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ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
PRAZO
CLÁUSULA PENAL INDEMNIZATÓRIA
Sumário
I - O prazo de renovação do contrato de arrendamento para fins não habitacionais previsto no art. 1110º nº 3 do CC tem natureza meramente supletiva, permitindo a lei prazos de renovação inferiores a 5 anos, desde que haja convenção expressa nesse sentido, podendo as partes afastar tal regra ao abrigo do princípio da liberdade de estipulação contratual, entendimento que melhor respeita o elemento literal e o elemento sistemático do referido preceito legal, sem deixar de ter presente os objectivos que o legislador afirmou terem estado na base das alterações introduzidas pela Lei nº 13/2019. II - O argumento de que o objectivo prosseguido pelo legislador com as alterações introduzidas pela Lei nº 13/2019 foi o de “reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e proteger arrendatários em situação de especial fragilidade” não impõe a imperatividade do prazo da renovação, porquanto aquele objectivo é essencialmente assegurado com a regra, essa sim de natureza imperativa, prevista no nº 4 do art. 1110º do CC, que impõe que nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação, assegurando assim uma duração mínima de 5 anos para todos e quaisquer contratos de arrendamento para fins não habitacionais, mesmo para aqueles em que a duração inicial acordada fosse inferior. III - Permitindo a lei que os contratos de arrendamento possam ser celebrados pelo prazo mínimo de um ano, de acordo com o n.º 2 do artigo 1095.º do CC, e permitindo que por acordo das partes seja excluída a renovação automática do contrato, com o uso da expressão “salvo estipulação em contrário” no início do art. 1110º nº 3 do CC afigura-se-nos que o legislador não pretendeu impor um prazo mínimo de cinco anos para a renovação automática do mesmo contrato sem permitir às partes convencionarem prazo de renovação diferente, designadamente inferior. IV - A indemnização pré-fixada na cláusula penal acordada no contrato de arrendamento para o incumprimento da obrigação de entrega atempada do locado no término do contrato não pode ser cumulada com a indemnização legalmente decorrente do incumprimento dessa mesma obrigação prevista no art. 1045º nº 2 do CC, pelo que coexistindo ambas o locador só deverá ser indemnizado por recurso a uma delas.
1.AA, BB, CC, e DD, intentaram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A..., Lda formulando os seguintes pedidos:
a) Declarar válida, legal e eficaz a comunicação de oposição à renovação do Contrato de Arrendamento efetuada pelos AA. à Ré, com efeitos a 28 de Fevereiro de 2023;
b) Ordenar o despejo da R. do locado, condenando-a a restituir de imediato o referido imóvel desocupado e livre de pessoas e bens;
c) Condenar a R. no pagamento aos AA. da cláusula penal contratualmente estipulada no montante de € 36.000,00;
d) Condenar a R. a pagar aos AA. a título de indemnização pela mora na entrega do locado e pela ocupação ilícita a quantia mensal de € 4.158,98, desde o mês de Março de 2023 até efetiva e integral restituição do imóvel devoluto de pessoas e bens;
e) Condenar a R. a pagar aos AA. pela mora no pagamento das rendas relativas aos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro Novembro e Dezembro de 2022, bem como de Janeiro de 2023, correspondendo a 20% do valor de cada renda, no tal de €2.911,29.
Como fundamento das referidas pretensões alegaram em síntese que, em 1 de Março de 2012 foi celebrado contrato de arrendamento não habitacional entre as então senhorias EE e FF, respetivamente tia e mãe dos AA. e a Arrendatária, ora R., à data com a denominação A..., Unipessoal Lda, representada por GG, relativo ao prédio identificado nos autos, pelo prazo de oito anos com início no dia 1 de Março de 2012 e termo no dia 29 de Fevereiro de 2020, renovando-se automaticamente por períodos de três anos nas mesmas condições se não fosse denunciado por nenhuma das partes, conforme alínea a) da Cláusula Terceira do Contrato de Arrendamento, que a senhoria podia proceder à sua denúncia para o fim do seu prazo inicial ou renovado, mediante notificação judicial avulsa, requerida com um ano de antecedência sobre o fim do prazo ou da sua renovação.
Mais alegaram que por Notificação Judicial Avulsa cumprida no dia 14 de Janeiro de 2022, comunicaram à Ré a oposição à renovação do Contrato de Arrendamento em vigor, com efeitos à data de 28 de Fevereiro de 2023, não tendo a Ré entregue o locado afirmando que o contrato de arrendamento se renovou por 8 anos ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 1110º do Código Civil, o que os AA. sempre refutaram.
