CRIME DE HOMICÍDIO NEGLIGENTE
JUÍZOS DE VALOR E FACTOS CONCLUSIVOS
ESTABELECIMENTO ABERTO AO PÚBLICO
DEVER OBJECTIVO DE CUIDADO
RESPONSABILIDADE CRIMINAL E CIVIL DO GERENTE
RESPONSABILIDADE CIVIL DA SOCIEDADE
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Sumário


1. Deve ser suprimida da enumeração dos factos provados, quando seja objecto de disputa, toda a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, incluindo os juízos de valor ou factos conclusivos e, dentro destes, sobretudo, aqueles que integrem matéria de direito que constitua o thema decidendum.
2. A inclusão destes factos conclusivos nos “factos provados e não provados” não gera qualquer nulidade em sentido próprio, mas tais devem considerar-se não escritos em virtude da sua irrelevância enquanto factos para a decisão final.
3. O dever objectivo de cuidado pode decorrer da lei, de regulamentos de polícia ou de empresa, das regras de experiência comum ou de princípios enunciados pela própria jurisprudência.
4. O gerente de um estabelecimento comercial aberto ao público está obrigado a observar vários deveres objectivos de cuidado associados à existência, no espaço contíguo à circulação dos clientes, de escadas perigosas de acesso reservado a funcionários nas deslocações ao piso inferior do estabelecimento, nomeadamente: a) trancar a porta existente no acesso às escadas; b) sinalizar a existência das escadas e o perigo de queda; c) sinalizar o acesso reservado a funcionários; d) e sinalizar o acesso às casas de banho ali existentes para prevenir e impedir a abertura acidental da referida porta de acesso ao piso inferior .
5. A sociedade proprietária (comitente) responde civil e solidariamente, a título de risco, pelos danos causados pelo gerente (comissário) no exercício das suas funções, não obstante haver culpa criminal deste.

Texto Integral


Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

1. Decisão recorrida
No âmbito do processo n.º 378/18...., que corre os seus termos no Juízo Local Criminal de Guimarães, foi proferida sentença, datada de 18.04.2024, que decidiu nos seguintes termos (transcrição):
“(…)    

Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, decido julgar a acusação parcialmente procedente, por provada e, consequentemente:
A) Condeno o arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art.º 137.º n.º 1 do CP, na pena de 300 (trezentos) dias de multa à razão diária de € 8,00 (oito euros) o que perfaz a quantia de € 2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros).
B) Condeno o arguido AA no pagamento das custas criminais, fixando a taxa de justiça em 3 (três) UC.
Mais decido julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização formulado pelo assistente BB e o demandante CC e, consequentemente:
C) Condeno os demandados AA e “EMP01..., Unipessoal, Ld.ª”, no pagamento àqueles das seguintes quantias:
1. da quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, sendo que à quantia €1.950,00 deve ser descontado o subsidio de funeral recebido e pago pelo Instituto da Segurança Social, a titulo de danos patrimoniais (despesas de funeral);
2. da quantia de €40.000,00, para ressarcimento do dano da morte de DD, absolvendo do demais peticionado;
3. da quantia de €35.000,00, para o ressarcimento dos danos não patrimoniais da assistente e do demandante, sendo € 20.000,00, para a assistente BB e € 15.000,00, para o demandante CC, absolvendo do demais peticionado;
4. às quantias supra referidas acrescem juros de mora à taxa legal de 4% contados desde a data da presente sentença até integral pagamento.
D) Condeno os demandantes e demandados nas custas cíveis, na proporção do decaimento – artigo 523º, do CPP e artigo 527º, nº 1 e 2, do CPC.
(…)”.

2. Recursos

Inconformados com esta decisão, o arguido/demandado civil AA e a demandada civil “EMP01..., Unipessoal, Ld.ª” recorreram da mesma, tendo concluído a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição):
“(…)
A) A sentença omite a indicação sumária das conclusões contidas na contestação, violando o disposto no art.º 374º nº1 d) do CPP.
B) O Tribunal recorrido incorre em erro quando leva aos factos provados realidades que não se reconduzem a factos, sendo ou conclusões a que se chega a partir de factos sejam puros conceitos de direito.
C) Integram erradamente a factualidade considerada provada o vertido nos pontos Y); Z); aa); bb); cc); dd); ee); ff): gg); hh); ii; jj) da matéria de facto dada como provada.
D) As expressões contidas nos pontos dados como provados encerram juízo de valor só possíveis de alcançar mediante recurso a critérios jurídico-normativos aplicados a realidades factuais.
E) Num direito penal do facto, na sua conceção mais clássica, sobretudo atentando que estamos no domínio de um crime de catálogo, a construção dogmática do crime é a construção do facto punível, facto como a ação típica, ilícita, culposa e punível.
F) O Tribunal recorrido leva a factos provados as conclusões que deveria ter retirado dos verdadeiros factos que não apura, razão pela qual devem tais pontos ser excluídos da matéria de facto dada como provada.
G) Estão incorretamente julgados os pontos g); h) e gg); s); p); t); u); cc); hh); ii); ij), xx) e aaa) que deverão passar a integrar a matéria de facto não provada;
H) Estão também incorretamente julgados os pontos 5 e 6 da matéria de facto não provada que deverão passar a integrar a matéria de facto provada.
Quanto ao ponto g) (e ponto 5. E 6 da matéria de facto não provada) está incorretamente julgado porquanto a audição atenta das declarações da assistente e a visualização das camaras impõe solução diferente, o que vai reforçado por EE e pelo arguido também nos seus depoimentos – conforme ficheiro número 20180209130054_20180209141725_277235, junto aos autos e, depoimento prestado pelo Arguido AA, no dia 21-11-2023 das 15:00:06 às 15:24:11; Ficheiro: 20231121150006_6088922_2870587, minutos 00:21:51 a 00:22:36; e pela Testemunha EE, no dia 25-01-2024 das 15:49:03 às 17:13:58; Ficheiro: 20240125154903_6088922_2870587; minutos 01:05:27 a 01:05:45 e 01:009:11 a 01:09:56.
I) Quanto aos pontos h) e gg), a prova documental (fotografias juntas aos autos, autópsia médico-legal, parecer criminológico) exige que tal facto não se dê como provado.
J) Quanto ao facto provado na alínea s), tal medição resulta de fotografias de página 4 de inspeção ao local efetuada em 08/02/2024, no entanto, como resulta de tal inspeção, existe um sistema de fecho que prende a porta em vidro mais atrás no degrau.
K) Na data dos factos, não existia naquele dia, o sistema de correia em plástico, mas como se verifica pela foto n.º 3 de fls. 30 dos autos, efetivamente verifica-se uma saliência, mas bastante inferior a 10 cm, como consta do facto dado como provado.
Quanto à factualidade constante das alíneas p), t), u), consta da própria sentença, mormente na sumula das declarações do Arguido e de várias testemunhas, que não obstante a inexistência de sinalização no dia dos factos, a mesma habitualmente existia – conforme depoimento da testemunha FF, no dia 28-11-2023 das 14:51:49 às 16:17:38, Ficheiro: 20231128145149_6088922_2870587, minutos 00:07:00 a 00:09:45; 00:10:47 a 00:11:01 e; arguido AA, no dia 21-11-2023 das 10:56:43 às 12:22:28, Ficheiro: 20231121105643_6088922_2870587, 00:14:13 a 00:49:59, 00:34:59 a 00:36:28, 01:11:01 a 01:11:30; testemunha EE, no dia 25-01-2024 das 15:49:03 às 17:13:58, Ficheiro: 20240125154903_6088922_2870587, 00:53:55 a 00:55:05, 01:01:06 a 01:01:41.
L) O mesmo dizendo de um fecho na porta de acesso à cave, pois existia uma corrente em plástico, que infelizmente, dadas as suas características, não era muito durável, e, dai a necessidade de estar sempre a ser substituída.
M) Tal resulta do depoimento de FF; GG, EE.
Quantos à factualidade constante das alíneas cc) consta da própria sentença, mormente na sumula das declarações do Arguido e de várias testemunhas, mormente, as suprarreferidas, e, que são por reproduzidas para os devidos efeitos legais, antes do acidente dos autos, para fecho da porta de acesso à cave, existia uma corrente em plástico, que infelizmente, dadas as suas características, não era muito durável, e, dai a necessidade de estar sempre a ser substituída – conforme depoimento da testemunha FF, depoimento prestado no dia 28-11-2023 das 14:51:49 às 16:17:38, Ficheiro: 20231128145149_6088922_2870587, 00:15:04 a 00:16:10, 00:33:47 a 00:34:30, 01:05:43 a 01:06:20; pela testemunha EE, no dia 25-01-2024 das 15:49:03 às 17:13:58, Ficheiro: 20240125154903_6088922_2870587, 00:12:03 a 00:25:04, e pelo arguido AA, no dia 21-11-2023 das 10:56:43 às 12:22:28, Ficheiro: 20231121105643_6088922_2870587, 00:09:58 a 00:13:10.
N) Tal resulta do depoimento de FF, de EE, e do depoimento do próprio arguido.
Também não se pode aceitar, pelo supra exposto, os factos provados das alíneas hh), ii) e jj), em sumula, pois pelas caraterísticas do estabelecimento (espaçoso, com abundante iluminação natural e artificial), estar licenciado junto das autoridades competentes, a sua disposição, a visão dos clientes a partir das mesas, que somente veem a abertura para as casas de banho, a impossibilidade de uma pessoa racional, atenta, em enganar-se ao chegar ao hall de acesso – conforme depoimentos do Arguido AA, no dia 21-11-2023 das 15:00:06 às 15:24:11, Ficheiro: 20231121150006_6088922_2870587, 00:13:04 a 00:14:20, 00:15:11 a 00:15:36, 00:18:08 a 00:18:45, pela testemunha EE, depoimento prestado no dia 25-01-2024 das 15:49:03 às 17:13:58, Ficheiro: 20240125154903_6088922_2870587, 00:11:15 a 00:12:02.
O) Quanto à sinalética, como referido por várias testemunhas como consta da sentença atestam a compra de sinalética e a existência da mesma antes do acidente, quer na parede, quer na porta.
P) A própria porta, antes do acidente, possuía um sistema de fecho, frágil efetivamente, mas possuía um sistema de fecho.
Q) As escadas, tem dimensões legais, foram registadas em inspeção de 08/02/2024 (fotografias de folhas 11, 12 e 13), são em tijoleira antiderrapante, e, possui corrimão.
R) A fração possui licença de utilização, sinal inequívoco da sua conformidade, quanto à construção e disposição interior.
S) A Assistente procedeu à junção de certidão processo de fiscalização de estabelecimento de restauração e bebidas (FERB), em audiência de 08/02/2024, verifica-se da mesma que existiram comunicações da “EMP02..., Lda”, sociedade antecessora da ora Arguida, para a Camara Municipal ..., mormente a de “mera comunicação de instalação do estabelecimento”, de fls. 110 a fls. 114, a de “mera comunicação previa de horário”, de fls. 115 a fls. 120.
T) Também se verifica de fls. 123 até final da certidão, uma ocorrência relativa à ocupação da via publica com esplanada por parque da sociedade arguida, mas que, se verifica o cumprimento das diretivas por parte dos Arguidos.
U) Tal resulta ainda das declarações do arguido e do depoimento de EE.
V) O facto provado da alínea xx) está incorretamente julgado, as testemunhas arroladas pela Assistente, vizinhas, referiram em depoimento que mantinham uma relação de circunstância com o falecido, até o próprio filho deste, o Sr. CC, referiu que o seu pai, era uma pessoa de pouco convívio com terceiros – conforme   depoimentos das Testemunha HH, no dia 04-01-2024 das 15:00:09 às 15:11:57, Ficheiro: 20240104150009_6088922_2870587, 00:09:57 a 00:10:20, 00:10:30 a 00:10:45, pela Testemunha II, no dia 04-01-2024 das 15:12:49 às 15:24:55, Ficheiro: 20240104151249_6088922_2870587, 00:10:49 a 00:11:20; pelo Demandante CC, no dia 21-11-2023 das 16:17:14 às 16:48:22, Ficheiro: 20231121161714_6088922_2870587, 00:26:08 a 00:27:03.
W) Vejam-se os depoimentos de HH, de II, do demandante CC.
X) Não se pode aceitar, o facto provado da alínea aaa), a dependência económica da Assistente BB de seu pai, existia à data do acidente, por iniciativa da mesma, que como resulta do depoimento do seu irmão e demandante, o Sr. CC, foi ela que se despediu do seu emprego para ajudar em casa, e, nunca mais voltou a trabalhar – conforme depoimento do Demandante CC, no dia 21-11-2023 das 16:17:14 às 16:48:22, Ficheiro: 20231121161714_6088922_2870587, 00:05:01 a 00:05:28.
Y) Tal resulta quer dos depoimentos das testemunhas, quer do depoimento do arguido e assistente, da prova documental e do relatório técnico juntos aos autos e devidamente identificados no corpo do recurso, que lidos e integrados com a demais prova impõe decisão contrária a formulada pelo douto tribunal sobre os identificados pontos da matéria de facto.
Z) A matéria de facto apurada a partir da construção da acusação não consente o preenchimento do tipo legal do crime de homicídio na forma negligente, outro seria eventualmente o tipo, o previsto no artigo 152º B do C.P – que também sempre se veria inverificado.
AA) Ao arguido não foi imputada qualquer atuação omissiva que pudesse ser adequada a afastar o resultado – que resulta de um lamentável infortúnio.
BB) Ao assumido direito penal de ultima ratio, exige-se que ponha freios a tendência expansionistas, e nesta medida a punição de uma conduta penalmente relevante cometida a título de negligência deve restringir-se ao máximo, uma vez estarmos na presença de um crime não pretendido pelo agente.
CC) O crime negligente apresenta-se como uma exceção em sede de C.P. português, e a sua construção impõe cautelas especiais sob pena de esse mesmo crime poder transpor os limites da culpa.
DD) O tipo de homicídio negligente não pode considerar-se preenchido quando o agente, com a sua conduta, não assume ou não potência um perigo típico para a vida.
EE) O Tribunal pese embora o longo percurso sobre as eventuais causas da queda e subsequente morte da vítima acaba por concluir tal como resulta da sua motivação que a queda nas escadas ocorre por falta de fechadura na porta de acesso as mesmas.
FF) A conduta imputada ao arguido – a não colocação de uma fechadura numa porta que antecede uma zona de acesso reservado à qual se acede por umas escadas - não cria assim ou potencia um perigo típico para a vida da vítima, menos se cogita que o evento perigoso (a ter existido) tenha atingido o limite do juridicamente relevante. Daqui não resulta de todo um nexo causal- entre a falta de fechadura, ainda que esta pudesse ser imputada ao arguido, e a abertura voluntaria da porta por parte da vítima e a sua subsequente queda, ainda que em circunstâncias não concretamente apuradas e o resultado – morte. As escadas utilizadas são aptas à sua normal utilização, por quem quer que seja, nomeadamente por quem como a vítima estava no pleno gozo das suas faculdades físicas e mentais.
GG) Não se alcança preenchida a previsão do artº 10º do CP porquanto não há qualquer omissão pelo arguido de qualquer conduta adequada a evitar o resultado. A Conduta omissiva que se lhe imputa – não dotar a porta de uma fechadura – não era por si adequada a evitar o resultado, que sempre se teria verificado.
HH) O resultado (morte) não foi nem nunca seria previsível, a utilização de umas escadas – ainda que integradas num espaço reservado, ao qual se tenha permitido acesso, por alguém, repita-se na posse das suas faculdades físicas e mentais – não consente que se preveja uma queda e menos ainda que a mesma possa causar a morte a quem quer que seja.
II) Forçoso é concluir que nem objetiva nem subjetivamente se pode imputar o resultado à conduta do agente, devendo ser absolvido do crime pelo qual vai condenado.
JJ) Apurou-se nos autos que o espaço de “pastelaria” onde ocorreu o fatídico acidente era explorado pela Demandada “EMP01...” e naturalmente excluída a “conduta criminosa” do arguido, a existência de algum dano passível de ser indemnizado teria de ser satisfeito não por si individualmente, mas por esta Pessoa Coletiva, ainda que por si representada na qualidade de gerente, dado que esta tem capacidade jurídica e como tal é sujeito (autónomo) de deveres e obrigações.
KK) Nunca se verificariam preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil in casu. Desde logo faleceria em absoluto o facto ilícito que pudesse ser apontado a este arguido – ele não tem atuação individual – fá-lo no quadro de legal representante da empresa.
LL) não se surpreende qualquer conduta ilícita por parte do arguido, e acrescente-se da própria pessoa coletiva.
MM) Não há qualquer possível nexo de causalidade entre uma qualquer conduta do agente (arguido) e o evento danoso. Resulta notório e insofismável de toda a prova produzida e dada como assente que o acidente decorre de uma ação involuntária e infeliz da vítima – que por razões não apuradas acaba por cair nas escadas e das lesões daí decorrentes lhe sobrevem o decesso.
NN) Não estando inteiramente preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil tem necessariamente o arguido que ser absolvido do PIC contra si apresentado.
OO) Só os pontos a) e b) da matéria de facto dada como provada têm alguma ligação à Demandada, não obstante o que daí resulta é que ao arguido competia gerir a sociedade aqui Demandada e genericamente competia a esta sociedade a exploração da pastelaria onde se deu o trágico vento. Este é em suma, o único facto apurado, - que a demandada explorava o estabelecimento.
PP) Não se apura em qualquer momento como era feita essa exploração, que factos lhe são imputados como pessoa coletiva e a culpa nos mesmos, a razão por que tais factos são ilícitos, não se apura o nexo de causalidade entre tais factos e os danos suportados pelos demandantes.
QQ) Toda a construção da decisão vai no sentido de construir uma imputação dos factos ao arguido pessoa individual e a mera circunstância deste ser o gerente e sócio da Demandada não tem a virtualidade de transferir para esta a responsabilidade civil aquiliana.
RR) São pressupostos da Responsabilidade Civil o Facto, a Ilicitude, a Imputação do Facto ao Agente – a culpa, o Dano e o Nexo de Causalidade Entre o Facto e o Dano.
SS) Quanto a esta Demandada nada é apurado que preencha estes pressupostos, o que necessariamente implica a sua absolvição do Pic contra si formulado.
TT) Deve em consequência a presente decisão ser integralmente revogada e substituída por outra que absolva o arguido do crime que lhe vai imputado e absolva quer o arguido quer a demandada do pedido civil contra si formulado.

Foram violados os artigos 10.º e 137.º do CP, artigo 32.º da CRP; artigo 374.º, n.º 1, alínea d) e 410.º, n.º 1 e 2, alínea d) do CPP e os artigos 483.º e 487.º do CC.
(…)”.

3. Respostas ao recurso
3.1. Após a admissão do recurso, o Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu ao mesmo, concluindo que o recurso deve ser julgado improcedente, excepto na parte relativa à irregularidade – oficiosamente sanável pelo tribunal da recurso – da falta de indicação sumária, no relatório da sentença, das conclusões contidas na contestação. 

3.2. Por seu turno, a assistente e demandante civil BB respondeu a este recurso, concluindo (transcrição):
“(…)
1. De todo o exposto conclui-se que o tribunal a quo deu como provada e não provada a factualidade impugnada, mediante uma correcta e criteriosa apreciação da prova, a qual impunha justamente a solução alcançada.
2. A Meritíssima Juiz não violou, assim, qualquer norma legal ao dar como provados os factos constantes do elenco dos factos provados e como não provados os factos da sentença, observando na íntegra o preceituado no artigo 127.º, do Código Penal.
3. Os factos dados como provados na douta sentença, integram, sem sombra de dúvida, a prática pelo arguido, recorrente de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art.º 137.º n.º 1 do CP.
4. De igual modo, os factos provados importam responsabilidade civil dos demandados e, como tal, devem manter-se as condenações nos pedidos de indemnização civil formulados, nos termos e valores fixados.
5. A decisão recorrida fez uma correcta e criteriosa aplicação do direito e não violou qualquer norma legal, pelo que deve ser mantida.
(…)”.  

3.3. Por seu turno, o demandante civil CC não respondeu a este recurso.

4. Tramitação subsequente
Recebidos os autos nesta Relação, o processo foi com vista à Digníssima Procuradora-Geral Adjunta, a qual emitiu parecer fundamentado pugnando pela improcedência do recurso, sem prejuízo de reconhecer a invocada incompleição do relatório da sentença recorrida e a necessidade de expurgar os factos dados como provados de alguns juízos de valor.

Este parecer foi notificado para efeito de eventual contraditório e não foi apresentada qualquer resposta.

Efectuado o exame preliminar, foi determinado que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

*
II – FUNDAMENTAÇÃO

A) Objecto do recurso
Em conformidade com o disposto no art.º 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que a recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Assim sendo, importa apreciar as seguintes questões:
· Irregularidade da sentença (falta de indicação sumária das conclusões contidas na contestação);
· Inclusão de factos conclusivos e de conceitos de direito na enumeração dos factos provados;
· Impugnação ampla do julgamento da matéria de facto:
· Errado enquadramento jurídico-penal dos factos provados;
· Inexistência dos pressupostos da responsabilidade civil.

