada aos casos de seguro obrigatório de responsabilidade civil.
E é indiscutível, por outro lado, o carácter obrigatório do seguro de responsabilidade civil do advogado, nos termos do artigo 99.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26.01) e do actual artigo 104.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados vigente (aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9/09)[11].
Ora, o artigo 101.°, n.º 4, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro estabelece um regime imperativo, do qual é possível retirar que, nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil, as cláusulas de redução ou de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado de deveres de participação do sinistro à seguradora são inoponíveis ao lesado[12].
Acresce, no Regime do Contrato de Seguro, um regime especial aplicável ao seguro obrigatório, que funciona como “sequente lógico” da norma do artigo 101.º. Destaca-se, neste contexto, o artigo 146.º, n.º 1, ao abrigo do qual “[o] lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização directamente ao segurador” bem como o artigo 147.º, onde se dispõe, no n.º 1, que “[o] segurador apenas pode opor ao lesado os meios de defesa derivados do contrato de seguro ou de facto do tomador do seguro ou do segurado ocorrido anteriormente ao sinistro” e, no n.º 2, que “[p]ara efeito do número anterior, são nomeadamente oponíveis ao lesado, como meios de defesa do segurador, a invalidade do contrato, as condições contratuais e a cessação do contrato”.
Aqui se convoca Margarida Lima Rego: “[a] pretensão do terceiro não se funda no contrato, embora pressuponha a sua existência, e as partes não podem afastá-la, pelo que seria absurdo que pudessem, por via da redacção das disposições contratuais, criar meios de defesa que fizessem precludir, em certas circunstâncias, o direito do terceiro. A oponibilidade de meios de defesa pelo segurador tem, pelo contrário, de resultar directamente da lei”[13].
Donde, só é legítimo a seguradora escusar-se a responder ou limitar a sua responsabilidade perante o lesado em situações muito contadas. E isto porque “todo o seguro, ou melhor a atribuição característica de todo o seguro, tem como 'função típica' a satisfação de uma necessidade“[14]e, entre as necessidades a satisfazer, deve ter-se especialmente em conta, no caso do seguro obrigatório, o interesse do lesado em ser ressarcido[15].
III.
Pelo exposto, nega-se provimento a ambas as apelações e confirma-se na totalidade a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.
Porto, 23 de Janeiro de 2025
Isabel Peixoto Pereira
Paulo Dias da Silva
António Paulo Vasconcelos
______________ [1] Atendível já, nos termos que se elucidarão, em sede de juízo hipotético da causa primeira. [2] Voltar-se-á à questão em sede de apreciação da argumentação do recorrente A. quanto ao “julgamento dentro do julgamento”. [3] Uma (muito interessante) perspectiva das decisões judiciais a propósito da responsabilidade de Advogados em Espanha, pode encontrar-se no artigo/estudo do Professor L. Fernando Reglero Campos, La responsabilidad civil de abogados en la jurisprudencia del Tribunal Supremo, Revista de responsabilidad civil y seguro, acessível em http://www.asociacionabogadosrcs.org//doctrina. [4] Uma perspectiva histórica e de direito comparado da figura pode encontrar-se em Hacia uma nueva teoria geral de la causalidade en la responsabilidad civil contractual (y extracontractual): La doctrina de la pérdida de oportunidades, de Luís Medina Alcoz, Revista de responsabilidad civil y seguro, acessível em http://www.asociacionabogadosrcs.org//doctrina. [5] Aliás, o artigo 3:101 dos Princípios de Direito Europeu da Responsabilidade Civil intitula-se, precisamente, conditio sine qua non e refere que “Uma actividade ou conduta é causa do dano se, na ausência dessa actividade, este não tivesse ocorrido” (embora nos artigos seguintes se temperem o que seriam os exageros da teoria da equivalência das condições). [6] Aliás, é este logo o primeiro princípio da Resolução 7/75, de 14.3. do Conselho da Europa, cujo texto se pode ver em Armando Braga, ob. citada, páginas 