Pretendem os Autores com a presente ação que se declare válida a oposição à renovação do contrato de arrendamento com efeitos a 28.02.2023 e que a Ré pague a cláusula penal acordada para o incumprimento na entrega do locado findo o contrato, bem como o dobro do valor da renda até efectiva restituição do imóvel, assim como a importância de €2.911,29 a título de mora no pagamento das rendas relativas aos meses de Julho a Dezembro de 2022 e Janeiro de 2023.
2. A Ré deduziu contestação, impugnando os factos alegados pelos Autores, sustentando que notificada por “Notificação Judicial Avulsa” da oposição dos Senhorios à renovação do contrato de arrendamento para 28-02-2023, fez saber aos AA. que essa oposição não é lícita, pois nos termos da lei aplicável o contrato celebrado em 2012 pelo prazo de oito anos (até 2020), renovou-se por oito anos, não sendo admissível pretender cessa-lo a meio do seu prazo (para 2023), confirmando que não entregou o arrendado aos AA. em 28-02-2023 por entender que o contrato de arrendamento não cessou, mantendo-se em vigor, defendendo que a partir da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, o senhorio só pode opor-se à renovação se o contrato de arrendamento efectivamente referir a exclusão da renovação, o que não acontece no contrato de arrendamento em apreço, que prevê e admite expressamente a possibilidade de renovação na Cláusula Terceira do Contrato de Arrendamento.
Mais peticionou que se declare o abuso do direito de oposição à renovação do contrato de arrendamento, sustentando que o prédio encontrava-se em muito mau estado de conservação, só que essa circunstância não era visível e não tinha alvará para funcionar como estabelecimento de ensino- estava ilegal-tendo realizado inúmeras obras no valor aproximado de €90.000,00 e obtido o necessário alvará, convencida de que seria do interesse dos AA manter o arrendamento, visto o mesmo produzir uma renda atualizada e a R. ter o cuidado de conservar efetivamente o prédio, e se os proprietários quisessem vender o prédio – hipótese também colocada pelo A. AA, no passado – a R. estaria disposta a compra-lo, porém os AA. de forma abusiva exigiram pelo prédio um valor astronómico, especulativo, abusivo o qual no fundo, se prevalece do grande melhoramento introduzido no prédio pela própria Ré, concluindo que os senhorios exerceram o seu direito de vender de forma perfeitamente excessiva, num autêntico e claro abuso do seu direito, usando como meio de persuasão uma tentada oposição à renovação, e que fez as grandes obras que referiu porque tinha a convicção – fomentada pelos senhorios - do seu interesse em mais cedo ou mais tarde venderem o prédio, caso assim não ocorresse, estando o arrendamento com um valor de renda actualizado, julgou que seria do interesse dos proprietários manter o arrendamento.
Sustentou ainda que não têm os AA o direito de lhe exigir qualquer penalização pela mora de alguns dias no pagamento da renda, pois os danos que provocaram com a mora no cumprimento das suas próprias obrigações determinaram-lhe prejuízos superiores.
Por fim, alegou que os Autores nunca teriam o direito de reclamar a indemnização em duplicado, isto é, a resultante do art. 1045º do Código Civil (Indemnização pelo atraso na restituição da coisa) e a derivada da clausula penal de 36.000€ prevista no contrato, porque o fundamento invocado para as duas indemnizações é o mesmo: o alegado incumprimento da entrega atempada do locado, para além de não haver prejuízo e de o valor ser manifestamente excessivo e desproporcionado pelo que teria que ser reduzida pelo julgador.
3. Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, com fixação do objecto do litígio, factos assentes e temas de prova.
4. Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença em 4.04.2024, Ref Citius 458021787, com o seguinte dispositivo: “Julga-se parcialmente procedente a presente intentada pelos AA. AA, BB, CC, DD condenando-se a R. A..., LDA. no seguinte: a) Declara-se válida, legal e eficaz a comunicação de oposição à renovação do Contrato de Arrendamento efetuada pelos AA. à Ré, com efeitos a 28 de Fevereiro de 2023. b) Ordena-se o despejo da R. do locado, condenando-a a restituir de imediato o referido imóvel desocupado e livre de pessoas e bens. c) Condena-se a R. a pagar aos AA. a título de indemnização pela mora na entrega do locado e pela ocupação ilícita a quantia mensal de € 4.158,98 (quatro mil cento e cinquenta e oito euros e noventa e oito cêntimos), desde o mês de Março de 2023 até efetiva e integral restituição do imóvel devoluto de pessoas e bens. d) Condena-se a R. a pagar aos AA. pela mora no pagamento das rendas relativas aos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro Novembro e Dezembro de 2022, bem como de Janeiro de 2023, correspondendo a 20% do valor de cada renda, no tal de €2.911,29 (dois mil novecentos e onze euros e vinte e nove cêntimos). e) Condenar a R. em juros de mora cíveis sobre os aludidos montantes contados desde a citação até efectivo e integral pagamento f) Julgar improcedente o remanescente do pedido e dele absolver a R. Custas por AA. e R. na proporção do vencimento e decaimento, artº 527º, n~º 2, do CPC. Registe. Notifique.” 5. Inconformados, em parte, com a sentença os Autores interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes CONCLUSÕES A. Andou mal o Meritíssimo Juiz a quo ao dar como provados os factos 21), 24) a 34), último parágrafo do ponto 40), pontos 41), 42), 45), 46, 49) a 52) da sentença ora recorrida porquanto, da prova documental junta aos autos, testemunhal e por declarações de parte produzida em sede de audiência de julgamento não poderia ter considerado tais factos provados. B. No que diz respeito ao facto 21), não podia o Meritíssimo Juiz a quo dar como provado todo o teor da carta junta pela Recorrida na contestação como documento 1, porque os Recorrentes expressamente impugnaram a matéria da carta, cujo conteúdo também não resultou provado a final e porque tal carta é contrária à própria sentença que muito bem declarou a validade da oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado entre Recorrentes e Recorrida. C. Destarte, e porque o demais trata-se de matéria controvertida e da qual não resultou prova que suportasse o alegado pela Recorrida não poderia integrar os factos provados, o Meritíssimo Juiz a quo apenas poderia dar como provado em 21) que: - Os AA. recusaram o recebimento da renda reportada ao mês de Março de 2023, o que levou a R. a depositar a renda na Banco 1..., Agência ..., o que fez nos termos dos artigos 17º, 18º e 19º da Lei 6/2006 de 27-02 que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano, alterado pela Lei 31/2012 de 14 de Agosto, dando conhecimento formal aos AA através de carta datada de 11-03-2023, informando ainda que, nos termos do art. 20º da mesma Lei, que enquanto subsistisse a causa do depósito, continuariam a depositar as rendas posteriores, sem necessidade de nova oferta de pagamento, nem de comunicação dos depósitos sucessivos. D. Por sua vez, no facto 24) dos factos provados, o Meritíssimo Juiz a quo incorreu em erro na decisão da matéria de facto e erro de julgamento, isto porque, considerou provado que o prédio objeto de arrendamento não tinha, nem nunca teve alvará para funcionar como estabelecimento de ensino quando, ab initio, não foi condição para a celebração do contrato de arrendamento, nem consta do mesmo contrato que para o locado existia alvará, pelo contrário, ficou a Recorrida autorizada a suas expensas a adaptar o imóvel à atividade, o que foi provado pelo doc. 2 junto à p.i. e pelas declarações de parte da sócia-gerente da Recorrida. E. Acresce ainda que pela Portaria 262/2011 de 31 de Agosto, emitida pelo Ministério da Solidariedade e Segurança Social que revogou o Despacho Normativo 99/89 de 27 de Outubro emitido pelo Ministério do Emprego e Segurança Social, que determina as normas a que os espaços onde se instalem creches devem obedecer, competia à Recorrida, como cada um dos anteriores arrendatários tinha feito, enquanto titular da creche e exploradora da atividade cumprir a Lei e realizar as obras de adaptação necessárias de forma a obter a necessária licença de funcionamento (alvará). F. Para além disso, do mesmo documento, da prova testemunhal e das declarações de parte dos Recorrentes ficou provado que o prédio tem cerca de 100 anos, logo, sendo prévio a 1951 não carece de licença de utilização por anterior à entrada em vigor do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 38382, de 7 de Agosto de 1951. G. Também andou mal o Meritíssimo Juiz a quo ao considerar provados os factos 25) a 34), 40) (último parágrafo) e 42), todos relativos a alegados problemas que existiram desde o início do contrato o que teria