B) Apreciação

1. Fundamentação de facto da decisão recorrida
A apreciação das questões suscitadas neste recurso postula, desde logo, o conhecimento da fundamentação de facto da decisão recorrida, a qual apresenta, na parte que ora interessa, o seguinte teor (transcrição):
“(…)
*
II. Fundamentação de Facto
                                                                                           
1. Factos Provados
                                                                                            
Com relevância para a boa decisão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:    

Da acusação pública e da audiência de julgamento:
I.
a) O arguido AA era, à data dos factos que abaixo se descrevem, o único sócio gerente da sociedade comercial “EMP01..., Unipessoal, Ld.ª“, exploradora de vários estabelecimentos de pastelaria, entre eles a pastelaria “EMP03...”, sita na Av.ª..., em ....
b) Ao arguido AA competia tomar as decisões inerentes ao normal funcionamento da dita pastelaria “EMP03...”, designadamente ao nível da contratação de pessoal, do pagamento dos salários, da contratação e pagamento de fornecedores, da definição de orientações relativas ao modo de funcionamento do dito estabelecimento comercial, bem como ao nível da segurança dos clientes e dos funcionários.
II. (da dinâmica do sucedido)
c) No dia 09 de Fevereiro de 2018, cerca das 13h00m, DD dirigiu-se, acompanhado da sua filha, BB, à pastelaria ”EMP03...”, sita na Av.ª..., em ....
d) Entraram na sala destinada aos clientes, que se situa ao nível do rés-do-chão, e sentaram-se a uma mesa, tendo sido atendidos e servidos.
e) Passado algum tempo, DD levantou-se para ir à casa de banho afecta aos clientes do dito estabelecimento.
f) Pelo que, com esse propósito, DD, seguiu por um pequeno “hall” existente na parte lateral do balcão, que ligava a área de consumo a um outro “hall” que ligava à entrada para as casas de banho (que fica à esquerda) e onde se localizava, também, uma porta que dava acesso ao piso inferior do estabelecimento comercial (que fica à direita).
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[1]
g) Já no “hall” de acesso à casa de banho e à porta de acesso ao piso inferior, DD, desconhecedor do local, ao invés de entrar no espaço de acesso às casas de banho (que se situa à sua esquerda), como pretendia fazer, de forma não concretamente apurada acabou por abrir a porta, que se situava do seu lado direito (e portanto em frente ao espaço de acesso às casas de banho), que não se encontrava trancada, e que dava acesso através de umas escadas ao piso inferior do estabelecimento comercial, área de acesso reservado a funcionários.
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h) Aberta a referida porta de acesso ao piso inferior, DD caiu pelas escadas abaixo, imobilizando-se no chão do piso inferior do estabelecimento comercial onde ficou prostrado, com o corpo ensanguentado e em posição de decúbito dorsal, com os pés voltados para o cimo da escada.
III. (da configuração do espaço)
i) Aberta a porta de acesso ao piso inferior, de imediato se iniciam os degraus das escadas aí existentes, sem qualquer patamar prévio ou, na data mencionada em c), sem qualquer sinalética que indicasse a existência de degraus imediatamente a seguir à soleira.
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j) Aí, existe um corrimão do lado esquerdo (de quem desce as escadas) e que se inicia no terceiro degrau (a contar de cima para baixo).
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k) Os degraus não tinham barras antiderrapantes, embora os mesmos sejam em tijoleira antiderrapante (com relevo).
[Imagem] [2]
l) e o espaço das escadas tinha iluminação.
m) O estabelecimento comercial “EMP03...” funcionava em 3 pisos: o rés-do-chão e o primeiro andar destinados aos clientes e o piso inferior, de acesso restrito a funcionários, composto por balneários, cozinha e armazém.
n) No rés-do-chão do estabelecimento dispunha de casas de banho de uso exclusivo dos clientes, cujo acesso se realizava através de um “hall” existente entre as mesmas e a área de consumo.
o) Nesse “hall”, existia uma abertura (sem porta), do lado esquerdo, que dava acesso as casas de banho e uma outra porta, do lado direito, em vidro fosco, que dava acesso à zona reservada que se situava no piso inferior.
p) A aludida porta, do lado direito, não tinha qualquer indicação de que permitia o acesso a uma área reservada, abria para o lado das escadas, não tinha qualquer sistema de fecho (batente, trinco ou chave), bastando empurrar para abri-la, e não permitia, atento o material de que era feita, vidro fosco, percepcionar que a mesma dava acesso às escadas ali existentes.
q) Tais escadas apresentam um declive de cerca de 45.º, e eram feitas em tijoleira antiderrapante (com relevo).
r) Os degraus das referidas escadas não eram precedidos de qualquer patamar no topo, não tinham corrimão do lado direito, e não tinham barras antiderrapantes (embora os degraus sejam em tijoleira antiderrapante (com relevo)).
s) Acresce que, quando a aludida porta de vidro se mostra fechada, permanece uma abertura entre a porta e o chão, de cerca de 10 cm.
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t) No referido “hall”, não existia qualquer indicação das casas de banho, que informasse que o acesso às mesmas era feito através da abertura que se situava do lado esquerdo (lado oposto onde DD caiu).
u) De igual modo, não existia qualquer informação na aludida porta do lado direito de vidro fosco que dava acesso ao piso inferior, que identificasse que o acesso ao interior da mesma era de carácter reservado/restrito aos funcionários e ou que ali existiam uma escadas.
v) Ao invés, a inexistência de sinalização e a existência de uma porta de vidro facilmente induziam os utentes em erro.   
IV. (das consequências)
w) Como consequência directa e necessária desta queda DD sofreu as lesões traumáticas vertebro-medulares examinadas e descritas no relatório de autópsia médico-legal de fls. 70 a 72 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, nomeadamente: luxação completa da articulação atlanto-axial (C1-C2) com fractura tipo II da apófise odontoide do áxis, com infiltração hemorrágica dos topos fracturados e dos tecidos moles envolventes; fractura quase completa do corpo da sexta vértebra cervical (C6), com infiltração hemorrágica dos topos fracturados e dos tecidos moles; fractura quase completa do corpo da décima segunda vértebra dorsal (D12), com infiltração hemorrágica dos topos fracturados e dos tecidos moles envolventes; hemorragia extradural e subdural ao longo de todo o segmento cervical da coluna vertical, assim como esmagamento da medula espinal a nível do atlas e do áxis, lesões estas que foram causa directa e necessária da sua morte, que ocorreu, ainda no local, pelas 14h30m.
x) A vítima DD apesar, à data, contar com 92 anos de idade (pois nasceu no dia ../../1925) não sofria de qualquer problema de saúde que lhe afectasse a locomoção ou lhe causasse desequilíbrios apresentando grande autonomia.
V.
y) Ao arguido, proprietário e gerente de outros três estabelecimentos comerciais do mesmo ramo de actividade, exigia-se, face a regras da experiência comum, uma conduta de maior zelo e de respeito pelas regras de segurança, de acesso e de exercício da actividade de restauração e bebidas.
z) Sendo o estabelecimento comercial um local aberto ao público, ao arguido exigia-se que os locais de acesso às casas de banho estivessem devidamente sinalizados, em ordem a que não fosse possível a confusão com uma outra porta de acesso a uma área reservada.
aa) Impunha-se-lhe ainda a obrigação de manter a porta de acesso ao piso inferior do estabelecimento devidamente trancada, de apor na mesma a sinalização da existência de escadas e do acesso reservado a funcionários.
bb) Bem como se exigia atentas as características das escadas, com inclinação acentuada, sem qualquer patamar, que fosse colocado igualmente sinalização de perigo de queda.
cc) O arguido sabia que a porta de acesso ao piso inferior do aludido estabelecimento comercial se localizava no “hall” de acesso às casas de banho destinadas aos clientes, em local de livre acesso a qualquer cliente do estabelecimento.
dd) E como tal podia e devia ter-se assegurado que a dita porta estava devidamente trancada e com a devida informação - de acesso reservado a funcionários e da existência de uma escada - aposta na mesma.
ee) E que o acesso à casa de banho dos clientes se distinguia e estava identificado.
ff) O arguido, contudo, não adoptou tais condutas como podia e devia.
gg) E o facto de o não fazer, originou a abertura da porta pelo DD, ainda que de forma não concretamente apurada, e a sua queda nas escadas e como consequência da mesma, a sua morte.
hh) O arguido não procedeu, assim, com o cuidado devido e que lhe era exigível e não previu, como podia e devia, em ordem a evitar tal resultado, que ao manter a referida porta de acesso ao piso inferior do aludido estabelecimento, destrancada e sem a devida informação (com acesso de carácter reservado aos funcionários e da existência de escadas) aposta na mesma, podia fazer com que quaisquer clientes indevidamente procedessem à sua abertura e caíssem pelas escadas, o que efectivamente veio a ocorrer com a queda e consequente morte de DD.
ii) Pelo que, a queda em referência e como consequência dela a morte de DD ficou a dever-se à conduta imprudente do arguido que não diligenciou por impedir o acesso de clientes a uma escada íngreme e assegurar a sinalização adequada, o que podia fazer com facilidade, caso tivesse agido com o cuidado e atenção que lhe eram exigidos.
jj) O arguido agiu de forma livre e voluntária e tinha consciência de que a morte de outrem provocada pela sua falta de observância dos deveres de cuidado que lhe estavam impostos pelas mais elementares regras de acessos e exercício de actividade de restauração ou de bebidas, que lhe incumbia observar enquanto explorador, proprietário e gerente de estabelecimento comercial de acesso a púbico é proibida e penalmente punida.

Da contestação:
VI.
kk) O estabelecimento comercial identificado em a) possui alvará de utilização n.º ...87, emitido pela Camara Municipal ... em 26.09.2005. 
ll) A demandada “EMP01..., Unipessoal, Lda.”, no ano de 2021, teve um lucro de €10.476,86, após anos de prejuízos resultantes da crise económica e encerramentos resultantes da pandemia causada pelo COVID-19.
mm) Os demandados receberam do Instituto da Segurança Social, o respetivo subsídio de funeral, de valor não concretamente apurado.
Do pedido de indemnização civil:
VII.
nn) A vítima nasceu em ../../1925 e, na data do descrito, era viúvo de JJ.
oo) Do casamento de ambos nasceram dois filhos, os demandantes.
pp) Assim, a vítima era pai dos demandantes, BB, divorciada, e de CC, casado.
qq) A vítima, não tinha outros filhos, nem deixou testamento.
rr) Ambos os herdeiros aceitaram a herança do falecido tendo já procedido à habilitação de herdeiros e partilha dos bens.
ss) O falecido, DD, à data do acidente, era consumidor e utente do estabelecimento comercial identificado no ponto c) dos Factos Provados.
tt) Chegados ao local os Bombeiros Voluntários ... prestaram-lhe os primeiros socorros dando inicio a manobras de DAE (desfibrador automático externo), mas sem sucesso até à chegada da viatura médica do 112.
uu) Chegada a equipa médica do INEM, pelo médico foi dada continuidade das manobras de recuperação durante pelo menos 16 minutos, tendo o falecido recuperado durante dois minutos, tendo nova paragem cardiorrespiratória.
vv) Os demandantes pagaram à agência funerária fafense, incumbida do funeral do falecido pai, a quantia global de 1.950,00 euros.
ww) O falecido era uma pessoa saudável e alegre.
xx) Era uma pessoa com amor à vida, que gostava de passear, conviver com os familiares e amigos e muito bem-disposta.
yy) O falecido apesar da sua idade era uma pessoa activa, desembaraçada, independente e autónoma.
zz) O falecido não necessitava de cuidados especiais, sendo perfeitamente autónomo para se vestir, tomar banho, tomar as refeições e cuidar das tarefas diárias, fazer compras, pagar factura e outras.
aaa) Sendo o falecido o suporte e o sustento da filha, pois esta depois de se ter divorciado ficou desempregada e vivia com o pai, que pagava todas as despesas, alimentação, habitação, água, electricidade e outras despesas necessárias.
bbb) O falecido era muito ligado aos filhos e netos, principalmente à filha com quem sempre residiu.
ccc) E ao filho que, pelo menos todos os fins-de-semana, passava os Domingos com o pai.
ddd) Ambos os filhos passavam as épocas festivas com o pai.
eee) A morte inesperada de DD, causou aos demandantes um grande abalo emocional, sofreram um desgosto terrível, tanto mais que ocorreu em circunstâncias tão trágicas, repentinas e inesperadas.
fff) Os demandantes nutriam pelo seu pai um grande carinho e afecto, que era recíproco da sua parte, existindo entre eles uma estreita relação de convivência.
ggg) A filha/demandante sempre residiu com o pai, mesmo depois de casar continuou a residir e o mesmo se diga depois do divórcio no ano de 2013.
hhh) A filha e demandante, que à data do acidente acompanhava o pai, quando foi alertada pela existência de uma pessoa caída no fundo das escadas, sofreu a angústia e aflição de que fosse o seu pai.
iii) E, ao ter-se deslocado ao local e deparado com o pai imóvel, caído no fundo das escadas, ficou profundamente chocada ao ver o seu pai caído no solo, imobilizado, sentindo que a sua vida estava em perigo.
(Factos relativos à personalidade e condição pessoal do arguido)
VIII.
jjj) O arguido é sócio-gerente da sociedade identificada no ponto a) dos Factos Provados e, bem assim, de outra sociedade comercial, sendo que aufere, quantia não concretamente apurada, mas não inferior ao ordenado mínimo por cada uma das sociedades.
kkk) A sua esposa (funcionaria das duas sociedades comerciais), aufere, quantia não concretamente apurada, mas não inferior ao ordenado mínimo por cada uma das sociedades; têm dois filhos menores e vivem em casa própria, sendo que pagam a titulo de prestação bancária, relativa a empréstimo contraído para a sua aquisição, quantia não concretamente apurada, mas não inferior a € 800,00.
lll) Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.
*
2. Factos Não Provados    
                                                                                  
Não resultou provado, com relevância para a decisão a proferir, que:

Da acusação pública:
1. Perante a ausência de sinalização adequada, DD convencido que estava a entrar na casa de banho empurrou a porta - que se situava do seu lado direito e que dava acesso através de umas escadas ao piso inferior do estabelecimento comercial, área de acesso reservado a funcionários -, e entrou.
2. Para alem do mencionado em r) dos Factos Provados, a iluminação ali existente era desadequada.
3. Em data anterior ao sucedido, no âmbito de uma fiscalização efectuada pela técnica de higiene e segurança no trabalho, responsável pela fiscalização ao referido estabelecimento, o arguido AA, foi alertado para a falta de sinalização na porta que dava acesso ao piso inferior quanto a existência de escadas; da falta de barras antiderrapantes nas escadas; e da iluminação desadequada das escadas.
4. Para além do referido em cc) e dd) dos Factos Provados, o arguido, bem como, podia e devia ter-se assegurado que as escadas que se lhe seguiam de acesso ao piso inferior estavam dotadas de barras antiderrapantes nos degraus e de corrimão e com a iluminação adequada.

Da contestação:
5. O falecido não era uma pessoa estranha no estabelecimento comercial, era cliente habitual, conhecendo e sendo conhecido pelos funcionários.
6. Deslocava-se em média 2/3 vezes por semana, conhecendo bem o estabelecimento comercial, mormente a localização do WC.

Do pedido de indemnização civil:
7. A morte de DD, nas circunstancias que vêm sendo descritas, não foi imediata tendo o falecido depois da queda ficado em agonia, pelo menos cerca de 20 minutos.
8. De igual modo, a vítima nos momentos que antecederam a sua morte, sentiu a angústia e indubitável aflição pela chegada da própria morte.
9. De igual modo, todas as férias eram passadas com o filho e os dois netos.
10. A filha/demandante assistiu às manobras de recuperação sem nada poder fazer.
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Não foram dados como provados e/ou não provados os demais factos narrados nas peças processuais apresentadas nos autos e outros (designadamente com respeito aos elementos juntos a fls. 374 e ss. e 483 e ss.), considerando não serem os mesmos relevantes ao objecto dos autos e, por outro lado, consubstanciarem considerações genéricas e vagos e comportarem conclusões.
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3. Fundamentação da decisão de facto
                                                           