295. [7] Cfr-se, a este propósito, o texto, supra transcrito, de Rute Pedro. [8] Sobre este, em particular, Hacia uma nueva teoria geral de la causalidade en la responsabilidad civil contractual (y extracontractual), cit., p. 52 a 54. [9] Dando nota da evolução da responsabilidade civil dos profissionais (responsabilidade profissional) e tendo, em particular atenção, os advogados, diz Hong Cheng Leong (“Breves reflexões sobre o método de determinação do regime de responsabilidade civil aplicável o caso da responsabilidade civil do advogado), in: Mafalda Miranda Barbosa / Francisco Muniz (coord.), Responsabilidade civil: cinquenta anos em Portugal, quinze anos no Brasil, volume II, Coimbra, Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2018, pp. 117 e s. que “nas relações entre os profissionais e os seus clientes, existe sempre uma certa assimetria de conhecimento intelectual (salvo o caso de os clientes serem eles próprios também profissionais da mesma área) – e é justamente esta assimetria que faz os 'prestadores de serviço' (em sentido impróprio) 'profissionais' e justifica a utilidade dos seus 'serviços'. Ora, esta inapagável assimetria de conhecimento, para além de ser o fator fundamentante (até dignificante) da existência dos serviços de profissionais, penetra na dinâmica de toda a vida da relação estabelecida entre os profissionais e os clientes. Por isso, mesmo que a negociação, a constituição e a execução desta relação de prestação sejam totalmente livres, dependendo exclusivamente da liberdade-autonomia privada de cada parte negocial, no plano de facto, entre a posição dos profissionais e a dos clientes não existe uma verdadeira igualdade. Isto leva a que, perspetivando-se a partir da posição dos clientes, as atuações dos profissionais (rectius, aquelas atividades que pressupõem necessariamente a titularidade do conhecimento especial que os profissionais possuem) são dificilmente controláveis pelos próprios clientes, nem pelos terceiros imparciais que não possuam aquele especial domínio de conhecimento. [10] Como se afirma em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.05.2019, Proc. 236/14.7TBLMG.C1.S2 (disponível em http://www.dgsi.pt), a noção do contrato de seguro de grupo consta do artigo 76.° do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo DL nº 72/2008, de 16.04, actualmente alterado pela Lei n.º 147/2015, de 9.09): "[o] contrato de seguro de grupo cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador por um vínculo que não seja o de segurar”. Trata-se de uma modalidade de contrato de seguro que pressupõe a existência de três sujeitos de direito distintos: o segurador, o tomador de seguro e os segurados, ou seja "as pessoas ligadas ao tomador por um vínculo que não seja o de segurar". [11] Cfr. neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.05.2015, Proc. 231/10.5TBSAT.C1.S1, e de 14.12.2016, Proc. 5440/15.8T8PRT-B.P1.S1 (ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt). [12] Mais precisamente: permitindo-se nos n.ºs 1 e 2 do artigo 101.º a redução da prestação e a perda da cobertura a cargo do segurador, no n.º 4 determina-se que “[o] disposto nos n.os 1 e 2 não é oponível aos lesados em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ficando o segurador com direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efectuar, com os limites referidos naqueles números”. [13] Cfr. Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e terceiros – Estudo de Direito Civil, cit., p. 558. [14] Cfr. Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e terceiros – Estudo de Direito Civil, cit., p. 204. [15] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de 9.11.2017, Proc. 9108/16.0T8PRT-A.P1 (disponível em http://www.dgsi.pt), “[o] seguro de responsabilidade civil a que alude o art.º 104.º do Estatuto da Ordem dos Advogados tem a natureza de seguro obrigatório, sendo do interesse público que a actividade do exercício da advocacia seja acompanhada de um seguro susceptível de proteger essencialmente as pessoas que a ela recorrem, visando em primeira lugar a protecção destas pessoas enquanto lesados, mas também dos advogados que a praticam”.