obrigado a Recorrida a realizar obras de elevado montante, dando por provadas alegadas alterações no imóvel de que não foi feita prova ou foram mesmo contrariadas pelas testemunhas indicadas pela Recorrida, a maior parte com relação contratual ou familiar direta com a mesma e a sua gerência, que não depuseram de forma idónea, certamente para auxiliar aquela na sua defesa, exagerando manifestamente quanto ao alegado mau estado do imóvel, de tal modo, que se correspondesse à verdade (cheiro a esgoto logo à entrada do edifício, cozinha apodrecida, chuva a cair como no exterior), não é credível que existissem pais a deixar a suas crianças em tal lugar e estaria 4 anos sem fazer as obras. H. O Meritíssimo Juiz a quo deu como provado todo o alegado pela Recorrida quanto ao estado do imóvel quando aquela ali iniciou a atividade, ou seja, que o imóvel se encontrava em condições deploráveis, o telhado deixava entrar água, estava em péssimas condições de conservação, que a cave não tinha condições de habitabilidade, com buracos, cheiro insuportável a mofo, com acessos estreitos, escuros e tetos baixos, a cozinha velhíssima com armários de madeiras apodrecidas, com azulejos e chão estragados e encardidos, pátio exterior em cimento e com mato, caixilharia apodrecidas I. Sucede que a sócia-gerente da Recorrida, previamente à celebração do contrato de arrendamento e do contrato de trepasse com a anterior arrendatária (também um creche/infantário), visitou várias vezes o imóvel, sempre acompanhada, tendo tido oportunidade de analisar em pormenor todas as divisões e o estado em que se encontravam e, se o imóvel estivesse como pretende fazer crer, sem qualquer prova documental, ou não o teria arrendado ou aceitou-o no estado em que se encontrava, ou não é verdade o que alega. J. Como a Recorrida assume ter visitado o imóvel e conhecer o seu estado antes de outorgar o contrato de arrendamento e o aceitou no estado em que se encontrava, alegadamente com problemas notórios, então, há lugar à aplicação do disposto na alínea a) do artigo 1033º do CC, não existindo responsabilidade dos Recorrentes. K. Dispõe a alínea c) da Cláusula Terceira do contrato de arrendamento que após seis meses de duração efetiva do contrato e a todo o tempo, a Recorrida poderia denunciar o mesmo e, se de facto os alegados problemas do imóvel fossem reais, designadamente “… chuva que caía no interior…” logo no primeiro Inverno como alegado pela Recorrida e consta dos factos 26) e 27) da sentença ou o cheiro a mofo fosse intenso, os tetos baixos e sem ventilação, madeiras apodrecidas, entre muitos outros por si alegados, não se entende a razão para que a mesma não ter denunciado o contrato de arrendamento antes de ter gastos avultados que alega. L. O julgador está obrigado a avaliar os factos à luz de juízos de bom senso e critérios de razoabilidade, como um bonus pater famílias, pelo que não poderia ter dado como provados os factos 24) a 33), quando a Recorrida celebrou o contrato de arrendamento mesmo conhecendo o imóvel, mantendo-se naquele com ratos, cheiro a esgoto e mofo, água cair pelas escadas, durante 4 a 5 anos, ali mantendo bebés e crianças diariamente, recebendo pais, realizando atividades e, mesmo com todos os defeitos estruturais que lhe aponta, apresentou proposta de compra no valor de € 850.000,00 como admitido pela sócia gerente em declarações de parte. M. Quanto ao facto provado 40) da douta sentença, no qual o Meritíssimo Juiz a quo limita-se a transcrever o texto da Contestação que elenca as obras realizadas pela Recorrida, não podem os Recorrentes aceitar o teor do último parágrafo, que deve ser considerado como NÃO PROVADO, dado que as obras realizadas, de adaptação destinadas ao cumprimento das regras exigidas pela Segurança Social para emissão e manutenção do alvará em obediência à Portaria nº 262/2011, manutenção de pinturas e de estética, tiveram como único objetivo a adaptação do imóvel à atividade e obtenção do alvará, como aliás o Meritíssimo Juiz a quo bem refere no segundo parágrafo do referido ponto 40). N. Assim como Recorrentes não aceitam que as “obras” descritas naquele ponto 40) ultrapassaram os € 90.000,00 pois, da análise das faturas indicadas sob o nº 5 da Contestação juntas aos autos pelo Requerimento com a referência Citius 35615793, facilmente se verifica que respeitam a outras intervenções no interior do imóvel, materiais e equipamentos, concluindo-se que as quantias despendidas pela Recorrida foram aplicadas na totalidade em adaptações obrigatórias para a atividade a que se dedica e que não têm qualquer interesse para os Recorrentes, nem aumentaram o valor do prédio porquanto a venda do imóvel a terceiros terá sempre objeto diverso e muito menos foram efetuadas obras estruturais no imóvel. O. De facto, a quantia de € 90.000,00 incluiu outros gastos que não são obras, nem constituem reabilitação do imóvel, tais como: colocação de rampa para deficientes, instalação de aparelhos de ar condicionado, telefone e kit de vídeo, colocação de louças sanitárias para crianças, fornecimento e montagem de elevador para adaptação à escada, pinturas interiores, instalação de iluminação em conformidade com as normas e materiais exigidos, materiais de casa de banho, papel de parede, cofre-forte, projetor, luvas pretas, iluminação, avaliação acústica do edifício, sistema anti-incêndio, tudo bens do exclusivo interesse e benefício da Recorrida e que poderão ser retirados por esta aquando da desocupação do imóvel, se assim o pretender. (cfr. por exemplo documento nº 5 junto ao Requerimento com a referência Citius 35615793, páginas. 