Nos termos do art.º 374.º n.º 2 do Código de Processo Penal impõe-se agora proceder a uma exposição, tão completa quanto possível, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.
Assim sendo, o Tribunal formou a sua convicção, para a determinação do sentido da matéria de facto, desde logo, na prova documental constantes dos autos, designadamente, auto de notícia, de fls. 19 a 21, certificado de óbito, de fls. 24, ficha CODU n.º 159959, de fls. 25, relatório fotográfico, de fls. 29 a 35, auto de apreensão, de fls. 36, e dois CD´s com imagens de videovigilância, relatório fotográfico, de fls. 51 a 55, e aquele junto aos autos (apenas em formato digital) na sequencia da inspecção ao local realizada no dia 08.02.2024, identificação e avaliação de riscos profissionais, de fls. 118 a 127, certidão permanente, de fls. 140 a 142 e documentos juntos (em pdf) com a contestação do arguido e, bem assim, os documentos juntos pela assistente e demandante com o pedido de indemnização civil e certidão de fls. 268 a 270.
Mais se mostrou essencial a prova pericial realizada, designadamente relatório de autópsia médico-legal, de fls. 70 a 74. E, ainda, em complemento, a inspecção ao local realizada em 08.02.2024 e cujo relatório se mostra junto aos autos (apenas em formato digital).
Toda esta documentação veio a ser complementada em audiência com as declarações prestadas pelo arguido e os depoimentos prestados pelas testemunhas (quer as indicadas na acusação quer as indicadas pela defesa).
Assim, em síntese, o arguido AA referiu que no dia do sucedido não estava em Portugal, pelo que não acompanhou as autoridades após a queda do falecido no estabelecimento comercial sito na Avenida .... Tal estabelecimento é por si explorado, juntamente a outros, sendo o único gerente de facto e de direito da sociedade identificada na acusação. Assim o arguido reportou-se às características do espaço, à localização das divisões principais no mesmo, à dinâmica de movimentação dos funcionários que ali trabalham e, bem assim, dos clientes que ali acedem. Mais descreveu a disposição do estabelecimento e, ainda, aos materiais usados em alguns elementos, designadamente, das portas, vidros e tijoleiras ali existentes.
De concreto à sinalização de identificação das casas de banho e, bem assim, de acesso ao piso inferior, o arguido referiu que habitualmente estão devidamente identificadas com sinaléctica apropriada, respectivamente de wc e de acesso proibido, sendo certo, contudo que, muitas vezes, tal sinaléctica é retirada pelos clientes mais jovens do estabelecimento comercial, clientes esses provindos da escola secundária que se situa em frente àquele. Mais adiantou o arguido que a porta de vidro fosco, de acesso ao piso inferior, tinha habitualmente, à data dos acontecimentos, um gancho para fechar, com uma corrente e do lado interior tinha um puxador. Mais disse que a porta tem uma mola, sendo difícil de empurrar. Quanto à iluminação do espaço, o arguido referiu que o local tem boa iluminação, era e é feito através de sensor de presença.
O arguido foi confrontado com as fotografias constantes dos autos, designadamente de fls. 30 a 34 e 51 a 55 e com o relatório de fls. 118 e ss. sendo que quanto a este referiu ser a sua esposa quem estava encarregue de os analisar e encaminhar tais assuntos.
Ainda referiu o arguido que, com respeito à porta de acesso ao piso inferior (onde acabou por suceder a queda do falecido DD), sempre tentou encontrar uma solução para o seu fecho que permitisse que o local fosse seguro e ao mesmo tempo funcional, na medida em que no piso inferior funcionava uma cozinha e balneários, sendo por isso necessário o acesso frequente dos funcionários do estabelecimento.
Mais ainda adiantou o arguido que o espaço estava (e está) legalizado, com as respectivas licenças de utilização das diversas entidades, possui seguro e já ocorreram inspeções da Asae e do ACT, nunca tendo tido qualquer problema com tal. Acresce que nunca tiveram qualquer queixa de nenhum cliente sobre a confusão e/ou dificuldade de acesso ao WC.
A assistente BB, filha do falecido DD, referiu que não era habitual ir, com o seu pai, àquele café, sendo que, nessa semana, foram lá duas vezes. Na vez anterior a esta, referiu que ficaram no andar de cima e que o seu pai não fora ao wc dessa vez. No dia dos acontecimentos, a assistente estava com o seu pai, sentados numa mesa, sendo que este em dado momento se levantou e disse que ia ao wc. Decorridos alguns minutos, a assistente disse que ouviu dizer que estava um homem lá em baixo e aí disse que persentiu que fosse o seu pai, e fui ter àquele espaço, mas mal entrou virou logo à direita e desceu aquelas escadas e foi ter com ele. Disse que lhe pôs a mão e nem deu por ela se ele estava vivo ou não, ficou logo aflita. Não sabe o que tinha do lado esquerdo desse corredor. Acabou por telefonar ao seu irmão, o qual já se encontrava a caminho do dito café onde ia deixar os seus filhos, netos do falecido DD, dizendo-lhe que o pai havia caído naquele espaço. Assim, acabou por ser a sua sobrinha, KK, que nessa altura se encontrava a estudar no ultimo ano de medicina dentaria, quem desceu ate junto do avô, sendo certo que não sabe dizer o que ela transmitiu. Em face do transtorno que nesse momento viveu, acabou por sair do estabelecimento e foi para casa, acompanhada pelo seu sobrinho.
A assistente ainda se reportou à condição física e de saúde do seu pai, na data do sucedido, disse que era saudável não tinha qualquer problema de saúde, era autónomo, ia sozinho às compras, levantar a reforma e ao banco. Ao café, a assistente não crê que ele fosse sozinho, não era pessoa de ir ao café sozinho, iam os dois habitualmente ao café no fim do almoço.
Por fim, referiu que na altura dos factos, era dependente financeiramente do seu pai, pois só se reformou em 2020, com 67 anos, sendo que não tinha rendimento, era o seu pai quem custeava a alimentação e lhe dava dinheiro para o que precisasse.
O seu pai era reformado na data, desconhecendo o valor exacto da reforma e ainda tinha um rendimento proveniente de uma renda de uma casa de sua propriedade e que se encontrava arrendada. Ainda disse que sempre viveu com os seus pais em casa destes.
Por seu turno, o demandante CC, filho do falecido DD, não estava presente no dia dos acontecimentos, quando ali chegou ao estabelecimento comercial de café, já não se encontrava presente a sua irmã. Referiu que já não se recorda da configuração do espaço. Num registo totalmente seguro, objectivo e escorreito, descreveu o impacto que o falecimento da vítima teve em termos psicológicos na sua pessoa e na pessoa da sua irmã. Mais descreveu a vítima, seu pai, com sendo pessoa saudável, alegre, autónomo e independente e muito ligado à família, havendo uma saudável comunhão de vida entre todos os membros, tudo nos precisos termos dados como provados.
A testemunha LL, agente de PSP, num registo confuso e pouco objectivo, refira-se, referiu não ter lido o auto de noticia que elaborou (por se encontrar de baixa médica), muito embora se recorde da situação. Disse que quando chegou ao local já lá estavam os bombeiros e o corpo já havia sido movimentado porque estiveram a fazer manobras. Os bombeiros disseram que a vitima estava de “cabeça/barriga” para baixo. Mais adiantou que o acesso que dá para o local das escadas não se recorda de ter sinalização, tinha uma porta de acesso às escadas e era um vidro fosco, não tinha manipulo a porta. Mais adiantou que falou com a filha do falecido (a aqui assistente BB) no interior do estabelecimento comercial de café e não em casa desta como lhe foi questionado, pois assim foi adiantado pela assistente. Sem prejuízo, pela visualização do vídeo se percebe que, ao contrário de o por si referido, tal agente da PSP não falou com a assistente no dito café. Mesmo confrontado com tal visualização do vídeo, tal testemunha não conseguiu avançar qualquer justificação, tendo afirmado que continuava convicto que ouviu a filha da vitima no local, muito embora se perceba dos vídeos que tal não sucedeu. Ainda referiu tal testemunha não se lembrar de falar com os netos (embora surja nos vídeos essa situação) e também não se lembrar de falar com o filho (embora surja nos vídeos)
A testemunha MM, agente de PSP, disse ter sido ele quem tirou as de fls. 29 a 35 e de fls. 51 a 55. Daí que confirmou o teor dos aludidos documentos. Ainda referiu que o corpo estava no andar de baixo, a porta era vidro fosco, não tinha qualquer corrente ou fecho, não tinha sinalização na porta nem de acesso aos wc, a porta abria para dentro e batia na primeira escada, tinha iluminação, sendo certo que já não se recorda como a mesma era accionada, mas evidenciava-se menos iluminação no cimo das escadas e mais iluminação no patamar de baixo, onde estava o cadáver. Crê que na altura em que lá esteve era uma luz permanente. Mais adiantou que a inclinação da escada era de cerca de 45º, medida aproximada não exacta. Apresentou um discurso seguro, objectivo e suficientemente pormenorizado.
A testemunha NN, agente de PSP, também num registo preciso e imparcial, referiu ter-se deslocado ao local por duas vezes, no dia dos acontecimentos e depois decorridos cerca de 30 dias, tendo participado no registo fotográfico do espaço em questão. Mais disse que, no dia dos acontecimentos, conforme se extrai das fotografias, não havia indicações nem nas portas nem de acesso ao wc e a porta que dava acesso ao piso inferior não tinha qualquer tipo de fechadura. Tal porta abria para o lado esquerdo e só depois de aberta tinha um corrimão do lado esquerdo quem desce a cerca de três degraus. Era uma escada com muito declive. Tal testemunha ainda acrescentou que a sensação que teve quando abriu a porta foi de que também ele próprio ali poderia cair. A iluminação era razoável, muito embora a parte das escadas era mais escura e mais luminosa a parte inferior, onde se encontrava o cadáver, mas ainda assim eram escadas visíveis. Mais referiu que, quando lá regressou a segunda vez, já o espaço estava dotado de placas, embora a porta não tivesse fechadura. Disse que não falou com ninguém responsável do estabelecimento. E que, no dia dos acontecimentos, não havia sinais nas paredes e portas de vestígios de colocação de placas identificativas dos espaços, designadamente vestígios de cola ou buraco/riscos na parede, não havia nada. Mais confirmou a informação de fls. 50.
A testemunha FF, empregado de balcão, na data do sucedido e até novembro do ano de 2022, trabalhou na empresa do arguido, no estabelecimento comercial de café identificado nos autos. Num registo descomprometido, objectivo e pouco empolado, referiu que, no dia, estava a entrar ao serviço e, por isso, dirigiu-se aos balneários. Percebeu que a vitima estava no fundo das escadas, com as pernas levantadas nas escadas e a cabeça no fundo, já fora das escadas. Tal testemunha ainda descreveu o espaço do estabelecimento comercial, mais concretamente as divisões que tem e a dinâmica de movimentação no dito espaço, quer pelos funcionários quer pelos clientes. Especificamente, descreveu que quem entra no hall de acesso ao wc, a porta de acesso ao piso inferior fica do lado direito e do lado esquerdo não tem porta, apenas um espaço aberto e depois tem portas para os wc propriamente ditos (de senhoras e de homens). Admitiu que no dia do trágico acontecimento, não havia placas de indicação e sinalização de tais espaços (de wc e de acesso restrito), sendo certo que em data anterior, existiam lá placas de indicação e identificação dos espaços, desconhecendo há quanto tempo não estavam lá colocadas quaisquer placas. Disse que a placa com indicação de wc, estava na parede da frente do dito hall, com seta para a esquerda, não se recordando bem se dizia wc ou se tinha os “bonecos de senhora e senhor”. Já na porta de acesso ao piso inferior, não existia placa, mas um papel com fita cola a dizer “proibida entrada a estranhos”, era de um vidro fosco, não tinha fechadura e no dia não tinha corrente, alias disse que já anteriormente, tal porta nunca teve qualquer fechadura. Quanto à iluminação, tal testemunha afirmou que para o wc a iluminação era accionada através de sensores e nas escadas era accionada através de um interruptor (existente do lado direito no cimo das escadas). Tal interruptor é visível nas fotografias juntas aos autos, designadamente a de fls. 31 (quando ampliada).
Ainda adiantou que os funcionários utilizavam o piso inferior mais à hora do almoço, quando era necessário carregar bebidas e/ou a arca congeladora e também no período da tarde, das 16h às 18h quando faziam pão, sendo que nesses períodos de maior necessidade de circulação entre o piso de entrada e inferior, a referida porta nunca estava fechada com a corrente. Quantas vezes foram substituídas as placas, tal testemunha disse desconhecer. Recorda-se que ter visto uma vez a placa partida, de acesso ao wc com seta, e que a responsável de loja avisou o arguido AA. Habitualmente, na porta de acesso ao piso inferior, não existia papel afixado, só quando se apercebiam de que os clientes mais jovens (provindos da escola secundaria sita em frente) tentavam ali entrar é que se colocava um papel. Mais disse que, na dita escada, no inicio, existiam faixas antiderrapantes nos degraus, mas com o tempo foram saindo e nunca foram repostas. Ainda adiantou que o seu horário de trabalho era, quase sempre, no período de tarde, com inicio pelas 14h00, sendo que nunca tinha visto a vitima no café, não a conhecendo.
A testemunha OO, na altura dos factos técnica responsável da empresa de Higiene e Segurança no Trabalho, que prestava serviços para a empresa do arguido, subscritora do relatório de fls. 118 (identificação e avaliação de riscos profissionais), num discurso pouco preciso e confuso, referiu que se deslocou uma vez ao estabelecimento de café em causa nos autos, sendo que foram detectados riscos e falhas, muito embora não se lembre dos mesmos, pelo que não os identificou. Mesmo confrontada com o dito relatório, não se mostrou capaz de identificar os riscos e falhas, sendo que referiu que nas conclusões do mesmo contém indicações a implementar, o que para si serão os riscos e falhas a considerar.
Sem prejuízo, cremos que mesmo em conjugação com o teor do dito relatório, não se mostra possível ao tribunal considerar, concretamente, que riscos e falhas naquela data foram detectados e dos mesmos alertado o arguido.
As testemunhas HH e II, vizinhos do falecido DD há cerca de 30 anos, de forma descomprometida, apenas vieram referir que, mesmo sendo uma pessoa idosa, viam-no, ainda assim, a tratar do quintal, a passear e ir às compras, sendo que tanto andava sozinho como acompanhado da filha. Era uma pessoa autónoma, orientada, simpático. Mais se reportaram ao estado emocional em que viram a filha nos dias a seguir ao trágico acontecimento. E, bem assim, que a mesma não tinha qualquer actividade profissional. Do filho CC apenas sabem que o mesmo era visita aos domingos.
A testemunha PP, neto da vitima, na altura dos acontecimentos encontrava-se no carro, juntamente com o seu pai (demandante CC) e a sua irmã, sendo que se deslocavam para o dito café onde ali esperavam o seu avô e a sua tia (a aqui assistente). Prestou um depoimento claro, descomprometido e objectivo. Durante o caminho receberam uma chamada telefónica da sua tia, na qual esta dava conta que o avô tinha caído, sendo que não percebeu logo de que tal seria grave. Mais referiu que a irmã saiu primeiro, junto à passadeira da escola secundaria, enquanto foi estacionar o carro. Quando chegou ao café, vê o seu avô caído no fundo das escadas sendo que não se aproximou dele. Nessa altura do ano, encontrava-se de férias, assim como a sua irmã (pois estudavam na universidade), sendo que era habito quando estavam de férias irem tomar café com o avô e tia. A tia estava num estado de pânico e desespero, sendo que a levou para casa quando estavam a chegar os médicos da vmer, foi ter com o seu pai ao trabalho e voltou ao café. Confirmou que, em casa do avô, foi pelo menos um agente da PSP, que foi fazer umas perguntas à tia. Descreveu o avô, concretamente a sua condição de saúde, como sendo uma pessoa saudável, orientada não tomava qualquer tipo de medicação, gostava de sair cedo de casa, ia às compras, fazia pagamentos das contas de casa, era uma pessoa muito ligado à família. Mais disse que não tinham, por habito, frequentar o mesmo café, sendo que iam variando, tanto iam ao “triangulo” como à “Praça ...” ou ao ”...”.
A testemunha KK, médica dentista, neta da vitima DD, num registo muito sereno e assertivo, confirmou as circunstâncias em que se encontrava, juntamente com o seu irmão, quando recebeu uma chamada da sua tia. Mal chegou ao café, cerca das 13h40, 13h45, a sua tia estava muito alterada, o avô estava no fundo das escadas, sendo que foi ter com ele, ia colocá-lo em posição de segurança, mas depois nem lhe tocou. Alguns minutos depois chegaram os bombeiros que fizeram manobras de reanimação até à chegada dos médicos do inem, os quais continuaram as manobras, sem sucesso, acabando por declarar o óbito. Tal testemunha referiu que quando se aproximou do avô, caído no fundo das escadas, não se apercebeu se ele ainda estaria vivo, não evidenciou quaisquer sinais dessa condição. Mais se reportou à sua excelente condição de saúde, pois não tomava medicação, era autónomo, fazia compras, ele é que geria a casa e era o pilar da família e era quem sustentava a tia e a ajudava com as despesas na universidade, pois o avô pagava a despesa do quarto arrendado. Referiu-se ainda ao estado emocional da tia e do pai, após tal trágico acontecimento. Descreveu o avô como uma pessoa recata, não era pessoa de ir para o café com os amigos, amigos de muita confiança só a família.
A testemunha QQ, empregada balcão, na altura dos factos e ainda actualmente na empresa explorada pelo arguido. Apresentou um depoimento pouco coerente e até contraditório (entre si e com outros depoimentos, os quais nos mereceram maior credibilidade). Referiu que a vitima era cliente habitual, ia lá duas a três vezes por semana, sempre acompanhado da filha ou do filho, sendo certo que, questionada, não soube descrever a vitima nem a filha, antes até referiu serem pessoas normais e após insistência apresentou traços completamente dispares das características daquelas. Disse que começou a trabalhar neste café em concreto em 2016/2017 e o seu horário é das 7h às 14h, e desde então que refere conhecer o falecido de ir lá ao café, sendo que habitualmente ia entre as 11h30, 12h 12h30. Ora, tal não é crível considerar, perante o facto de tal testemunha sequer não ter conseguido descrever a vitima e a filha! Mais descreveu o espaço de café e referiu que tinha de usar as duas mãos para conseguir abrir a porta de acesso ao piso inferior, pois a mesma era pesada. Disse que a luz era automática, apesar de ter lá um interruptor, mas está desativado. Quanto à sinalética, referiu desconhecer quando colocaram a sinalética constante de fls. 53 e ss..
A testemunha GG, amiga do arguido e da esposa, frequentadora do estabelecimento de café onde sucedeu o trágico acontecimento, disse que até ao sucedido não conhecia o espaço da cave, apesar de saber que a porta de vidro fosco, que se encontra em frente à entrada do wc, dá acesso à cave, mas nunca abriu a dita porta. Da frequência que faz ao estabelecimento, a sua percepção é que o local é de fácil identificação do sitio da casa de banho. Mais acrescentou que, como amiga da esposa do arguido e com ela conviver, sendo que na altura dos acontecimentos até eram colegas de trabalho (prestação de serviços), acompanhou algumas vezes aquela, para comprar os dísticos de identificação de wc e outros para colar no estabelecimento de café, designadamente às “lojas dos chineses”. Ouvia muitas vezes as queixas da esposa do arguido, no que se refere à retirada de tais placas identificativas das portas e paredes do café.
A testemunha EE, actualmente funcionária da empresa do arguido, e esposa deste referiu, num registo descomprometido e esclarecido, não obstante a sua relação com o arguido, que desde dezembro de 2022 ficou apenas como funcionária nas empresas do marido, na área mais administrativa e também na higiene e segurança no trabalho, na área de formação. Sucintamente, disse que no espaço em referencia, antes do café do seu marido, funcionava a telepiza, não tendo alterado nada da estrutura do edifício, mas mudaram esteticamente o espaço; em 2016, começaram a fazer pão quente e a partir daí alteraram a luz das escadas para sensor, pois não era prático com os tabuleiros andar a acender a luz; o sensor do hall também liga logo a luz da wc; no piso inferior tem um corredor que dá acesso aos balneários e aí a luz é de interruptor; a tijoleira não foi alterada, não foi alterado o corrimão e foram colocadas fitas antiderrapante, muito embora a técnica de higiene e segurança disse que em face das escadas serem antiderrapantes não era preciso colocar fitas antiderrapantes; a porta de acesso ao piso inferior foi alterada porque não era robusta; o arguido quis trocar para aquela porta de vidro mais pesada (até porque tinham nessa altura dois filhos muito pequenos!); os degraus têm 24,5 cm de cobertor; no dia do acidente, soube por uma funcionária que me ligou a dizer que um senhor tinha caído nas escadas e dirigiu-se para lá; chegaram os bombeiros ao mesmo tempo que a testemunha; quando chegou já estava fechada a porta de acesso às escadas; pelo que percebi, o funcionário FF é que deu pelo senhor quando ele ia entrar ao serviço. Admitiu tal testemunha que, nessa semana em face do arguido estar ausente de Portugal, não deu a atenção devida e sim se calhar não foi reposta a sinaléctica no tempo que habitualmente seria. Adiantou que falou com a neta no dia, mas não falou com a filha da vitima, mas viu-a a sair; não me falou de qualquer problema de saúde, o filho da vitima, com quem esteve nesse dia; na porta de acesso ao piso inferior, habitualmente existia uma corrente, que na data dos factos era de plástico, com elos e do que julga a porta estava habitualmente fechada; não sabe quantas vezes por dia se cozia pão; quando coziam o pão e os funcionários tinham de ir à cave, nessa altura a porta tinha de ficar aberta (sem corrente); actualmente a porta de acesso ao piso inferior tem uma fechadura eléctrica; era frequente adquirir sinalética (placas identificativas) de identificação de wc e de acesso proibido e/ou sinalização de perigo de escadas, pois era frequente a sua retirada e/ou destruição, o que sucedia crê pelos clientes da escola secundaria que acediam àquele espaço; pelo menos há cerca de uma semana antes do acidente, em fev de 2018, que não tinha qualquer sinaléctica e porque estava assoberbada de trabalho e o seu marido estava fora; 13:44:37 (do vídeo) os netos da vitima já lá estavam na pastelaria; a testemunha EE chega 13:49:13 e os bombeiros chegam 13:48 e 14:02:17 a testemunha com a neta da vitima.
Destarte, coligida tal prova assim produzida, com destaque do registo fotográfico, da visualização do DVD das imagens de videovigilância, da inspecção ao local (da qual resultou essencialmente a percepção real da dinâmica do espaço), em conjugação com as declarações do arguido, da assistente e demandante e com relevo com os depoimentos das testemunhas MM e NN, agentes da PSP, FF, PP e KK, netos da vitima, e EE, esposa do arguido, cremos ser possível considerar a factualidade provada conforme supra elencada.
As condições, configuração e características do espaço (cfr. alíneas i) a v) dos Factos Provados) resultam dos registos fotográficos, da visualização do DVD e da inspecção ao local, tudo complementado pela descrição feita pelas testemunhas. Com excepção do tipo de luminosidade e da forma como a mesma era accionada, cremos que tudo o resto é perceptível e decorrente dos elementos documentais referidos.
Com respeito à luz/iluminação, como se disse, tendo em conta a prova produzida, cremos possível considerar a sua existência, sendo certo que, quanto a nós, não ficou provado a forma como era accionada a luz, na data do acontecimento; assim como se nos afigura conclusivo asseverar se a mesma era ou não desadequada.
Quanto ao comportamento adoptado pela vitima (cfr. alíneas c) a h) dos Factos Provados), para a factualidade demonstrada nesta parte, sempre se considerou, para além da visualização do DVD as declarações prestadas pela assistente, atentas as regras da experiência comum. Independentemente da vitima conhecer ou não conhecer o espaço com pormenor, é consentâneo com o normal suceder dos acontecimentos, a consideração reflectida no ponto e) e f) dos Factos Provados. Consideramos, ainda assim, que a vitima era desconhecedor do espaço em resultado da prova produzida, designadamente das declarações prestadas pela assistente, sua filha e, bem assim, conjugadas com as prestadas pela testemunha FF, em contraposição daquelas que foram prestadas pela testemunha QQ (a qual não foi merecedora de credibilidade, tanto mais que alguém que durante cerca de 2 anos se desloca a um café mais que duas vezes por semana, sempre se impõe conseguir minimamente descrever tal pessoa, o que não sucedeu com tal testemunha!).
No mais, ou seja, quanto à forma e modo como a vitima acabou por abrir a porta de acesso ao piso inferior e, consequentemente, cair pelas escadas, cremos que a prova produzida não é suficiente para, com a segurança que se impõe, aceitar que a vitima, simplesmente, se confundiu perante a ausência de sinalização adequada e convencido que estava a entrar na casa de banho, empurrou a porta de acesso ao piso inferior e entrou, acabando por cair. Deste preciso fatídico momento, não existem imagens e nenhuma das testemunhas inquiridas o presenciou.
É verdade que, na nossa perspectiva e essencialmente decorrente da inspecção ao local, entendemos que a primeira coisa que chama a atenção quando entramos no “hall”, é a porta de acesso ao piso inferior, provocando sim alguma confusão. Sem prejuízo, apenas considerar tal perspectiva para dar como demonstrado que a vitima se confundiu e ali entrou convencido de que estaria a entrar na casa de banho, nos parece precipitado. Até porque, percebendo e demonstrando a configuração daquele concreto espaço, conforme narrado nos Factos Provados, designadamente o “hall”, o tipo de porta, a abertura da mesma, a falta de patamar prévio e o “fosso” ali existente entre a porta e o chão, facilmente somos de considerar outras hipóteses para a queda da vitima. Hipóteses essas tão prováveis de terem acontecido como a avançada no libelo acusatório.
Não obstante, aquele “fosso” ali existente entre a porta e o chão (o qual permanece mesmo com a porta fechada – que não trancada) é quanto a nós suficiente para provocar a queda de quem simplesmente acede ao “hall” para se dirigir à casa de banho daquele estabelecimento comercial. Mesmo não se confundindo, mesmo não abrindo a porta de forma voluntária, é possível e por isso plausível, aquele “fosso” provocar o desequilíbrio de uma pessoa e consequentemente a força do seu corpo empurrar a porta, sendo inevitável a sua queda.
Sendo, nessa medida e perspectiva, quanto a nós, que se exigia cuidados no fecho eficaz dessa porta de acesso ao piso inferior, ao qual não deveria aceder o público em geral (cliente do estabelecimento). Cremos que ao arguido isso era exigível, tanto mais que segundo o próprio arguido e até segundo a testemunha EE - dos quais nesta parte não duvidamos - o arguido sempre procurou soluções para implementar na dita porta um fecho, que fosse eficaz e ao mesmo tempo funcional.
Daí que, mesmo não se apurando a forma como a vitima acabou por abrir a porta, certo e seguro é que a porta não estava trancada, nem, na data do sucedido, tinha qualquer tipo de fecho. Assim como se demonstrou, com a segurança que se impõe, que a vitima caiu pelas escadas, imobilizou-se no chão do piso inferior do estabelecimento, sendo que as lesões que sofreu com tal queda foram a causa directa e necessária da sua morte.
 Em face do que se vem considerando, em resultado da prova produzida em audiência, o arguido AA deveria ter actuado com maior zelo e cuidado, pois apesar de não ter previsto o resultado morte, tinha conhecimento para actuar com mais prudência (com respeito à falta de fecho eficaz na porta de acesso ao piso inferior)
Quanto à demais factualidade demonstrada, designadamente, com respeito às consequências do evento, para a própria vitima e para os demandantes, seus filhos, foram essenciais para além da prova documental já supra mencionada (com destaque para o relatório de autópsia de fls. 70 a 74), as declarações prestadas pela assistente, demandante e pelas testemunhas PP e KK, os quais, como se disse supra, apresentaram um registo sereno, objectivo e descomprometido, pelo que foram merecedores de credibilidade.
No que concerne à situação socio-económica e profissional do arguido Tribunal teve em consideração o depoimento do mesmo que se mostrou claro e coerente, sendo certo que não foi produzida prova que o infirmasse. E a ausência de antecedentes criminais do compulso do CRC junto aos autos.
Uma nota final de referência aos factos dados como não provados, com respeito ao ponto 3., na medida em que, apesar das declarações prestadas pelo arguido, o qual referiu que sempre foi executando algumas alterações ao espaço que lhe eram indicadas pela empresa responsável pela higiene e segurança no trabalho, o certo é que quanto ao narrado no libelo acusatório, não se demonstrou na medida em que das declarações da testemunha OO, mesmo em conjugação com o dito relatório de identificação e avaliação de riscos profissionais, tal não resulta.
(…)”.
           