3, 4, 5, 19, 32, 40, 50, 56) P. No que respeita ao facto provado 41), os Recorrentes não aceitam que seja dado por provado a parte final onde consta “funcionalidades do prédio que lhe foi arrendado”, devendo esta parte ser retirada pois, o alvará é atribuído à sociedade que explora a atividade, pertencendo-lhe exclusivamente, devendo o imóvel que ocupa ser adaptado de acordo com as normas em vigor, o que é aplicável a todas as atividades que exijam alvará. Q. Relativamente ao facto 45) dos factos provados, não poderia o Meritíssimo Juiz a quo ter dado como provado que “… os rendimentos servem à justa para cobrir os gastos e a gerência não tem conseguido evitar que ocorra prejuízo todos os anos.” pois, como se pode aferir da IES junta à Contestação como doc. nº 7, no ano de 2021, a sociedade teve um resultado líquido do exercício de € 1.006,39, o que não é um prejuízo. R. No facto 46), o Meritíssimo Juiz a quo não podia ter dado como provado o teor da carta enviada pela Recorrida em Novembro de 2022, mas unicamente que a carta foi enviada e recebida pelos Recorrentes, uma vez que a alegada falta de obras foi sempre contestada conforme o comprovam os docs. 8, 9 e 10 da p.i., porque sempre foram efetuando as obras necessárias à manutenção do imóvel e que eram da sua responsabilidade. S. Os Recorrentes não aceitam como provados os factos elencados de 49) a 52) por não ter sido produzida prova dos alegados factos ali constantes, limitando-se o Meritíssimo Juiz a quo a, mais uma vez, dar por reproduzidos os factos da contestação, sem prova documental ou testemunhal que o suporte. T. No facto 49) nunca o Meritíssimo Juiz a quo poderia ter dado como provado que os Recorrentes apenas efetuaram obras superficiais quando, como se constata das faturas juntas como doc. 3 ao Requerimento dos ali AA. com a referência Citius 35821911, foram realizadas as obras necessárias para reparar os problemas reclamados pela Recorrida, tais como renovação de parte do pavimento, reparação de janelas e portas, claraboia. U. O Meritíssimo Juiz a quo deu por provado no facto 50) que “… a intervenção a nível da porta principal do prédio aparenta uma porta muito bonita, pintada de fresco, mas bastaram os primeiros dias quentes de abril a porta empena e não abre.”, no entanto, a beleza da porta pode ter sido aferida pelo documento (foto) junto aos autos pela Recorrente – vide doc. 2 junto ao requerimento da Recorrente com a referência Citius 35821911, contudo, não foi produzida prova documental ou testemunhal que comprovasse que com os primeiros dias quentes de Abril a porta empena e não abre. V. Também não resultou provado o facto 51) por qualquer testemunha, funcionária ou gerente da Recorrida, que fosse colocada “… uma funcionária todo o dia na porta, evitando fechá-la por recear não a conseguir reabrir.” W. Destarte, devem os factos 21), 24) a 34), último parágrafo do facto 40), factos 41), 42), 45), 46) e 49) a 51) ser considerados NÃO PROVADOS. Y. No facto 52), o Meritíssimo Juiz a quo fundamentou a sua decisão com base nas cartas juntas à p.i. sob docs. 11 e 14 mas, como o teor das referidas cartas foi sempre impugnado e não foi feita prova documental ou testemunha apenas poderia ter considerado como provado que: “As cartas datadas de 28-02-2023 e 11-03-2023, enviadas pela Recorrida após o término do contrato de arrendamento em 28-02-2023 operado por comunicação de oposição à renovação através de notificação judicial avulsa cumprida 14-01-2022, foram enviadas pela Recorrida e recebidas pela Recorrente.” X. Por outro lado, o Meritíssimo Juiz a quo, deveria ter dado como provados outros factos que resultaram provados do confronto entre as peças processuais, documentos, prova testemunhal e declarações de ambas as partes e que se revelam pertinentes para a boa decisão da causa. Z. Desde logo, o Meritíssimo Juiz a quo deveria ter dado como provado que “A R. não entregou o locado a 28 de Fevereiro de 2023.”, o que ficou provado por confissão das partes, atento o alegado pelos Recorrentes no artigo 11º da p.i. e confirmado pela Recorrida nos artigos 16º e 29º da Contestação. AA. Sem margem para dúvidas foi também o facto de os Recorrentes terem realizado obras no imóvel desde arranjos no telhado, na claraboia, nas madeiras, na frente do prédio, incluindo porta e azulejos, tendo suportado os respetivos custos, porque foi junta prova fotográfica e faturas sob os documentos nºs 2 e 3 no Requerimento junto aos autos sob a referência Citius 35821911, foi reconhecido na Contestação e foi realizada prova testemunhal em sede de audiência de julgamento, sendo certo que a Recorrida não contestou a sua realização mas tão somente alegou que tal não demonstraria que os Recorrentes “…teriam sido cuidadosos na realização de obras estruturais” AB. Devia assim o Meritíssimo Juiz a quo ter considerado como provado o seguinte facto: “Os AA. realizaram diversas obras no imóvel, nomeadamente substituição de metade do telhado, serviços de pintura, manutenção, limpezas de caleiras e telhado, substituição de telhas, colocação de silicones, arranjos pontuais, fornecimento e aplicação de soalho e vinil no berçário, reparação e esmaltagem da porta principal, rodapés, substituição dos painéis alveolares da claraboia e pintura da parede exterior (doc. 3 junto aos autos sob a referência Citius 35821911)” AC. Em suma, deve o facto 52) ser substituído pela redação indicada pelos Recorrentes, bem como devem ser aditados os dois novos factos que antecedem por forma a espelhar a verdade dos factos, tal como foram provados em sede de audiência de julgamento, por documentos e por confissão das partes. AD. Andou mal o Meritíssimo Juiz a quo ao absolver a Recorrida do pedido de pagamento da cláusula penal no valor de € 36.000,00 constante da cláusula quarta do contrato de arrendamento com fundamento na existência de alegado abuso de direito por partes dos senhorios, aqui Recorrentes, incorrendo assim em erros de avaliação da matéria e da prova efetivamente produzida. AE. Nunca haveria lugar abuso de direito por parte dos senhorios, ora Recorrentes, em primeiro lugar porque a sócia-gerente da Recorrida visitou várias vezes o imóvel, acompanhada, antes de celebrar o contrato de trespasse com a anterior inquilina e antes de outorgar o contrato de arrendamento em 01-03-2012, tendo oportunidade de analisar a fundo o estado total em que se encontrava o imóvel, o que aconteceu em pleno Inverno, isto é, Janeiro e Fevereiro e ainda assim plenamente conhecedora e consciente assinou o contrato de arrendamento com as então senhorias. AF. Se a sócia-gerente da Recorrida aceitou o imóvel nas condições em que se encontrava, estando em pleno uso naquele momento, não há lugar a qualquer quaisquer responsabilidades dos aqui Recorrentes, como prevê o artigo 1033º do Código Civil. AG. Em segundo lugar, no contrato de arrendamento celebrado entre as partes, foi convencionado que era um encargo da Recorrida as obras extraordinárias e benfeitorias que a Recorrida efetuasse, mesmo que autorizadas, não lhe conferiam direito de retenção ou indemnização e que qualquer material necessário para funcionamento de berçário, creche e jardim de infância, seria sempre a expensas daquela, ficando também responsável pelas obras de conservação do interior do imóvel. AH. E, nem aquando da assinatura do aditamento ao contrato em 01-03-2016, a Recorrida solicitou a alteração da referida cláusula penal, que se manteve inalterada e nunca foi questionada pelas partes, nem das cláusulas relativas a obras e conservação do imóvel, estando ambas as sócias gerentes conscientes dos efeitos de um eventual incumprimento do contrato e das responsabilidades por si assumidas, bem como do prazo inicial de duração do contrato e suas renovações. AI. Em terceiro lugar, tal como resultou provado, para poder exercer a atividade de creche e infantário, a Recorrida estava obrigada ao cumprimento das regras impostas pela Portaria nº 262/2011 de 31/08 e demais legislação conexa, de forma a conseguir obter o alvará para a sociedade A..., motivo pelo qual foi obrigada a realizar as obras de adaptação necessárias. AJ. Mais, ao abrigo da alínea c) da Cláusula Terceira, decorridos seis meses de duração efetiva do contrato, a Recorrida tinha a faculdade de o denunciar sem sequer ter necessidade de alegar qualquer causa justificativa ou resolvê-lo ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 1083º do Código Civil, no caso de incumprimento dos senhorios, tudo isto antes de despender qualquer quantia em obras o que, apesar de todo o alegado quanto ao estado do imóvel, nunca fez porque bem sabe que as obras foram efetuadas para seu exclusivo interesse pois, não se traduzem em qualquer beneficio para os Recorrentes que pretendem vender para construção de habitações e/ou escritórios. AK. Pelo contrário, a sócia-gerente GG, obrigada a avaliar os riscos e rentabilidade do negócio antes de celebrar qualquer contrato, ciente da obrigatoriedade de obter o alvará para o exercício da atividade e das exigências impostas pelas várias entidades, conhecedora das virtudes e dos alegados defeitos do imóvel e das obrigações assumidas pela sociedade perante os senhorios, decidiu mesmo assim realizar as obras que entendeu serem necessárias à prossecução da sua atividade. AL. A Recorrida, pese embora os imensos defeitos por si apontados ao imóvel, desde o primeiro momento manifestou interesse em adquiri-lo e mantém tal interesse até à presente data, tendo já em 2019 oferecido a quantia de € 850.000,00 em alternativa ao valor