2. Irregularidade da sentença (falta de indicação sumária das conclusões contidas na contestação)
2.1. A sentença, enquanto acto decisório do juiz que conhece a final do objecto do processo, está sujeita a determinados requisitos.
 
Na verdade, o relatório da sentença deve conter, além do mais, “a indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada” (art. 374.º, n.º 1, al. d), do CPP). 

2.2. No caso concreto, o arguido e a demandada civil apresentaram contestação escrita relativamente à acusação e ao pedido de indemnização civil.

Posteriormente, na sentença, o tribunal a quo fez constar do respectivo relatório a lacónica expressão “O arguido apresentou contestação escrita”, desacompanhada de qualquer indicação sumária das conclusões nela contidas.

E também não corrigiu esta irregularidade aquando da admissão do recurso, e muito menos até à subida dos autos a esta Relação.

2.3. A falta de indicação sumária no relatório da sentença das conclusões contidas na contestação constitui uma irregularidade (art. 379.º, n.º 1, a contrario, e 380.º, n.º 1, al. a), do CPP)

Perante a inércia do tribunal a quo, importa corrigir oficiosamente esta irregularidade conforme dispõe o n.º 2 do art. 380.º do CPP.

Porquanto, no relatório da sentença recorrida, onde se escreveu “O arguido apresentou contestação escrita”, passará o constar o seguinte texto:

“O arguido e a demandada civil apresentaram contestação escrita, onde, em síntese, impugnaram os factos alegados na acusação e no pedido de indemnização civil, bem como alegaram que a morte de DD não se ficou a qualquer violação dos deveres de cuidado e de diligência por parte do arguido enquanto gerente.
Mais excepcionaram aqueles a ilegitimidade dos demandantes civis com fundamento na falta de comprovação da respectiva qualidade de únicos herdeiro do falecido.” 

2.4. Porquanto, o recurso deve proceder nesta parte, com as referidas consequências.

3. Inclusão de factos conclusivos e de conceitos de direito na enumeração dos factos provados
3.1. A respeito dos requisitos da sentença e da fundamentação do julgamento da matéria de facto, o art. 374.º, n.º 2, do CPP, prescreve que a sentença deve conter uma enumeração dos factos (provados e não provados).

Os enunciados de facto “devem ser expressos numa linguagem natural e exacta, de modo a retratar com objectividade a realidade a que respeitam” (Ac. STJ 11.03.2021, p. 1205/18, disponível em www.dgsi.pt). 

Tal significa que deve ser suprimida da enumeração daqueles factos, sobretudo quando sejam objecto de disputa, toda a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, incluindo os juízos de valor ou factos conclusivos e, dentro destes, sobretudo, aqueles que integrem matéria de direito que constitua o thema decidendum.

A inclusão destes factos conclusivos nos “factos provados e não provados” não gera qualquer nulidade em sentido próprio, mas tais devem considerar-se não escritos em virtude da sua irrelevância enquanto factos para a decisão final (Ac. STJ 28.09.2017, p. 809/10; Ac. STJ 12.01.2021, p. 2999/08; Ac. STJ 28.09.2021, p. 344/18; disponíveis em www.dgsi.pt).

3.2. Os recorrentes alegam que decisão recorrida fez constar juízos de valor da enumeração dos factos dados como provados sob as alíneas y) a bb) e dd) a jj), os quais se voltam a transcrever para efeito de melhor compreensão (com sublinhados nossos nas partes colocadas em crise pelo recorrente):
“y) Ao arguido, proprietário e gerente de outros três estabelecimentos comerciais do mesmo ramo de actividade, exigia-se, face a regras da experiência comum, uma conduta de maior zelo e de respeito pelas regras de segurança, de acesso e de exercício da actividade de restauração e bebidas.
z) Sendo o estabelecimento comercial um local aberto ao público, ao arguido exigia-se que os locais de acesso às casas de banho estivessem devidamente sinalizados, em ordem a que não fosse possível a confusão com uma outra porta de acesso a uma área reservada.
aa) Impunha-se-lhe ainda a obrigação de manter a porta de acesso ao piso inferior do estabelecimento devidamente trancada, de apor na mesma a sinalização da existência de escadas e do acesso reservado a funcionários.
bb) Bem como se exigia atentas as características das escadas, com inclinação acentuada, sem qualquer patamar, que fosse colocado igualmente sinalização de perigo de queda.
cc) O arguido sabia que a porta de acesso ao piso inferior do aludido estabelecimento comercial se localizava no “hall” de acesso às casas de banho destinadas aos clientes, em local de livre acesso a qualquer cliente do estabelecimento.
dd) E como tal podia e devia ter-se assegurado que a dita porta estava devidamente trancada e com a devida informação - de acesso reservado a funcionários e da existência de uma escada - aposta na mesma.
ee) E que o acesso à casa de banho dos clientes se distinguia e estava identificado.
ff) O arguido, contudo, não adoptou tais condutas como podia e devia.
gg) E o facto de o não fazer, originou a abertura da porta pelo DD, ainda que de forma não concretamente apurada, e a sua queda nas escadas e como consequência da mesma, a sua morte.
hh) O arguido não procedeu, assim, com o cuidado devido e que lhe era exigível e não previu, como podia e devia, em ordem a evitar tal resultado, que ao manter a referida porta de acesso ao piso inferior do aludido estabelecimento, destrancada e sem a devida informação (com acesso de carácter reservado aos funcionários e da existência de escadas) aposta na mesma, podia fazer com que quaisquer clientes indevidamente procedessem à sua abertura e caíssem pelas escadas, o que efectivamente veio a ocorrer com a queda e consequente morte de DD.
ii) Pelo que, a queda em referência e como consequência dela a morte de DD ficou a dever-se à conduta imprudente do arguido que não diligenciou por impedir o acesso de clientes a uma escada íngreme e assegurar a sinalização adequada, o que podia fazer com facilidade, caso tivesse agido com o cuidado e atenção que lhe eram exigidos.
jj) O arguido agiu de forma livre e voluntária e tinha consciência de que a morte de outrem provocada pela sua falta de observância dos deveres de cuidado que lhe estavam impostos pelas mais elementares regras de acessos e exercício de actividade de restauração ou de bebidas, que lhe incumbia observar enquanto explorador, proprietário e gerente de estabelecimento comercial de acesso a púbico é proibida e penalmente punida.”

Ora, importa reconhecer alguma razão aos recorrentes nesta parte.
Efectivamente, a decisão recorrida fez constar da enumeração dos factos provados vários factos conclusivos e juízos de valor, sendo que alguns deles integram inequivocamente o thema decidendum, nomeadamente quando antecipam nos próprios factos provados a conclusão do preenchimento dos elementos típicos do crime de homicídio por negligência sob julgamento.

Estão nessas condições as seguintes expressões:
- “ao arguido (…) exigia-se, face às regras da experiência comum, uma conduta de maior zelo e de respeito pelas regras (…)” [al. y)];
- “(…) ao arguido exigia-se que os locais de acesso às casas de banho estivessem devidamente sinalizados (…)” [al. z)];
- “impunha-se-lhe ainda a obrigação de (…)” [al. aa)];
- “ “bem como se exigia (…)” [al. bb)];
- “(…) e devia ter-se assegurado (…)” [al. dd);
- “(…) e devia.” [al. ff)];
- “(…) não procedeu, assim, com o cuidado devido e que lhe era exigível (…)” [al. hh)];
- “(…) conduta imprudente do arguido (…) caso tivesse agido com o cuidado e atenção que lhe eram exigidos.” [al. ii)];
- “(…) impostos pelas mais elementares regras (…)” [al. jj)]. 

Tais conclusões e juízos de valor podiam constar eventualmente da motivação de facto e de direito, sendo completamente imprestável e inútil a sua antecipação e consignação nos factos provados.

Consequentemente, os segmentos ora assinalados devem considerar-se não escritos.
Tudo o mais não suscita qualquer reserva no plano da prova da matéria de facto alegada e dada como provada.

3.3.  Concluindo, os factos dados como provados sob as alíneas sob as alíneas y) a bb) e dd) a jj)  passam a apresentar a seguinte redacção:
“(…)
“y) O arguido é proprietário e gerente de outros três estabelecimentos comerciais do mesmo ramo de actividade.
z) O estabelecimento comercial dos autos é um local aberto ao público e o local de acesso às casas de banho apresentava as condições referidas em t);
aa) E a porta de acesso ao piso inferior do estabelecimento apresentava as condições referidas em u);
bb) E as escadas de acesso àquele piso inferior, com inclinação acentuada e sem patamar prévio, apresentava as condições referidas em i);
cc) O arguido sabia que a porta de acesso ao piso inferior do aludido estabelecimento comercial se localizava no “hall” de acesso às casas de banho destinadas aos clientes, em local de livre acesso a qualquer cliente do estabelecimento.
dd) E como tal podia ter-se assegurado que a dita porta estava devidamente trancada e com a devida informação - de acesso reservado a funcionários e da existência de uma escada - aposta na mesma.
ee) E que o acesso à casa de banho dos clientes se distinguia e estava identificado.
ff) O arguido, contudo, não adoptou tais condutas como podia.
gg) E o facto de o não fazer, originou a abertura da porta pelo DD, ainda que de forma não concretamente apurada, e a sua queda nas escadas e como consequência da mesma, a sua morte.
hh) O arguido não previu, como podia, em ordem a evitar tal resultado, que ao manter a referida porta de acesso ao piso inferior do aludido estabelecimento, destrancada e sem a devida informação (com acesso de carácter reservado aos funcionários e da existência de escadas) aposta na mesma, podia fazer com que quaisquer clientes indevidamente procedessem à sua abertura e caíssem pelas escadas, o que efectivamente veio a ocorrer com a queda e consequente morte de DD.
ii) Pelo que, a queda em referência e como consequência dela a morte de DD ficou a dever-se à conduta do arguido que não diligenciou por impedir o acesso de clientes a uma escada íngreme e assegurar a sinalização adequada, o que podia fazer com facilidade.
jj) O arguido agiu de forma livre e voluntária e tinha consciência de que é proibido e penalmente punido provocar a morte a outrem em virtude da falta de observância dos deveres de cuidado impostos pelas regras de acessos e exercício de actividade de restauração ou de bebidas, que lhe incumbia observar enquanto explorador, proprietário e gerente de estabelecimento comercial de acesso a púbico.”
(…).
 
3.4. Aqui chegados, importa concluir que o recurso procede parcialmente nesta parte.

4. Impugnação do julgamento da matéria de facto
4.1. Considerações gerais
Dispõe o art. 428.º do CPP que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito.

Dado que no caso em análise houve documentação da prova produzida em audiência, com a respectiva gravação integral, pode o tribunal de recurso reapreciá-la na perspectiva ampla prevista nos artigos 412.º, n.º 3, e 431º do CPP, ficando, todavia, o seu poder de cognição delimitado pelas conclusões da motivação do recorrente.

Nestes casos de impugnação da matéria de facto, a apreciação pelo tribunal superior já não se restringe ao texto e contexto da decisão, mas abrange a análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada/gravada) produzida em audiência, mas sempre a partir de balizas fornecidas pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus imposto pelos n.º s 3 e 4 do artigo 412.º, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do artigo 431.º, alínea b), do Código de Processo Penal.

Este recurso não tem por finalidade nem pode ser confundido com um "novo julgamento" da matéria de facto, assumindo-se antes como um “remédio” jurídico.

Na verdade, conforme salientou o Prof. Germano Marques da Silva, “Recorde-se que o recurso ordinário no nosso Código é estruturado como um remédio jurídico, visa corrigir a eventual ilegalidade cometida pelo tribunal a quo. O tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta todos os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Por isso também a renovação da prova só seja admitida em situações excepcionais e sobretudo que tenha de indicar expressamente os vícios da decisão recorrida.” (“Registo da prova em Processo Penal. Tribunal Colectivo e Recurso”, in Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra 2001, pág. 809).

No mesmo sentido, ficou escrito no Ac. STJ de 17 de Fevereiro de 2005, Proc. 04P4324, “(…) o recurso em matéria de facto para a Relação não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido o julgamento em 1ª Instância, estabeleceria os factos provados e não provados e assim indirectamente validaria ou a factualidade anteriormente assente, mas é antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada”.
 
Por conseguinte, o recurso em matéria de facto, destina-se apenas à reapreciação da decisão proferida em primeira instância em pontos concretos e determinados. Tem como finalidade a reapreciação de “questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida” (cfr. designadamente o art. 410º, n.º l do CPP).

Daí que o legislador tenha estabelecido um específico dever de motivação e formulação de conclusões do recurso nesta matéria - cfr. artigo 412º, n.º 1, 3 e 4 do CPP.

Segundo o n.º 3 do citado artigo 412º, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.

Por seu turno, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo 412.º, na redacção que lhe foi conferida pela lei n.º 27/2015, de 14 de Abril, “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”. 

A este respeito, como se salientou no Ac. do STJ de 19-5-2010, processo n.º 696/05.7TAVCD.S1, que “As indicações exigidas pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP são imprescindíveis para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto e não um ónus de natureza puramente secundária ou meramente formal, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre matéria de facto”.

Nesta matéria, o Ac. da Rel. de Coimbra de 22.10.2008, proferido no proc. n.º 1121/03.3TACBR.C1, bem explicita “A especificação dos “concretos pontos de facto” só se mostra cumprida com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida … que considera incorrectamente julgado, sendo insuficiente a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença, sendo que a exigência legal de especificação das “concretas provas” só se queda satisfeita com a indicação do conteúdo específico do meio de prova”.

Ainda sobre a exigência contida na alínea b) do n.º 3 do artigo 412.º do CPP, importa não perder de vista, como bem se enfatizou no Ac. desta Rel. de Guimarães de 20-3-2006, proc.º n.º 245/06-1ª, in www. dgsi.pt: (…) a lei refere as provas que «impõem» e não as que “permitiriam» decisão diversa. É que afigura-se indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção
*
Importa ainda ter sempre presente que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (artigo 127º do Código de processo Penal).

No caso do julgamento, a entidade competente é, naturalmente, o juiz.

A livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova.

A livre valoração da prova deve ser entendida como “valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão” (Vide Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal II, Verbo, 1999, pp. 122-127).

Consequentemente, segundo a lição do Prof. Figueiredo Dias –, “Lições de Direito Processual Penal”, págs. 135 e segs. –, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente, porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação, ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos, ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão”.

Como justamente se salientou no Ac. da Rel. do Porto de 12-5-2004: “I - A convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando seja obtida através de provas ilegais ou proibida, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou, então, quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum. II - Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum deve acolher-se a opção do julgador”. 

Por isso, o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova.

Aliás, “a decisão do Tribunal há-de ser sempre uma "convicção pessoal - até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais" (Prof. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, vol. I, Coimbra, 1974, pág. 204).

No que concerne à questão da credibilidade das declarações e depoimentos, a imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como «a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão» (FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe. É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
Assim, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador que é fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (Vide Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).
Por outro lado, a credibilidade em concreto de cada meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum que informam a opção do julgador.
E estas podem e devem ser escrutinadas pelo tribunal superior.
Porém tal sindicância deverá ter sempre uma visão global da fundamentação sobre a prova produzida de forma a poder acompanhar todo o processo dedutivo seguido pela decisão recorrida em elação aos factos concretamente impugnados. Não se pode, nem deve substituir, a compreensão e análise do conjunto da prova produzida sobre um determinado ponto de facto pela visão parcial e segmentada eventualmente oferecida por um dos sujeitos processuais.»
A tarefa de valoração da prova e de reconstituição dos factos, tendo em vista alcançar a verdade – não a verdade absoluta e ontológica, mas uma verdade histórico-prática e processualmente válida –, o julgador não está sujeito a uma “contabilidade das provas”. E não será a circunstância, normal nas lides judiciais, de se contraporem, pela prova pessoal (declarações e testemunhos), versões contraditórias, a impor que o julgador seja conduzido, irremediavelmente, a uma situação de dúvida insuperável.
Por outro lado, nada obsta a que o juízo probatório se funde apenas no depoimento de uma única testemunha, ainda que a mesma seja a ofendida do crime sob julgamento.

Este singelo depoimento deve ser livremente valorado pelo Tribunal e pode levar à condenação do arguido desde que seja entendido que tal depoimento foi prestado de forma séria e credível.

O velho aforismo testis unus testis nullus, carece de eficácia jurídica num sistema como o nosso em a prova já não é tarifada ou legal mas antes livremente apreciada pelo tribunal.
Vejamos, pois, o caso concreto.

4.2. Objecto da impugnação da matéria de facto
Explicitado o entendimento sobre o sentido e alcance da impugnação da matéria de facto, na vertente da impugnação ampla, importa constatar que o recorrente discorda parcialmente da decisão sobre o julgamento da matéria de facto, não havendo dúvidas quanto aos concretos factos sindicados, nem quanto às provas em que apoia a impugnação ampla.

Em concreto, os recorrentes impugnaram a matéria de facto constante dos factos dados como provados sob as alíneas g), h), p), s), t), u), cc), gg), hh), ii), jj), xx e aaa), acima transcritos.

Para além disso, os recorrentes impugnaram igualmente a matéria de facto constante dos factos dados como não provados sob os números 5) e 6), também acima transcritos.

Ouvida a gravação da prova e analisada a prova constante dos autos, importa cotejá-la com a motivação da decisão de facto e verificar se as provas indicadas pelo recorrente (e agora reapreciadas) impõem decisão diversa da proferida pela 1.ª instância.

4.2.1. O desconhecimento do local pelo falecido DD (Facto Provado g) e factos não provados 5) e 6))
§ 1. A análise desta questão impõe, a consideração dos pertinentes trechos da decisão recorrida, os quais se passam a transcrever novamente (negrito e sublinhado nossos):  
“(…)
FACTOS PROVADOS:
(…)
g) Já no “hall” de acesso à casa de banho e à porta de acesso ao piso inferior, DD, desconhecedor do local, ao invés de entrar no espaço de acesso às casas de banho (que se situa à sua esquerda), como pretendia fazer, de forma não concretamente apurada acabou por abrir a porta, que se situava do seu lado direito (e portanto em frente ao espaço de acesso às casas de banho), que não se encontrava trancada, e que dava acesso através de umas escadas ao piso inferior do estabelecimento comercial, área de acesso reservado a funcionários.
(...)

FACTOS NÃO PROVADOS:
(…)
5. O falecido não era uma pessoa estranha no estabelecimento comercial, era cliente habitual, conhecendo e sendo conhecido pelos funcionários.
6. Deslocava-se em média 2/3 vezes por semana, conhecendo bem o estabelecimento comercial, mormente a localização do WC.
(…)”.

§2. Nesta primeira abordagem a estes factos, importa precisar que os recorrentes pretendem nesta parte que seja dada como provada a tese da contestação, segundo a qual o falecido era cliente habitual do estabelecimento dos autos. 

No essencial, o recorrente entende que as declarações da assistente e as imagens da videovigilância, bem como as declarações do arguido e o depoimento da testemunha RR, impõem decisão diversa da adoptada pelo tribunal a quo.

Vejamos se lhes assiste razão.

§3. Ora, após a audição integral das declarações e depoimentos indicados pelos recorrentes, bem como após a análise das imagens de videovigilância, importa constatar que nenhum destes meios de prova impõe uma alteração do julgamento dos factos nos termos propostos pelos recorrentes.

As declarações do arguido e o depoimento da testemunha RR limitam-se a reproduzir o que ouviram dizer a terceiros – a outros funcionários do estabelecimento e à neta do falecido – e estes terceiros não confirmaram a versão dos recorrentes no julgamento.

Aliás, sendo o arguido gerente do estabelecimento, muito se estranha que ele próprio não conhecesse o falecido como cliente habitual.

Por seu turno, as imagens da videovigilância revelam a deslocação do falecido entre a mesa onde esteve sentado na companhia da assistente e a zona de acesso ao corredor onde se situa a porta de vidro que permite aceder às escadas onde veio a cair.

É certo que estas imagens permitem observar o falecido a levantar-se da referida mesa e a deslocar-se para a referida zona sem hesitações, mas tal não deve impressionar na medida em que a configuração do espaço propiciaria tal trajectória a qualquer utente que sentisse igual necessidade de frequentar a casa de banho.

Na verdade, à frente da mesa onde estava sentado o falecido havia um balcão de atendimento intransponível e à esquerda daquela mesa havia uma parede contínua entre a porta de entrada no estabelecimento e o referido balcão.

Neste circunstancialismo, é natural e expectável que o falecido avançasse sem hesitações para a única zona onde era então visível um corredor de acesso a outros espaços, incluindo uma hipotética casa de banho.    
  
Finalmente, a assistente – filha do arguido – deu simplesmente conta de que o seu pai entrara duas vezes no estabelecimento em apreço e que na primeira vez o mesmo tinha ficado no piso superior e não fora à casa de banho.

Por conseguinte, não há qualquer prova de que o falecido fosse um cliente habitual do estabelecimento e de que o mesmo conhecesse o hall de acesso à casa de banho e à porta de acesso ao piso inferior.   

§ 4. Aqui chegados, importa concluir que os meios de prova indicados pelo recorrente não impõem qualquer alteração da redacção dos factos dados como provados.