de € 900.000,00 pretendido pelos Recorrentes, valor este que se provou não ser especulativo e estar de acordo com o mercado, sendo o atual valor de avaliação de €1.000.000,00. AM. Aos Recorrentes não pode ser imputado qualquer abuso de direito considerando que a sua atuação não merece reparo pois, agiram sempre de forma transparente, desde logo informando da sua pretensão de vender o imóvel à morte da mãe e tia, cumpriram a palavra dada e deram preferência na aquisição à Recorrida e, mesmo prejudicados pelo decurso dos anos sem vender o imóvel por estar ocupado por aquela, mantêm o preço inicialmente indicado. AN. Inversamente, a Recorrida pretende imputar aos Recorrentes um alegado abuso de direito, quando bem sabe que contratual e legalmente as obras que realizou no imóvel são da sua responsabilidade e no exclusivo interesse do exercício da sua atividade, não se verificando in casu os pressupostos impostos pelo artigo 334º do Código Civil para a aplicação daquela figura jurídica aos Recorrentes que limitaram a exercer um direito que a Lei lhes confere. AO. “O abuso de direito abrange o exercício de qualquer direito por forma normal, quanto à intensidade ou à sua execução, de modo a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiros e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício de direito, por parte do seu titular, e as consequências que outros têm de suportar.” – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, 02.02.1982. AP. Resulta à saciedade que o Meritíssimo Juiz a quo em face de toda a prova efetivamente produzida e da avaliação da matéria sub judice jamais poderia concluir pela absolvição da Recorrida quanto ao pagamento da cláusula penal com fundamento na existência de abuso de direito por parte dos Recorrentes, uma vez que não se verificam os necessários pressupostos. AQ. “O princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz “o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas”, ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se “com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios”, sendo “antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem”.” – Acórdão do Tribunal de Coimbra datado de 16-03-2021. AR. Na subsunção dos factos ao Direito, o Meritíssimo Juiz a quo nunca poderia ter concluído pela existência de abuso de direito, desde logo, porque os factos que sustentam a sua conclusão não foram provados e, ainda que por mera hipótese tais factos tivessem sido efetivamente provados, a responsabilidade dos Recorrentes está excluída face atuação da Recorrida. Concluíram, pedindo que o presente recurso seja julgado procedente, devendo a sentença ser revogada apenas quanto à absolvição da Recorrida no pagamento da cláusula penal, substituindo-a por outra que a condene para além do mais, também no pagamento daquela cláusula. 6. Igualmente inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes CONCLUSÕES 1- O objeto do presente recurso é - a declaração da validade da oposição à renovação do contrato de arrendamento efetuada pelos AA. à R. com efeitos a 28-02-2023, - a ordem de despejo, - a condenação da R. na indemnização pela mora na entrega do locado e pela pretensa ocupação ilícita do mesmo, - a condenação da R. na indemnização a pagar aos AA. pela mora no pagamento de algumas rendas e a consequente condenação nos juros de mora. 2- No que respeita à matéria de facto dada como provada, entende a R. que foram omitidos dois factos inequivocamente provados, que são importantes para o julgamento da causa. 3- Deverá acrescentar-se um FACTO PROVADO com a numeração de 12-A com o seguinte teor: “A R. estava disponível para comprar por 800.000€”, pois é o que resulta do Doc. 1 junto à Contestação (cujo teor foi mencionado no Número 21 dos Factos provados), aceite pelos AA. no art. 3º do seu Requerimento referência 45708254 de 29-05-2023 e das Declarações de Parte da gerente da R., GG. 4- Ainda, em coerência com as conclusões alcançadas pelo Julgador, deverá aditar-se à Matéria de Facto como FACTO PROVADO Nº54 que “Em 2019/2020 o prédio valeria cerca de 900.000€”, pois é a conclusão referida pela própria sentença na fundamentação da Matéria de Facto a fls. 16 da Sentença, onde se diz “Sobre a questão do valor do imóvel, vejam-se os depoimentos das testemunhas HH, II, JJ, KK”, sendo o que emerge depois do resumo dos mesmos adiante referido. 5- No que respeita à questão da oposição à renovação exercida pelos AA. para fevereiro de 2023, o que está em discussão nestes autos é a interpretação do nº 3 do artigo 1110º do C.C. na redação da Lei 13/2019 que refere:“Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1096.º” 6- Esta redacção foi introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, em vigor desde 13-02-2019, e pretendeu, como se refere no seu PREÂMBULO e no seu artigo 1º, estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade. 7- O caso dos autos é paradigmático da intenção do legislador de 2019 que se mantém atual e que enquanto não mudar, terá que ser cumprida. 