4.2.2. A queda imediatamente após a abertura da porta (Factos Provados h) e gg))
§ 1. A análise desta questão impõe, a consideração dos pertinentes trechos da decisão recorrida, os quais se passam a transcrever novamente (negrito e sublinhado nossos):  
“(…)   
FACTOS PROVADOS:
(…)
g) Já no “hall” de acesso à casa de banho e à porta de acesso ao piso inferior, DD, desconhecedor do local, ao invés de entrar no espaço de acesso às casas de banho (que se situa à sua esquerda), como pretendia fazer, de forma não concretamente apurada acabou por abrir a porta, que se situava do seu lado direito (e portanto em frente ao espaço de acesso às casas de banho), que não se encontrava trancada, e que dava acesso através de umas escadas ao piso inferior do estabelecimento comercial, área de acesso reservado a funcionários.

h) Aberta a referida porta de acesso ao piso inferior, DD caiu pelas escadas abaixo, imobilizando-se no chão do piso inferior do estabelecimento comercial onde ficou prostrado, com o corpo ensanguentado e em posição de decúbito dorsal, com os pés voltados para o cimo da escada.
(…)
cc) O arguido sabia que a porta de acesso ao piso inferior do aludido estabelecimento comercial se localizava no “hall” de acesso às casas de banho destinadas aos clientes, em local de livre acesso a qualquer cliente do estabelecimento.
dd) E como tal podia ter-se assegurado que a dita porta estava devidamente trancada e com a devida informação - de acesso reservado a funcionários e da existência de uma escada - aposta na mesma.
ee) E que o acesso à casa de banho dos clientes se distinguia e estava identificado.
ff) O arguido, contudo, não adoptou tais condutas como podia.
gg) E o facto de o não fazer, originou a abertura da porta pelo DD, ainda que de forma não concretamente apurada, e a sua queda nas escadas e como consequência da mesma, a sua morte.
(…)
(…)”.

§2. Nesta parte, importa precisar que os recorrentes pretendem questionar que o falecido tivesse caído do topo das escadas, isto é, que o mesmo tivesse caído imediatamente após a abertura da porta.

Para tanto, os recorrentes convocam várias fotografias das escadas, o relatório de autópsia e o parecer criminológico constantes dos autos.

Segundo os recorrentes, a inexistência de vestígios hemáticos nas escadas, a posição de decúbito dorsal em que o corpo foi encontrado na cave e a inexistência no corpo do falecido de quaisquer ferimentos compatíveis com uma queda ocorrida numas escadas com cerca de 4 metros de comprimento conduz à conclusão de que a queda nunca poderia ter ocorrido em acto contínuo à abertura de portas.

Contrapõem os recorrentes que o falecido desceu três degraus a partir do topo das escadas em apreço e que chegou a alcançar o corrimão existente no lado esquerdo daquelas – atento o sentido descendente – com o respectivo membro superior esquerdo antes de ter caído sob o seu lado direito.

Mas alegam os recorrentes que a própria sentença admite que a queda poderia ter ocorrido de outro modo.

Vejamos se lhes assiste razão.

§3. Salvo o devido respeito, os recorrentes laboram em erro quando alegam a própria sentença admite que a queda poderia ter ocorrido de outro modo.

Aquilo que o tribunal a quo não logrou apurar foi se o falecido abriu voluntariamente a porta de acesso ao piso inferior ou se o mesmo colocou inadvertidamente o pé no fosso existente junto à referida porta, com isso acabando por empurrar a porta e aceder em desequilíbrio às escadas.

Além disso, os recorrentes laboram igualmente em erro quando alegam que o corpo do falecido não apresenta lesões compatíveis com uma queda ocorrida numas escadas com cerca de 4 metros de comprimento.

Efectivamente, o relatório de autópsia não se limita a assinalar escoriações no pulso esquerdo e na região parietal do falecido, pois dá ainda conta das fracturas completas do esterno e dos arcos anteriores esquerdo e direito da 2.ª à 7.ª costelas, acompanhadas do esmagamento da medula espinal e de fracturas de vértebras cervicais e dorsais.

O relatório pericial constante dos autos concluiu ainda que “a morte de DD foi devido às lesões traumáticas vértebro-medulares” e que tais lesões “resultaram de traumatismo de natureza contundente, como pode acontecer em queda acidental de lanço de escadas”.

Por outro lado, não deve ser desvalorizada a gravidade das lacerações verificadas na região parietal do falecido que causaram o sangramento e as manchas de sangue deixadas no piso inferior.

Não tendo sido identificado um quadro clínico de osteoporose no falecido, dir-se-á que tais lesões postulam uma acção contundente de forte impacto que é perfeitamente compatível com uma queda a partir do topo superior das escadas em apreço.

Dito isto, a alegada inexistência de quaisquer vestígios hemáticos nas escadas não passa de uma mera alegação dos recorrentes assente na singela observação das fotografias das escadas que constam a fls. 31 a 35 dos autos – recolhidas pela PSP no próprio dia da queda do falecido –, as quais não apresentam nitidez suficiente para efeito de detecção de quaisquer vestígios biológicos.

Para tanto teria sido necessária a intervenção pericial da área do local do crime, a qual não chegou a ser realizada em virtude de ter sido liminarmente afastada a hipótese de crime doloso.

Por outro lado, o recorrente não explica minimamente a alegada incompatibilidade entre a queda do topo da escada e a posição em que o corpo do falecido veio a ser encontrado imediatamente a seguir à queda das escadas.

Finalmente, a tese segundo a qual o falecido desceu três degraus pelo seu próprio pé antes de ter caído pelas escadas abaixo não passa de mera especulação sem qualquer sustentação plausível, sendo insuficiente para tanto o aludido parecer criminológico.

§ 4. Aqui chegados, importa concluir que os meios de prova indicados pelo recorrente não impõem qualquer decisão diversa nos termos propostos pelo recorrente.

4.2.3. A abertura existente no pavimento junto à porta de acesso às escadas (Facto Provado s))
§ 1. A análise desta questão impõe, a consideração dos pertinentes trechos da decisão recorrida, os quais se passam a transcrever novamente (negrito e sublinhado nossos):  
“(…)   
FACTOS PROVADOS:
(…)
o) Nesse “hall”, existia uma abertura (sem porta), do lado esquerdo, que dava acesso as casas de banho e uma outra porta, do lado direito, em vidro fosco, que dava acesso à zona reservada que se situava no piso inferior.
p) A aludida porta, do lado direito, não tinha qualquer indicação de que permitia o acesso a uma área reservada, abria para o lado das escadas, não tinha qualquer sistema de fecho (batente, trinco ou chave), bastando empurrar para abri-la, e não permitia, atento o material de que era feita, vidro fosco, percepcionar que a mesma dava acesso às escadas ali existentes.
q) Tais escadas apresentam um declive de cerca de 45.º, e eram feitas em tijoleira antiderrapante (com relevo).
r) Os degraus das referidas escadas não eram precedidos de qualquer patamar no topo, não tinham corrimão do lado direito, e não tinham barras antiderrapantes (embora os degraus sejam em tijoleira antiderrapante (com relevo)).
s) Acresce que, quando a aludida porta de vidro se mostra fechada, permanece uma abertura entre a porta e o chão, de cerca de 10 cm.
(…)”.

§2. Nesta parte, importa precisar que os recorrentes pretendem que seja dado como provado que a aludida abertura entre a porta de vidro e o chão era bastante inferior a 10 cm no dia em que ocorreu a queda (9 de Fevereiro de 2028).

No essencial, os recorrentes entendem que a medição realizada na inspecção judicial ao local levada a cabo em 8 de Fevereiro de 2024 é mais penalizadora para o arguido na medida em que, entretanto, foi instalado um sistema de fecho que afasta a porta do chão.

Para tanto, os recorrentes indicam a fotografia n.º 3 que consta a fls. 30 dos autos e que foi captada pela PSP à data dos factos. 

Vejamos se lhes assiste razão.

§3. Compreendem-se os esforços dos recorrentes em minimizar a existência de um fosso no pavimento que antecede a porta que foi transposta pelo falecido, mas a verdade é que a prova indicada não permite alterar o juízo probatório nesta parte.

A fotografia n.º 3 de fls. 30 e a fotografia de fls. 5 da reportagem fotográfica realizada na inspecção judicial mostram a porta em apreço fechada e alinhada com a parede confinante, isto é, “à mesma distância do chão”.

Este alinhamento não é prejudicado pela actual existência de um sistema de fecho da porta que não existia à data dos factos.

Acresce que não foi realizada qualquer medição da referida abertura no dia da queda e a aludida fotografia de fls. 30 não permite inferir a exacta medida da mesma.

Aqui chegados, importa concluir que os meios de prova indicados pelo recorrente não impõem qualquer decisão diversa

§4. Por conseguinte, o recurso improcede nesta parte.

4.2.4. A inexistência de sinalética e de sistema de fecho na porta (Factos Provados p), t) e u))
§ 1. A análise desta questão impõe, a consideração dos pertinentes trechos da decisão recorrida, os quais se passam a transcrever novamente (negrito e sublinhado nossos):  
“(…)   

FACTOS PROVADOS:
(…)
p) A aludida porta, do lado direito, não tinha qualquer indicação de que permitia o acesso a uma área reservada, abria para o lado das escadas, não tinha qualquer sistema de fecho (batente, trinco ou chave), bastando empurrar para abri-la, e não permitia, atento o material de que era feita, vidro fosco, percepcionar que a mesma dava acesso às escadas ali existentes.
q) Tais escadas apresentam um declive de cerca de 45.º, e eram feitas em tijoleira antiderrapante (com relevo).
r) Os degraus das referidas escadas não eram precedidos de qualquer patamar no topo, não tinham corrimão do lado direito, e não tinham barras antiderrapantes (embora os degraus sejam em tijoleira antiderrapante (com relevo)).
s) Acresce que, quando a aludida porta de vidro se mostra fechada, permanece uma abertura entre a porta e o chão, de cerca de 10 cm.
t) No referido “hall”, não existia qualquer indicação das casas de banho, que informasse que o acesso às mesmas era feito através da abertura que se situava do lado esquerdo (lado oposto onde DD caiu).
u) De igual modo, não existia qualquer informação na aludida porta do lado direito de vidro fosco que dava acesso ao piso inferior, que identificasse que o acesso ao interior da mesma era de carácter reservado/restrito aos funcionários e ou que ali existiam uma escadas.
(…)
(…)”.

§2. Nesta parte, importa precisar que os recorrentes não colocam em crise os factos acabados de transcrever.

Os recorrentes pretendem que seja aditado que a aludida sinalética e o fecho na porta de acesso à cave existiam habitualmente.

Para tanto, convoca as declarações do arguido e os depoimentos das testemunhas FF, EE e GG.

Vejamos se lhes assiste razão.

§3. Como é fácil de ver, a questão em apreço assumiria toda a pertinência se a “sinalética relativa às escadas” e o “sistema de fecho da porta de vidro” alegadamente existentes no estabelecimento dos autos tivessem sido removidos pelos clientes no próprio dia da queda ou mesmo na véspera.

Ora, a prova indicada pelos recorrentes não aponta neste sentido.

Desde logo, a invocada testemunha EE – cônjuge do arguido e funcionária responsável pela segurança no trabalho no estabelecimento dos autos – revelou no julgamento que a reclamada sinalética não esteve aposta durante toda a semana que antecedeu a queda do falecido DD.

Por seu turno, a testemunha SS – funcionário no estabelecimento dos autos desde ../../2017 e que foi a primeira pessoa a deparar-se com a presença do corpo do falecido no fundo das escadas – revelou no inquérito que a “porta estava normalmente fechada, mas bastava empurrar para que a mesma se abrisse (…) não tinha qualquer sinalização de acesso restrito ou de escadas/perigo (…) não havia sinalização de casa de banho. Depois do acontecido, houve alterações. Já colocaram uma indicação de casa de banho na parede e uma seta a indicar onde a mesma se situa e na porta que dá acesso às escadas colocaram um acesso restrito. Tentaram colocar um fecho de segurança na dita porta logo no dia ou um dia após o sucedido” (vide auto de inquirição de fls. 89 cuja leitura foi judicialmente determinada no julgamento).

Este depoimento é muito esclarecedor, pois não contém uma única palavra sobre a sinalética e o sistema de fecho que habitualmente existiam.

Aliás, a falta de sinalética constitui um problema antigo, pois a testemunha OO – técnica de segurança do trabalho que visitou o estabelecimento em 2017 – também revelou no inquérito que a “alertou as funcionárias pela falta de sinalização da porta quanto a existência de escadas (…) podendo causar queda não só dos trabalhadores, bem como de clientes do estabelecimento.” (vide auto de inquirição de fls. 145 cuja leitura foi judicialmente determinada no julgamento).
 
Aqui chegados, importa concluir que os meios de prova indicados pelo recorrente não impõem decisão diversa.

§4. Por conseguinte, o recurso improcede nesta parte.

4.2.5. A existência de uma corrente de plástico na porta antes do acidente (Facto Provado cc))
§ 1. A análise desta questão impõe, a consideração dos pertinentes trechos da decisão recorrida, os quais se passam a transcrever novamente (negrito e sublinhado nossos):  
“(…)   

FACTOS PROVADOS:
(…)
cc) O arguido sabia que a porta de acesso ao piso inferior do aludido estabelecimento comercial se localizava no “hall” de acesso às casas de banho destinadas aos clientes, em local de livre acesso a qualquer cliente do estabelecimento.
(…)”.

§2. Nesta parte, importa precisar, mais uma vez, que os recorrentes não colocam em crise os factos acabados de transcrever.

Os recorrentes pretendem que seja aditado que existia habitualmente uma corrente de plástico na porta de acesso à cave, mas que a mesma não era muito durável e estava sempre a ser substituída.

Para tanto, convoca as declarações do arguido e os depoimentos das testemunhas FF, EE e GG.

Vejamos se lhes assiste razão.

§3. Como é fácil de ver, a questão em apreço já foi analisada nesta decisão e, consequentemente, reitera-se o expendido acima nesta matéria no ponto 4.2.4. da presente decisão.

Acrescentar-se-á apenas que os recorrentes admitem, implicitamente, que o arguido nunca adoptou um sistema eficaz de fecho da porta de acesso às escadas em que ocorreu a queda do falecido DD.

O arguido sabia que a porta de acesso ao piso inferior estava situada em local de livre acesso a qualquer cliente do estabelecimento e até entendia que esta porta deveria estar fechada para impedir a livre circulação, mas optou reiteradamente pela colocação de correntes de plástico que não eram duráveis.

Aqui chegados, importa concluir que os meios de prova indicados pelo recorrente não impõem qualquer decisão diversa

§4. Por conseguinte, o recurso improcede nesta parte.

4.2.6. A diligência do arguido e “a impossibilidade de uma pessoa racional, atenta, em enganar-se ao chegar ao hall de acesso” (Factos Provados hh), ii) e jj))
§ 1. A análise desta questão impõe, a consideração dos pertinentes trechos da decisão recorrida, os quais se passam a transcrever novamente (negrito e sublinhado nossos):  
“(…)   

FACTOS PROVADOS:
(…)
cc) O arguido sabia que a porta de acesso ao piso inferior do aludido estabelecimento comercial se localizava no “hall” de acesso às casas de banho destinadas aos clientes, em local de livre acesso a qualquer cliente do estabelecimento.
dd) E como tal podia ter-se assegurado que a dita porta estava devidamente trancada e com a devida informação - de acesso reservado a funcionários e da existência de uma escada - aposta na mesma.
ee) E que o acesso à casa de banho dos clientes se distinguia e estava identificado.
ff) O arguido, contudo, não adoptou tais condutas como podia.
gg) E o facto de o não fazer, originou a abertura da porta pelo DD, ainda que de forma não concretamente apurada, e a sua queda nas escadas e como consequência da mesma, a sua morte.
hh) O arguido não previu, como podia, em ordem a evitar tal resultado, que ao manter a referida porta de acesso ao piso inferior do aludido estabelecimento, destrancada e sem a devida informação (com acesso de carácter reservado aos funcionários e da existência de escadas) aposta na mesma, podia fazer com que quaisquer clientes indevidamente procedessem à sua abertura e caíssem pelas escadas, o que efectivamente veio a ocorrer com a queda e consequente morte de DD.
ii) Pelo que, a queda em referência e como consequência dela a morte de DD ficou a dever-se à conduta do arguido que não diligenciou por impedir o acesso de clientes a uma escada íngreme e assegurar a sinalização adequada, o que podia fazer com facilidade.
jj) O arguido agiu de forma livre e voluntária e tinha consciência de que é proibido e penalmente punido provocar a morte a outrem em virtude da falta de observância dos deveres de cuidado impostos pelas regras de acessos e exercício de actividade de restauração ou de bebidas, que lhe incumbia observar enquanto explorador, proprietário e gerente de estabelecimento comercial de acesso a púbico.
(…)
(…)”.

§2. Nesta parte, impõe-se transcrever as conclusões dos recorrentes para efeito de compreensão daquilo que os mesmos pretendem efectivamente a respeito desta factualidade:
“(…)
Também não se pode aceitar, pelo supra exposto, os factos provados das alíneas hh), ii) e jj), em sumula, pois pelas caraterísticas do estabelecimento (espaçoso, com abundante iluminação natural e artificial), estar licenciado junto das autoridades competentes, a sua disposição, a visão dos clientes a partir das mesas, que somente veem a abertura para as casas de banho, a impossibilidade de uma pessoa racional, atenta, em enganar-se ao chegar ao hall de acesso – conforme depoimentos do Arguido AA, no dia 21-11-2023 das 15:00:06 às 15:24:11, Ficheiro: 20231121150006_6088922_2870587, 00:13:04 a 00:14:20, 00:15:11 a 00:15:36, 00:18:08 a 00:18:45, pela testemunha EE, depoimento prestado no dia 25-01-2024 das 15:49:03 às 17:13:58, Ficheiro: 20240125154903_6088922_2870587, 00:11:15 a 00:12:02.
O) Quanto à sinalética, como referido por várias testemunhas como consta da sentença atestam a compra de sinalética e a existência da mesma antes do acidente, quer na parede, quer na porta.
P) A própria porta, antes do acidente, possuía um sistema de fecho, frágil efetivamente, mas possuía um sistema de fecho.
Q) As escadas, tem dimensões legais, foram registadas em inspeção de 08/02/2024 (fotografias de folhas 11, 12 e 13), são em tijoleira antiderrapante, e, possui corrimão.
R)  A fração possui licença de utilização, sinal inequívoco da sua conformidade, quanto à construção e disposição interior.
S) A Assistente procedeu à junção de certidão processo de fiscalização de estabelecimento de restauração e bebidas (FERB), em audiência de 08/02/2024, verifica-se da mesma que existiram comunicações da “EMP02..., Lda”, sociedade antecessora da ora Arguida, para a Camara Municipal ..., mormente a de “mera comunicação de instalação do estabelecimento”, de fls. 110 a fls. 114, a de “mera comunicação previa de horário”, de fls. 115 a fls. 120.
T) Também se verifica de fls. 123 até final da certidão, uma ocorrência relativa à ocupação da via publica com esplanada por parque da sociedade arguida, mas que, se verifica o cumprimento das diretivas por parte dos Arguidos.
U) Tal resulta ainda das declarações do arguido e do depoimento de EE.
(…)”

Vejamos se lhes assiste razão.

§3. Como é fácil de ver, alguns dos argumentos avançados pelos recorrentes já foram analisados nesta decisão e os próprios recorrentes não inovam quando os recolocam novamente no plano da impugnação ampla da matéria de facto.

Relativamente à matéria da ausência da sinalética e do sistema de fecho na porta de acesso ao piso inferior reitera-se o expendido acima nos pontos 4.2.4. e 4.2.5. da presente decisão, nada mais havendo a dizer.

Do mesmo modo, estando dado como provado que a falta de sinalética e a ausência de um sistema de fecho daquela porta originaram a respectiva abertura pelo falecido e a sua queda nas escadas, nada mais há a acrescentar em matéria de causalidade (vide factos provados dd) a gg).

Avançando para a alegação pretensamente inovatória da “impossibilidade de uma pessoa racional, atenta, em enganar-se ao chegar ao hall de acesso”, isto num cenário de ausência de qualquer sinalética como sucedia na data da queda, dir-se-á que a ser tomada a sério esta afirmação ficaria então por explicar a razão pela qual o arguido já tinha diligenciado pela colocação de sinalética que, afinal, julgava inútil e desnecessária para salvaguardar a segurança dos clientes que frequentavam o seu estabelecimento.

A resposta a esta questão, assim suscitada, resulta à saciedade da inspecção ao local realizada durante o julgamento e, sobretudo, da motivação do julgamento da matéria de facto, o que se passa a transcrever novamente:
“(…) na nossa perspectiva e essencialmente decorrente da inspecção ao local, entendemos que a primeira coisa que chama a atenção quando entramos no “hall”, é a porta de acesso ao piso inferior, provocando sim alguma confusão.
(…).”     

As fotografias obtidas nesta inspecção judicial, sobretudo as que captaram o espaço que antecede a aludida porta de acesso ao piso inferior, corroboram esta motivação da decisão recorrida.

A existência de licença municipal de utilização do estabelecimento dos autos emitida em 2005 (fls. 66 da certidão da Camara Municipal ... junta na sessão de 8 de Fevereiro de 2024) por referência a entidade diversa da demandada civil – a qual só veio a ser constituída em 2014 – nada nos diz sobre as condições de segurança efectivamente existentes no referido espaço comercial em Fevereiro de 2018. 

A questão das dimensões regulamentares das escadas em que ocorreu a queda também não trazem qualquer esclarecimento para a decisão da causa.

Não obstante, tendo os recorrentes mencionado a existência de corrimão nas escadas, aparentam os mesmos ter esquecido que o único corrimão ali existente não se inicia no topo das escadas em virtude de estar posicionado no lado em que a porta encosta quando é aberta, o que fragiliza a segurança de quem desce por escadas com cerca de 4 metros de comprimento sem a existência de qualquer corrimão colocado à esquerda atento o sentido descendente.

Dir-se-á que as escadas em apreço apenas são minimamente seguras para quem as sobe.

Finalmente, os recorrentes aparentam, igualmente, esquecer que a porta de acesso ao piso inferior era antecedida de uma abertura entre o nível do chão e a porta com uma distância de cerca de 10 cm, o que, associado à ausência simultânea de sinalética e de um dispositivo de fecho da porta, torna o espaço em apreço num local especialmente perigoso para os clientes do estabelecimento que pretendam utilizar a casa de banho. 
           
Aqui chegados, importa concluir que os meios de prova indicados pelo recorrente não impõem decisão diversa.

§4. Por conseguinte, o recurso improcede nesta parte.

4.2.7. O falecido era uma pessoa de pouco convívio com terceiros (Facto Provado xx))
§ 1. A análise desta questão impõe, a consideração dos pertinentes trechos da decisão recorrida, os quais se passam a transcrever novamente (negrito e sublinhado nossos):  
“(…)   

FACTOS PROVADOS:
(…)
ww) O falecido era uma pessoa saudável e alegre.
xx) Era uma pessoa com amor à vida, que gostava de passear, conviver com os familiares e amigos e muito bem-disposta.
(…)

FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
(…)
A assistente ainda se reportou à condição física e de saúde do seu pai, na data do sucedido, disse que era saudável não tinha qualquer problema de saúde, era autónomo, ia sozinho às compras, levantar a reforma e ao banco. Ao café, a assistente não crê que ele fosse sozinho, não era pessoa de ir ao café sozinho, iam os dois habitualmente ao café no fim do almoço.
(…)
Por seu turno, o demandante CC, filho do falecido DD, não estava presente no dia dos acontecimentos, quando ali chegou ao estabelecimento comercial de café, já não se encontrava presente a sua irmã. Referiu que já não se recorda da configuração do espaço. Num registo totalmente seguro, objectivo e escorreito, descreveu o impacto que o falecimento da vítima teve em termos psicológicos na sua pessoa e na pessoa da sua irmã. Mais descreveu a vítima, seu pai, com sendo pessoa saudável, alegre, autónomo e independente e muito ligado à família, havendo uma saudável comunhão de vida entre todos os membros, tudo nos precisos termos dados como provados.
(…)
As testemunhas HH e II, vizinhos do falecido DD há cerca de 30 anos, de forma descomprometida, apenas vieram referir que, mesmo sendo uma pessoa idosa, viam-no, ainda assim, a tratar do quintal, a passear e ir às compras, sendo que tanto andava sozinho como acompanhado da filha. Era uma pessoa autónoma, orientada, simpático. Mais se reportaram ao estado emocional em que viram a filha nos dias a seguir ao trágico acontecimento. E, bem assim, que a mesma não tinha qualquer actividade profissional. Do filho CC apenas sabem que o mesmo era visita aos domingos.
A testemunha PP, neto da vitima, na altura dos acontecimentos encontrava-se no carro, juntamente com o seu pai (demandante CC) e a sua irmã, sendo que se deslocavam para o dito café onde ali esperavam o seu avô e a sua tia (a aqui assistente). Prestou um depoimento claro, descomprometido e objectivo. Durante o caminho receberam uma chamada telefónica da sua tia, na qual esta dava conta que o avô tinha caído, sendo que não percebeu logo de que tal seria grave. Mais referiu que a irmã saiu primeiro, junto à passadeira da escola secundaria, enquanto foi estacionar o carro. Quando chegou ao café, vê o seu avô caído no fundo das escadas sendo que não se aproximou dele. Nessa altura do ano, encontrava-se de férias, assim como a sua irmã (pois estudavam na universidade), sendo que era habito quando estavam de férias irem tomar café com o avô e tia. A tia estava num estado de pânico e desespero, sendo que a levou para casa quando estavam a chegar os médicos da vmer, foi ter com o seu pai ao trabalho e voltou ao café. Confirmou que, em casa do avô, foi pelo menos um agente da PSP, que foi fazer umas perguntas à tia. Descreveu o avô, concretamente a sua condição de saúde, como sendo uma pessoa saudável, orientada não tomava qualquer tipo de medicação, gostava de sair cedo de casa, ia às compras, fazia pagamentos das contas de casa, era uma pessoa muito ligado à família. Mais disse que não tinham, por habito, frequentar o mesmo café, sendo que iam variando, tanto iam ao “triangulo” como à “Praça ...” ou ao ”...”.
A testemunha KK, médica dentista, neta da vitima DD, num registo muito sereno e assertivo, confirmou as circunstâncias em que se encontrava, juntamente com o seu irmão, quando recebeu uma chamada da sua tia. Mal chegou ao café, cerca das 13h40, 13h45, a sua tia estava muito alterada, o avô estava no fundo das escadas, sendo que foi ter com ele, ia colocá-lo em posição de segurança, mas depois nem lhe tocou. Alguns minutos depois chegaram os bombeiros que fizeram manobras de reanimação até à chegada dos médicos do inem, os quais continuaram as manobras, sem sucesso, acabando por declarar o óbito. Tal testemunha referiu que quando se aproximou do avô, caído no fundo das escadas, não se apercebeu se ele ainda estaria vivo, não evidenciou quaisquer sinais dessa condição. Mais se reportou à sua excelente condição de saúde, pois não tomava medicação, era autónomo, fazia compras, ele é que geria a casa e era o pilar da família e era quem sustentava a tia e a ajudava com as despesas na universidade, pois o avô pagava a despesa do quarto arrendado. Referiu-se ainda ao estado emocional da tia e do pai, após tal trágico acontecimento. Descreveu o avô como uma pessoa recata, não era pessoa de ir para o café com os amigos, amigos de muita confiança só a família.
(…)”.

§2. Nesta parte, os recorrentes alegam que “Não se pode também aceitar o facto provado da alínea xx), as testemunhas arroladas pela Assistente, vizinhas, referiram em depoimento que mantinham uma relação de circunstância com o falecido, até o próprio filho deste, o Sr. CC, referiu que o seu pai, era uma pessoa de pouco convívio com terceiros. Ou seja, não se pode concluir como consta do facto”.

Assim vistas as coisas, dir-se-á que os recorrentes pretendem que seja dado como não provado que “o falecido DD era uma pessoa que gostava de conviver com os amigos”.

Mal se percebe que haja interesse em agir nesta parte, pois os recorrentes não extraem qualquer consequência directa da prova negativa deste facto em sede de arbitramento do valor da indemnização civil.

Seja como for, não deixa de ser matéria de facto fixada pela 1.ª instância.

Para tanto, invocam as declarações do demandante civil e os depoimentos das testemunhas II e HH.
           
Vejamos se lhes assiste razão.

§3. A mera leitura da motivação da matéria de facto já permitia antecipar que o convívio regular do falecido DD com outras pessoas para além dos seus familiares, nomeadamente nos últimos anos de vida, não era uma realidade que tivesse sido avançada no julgamento.

A audição das declarações do filho e do depoimento da neta do falecido DD confirmou esta suspeita.

Consequentemente, o facto dado como provado sob a al. xx) passa a apresentar a seguinte redacção:
Era uma pessoa com amor à vida, que gostava de passear, conviver com os familiares e muito bem-disposta.”

Em virtude desta alteração, é aditada à matéria de facto não provada o facto n.º 11 com seguinte redacção:
DD era uma pessoa que gostava de conviver com os amigos”.

§4. Por conseguinte, o recurso procede nesta parte

4.2.9. A dependência económica da assistente (Facto Provado aaa))
§ 1. A análise desta questão impõe, a consideração dos pertinentes trechos da decisão recorrida, os quais se passam a transcrever novamente (negrito e sublinhado nossos):  
“(…)   

FACTOS PROVADOS:
(…)
aaa) Sendo o falecido o suporte e o sustento da filha, pois esta depois de se ter divorciado ficou desempregada e vivia com o pai, que pagava todas as despesas, alimentação, habitação, água, electricidade e outras despesas necessárias.
(…)
(…)”.

§2. Nesta parte, importa precisar que os recorrentes não aceitam este facto porque alegam que “a dependência económica da Assistente BB de seu pai, existia à data do acidente, por iniciativa da mesma, que como resulta do depoimento do seu irmão e demandante, o Sr. CC, foi ela que se despediu do seu emprego para ajudar em casa, e, nunca mais voltou a trabalhar”.

Vejamos se lhe assiste razão.

§3. Bem vistas as coisas, os recorrentes não impugnam a existência da dependência financeira da assistente dada como provada, mas entendem que a mesma é irrelevante para efeitos indemnizatórios porque é exclusivamente imputável à assistente em virtude de ser ter despedido voluntariamente.

A assistente nasceu em ../../1953 e tinha 64 anos de idade quando o seu pai DD faleceu.

As aludidas declarações do irmão da assistente revelam efectivamente que a assistente se despediu do emprego que então tinha, mas que assim actuou para ajudar a mãe de ambos – então doente oncológica – a pedido do falecido DD e que nunca mais voltou a trabalhar até este falecer.

Neste circunstancialismo, não é minimamente adequado entender que esta desvinculação laboral – para efeito de apoio à respectiva mãe por doença grave – foi um mero capricho da assistente.

Acresce que os recorrentes não alegam que a assistente tivesse facilidade em arranjar outro trabalho até perfazer 64 anos de idade.

Aqui chegados, importa concluir que os meios de prova indicados pelo recorrente não impõem qualquer decisão diversa

§4. Por conseguinte, o recurso improcede nesta parte.
*
5. Errado enquadramento jurídico-penal dos factos dados como provados
5.1. A decisão recorrida condenou o arguido pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência simples, previsto e punido pelo art. 137.º, n.º 1, do Código Penal.

O recorrente insurge-se contra a referida qualificação jurídica dos factos dados como provados e pugna pela respectiva absolvição com fundamento na falta de imputação de qualquer actuação omissiva que pudesse ser adequada a afastar o resultado típico, o qual resultou de um mero e lamentável infortúnio.

5.2. Relembremos os factos dados como provados e não provados – acima transcritos e reconfigurados – e vejamos, igualmente, o enquadramento jurídico dos mesmos levado a cabo na decisão recorrida (transcrição):
«(…)
Vem o arguido acusado da prática, em autoria material, um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 15º, 26º e 137º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.
Comete o crime previsto pelo n.º 1 do art.º 137.º do CP todo aquele que “(...) matar outra pessoa por negligência (...)”. Para o preenchimento do tipo exige-se, pois:
a) A verificação de um evento letal;
b) A imputação do facto ao lesante, a título de negligência;
c) A existência de um nexo causal entre a conduta negligente e o resultado morte.
Quanto à conduta do agente, terá esta que traduzir a violação de um dever de cuidado, isto é, terá que redundar na omissão da prudência exigível no caso.
Quanto à imputação do resultado morte ao agente, impõe-se um duplo nexo causal, ou seja, tem que haver um nexo de causalidade adequada entre o resultado que se verificou em concreto e a conduta do agente, por um lado e, por outro, tem que haver um nexo normativo entre aquele resultado e a violação do dever de cuidado que lhe era imposto no caso.
Daqui resulta poder haver nexo causal entre o comportamento do agente e o resultado concreto, mas, mesmo assim, este último não poder ser imputado àquele dado ter-se demonstrado que tal resultado se teria produzido independentemente da observância ou não do dever de cuidado imposto ao agente. É a chamada causalidade hipotética ou virtual. Como refere Teresa Beleza[3], o “resultado tem de ser não só imputável à pessoa, mas tem de derivar justamente da violação do dever de cuidado, que é outro elemento essencial do crime negligente”.
Tal como refere Jescheck[4], na negligência não basta que a acção contrária ao dever de cuidado constitua uma causa do resultado. Na verdade, o resultado só pode ser objectivamente imputado ao agente quando teve precisamente o seu pressuposto específico naquela infracção ao dever de cuidado.
Ao nível do tipo subjectivo é necessário que o agente actue com negligência.
Estatui o art.º 15.º do CP que haverá negligência quando o agente, prevendo ou não a possibilidade de realizar um facto que preenche um tipo de crime (negligência consciente ou inconsciente, respectivamente), actua sem observar o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz.
Quanto à previsibilidade do resultado típico, diz Eduardo Correia[5], “não ser esta uma previsibilidade absoluta - mas (...) determinada de acordo com as regras da experiência dos homens ou de certo tipo profissional de homem”.
A capacidade do agente para se conformar com os cuidados exigíveis no caso deve ser aferida, não com base no padrão do homem médio, normal, mas sim em função das específicas qualidades do agente em concreto. Refere, a este propósito, Figueiredo Dias que “Está aqui verdadeiramente em causa um critério subjectivo e concreto, ou individualizante, que deve partir do que seria razoavelmente de esperar de um homem com as qualidades e capacidades do agente”.[6]
A negligência é definida no proémio desta disposição, de modo unitário, prevendo o tipo de ilícito – a violação do cuidado a que o agente, segundo as circunstâncias, está obrigado portanto, a violação do cuidado objectivamente devido – e o tipo de culpa – a violação do cuidado que o agente, de acordo com os seus conhecimentos e capacidades pessoais, está em condições de observar (cfr. Figueiredo Dias Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 861).
Assim, o tipo de ilícito fica preenchido sempre que uma conduta diverge da que era objectivamente devida numa situação de perigo para a vida humana, por forma a evitar a violação deste bem que, por causa daquela divergência, vem a ser efectivamente lesado. Salienta, a propósito, o mesmo Mestre, “O tipo de ilícito do facto negligente não deixa assim, em caso algum, integrar-se completamente pela mera causação de um resultado (…). Para além disso torna-se indispensável que tenha ocorrido violação, por parte do agente, de um dever objectivo de cuidado que sobre ele impende e que conduziu à produção do resultado típico: e, consequentemente, que o resultado fosse previsível e evitável para o homem prudente, dotado das capacidades que detém o «homem médio» pertencente à categoria intelectual e social e ao círculo de vida do agente.” (ob. cit. pág. 864).
O tipo de culpa do homicídio por negligência fica preenchido quando aquele dever de cuidado objectivamente devido – previsível, evitável e inobservado – podia também ter sido cumprido pelo agente concreto, de acordo com as suas capacidades, inteligência, experiência de vida e posição social (cfr. ob. cit. pág. 864).
Elemento estruturante do tipo de ilícito negligente é a violação do dever objectivo de cuidado – desvalor de acção – a que acresce, nos crimes de resultado, a verificação do resultado típico – desvalor de resultado. A violação do dever objectivo de cuidado pressupõe a previsibilidade objectiva do perigo para o bem jurídico e, verificada esta, a inobservância pelo agente do cuidado objectivamente exigível, o cuidado que seria observado pelo homem consciente e cuidadoso e que, com razoável probabilidade, obstaria à produção do resultado.
Já no tipo de culpa negligente é censurada ao agente a atitude ético-pessoal de falta de cuidado face ao bem jurídico lesado ou colocado em perigo pela acção desvaliosa. São pressupostos deste juízo de censura, a previsibilidade subjectiva do resultado e a capacidade de o agente cumprir o dever objectivo de cuidado.  
Claus Roxin entende que «uma acção que não ultrapassa o risco permitido, que não incrementa o perigo de produção do resultado, em justiça, se é causadora de um resultado, tem se der julgada nesse prisma da mesma maneira que a conduta não proibida.» (Problemas Fundamentais de Direito Penal, Vega Universidade, pág. 258). Na formulação de Figueiredo Dias, só pode haver imputação objectiva quando o agente tenha criado ou incrementado um risco proibido para o bem tutelado pelo crime e esse risco se tenha concretizado no resultado típico isto é, feita a demonstração de que o resultado teria seguramente ocorrido ainda que a acção ilícita não tivesse sido realizada, deve ser negada a imputação objectiva, seja porque não foi possível comprovar a potenciação do risco já existente, seja porque não se pode dizer que o comportamento do agente criou um risco não permitido (cfr. ob. cit., pág. 338).
Em suma, para a teoria do incremento do risco, não há imputação do resultado à acção, quando, cumulativamente, se verificar um duplo factor: primeiro, que o agente tenha criado um risco não permitido ou tenha potenciado ou aumentado um risco já existente; e, depois, que esse risco tenha conduzido à produção do resultado concreto (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 331 e ss.).
Como é fácil de perceber, a dificuldade que aqui se suscita é a da efectiva comprovação do incremento do risco, na medida em que ela resultará da aplicação de regras de probabilidade pois nesta operação se torna necessário comparar o que aconteceu com a conduta negligente com o que teria acontecido caso a conduta tivesse sido diligente.
Aqui chegados.
Revertendo para a matéria de facto provada, temos, em síntese, que: No dia 09 de Fevereiro de 2018, cerca das 13h00m, DD dirigiu-se, acompanhado da sua filha, BB, à pastelaria ”EMP03...”, sita na Av.ª..., em .... Entraram na sala destinada aos clientes, que se situa ao nível do rés-do-chão, e sentaram-se a uma mesa, tendo sido atendidos e servidos.
Passado algum tempo, DD levantou-se para ir à casa de banho afecta aos clientes do dito estabelecimento. Pelo que, com esse propósito, DD, seguiu por um pequeno “hall” existente na parte lateral do balcão, que ligava a área de consumo a um outro “hall” que ligava à entrada para as casas de banho (que fica à esquerda) e onde se localizava, também, uma porta que dava acesso ao piso inferior do estabelecimento comercial (que fica à direita).
Já no “hall” de acesso à casa de banho e à porta de acesso ao piso inferior, DD, desconhecedor do local, ao invés de entrar no espaço de acesso às casas de banho (que se situa à sua esquerda), como pretendia fazer, de forma não concretamente apurada acabou por abrir a porta, que se situava do seu lado direito (e portanto em frente ao espaço de acesso às casas de banho), que não se encontrava trancada, e que dava acesso através de umas escadas ao piso inferior do estabelecimento comercial, área de acesso reservado a funcionários. Aberta a referida porta de acesso ao piso inferior, DD caiu pelas escadas abaixo, imobilizando-se no chão do piso inferior do estabelecimento comercial onde ficou prostrado, com o corpo ensanguentado e em posição de decúbito dorsal, com os pés voltados para o cimo da escada.
Aberta a porta de acesso ao piso inferior, de imediato se iniciam os degraus das escadas aí existentes, sem qualquer patamar prévio ou, na data mencionada em c), sem qualquer sinalética que indicasse a existência de degraus imediatamente a seguir à soleira. Aí, existe um corrimão do lado esquerdo (de quem desce as escadas) e que se inicia no terceiro degrau (a contar de cima para baixo). Os degraus não tinham barras antiderrapantes, embora os mesmos sejam em tijoleira antiderrapante (com relevo) e o espaço das escadas tinha iluminação.
O estabelecimento comercial “EMP03...” funcionava em 3 pisos: o rés-do-chão e o primeiro andar destinados aos clientes e o piso inferior, de acesso restrito a funcionários, composto por balneários, cozinha e armazém. No rés-do-chão do estabelecimento dispunha de casas de banho de uso exclusivo dos clientes, cujo acesso se realizava através de um “hall” existente entre as mesmas e a área de consumo. Nesse “hall”, existia uma abertura (sem porta), do lado esquerdo, que dava acesso as casas de banho e uma outra porta, do lado direito, em vidro fosco, que dava acesso à zona reservada que se situava no piso inferior. A aludida porta, do lado direito, não tinha qualquer indicação de que permitia o acesso a uma área reservada, abria para o lado das escadas, não tinha qualquer sistema de fecho (batente, trinco ou chave), bastando empurrar para abri-la, e não permitia, atento o material de que era feita, vidro fosco, percepcionar que a mesma dava acesso às escadas ali existentes. Tais escadas apresentam um declive de cerca de 45.º, e eram feitas em tijoleira antiderrapante (com relevo). Os degraus das referidas escadas não eram precedidos de qualquer patamar no topo, não tinham corrimão do lado direito, e não tinham barras antiderrapantes (embora os degraus sejam em tijoleira antiderrapante (com relevo)). Acresce que, quando a aludida porta de vidro se mostra fechada, permanece uma abertura entre a porta e o chão, de cerca de 10 cm.
No referido “hall”, não existia qualquer indicação das casas de banho, que informasse que o acesso às mesmas era feito através da abertura que se situava do lado esquerdo (lado oposto onde DD caiu). De igual modo, não existia qualquer informação na aludida porta do lado direito de vidro fosco que dava acesso ao piso inferior, que identificasse que o acesso ao interior da mesma era de carácter reservado/restrito aos funcionários e ou que ali existiam umas escadas. Ao invés, a inexistência de sinalização e a existência de uma porta de vidro facilmente induziam os utentes em erro.   
Como consequência directa e necessária desta queda DD sofreu as lesões traumáticas vertebro-medulares examinadas e descritas no relatório de autópsia médico-legal de fls. 70 a 72 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, nomeadamente: luxação completa da articulação atlanto-axial (C1-C2) com fractura tipo II da apófise odontoide do áxis, com infiltração hemorrágica dos topos fracturados e dos tecidos moles envolventes; fractura quase completa do corpo da sexta vértebra cervical (C6), com infiltração hemorrágica dos topos fracturados e dos tecidos moles; fractura quase completa do corpo da décima segunda vértebra dorsal (D12), com infiltração hemorrágica dos topos fracturados e dos tecidos moles envolventes; hemorragia extradural e subdural ao longo de todo o segmento cervical da coluna vertical, assim como esmagamento da medula espinal a nível do atlas e do áxis, lesões estas que foram causa directa e necessária da sua morte, que ocorreu, ainda no local, pelas 14h30m.
A vítima DD apesar, à data, contar com 92 anos de idade (pois nasceu no dia ../../1925) não sofria de qualquer problema de saúde que lhe afectasse a locomoção ou lhe causasse desequilíbrios apresentando grande autonomia.
Ao arguido, proprietário e gerente de outros três estabelecimentos comerciais do mesmo ramo de actividade, exigia-se, face a regras da experiência comum, uma conduta de maior zelo e de respeito pelas regras de segurança, de acesso e de exercício da actividade de restauração e bebidas. Sendo o estabelecimento comercial um local aberto ao público, ao arguido exigia-se que os locais de acesso às casas de banho estivessem devidamente sinalizados, em ordem a que não fosse possível a confusão com uma outra porta de acesso a uma área reservada.
Impunha-se-lhe ainda a obrigação de manter a porta de acesso ao piso inferior do estabelecimento devidamente trancada, de apor na mesma a sinalização da existência de escadas e do acesso reservado a funcionários. Bem como se exigia atentas as características das escadas, com inclinação acentuada, sem qualquer patamar, que fosse colocado igualmente sinalização de perigo de queda.
O arguido sabia que a porta de acesso ao piso inferior do aludido estabelecimento comercial se localizava no “hall” de acesso às casas de banho destinadas aos clientes, em local de livre acesso a qualquer cliente do estabelecimento. E como tal podia e devia ter-se assegurado que a dita porta estava devidamente trancada e com a devida informação - de acesso reservado a funcionários e da existência de uma escada - aposta na mesma. E que o acesso à casa de banho dos clientes se distinguia e estava identificado.
O arguido, contudo, não adoptou tais condutas como podia e devia. E o facto de o não fazer, originou a abertura da porta pelo DD, ainda que de forma não concretamente apurada, e a sua queda nas escadas e como consequência da mesma, a sua morte. O arguido não procedeu, assim, com o cuidado devido e que lhe era exigível e não previu, como podia e devia, em ordem a evitar tal resultado, que ao manter a referida porta de acesso ao piso inferior do aludido estabelecimento, destrancada e sem a devida informação (com acesso de carácter reservado aos funcionários e da existência de escadas) aposta na mesma, podia fazer com que quaisquer clientes indevidamente procedessem à sua abertura e caíssem pelas escadas, o que efectivamente veio a ocorrer com a queda e consequente morte de DD. Pelo que, a queda em referência e como consequência dela a morte de DD ficou a dever-se à conduta imprudente do arguido que não diligenciou por impedir o acesso de clientes a uma escada íngreme e assegurar a sinalização adequada, o que podia fazer com facilidade, caso tivesse agido com o cuidado e atenção que lhe eram exigidos.
Por outro lado, não vislumbramos em que medida, pelo facto de o estabelecimento comercial em questão possuir alvará de utilização, tal inviabilize a conclusão adiantada.
Em conclusão de tudo o que antecede, temos que, sendo objectivamente previsível a verificação do resultado e tendo o arguido mantido a referida porta de acesso ao piso inferior do aludido estabelecimento, destrancada e sem a devida informação (com acesso de carácter reservado aos funcionários e da existência de escadas) aposta na mesma, omitindo deveres de cuidado que lhe estavam impostos pelas mais elementares regras de acessos e exercício de actividade de restauração ou de bebidas, que lhe incumbia observar enquanto explorador, proprietário e gerente de estabelecimento comercial e de que era capaz, sem que tenha sequer previsto o resultado, está verificada a violação do dever objectivo de cuidado, com negligência inconsciente.
Estando, assim, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito previsto no n.º 1 do art.º 137.º do CP.
(…)”.  

5.3. Desde logo, antecipa-se que a decisão recorrida não merece censura na parte em que considerou verificados os elementos essenciais ao nível da ilicitude do tipo de crime de homicídio negligente: a previsibilidade do perigo, a violação do dever objectivo de cuidado e a produção do resultado típico.

Entre os referidos elementos, assume especial relevância o dever objectivo de cuidado, o qual, segundo a doutrina e jurisprudência dominantes, pode decorrer da lei, de regulamentos de polícia ou de empresa, das regras de experiência comum ou de princípios enunciados pela própria jurisprudência.

No caso dos autos, o resultado típico produziu-se no contexto da utilização de um espaço de estabelecimento comercial de pastelaria aberto ao público, pelo que será, assim, nos regulamentos aplicáveis que procuraremos, em primeira linha, determinar a medida do cuidado que era exigível ao agente no caso concreto.

Não foi alegada e provada a área concreta da superfície de acesso ao público do estabelecimento dos autos, nomeadamente se a mesma era superior a 150m2, pelo que se torna impossível a aplicação directa do regime jurídico especial aprovado pelo DL 163/2006, de 8 de Agosto, em matéria de acessibilidade aos edifícios e estabelecimentos que recebem público, via pública e edifícios habitacionais (art. 2.º, n.º 2, al. r)).

Não obstante, com relevância para o caso em análise, prescreve o art. 6.º, do DL 243/86, que “todos os locais de trabalho, zonas de passagem, instalações comuns e ainda os seus equipamentos devem estar conveniente e permanentemente conservados e higienizados”.

Por seu turno, o art. 10.º, n.º 1, da Portaria 987/93 – que regulamenta o DL 347/93 –, que “os pavimentos dos locais de trabalho devem ser fixos, estáveis, antiderrapantes, sem inclinações perigosas, saliências e cavidades”

Acresce que o art. 5.º, n.º 1, do DL 141/95 dispõe que “o empregador deve garantir a existência de sinalização de segurança e de saúde no trabalho adequada (…)”, sendo que, segundo o art. 6.º, al. d), do mesmo diploma legal, “têm carácter permanente (…) as placas e cores de segurança destinadas a indicar o risco de choque contra obstáculos e a queda de pessoas”.                       

Regulamentando este último diploma legal, o art. 4.º, n.º 1, da Portaria 1456-A/95, dispõe que “os meios e os dispositivos de sinalização devem ser regularmente limpos, conservados, verificados e, se necessário, reparados ou substituídos”, acrescentando o art. 9.º, n.º 1, da mesma portaria, que “a sinalização dos riscos (…) de queda de objectos e de pessoas no interior das zonas da empresa ou do estabelecimento a que o trabalhador tenha acesso no âmbito do seu trabalho, é feita com as cores amarela e negra alternadas, ou com as cores vermelha e branca alternadas.

Estas normas relativas à protecção dos trabalhadores no local de trabalho aproveitam necessariamente aos utentes que os frequentam. 

Para além destas normas regulamentares de direito positivo, emergem necessariamente regras de experiência comum em matéria de deveres genéricos de cuidados a observar em torno da segurança e da acessibilidade e circulação de pessoas em estabelecimentos que recebem público, as quais, aliás, não são contestadas pelos próprios recorrentes no recurso interposto, onde amiúde alegaram preocupações a respeito da aposição de sinalética e de uma corrente na porta de acesso às escadas fatídicas. 

Na verdade, é seguramente consensual que:
a) havendo escadas de acesso a um piso inferior do estabelecimento, as mesmas devem ter faixas antiderrapantes ou possuir degraus em material antiderrapante;
b) sendo as escadas íngremes (com uma inclinação de 45º), as mesmas devem possuir corrimão em toda a sua extensão;
c) a mera existência destas escadas em zona de livre acesso aos clientes do estabelecimento deve estar sinalizada com a advertência de existência de escadas e de risco de queda; 
d) se existir uma porta fechada no início destas escadas a vedar o respectivo acesso aos clientes do estabelecimento, essa porta deverá estar efectivamente trancada ou imobilizada com um dispositivo que impeça a sua abertura inadvertida pelos clientes do estabelecimento;
e) esta exigência será mais elevada quando a porta se abre no sentido das próprias escadas e o topo destas não tem patamar prévio;
f) e, finalmente, que esta exigência será igualmente mais elevada quando a porta se situa junto à porta de acesso à casa de banho do estabelecimento de uso pelo público e a localização desta também não está sinalizada.

Finalmente, ao nível da imputação subjectiva, o agente que actua negligentemente pode adoptar, numa classificação legal e doutrinária, uma de duas condutas:
a) o agente prevê efectivamente a probabilidade de lesão do bem jurídico mas, levianamente, auto-acalma-se, pensando que a lesão do bem jurídico não vai ocorrer (situação de negligência consciente);
b) ou o agente não chega sequer a representar a probabilidade de lesão do bem jurídico (situação de negligência inconsciente).

5.4. Passando agora ao enquadramento jurídico-penal da factualidade provada não temos quaisquer dúvidas em subsumir a conduta do arguido dada como  provada ao tipo objectivo do crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal, na medida em que se encontram concretamente preenchidos os acima referidos elementos típicos objectivos inerentes aos requisitos do tipo de ilícito negligente: a violação do dever objectivo de cuidado, a produção do resultado típico morte e a previsibilidade do perigo.

No caso concreto, ficou provado que o arguido, enquanto gerente do estabelecimento e da sociedade exploradora do estabelecimento comercial, violou manifestamente vários deveres objectivos de cuidado associados à existência das escadas (de acesso ao piso inferior do estabelecimento comercial dos autos) com a configuração perigosa dada como provada, pois: a) não trancou a porta de acesso às escadas; b) não sinalizou a existência das escadas e o perigo de queda; c) não sinalizou o acesso reservado a funcionários; d) e não sinalizou o acesso às casas de banho para prevenir e impedir a abertura da referida porta de acesso reservado  a funcionários. 

O nexo de causalidade entre as lesões mortais e a violação dos deveres de cuidado é inequívoco, pois ficou igualmente provado que a morte do cliente DD se ficou a dever à queda nas escadas, a qual, por seu turno, se ficou a dever à aludida falta de sinalética adequada e à aludida ausência de um dispositivo eficaz de encerramento da porta de acesso às escadas. 

Para além disso, no que respeita à previsibilidade do perigo, ficou também provado que era efectivamente de exigir ao arguido que tivesse previsto a possibilidade de ocorrer uma queda de um cliente pelas escadas abaixo nas condições dadas como provadas e que desta queda pudesse sobrevir a morte do mesmo ou uma ofensa grave da respectiva integridade física.

É também inequívoco que os deveres de cuidado violados pretendem justamente evitar a lesão de bens jurídicos pessoais como a vida e a integridade física dos clientes do estabelecimento.

Acresce que resulta da factualidade provada que o arguido actuou com negligência inconsciente, pois, não obstante a alegação de algumas preocupações pretéritas com a segurança do estabelecimento, a verdade é que ficou provado que deixou de representar a possibilidade da ocorrência das lesões descritas, sendo indiscutível, no caso concreto, a possibilidade do arguido ter continuado a prever o perigo resultante da sua actuação omissiva e de ter adoptado a conduta adequada a evitá-lo.

Finalmente, ficou igualmente provada a capacidade do agente proceder com o cuidado de que era capaz, pois teria sido concretamente possível ao arguido proceder com o cuidado a que estava obrigado mediante o encerramento eficaz da porta de acesso às escadas e a aposição da sinalética adequada.

Uma vez comprovada a tipicidade objectiva e subjectiva da conduta do arguido, está indiciada a ilicitude e a culpa, as quais só poderiam ser afastadas pela verificação de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, o que não acontece no caso presente.

Assim sendo, resultou provado que o arguido cometeu, pelo menos, um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal.

Dito isto, importa deixar algumas breves notas relativas ao argumentário principal dos recorrentes.

Diversamente do alegado pelos recorrentes, os factos provados revelam a imputação de uma actuação omissiva do arguido que foi adequada à produção do resultado típico e, consequentemente, a morte de DD não resultou de um mero infortúnio alheio àquela actuação.

Alegam, também, os recorrentes que “a mera utilização de umas escadas não consente que se preveja uma queda e menos ainda que a mesma possa causar a morte a quem quer que seja”.

Tal afirmação num tom tão peremptório corre o sério risco de ser desmentida pela realidade da vida, pois a mera existência de escadas com inclinação acentuada num estabelecimento comercial aberto ao público deve ser invariavelmente acompanhada de cautelas.

Esta perspectiva até poderá ter alguma pertinência em abstracto para quem suba ou desça umas escadas com a inteira consciência de estar a fazê-lo, mas é completamente inadequada no caso concreto.

Na verdade, o falecido DD pretendia simplesmente ir à casa de banho do estabelecimento e não suspeitava sequer da inusitada existência de umas escadas de acesso ao piso inferior imediatamente a seguir à porta de vidro fosco que veio a transpor inadvertidamente.

Se associarmos a esta equação o fosso existente no pavimento junto àquela porta e uma escada com 45º de inclinação e cerca de 4 metros de comprimento, passa a ser muito provável que se preveja uma queda e que a mesma possa causar a morte a quem quer que seja.     

5.5. Aqui chegados, importa concluir que o recurso improcede nesta parte.

6. Inexistência dos pressupostos da responsabilidade civil.
6.1. Na parte cível, a decisão recorrida condenou os demandados AA e “EMP01..., Unipessoal, Ld.ª”, no pagamento aos demandantes das seguintes quantias (transcrição):
“1. da quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, sendo que à quantia €1.950,00 deve ser descontado o subsidio de funeral recebido e pago pelo Instituto da Segurança Social, a titulo de danos patrimoniais (despesas de funeral);
2. da quantia de €40.000,00, para ressarcimento do dano da morte de DD, absolvendo do demais peticionado;
3. da quantia de €35.000,00, para o ressarcimento dos danos não patrimoniais da assistente e do demandante, sendo € 20.000,00, para a assistente BB e € 15.000,00, para o demandante CC, absolvendo do demais peticionado;
4. às quantias supra referidas acrescem juros de mora à taxa legal de 4% contados desde a data da presente sentença até integral pagamento.”

Os recorrente insurgem-se contra estas condenações com os seguintes fundamentos:
a) a absolvição criminal do arguido determina a eventual responsabilidade civil exclusiva da sociedade unipessoal “EMP01...”;
b) não há qualquer acto ilícito do arguido, nem da pessoa colectiva;
c) acresce que o arguido actuou apenas como representante legal da sociedade;
d) não há qualquer nexo de causalidade entre uma qualquer conduta do agente e o evento danoso morte;
e) a morte ficou a dever-se à acção involuntária e infeliz da vítima;
f) e a mera circunstância do arguido ser sócio-gerente da sociedade não transfere para esta a responsabilidade aquiliana daquele.

6.2. Relembremos os factos dados como provados e não provados – acima transcritos e reconfigurados – e vejamos, igualmente, o enquadramento jurídico dos mesmos levado a cabo na decisão recorrida (transcrição):
«(…)
Conforme acima se deixou já dito, a assistente BB e o demandante CC, filhos da vitima DD, deduziram pedido de indemnização civil contra o arguido e ainda contra a sociedade “EMP01..., Unipessoal, Ld.ª“, no qual, alegando terem sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais, com a actuação daqueles – que enunciam –, concluem peticionando a condenação, nas seguintes quantias:
A. Com a quantia de €1.950,00, a titulo de danos patrimoniais (despesas de funeral) sofridos, acrescido respectivos juros, à taxa legal em vigor, desde a data da notificação do pedido civil e até efectivo e integral pagamento;
B. Com a quantia de € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos pelo próprio DD antes do seu falecimento;
C. Com a quantia de € 50.000,00, a título de direito à vida do falecido DD;
D. Com a quantia de € 30.000,00 à assistente/demandante BB e de €20.000,00 ao demandante CC, filhos do falecido DD, a título de danos não patrimoniais pela perda e dor causados com o falecimento de seu pai;
E. Juro à taxa legal em vigor, sobre as quantias pedidas em B) a D), desde a data da sua fixação e até efectivo e integral pagamento.  – cfr. fls. 377 a 408.
Segundo o artigo 129º do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil, o que nos remete para os artigos 483º e seguintes do Código Civil, os quais regulam a responsabilidade extracontratual por factos ilícitos.
Impõe-se então determinar quais os pressupostos de que depende a constituição de alguém em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito. Vejamos então:
O princípio geral na matéria encontra-se previsto no artigo 483º, nº 1, do Código Civil: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.” Acrescenta o nº 2 do referido normativo que “Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.”.
Os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito são os seguintes: um facto voluntário do agente, que esse facto seja ilícito, que o agente actue com culpa, que ocorra algum dano e que haja um nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 9ª Edição, Almedina, página 544 e Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, Almedina, página 509).
O dano é a perda in natura que o lesado sofreu nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar. É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado. Paralelamente a este, existe o dano patrimonial, que é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado e que se mede através da diferença entre a situação real actual do lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria se não fosse o facto lesivo (cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Volume I, 9.ª Edição, Almedina, pagina 619).
Por isso é que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, sendo que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, podendo ainda atender-se aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (cfr. artigos 563º e 564º do Código Civil).
Os danos emergentes correspondem aos prejuízos sofridos, ou seja, à diminuição do património já existente do lesado; os lucros cessantes são os ganhos que se frustraram, os prejuízos que lhe advieram por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património (cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA – Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, página 579).
O princípio geral é o da reconstituição natural, ou seja, «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação» (cfr. artigo 562º do Código Civil).
Sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, prescreve o artigo 566º do Código Civil, que a indemnização é fixada em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (teoria da diferença) e, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
O legislador optou, pois, claramente pelo princípio da reconstituição natural, relegando a indemnização em dinheiro para aquelas situações em que a reconstituição natural não é possível, não repare integralmente o dano, ou seja, excessivamente onerosa para o devedor - artigo 566º, n.º 1, Código Civil.
A primazia é dada à reconstituição natural, operando o sucedâneo pecuniário apenas nas situações enunciadas.
A indemnização por danos não patrimoniais não visa propriamente ressarcir o lesado, no sentido de restituir a situação que existiria se o facto não tivesse ocorrido, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance os prejuízos sofridos, ou seja, uma soma em dinheiro que compense os sofrimentos causados pelo acto ilícito.
No que diz respeito aos danos não patrimoniais, o seu montante é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso – artigo 496º nº 3 e 494º do Código Civil.
Finalmente, nos termos do artigo 342º nº 1 do Código Civil, compete a quem invocar um direito, provar os factos constitutivos do direito alegado.
Pois bem, enunciados os vários pressupostos de que depende a constituição da obrigação de indemnizar no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, resta apreciar se os demandantes cumpriram o seu ónus.
Peticionam os demandantes BB e CC, a fixação de uma indemnização pelo dano da morte do falecido DD e, bem assim, uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos próprios pela perda do citado falecido, sendo que os demandantes são filhos.
Determina o artigo 496º, do Código Civil:
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3 - Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.
4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.”.
Tem-se entendido doutrinária e jurisprudencialmente, maxime, após o acórdão do STJ, tirado em reunião de secções para uniformização de jurisprudência, de 17-03-1971, in BMJ 205, 150, que em caso de morte, do artigo 496º, nºs 2 e 3, do Código Civil, resultam três danos não patrimoniais indemnizáveis:
- O dano pela perda do direito à vida;
- O dano sofrido pela vítima antes de morrer, variando este em função de factores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre a acção típica e ilícita e a morte, se a vítima estava consciente ou em coma, se teve dores ou não, e qual a sua intensidade, se teve ou não consciência de que ia morrer;
- O dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte.
· Dano morte – dano não patrimonial da perda do direito à vida:
O bem jurídico tutelado nas normas incriminadoras de homicídio é a vida humana inviolável, reflectindo o crime a tutela constitucional da vida, que proíbe a pena de morte e consagra a inviolabilidade da vida humana – artigo 24º da Constituição da República Portuguesa – estando-se face à mais forte tutela penal, sendo a vida e a sua inviolabilidade que conferem sentido ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito à liberdade que estruturam e densificam o Estado de direito.
Como se extrai da Constituição da República Portuguesa Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 2007, volume I, págs. 446/7, “O direito à vida é um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais, sendo material e valorativamente o bem mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto”.
O direito à vida é a conditio sine qua non para gozo de todos os outros direitos. Nos termos do artigo 2º, nº, 1, 1ª parte, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei, tratando-se essencialmente de um direito a não ser privado da vida, um direito a não ser morto.
A indemnização pela perda do direito à vida em sentido estrito, sem abranger a relativa ao sofrimento entre o facto danoso e a morte e a reportada ao dano afectivo dos chegados ao falecido, é desconhecida na Resolução n.º 75-7 do Conselho da Europa de 14-03-1975, relativa à reparação dos prejuízos em caso de lesões corporais e de morte; omite, no seu n.º 3, todo dedicado à “Reparação em caso de morte”, qualquer referência sequer a perda do direito à vida; vem sendo ignorada por decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e é omitida ou repudiada nos principais países da EU.
No caso português, vista a uniformidade da jurisprudência e tendo em conta o n.º 3 do artigo 8º do Código Civil, deve ser atendida. Assim se pronunciou o acórdão do STJ, de 15-03-2006, no processo n.º 656/06, da 3ª secção. Do mesmo relator, o acórdão de 22-04-2008, Revista n.º 742/08-2ª, em que se reafirma: “A indemnização pela perda do direito à vida, tendo em conta a orientação maciça da nossa jurisprudência e o disposto no artigo 8º, n.º 3 do Código Civil, deve ser concedida”. Seguindo esta posição, e citando o acórdão de 11-01-2007, Revista n.º 4433/06-2ª, ainda do mesmo relator, veja-se o acórdão de 13-12-2007, no processo n.º 2307/07, da 5ª secção.
A doutrina portuguesa, de forma majoritária, defende a reparabilidade autónoma do dano morte – veja-se neste sentido, Inocêncio Galvão Telles, in Direito das Sucessões – Noções Fundamentais, 3ª edição, pág. 86; Pereira Coelho, Direito das Sucessões, Coimbra, 1974, pág. 65; Nuno Espinosa Gomes da Silva, Direito das Sucessões, Lisboa, 1978, pág. 76; Diogo Leite de Campos, A indemnização do Dano Morte - Universidade de Coimbra - Boletim da Faculdade de Direito, vol. I, pág. 296; Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, volume I, 3.ª edição, págs. 294/5; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 3.ª edição, 1980, vol. I, págs. 503 a 509, “é incontestável que a perda do direito à vida por parte da vítima da lesão constitui, nos termos do n.º 2 do artigo 496º, um dano autónomo, susceptível de reparação pecuniária”; António Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, AAFDL, 1980, Reimpressão de 1986, volume II, págs. 289 a 294; Delfim Maya Lucena, Danos não patrimoniais, O Dano da Morte, Almedina, 1985, págs. 57 a 72, maxime, págs. 69/71.
Como refere Diogo Leite Campos, “A vida, a morte e a sua indemnização”, in BMJ 365, págs. 5 e segs. “… porque a morte absorve todos os outros prejuízos não patrimoniais, o montante da sua indemnização deve ser superior à soma dos montantes de todos os outros danos imagináveis” e especifica que “a indemnização do dano da morte deve ser fixada sistematicamente a um nível superior, pois a morte é um dano acrescido e isto tem de ser feito sentir economicamente ao culpado”.
· Dano próprio da vítima:
Em causa está o dano não patrimonial próprio sofrido pela vítima pela antevisão da sua respectiva morte, sofrido pela própria vítima entre o facto danoso e a morte, antes de falecer, com a percepção da iminência da morte, com a perturbação, susto, medo, sofrimento, até à morte, mesmo que de forma fugaz.
Os danos não patrimoniais próprios da vítima correspondem à dor que esta terá sofrido antes de falecer, e devem ser valorados tendo em atenção o grau de sofrimento daquela, a sua duração, o maior ou menor grau de consciência da vítima sobre o seu estado e a previsão da sua morte.
De acordo com o Acórdão de 31-01-2006, revista n.º 3769/05-1ª, provando-se que o filho dos autores desmaiou logo que ocorreu o acidente e que sobreviveu cerca de uma hora não há que considerar quaisquer danos não patrimoniais sofridos por este no período entre o acidente e a sua morte.
Segundo o acórdão de 07-11-2006, revista n.º 2873/06-6ª, o sofrimento moral da vítima ante a iminência da morte nos 30 minutos decorridos após o acidente é uma evidência – é, por si só, um facto notório, dispensado de alegação e prova, e que não pode deixar de ser valorizado em sede de indemnização por danos não patrimoniais.
· Dano não patrimonial próprio sofrido pelos demandantes
No caso de morte da vítima há um círculo restrito de pessoas a esta ligados por estreitos laços de convivência, dação mútua, entrega recíproca, afeição, carinho e ternura, a quem a lei concede reparação/compensação quando pessoalmente afectadas por isso nesses sentimentos.
Neste caso, os danos destas vítimas “indirectas” emergem da dor moral que a morte da vítima pessoalmente lhes causou, havendo lugar a indemnização em conjunto e jure próprio ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes, e na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representarem – artigo 496º nº 2, do Código Civil.
Está em causa um dano especial, próprio, que os familiares da vítima sentiram e sofreram com a morte do lesado, contemplando o sofrimento moral decorrente da morte, o desgosto provocado pela morte do ente querido.
No caso a compensação é devida pelo sofrimento da perda abrupta e irreparável daquele ente. A origem do dano do desgosto é o sofrimento causado pela supressão da vida, sendo de negar o direito à indemnização em relação a quem não tenha sofrido o dano (neste sentido o acórdão do STJ de 23-03-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 230).
Salvo raras e anómalas excepções, a perda do lesado é para os seus familiares mais próximos causa de sofrimento profundo, sendo facto notório o grave dano moral que a perda de uma vida humana traz aos seus familiares, às pessoas que lhe são mais chegadas.
Como se refere no acórdão do STJ de 26-06-1991, BMJ 408, 538, trata-se de um dano não patrimonial natural, cuja indemnização se destina a compensar desgostos e que por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos. É pacífico que um dos factores a ponderar na atribuição desta forma de compensação será sempre o grau de proximidade ou ligação entre a vítima e os titulares desta indemnização. Na sua determinação “há que considerar o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com esses seus familiares, se era fraco ou forte o sentimento que os unia, enfim, se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não. É que a indemnização por estes danos traduz o “preço” da angústia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofridas pelos familiares a quem a vítima faltou”.
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O n.º 2 do artigo 496.º do CC prevê que, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e de bens e aos filhos ou outros descendentes, e na falta destes, aos pais ou outros ascendentes e, por último, aos irmãos e sobrinhos que os representem.
Além dos critérios de fixação da indemnização anteriormente explanados, o n.º 3 preceitua que no caso de morte podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização resultantes do elenco do número anterior.
O direito à vida constituiu um direito de personalidade cuja violação ilícita deve dar lugar à obrigação de indemnizar.
Coloca-se a questão de saber quando nasce o direito à indemnização e em que património se radica, particularmente tendo presente a indicação das pessoas a quem cabe recebê-la.
Para Antunes Varela (In op. cit., pg. 605 a 611) a indemnização é a reparação de um dano de terceiro e como tal, apesar de poder existir um acto ilícito, enquanto aquele não se verificar não existe obrigação de indemnizar. Nesse contexto, e pela própria natureza das coisas, o dano resultante da lesão ou agressão mortal já não se verifica na esfera jurídica do seu titular.
Defende este Autor que o legislador poderia enveredar por dois caminhos: estabelecer que apenas deve impor-se uma indemnização que inclua os danos sofridos pela vítima, excluindo aqueles que fossem reflexamente sofridos por terceiros e integrar a indemnização correspondente à morte como um direito integrado na herança; considerar que a morte é um dano que atinge essencialmente o cônjuge e parentes mais próximos, fixando a titularidade e o montante tendo directamente em conta os danos patrimoniais e não patrimoniais que a morte reflexamente lhes causa.
Antunes Varela inclina-se para esta segunda solução invocando a evolução do texto legal durante os trabalhos preparatórios, devido à eliminação da disposição que consagrava a transmissão do direito à indemnização por danos não patrimoniais aos herdeiros, à ausência de distinção entre a indemnização por danos não patrimoniais que cabe aos familiares por danos sofridos pela vítima e por aqueles que são causados ao cônjuge e aos parentes.
Estas considerações levam-no a concluir que não se atribui qualquer direito de indemnização por via sucessória aos herdeiros da vítima como sucessores mortis causa pelos danos morais correspondentes à perda da vida e que no caso da morte toda a indemnização por danos morais, sejam sofridos pela vítima, sejam sofridos pelos familiares, cabe não a herdeiros por via sucessória, mas aos familiares escolhidos, por direito próprio.
Apesar deste entendimento, defende-se que nada impede, antes aconselha, que o Juiz fixe, como uma parcela autónoma, o valor que compensa a perda da vida da vítima, destacando-a dos outros danos sofridos pelos familiares, no que foi inicialmente acompanhado pela jurisprudência (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 15-12-94 in CJ Ano XIX, tomo 5, pg. 127).
Conforme é referido no Acórdão da Relação de Lisboa, de 26-03-2015, publicado em www.dgsi.pt. “É conhecida a querela doutrinal e jurisprudencial quanto à titularidade do direito indemnizatório pela perda do direito à vida, havendo quem entenda que o direito à indemnização se constitui no património da vítima/falecido, sendo depois encabeçado pelos respectivos herdeiros mediante transmissão por morte (sucessão hereditária). Porém, a jurisprudência dominante do STJ vem entendendo, em contrário, que a perda do direito à vida, já não podendo integrar-se no património da vítima, não constitui um dano cuja reparação se transmita aos respectivos herdeiros. Constitui, em vez disso e com o que se concorda, um dano gerador de direito indemnizatório que cabe, por direito próprio, aos familiares legalmente indicados, nos termos e segundo a ordem do disposto no n.º 2 do art.º 496.º do CCiv.”
Ainda neste sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 02-03-2016, publicado em www.dgsi.pt: “No caso de morte da vítima, toda a indemnização correspondente aos danos não patrimoniais, quer os sofridos pela vítima, quer os sofridos pelos familiares, cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas antes aos familiares por direito próprio, de acordo e pela ordem prevista no artigo 496º, n.º 2, do Código Civil.”
Finalmente, deve acrescentar-se que a compensação da perda do direito à vida deve ser atribuída conjuntamente e em partes iguais aos familiares que se encontram em posição de a exigir (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 15-12-94 in CJ Ano XIX, tomo 5, pg. 127).
Como referem Pires de Lima e A. Varela, no seu “CC Anotado” (vol. I, 2ª Ed., pag.s 434 e 435), «dos nºs 2 e 3 deste artigo e da sua história (vide Antunes Varela, Das obrigações em geral, 2ª ed. Vol. I, pag.s 492-494) resulta, por um lado, que no caso de a agressão ou lesão ser mortal, toda a indemnização correspondente aos danos morais (quer sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais próximos) cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio (iure próprio), nos termos e segundo a ordem do disposto no nº 2»; e, mais adiante: «Pode naturalmente suceder que a morte da vítima causa ainda danos não patrimoniais a outras pessoas, não contemplados na graduação que faz o nº 2, como pode acontecer que esses danos afectem as pessoas abrangidas na disposição legal por uma forma diferente da ordem de precedências que o legislador estabeleceu. Mas este é um dos aspectos em que as excelências da equidade tiveram de ser sacrificadas às incontestáveis vantagens do direito estrito
*
Atendendo aos considerandos jurídicos supra referidos:
Encontra-se fora de cogitação a circunstância de o proprietário ou explorador de um espaço comercial aberto ao público dever cumprir regras de segurança mínimas quanto às infra-estruturas que ali estão acessíveis, sejam escadas, elevadores, tapetes rolantes, etc…Conforme se refere no ac. RG, de 22.1.2003, Proc. 1036/02-2: “incumbe ao dono dum estabelecimento aberto ao público, com esta dimensão, assegurar o seu funcionamento sem perigo para os utentes. Faz parte do conteúdo das normas de segurança dos estabelecimentos abertos ao público, em que os utentes circulam livremente pelo seu interior a visitar os produtos expostos e comprá-los, se porventura estiverem interessados, como emerge da Portaria 22.970 de Outubro de 1967, do Decreto-lei 258/92 de 20 de Novembro, do Decreto-lei 445/91 de 20 de Novembro, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas aprovado pelo Decreto 38.382 de 7 de Agosto de 1951, alterado pelos Decretos-leis 43/82 de 8 de Fevereiro, 463/85 de 4 de Novembro, 61/93 de 3 de Março, 555/99 de 16 de Dezembro e 177/2001 de 4 de Junho, e outros diplomas que regulam as actividades específicas exercidas nas grandes superfícies, que definem as regras de construção, aprovação e licenciamento destes espaços comerciais. (…) Em face da situação acima relatada, perante um piso escorregadio, incumbia à Ré actuar de molde a evitar que o piso se mantivesse húmido, para o tornar não escorregadio. E, para isso bastava-lhe, de imediato, limpá-lo e secá-lo onde a humidade existisse e permanecesse. (…) E esse dever de limpar e secar o piso do estabelecimento faz parte das regras de higiene e segurança para um bom funcionamento do estabelecimento para os fins a que se destinava e exigível pelo alvará de licenciamento aprovado e conferido de acordo com a legislação já citada.”.
Essa mesma consideração foi reforçada no ac. STJ, de 22.5.2013, Proc. 3748/08.8TBVIS.C1.S1 em cujo sumário se lê: “As grandes superfícies comerciais demandam a obrigação de as manter permanentemente limpas e sem fonte de perigo de quedem quer para os que lá trabalham, quer para os transeuntes que as frequentam – art. 6.º do DL 243/86, de 20-08. Estes deveres de protecção das pessoas fazem parte do conteúdo das normas da actividade privada dos estabelecimentos abertos ao público, em que os utentes circulam livremente pelo seu interior, em visita ou à procura de produtos expostos.”. Continuando, no corpo do aresto, “Na configuração da questão que se coloca no recurso a responsabilidade civil pode emergir de uma de duas situações: 1) a segurada omitiu um dever de cuidado (subjectivo, na pessoa de um qualquer responsável) que lhe é imposto pela circunstância e ter o dever de que as pessoas que se servem do estabelecimento o façam sem terem que correr qualquer risco; 2) a segurada violou disposição legal imposta em lei ou regulamento que lhe comina a adopção de medidas normativas, para um determinado modo de exploração do estabelecimento, e destinadas a assegurar regras de segurança e higiene indispensáveis a uma correcta exploração de um estabelecimento que serve publicamente.”.
Deflui do exposto a violação pelo demandado AA de normas de segurança do espaço por si detido e gerido, uma vez que não curou de manter a referida porta de acesso ao piso inferior do aludido estabelecimento, trancada e com a devida informação (com acesso de carácter reservado aos funcionários e da existência de escadas) aposta na mesma, não tendo, além disso, tornado o espaço inacessível ou avisado os utentes da existência de risco de queda.
A ilicitude da atuação verifica-se, assim, despertando a previsão do art.º 483.º CC. Assim sendo, temos por certa a responsabilidade dos demandados pela indemnização dos prejuízos verificados.
Assim, importa apenas arbitrar as indemnizações de que é beneficiário, por direito próprio, os demandantes BB e CC, filhos do falecido DD, atendendo a que, atenta a factualidade provada, estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
Dito isto.
Conforme é referido no Acórdão do STJ, de 03-11-2016, publicado em www.dgsi.pt: A jurisprudência portuguesa foi, durante muito tempo, extremamente avara quando se tratava de determinar a indemnização correspondente a este tipo de dano, mas verificou-se, nesse campo, um salto qualitativo, com o progressivo aumento do montante indemnizatório pela perda do direito à vida. Isso mesmo se constata através do teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/2/2002, acessível em wwwdgsi.pt., onde se mencionam vários outros arestos do mais Alto Tribunal, fixando a indemnização pelo dano morte entre €40000,00/8.000.000$00 e €50 000,00/10.000.000$00.
Consolidou-se, assim, na jurisprudência do Supremo Tribunal de justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os €50 000,00 e €80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a €100.000,00 (cfr, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012, de 10 de Maio de 2012 (processo 451/06.7GTBRG.G1.S2), de 12 de Setembro de 2013 (processo 1/12.6TBTMR.C1.S1), de 24 de Setembro de 2013 (processo 294/07.0TBETZ.E2.S1), de 19 de Fevereiro de 2014 (processo 1229/10.9TAPDL.L1.S1), de 09 de Setembro de 2014 (processo 121/10.1TBPTL.G1.S1), de 11 de Fevereiro de 2015 (processo 6301/13.0TBMTS.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 185/13.6GCALQ.L1.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 1369/13.2JAPRT.P1S1), de 30 de Abril de 2015 (processo 1380/13.3T2AVR.C1.S1), de 18 de Junho de 2015 (processo 2567/09.9TBABF.E1.S1) e de 16 de Setembro de 2016 (processo 492/10.OTBB.P1.S1), todos acessíveis através de www.dgsi.pt.).
In casu, ficou provado que o falecido DD nasceu em ../../1925. Valorando nomeadamente estes elementos bem como todos os outros, a esta questão conexos, e também supra como provados, tendo em consideração a idade da vítima, à data do acidente, consideramos equitativa, adequada, equilibrada e necessária a indemnização de €40.000,00, para ressarcimento do dano da morte de DD.
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No que respeita aos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima, não ficou demonstrado qualquer período de tempo durante o qual, consciente, haja percebido a antevisão da morte e, por consequência, a sujeição a dores e sentimento de desespero, pelo que deverá ser improcedente o pedido nesta parte.
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Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes BB e CC, enquanto filhos, impõe-se considerar o seguinte: sendo o falecido o suporte e o sustento da filha, pois esta depois de se ter divorciado ficou desempregada e vivia com o pai, que pagava todas as despesas, alimentação, habitação, água, electricidade e outras despesas necessárias; o falecido era muito ligado aos filhos e netos, principalmente à filha com quem sempre residiu; e ao filho que, pelo menos todos os fins-de-semana, passava os Domingos com o pai; ambos os filhos passavam as épocas festivas com o pai; a morte inesperada de DD, causou aos demandantes um grande abalo emocional, sofreram um desgosto terrível, tanto mais que ocorreu em circunstâncias tão trágicas, repentinas e inesperadas; os demandantes nutriam pelo seu pai um grande carinho e afecto, que era recíproco da sua parte, existindo entre eles uma estreita relação de convivência; a filha/demandante sempre residiu com o pai, mesmo depois de casar continuou a residir e o mesmo se diga depois do divórcio no ano de 2013; a filha e demandante, que à data do acidente acompanhava o pai, quando foi alertada pela existência de uma pessoa caída no fundo das escadas, sofreu a angústia e aflição de que fosse o seu pai; e, ao ter-se deslocado ao local e deparado com o pai imóvel, caído no fundo das escadas, ficou profundamente chocada ao ver o seu pai caído no solo, imobilizado, sentindo que a sua vida estava em perigo.
Diante deste quadro e chamando-se à colação as considerações tecidas quanto aos critérios a atender para o ressarcimento dos danos não patrimoniais, reputamos como equilibrado fixar, a título de compensação pelos danos morais sofridos, as seguintes quantias:
- € 20.000,00, para a assistente BB;
- € 15.000,00, para o demandante CC.
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Quanto aos montantes indemnizatórios fixados a título de danos não patrimoniais, uma vez que foram de cálculo actualizado, nos termos do artigo 566º, nº 2, do Código Civil, aos mesmos acrescem apenas os juros de mora à taxa legal de 4% contados desde a data da presente sentença (cfr. artigo 805º nº 3 e 806º nº 1 do Código Civil) - Acórdão fixador de jurisprudência n.º 04/2002 (Diário da República, I.ª Série - A, de 27 de Junho de 2002.
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Quanto aos danos patrimoniais (despesas de funeral), considerando a factualidade demonstrada, à quantia de €1.950,00 deve ser descontado o subsidio de funeral recebido e pago pelo Instituto da Segurança Social, o qual deve ser apurado em sede de liquidação de sentença.
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Resulta da matéria de facto, que o demandado AA era, à data dos factos, o único sócio gerente da sociedade comercial “EMP01..., Unipessoal, Ld.ª“, exploradora de vários estabelecimentos de pastelaria, entre eles a pastelaria “EMP03...”, sita na Av.ª..., em .... Ao demandado AA competia tomar as decisões inerentes ao normal funcionamento da dita pastelaria “EMP03...”, designadamente ao nível da contratação de pessoal, do pagamento dos salários, da contratação e pagamento de fornecedores, da definição de orientações relativas ao modo de funcionamento do dito estabelecimento comercial, bem como ao nível da segurança dos clientes e dos funcionários.
Neste sentido, a sociedade demandada é solidariamente responsável pelo pagamento de tais quantias supra arbitradas.”
                                                          
6.3. Os recorrentes impugnaram a matéria civil no pressuposto de serem bem-sucedidos na impugnação ampla da matéria de facto e com isso lograrem a absolvição criminal do arguido AA.

Sucede que aquela pretensão recursória penal foi julgada improcedente e o arguido AA continua a ser responsável pela prática de um crime de homicídio simples.

Fica, assim, prejudicada a alegação de que a morte de DD ficou a dever-se a acção involuntária e infeliz da vítima, bem como a de que não há qualquer nexo de causalidade entre uma qualquer conduta ilícita culposa do agente e o evento danoso morte.

Acresce que o arguido é único responsável criminal pelo homicídio negligente de DD, pois a responsabilidade criminal das pessoas colectivas está legalmente afastada por referência a esta incriminação (art. 11.º, n.º 2, a contrario, do Código Penal).

A circunstância de o arguido ter actuado como representante legal da sociedade não afasta a sua responsabilidade individual e cumulativa no plano criminal e no plano civil, mais concretamente a título de responsabilidade por facto ilícito conforme consta da decisão recorrida.

Mais delicada é a questão da efectivação da responsabilidade civil da sociedade dos autos pelos danos imputados ao respectivo representante legal, pois a decisão recorrida não contém a fundamentação de direito nesta parte.

Contudo, tal nulidade de falta de fundamentação é sanável por esta Relação, o que se passará a fazer de imediato (artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do CPP).

Ora, a responsabilidade civil das pessoas colectivas por actos ilícitos praticados pelos seus representantes legais está sujeita ao regime da responsabilidade extracontratual baseada no risco, nos termos previstos nos artigos 165.º, 500.º, n.ºs 1 e 2, e 507.º, n.º 1, do Código Civil.  

As referidas disposições legais apresentam a seguinte redacção:

“Artigo 165.º
(Responsabilidade civil das pessoas colectivas)
As pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários.
                                                           (…)
Artigo 500.º
(Responsabilidade do comitente)
1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.
2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.
                                               (…)
Artigo 507.º
(Responsabilidade solidária)
1. Se a responsabilidade pelo risco recair sobre várias pessoas, todas respondem solidariamente pelos danos, mesmo que haja culpa de alguma ou algumas.”

A aplicação destas normas ao caso concreto não suscita quaisquer dúvidas.

O arguido (comissário) cometeu os factos danosos dados como provados no exercício das suas funções de gerente da demandada civil e está obrigada a indemnizá-los.

Por seu turno, a demandada civil (comitente) responde igualmente por estes danos a título de responsabilidade pelo risco.

Finalmente, a responsabilidade do arguido e da sociedade é solidária, isto não obstante haver culpa criminal do arguido.

6.4. Por conseguinte, improcede, pois, também esta última questão.
                                                                                              
III – DECISÃO
Em função do exposto, acordam os Juízes desta Relação em:

1) Rectificar o relatório da sentença recorrida nos termos acima determinados (II : B : 2.3);
2) Expurgar os factos dados como provados de juízos de valor nos termos acima determinados (II : B : 3.3);
3) Alterar o julgamento da matéria de facto provada e não provada nos termos acima referidos (Vide II : B : 4.2.7); e,
4) Em virtude da irrelevância destas alterações, julgam improcedente o recurso interposto pelo arguido e demandado civil AA e pela demandada civil “EMP01..., UNIPESSOAL, LDA.”.

Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça penal fixada individualmente em 5 UC (art. 513.º, do CPP, e art. 8.º do RCP e tabela III anexa).
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Guimarães, 18 de Dezembro de 2024
(Texto elaborado em computador pelo relator e integralmente revisto pelos signatários)

(Paulo Almeida Cunha - Relator)
(Paulo Correia Serafim)
(Florbela Sebastião e Silva)


[1] Com a introdução das fotografias nesta parte da sentença, pretende-se que a dinâmica do sucedido possa ser o mais visual possível. Tais fotografias foram obtidas em diversos dias e constam dos autos, sendo que todos os intervenientes das mesmas tomaram conhecimento.
As fotografias retractam o espaço em questão, mais concretamente o espaço percorrido pela vitima, desde a mesa até ao local onde acabou por cair. De referir que a sinaléctica de “WC” que se percebe na última fotografia não existia na data do sucedido e aqui em apreço nos autos.
[2] O que se pretende com esta fotografia é apenas perceber das caraterísticas da tijoleira (com relevo).
[3] Direito Penal, II vol., p. 575.
[4] Tratado de Derecho Penal, Parte General, 4ª edição, p. 530.
[5] Direito Criminal, I Vol., p. 426.
[6] “Pressupostos da Punição”, Jornadas de Direito Criminal, p. 71.