8- De facto, a matéria provada nos autos revela que - os AA. arrendaram um prédio construído no início do século XX e que funciona há dezenas de anos como estabelecimento de infantário e 1º ciclo e que foi arrendado como estando em bom estado de conservação mas que na realidade, tinha graves problemas estruturais não detetáveis aquando da celebração do contrato de arrendamento, -logo após 2012 a R. iniciou as diligências necessárias para dotar o prédio das condições mínimas para funcionar e para obter Alvará da Segurança Social, - os AA. autorizaram a realização de todas as obras necessárias por parte da R. - a R. gastou mais de 90.000€ na realização das obras descritas nos autos. 8- Os autos revelam a autêntica indiferença dos AA. perante o esforço empreendido pela R. na dotação do prédio com as condições mínimas para funcionar: assim que faleceu a última proprietária do prédio, os AA. comunicaram à R. que queriam vender por 900.000€. 9- E a R. dispôs-se a pagar 800.000€. 10- Considerando todos os factos provados nos autos e nomeadamente, o valor venal do prédio em 2019/2020, para o qual contribuíram as obras feitas pela própra R. e tornadas necessárias em virtude de problemas estruturais do prédio omitidos aquando da contratação do arrendamento, o preço oferecido pela R. foi absolutamente justo. 11- Mas foi recusado pelos AA. que aliás, na carta remetida à R. e junta como DOC. 5 da PI, advertiram logo com a cessação do contrato: “Deu já entrada em Tribunal um pedido de denúncia judicial do actual contrato de arrendamento na data do seu termo…” 12- A atitude dos AA. roça autenticamente o abuso de direito… mas se os contornos jurídicos desta figura não o pretendem afirmar de forma inequívoca, a sua análise serve pelo menos, para reforçar o entendimento da intervenção do legislador de 2019 na alteração do art. 1110º do CC. 13- A Lei 13/2019 veio precisamente, de forma pensada, acorrer à situação dos arrendatários que em virtude da completa liberalização da legislação do arrendamento e da vertiginosa especulação imobiliária de que foram acometidos os mercados imobiliários de Lisboa e Porto, se veriam sem apelo nem agravo no meio desse turbilhão. 14- O Nº 3 do art. 1110º deve assim, interpretar-se no sentido de se tratar de uma norma imperativa que impõe nos contratos de arrendamento não habitacional nos quais as partes não tenham estipulado a exclusão da renovação, a renovação automática por período de igual duração do prazo inicial, ou dizendo de outra forma, a partir da entrada em vigor desta lei, o senhorio só pode opor-se à renovação se o contrato de arrendamento efectivamente, referir a exclusão da renovação. 15- A interpretação da Recorrente é a que melhor se coaduna com as regras de boa interpretação plasmadas no art. 9º do C.Civil. 16- Em face do exposto, entende a Recorrente que o CONTRATO DE ARRENDAMENTO não terminou no dia 28-02-2023, pois anteriormente, em 01-03-2020 renovou-se por oito anos, mantendo-se a sociedade Ré como arrendatária. 17- A R. foi condenada a indemnizar os AA. pela mora no pagamento das rendas dos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro Novembro e Dezembro de 2022, bem como de Janeiro de 2023, no valor de 20% de cada renda, no total de €2.911,29. 18- Considerando o que ficou provado nos números 42 a 52 da douta sentença, designadamente que a mora da R. no pagamento de algumas das rendas foi devido ao enorme aperto no exercício da sua atividade, o qual resulta naturalmente do desequilíbrio financeiro em que incorreu pelo investimento feito no prédio e considerando que os AA. se encontram em mora na realização de obras estruturais que a eles cabem desde pelo menos abril de 2021, a exigência dos AA da R. lhes pagar um acréscimo de 20% em cada uma das rendas dos meses em que se atrasou (num atraso que não excedeu 12 dias) quando eles próprios se achavam em mora no cumprimento de obrigações cuja omissão, essa sim, causou constrangimentos à R. é um autêntico abuso de direito. 19 - Os fundamentos da recorribilidade do presente recurso assentam, na incorreçao do julgamento dos factos provados e na violação da lei substantiva por erro de interpretação da norma aplicável aos factos provados, designadamente, do art. 1110º, 227º e 334º do Código Civil. Concluiu pedindo que seja julgado procedente o presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e absolvendo-se a Ré dos pedidos formulados, com custas a cargo dos AA. 7. Ambos os recorrentes ofereceram contra-alegações, pugnando pela confirmação do julgado na parte da sentença que lhes foi favorável. 8. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
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As questões a decidir, em ambos os recursos, por ordem de precedência do seu conhecimento, são as seguintes: 1ª Questão- se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada; 2ª Questão-se o contrato de arrendamento se renovou em 1.03.2020 por mais 8 anos; 3ª Questão- se os Autores actuaram em abuso de direito; 4ª Questão- se a Ré deve ser condenada a pagar a cláusula penal pela não entrega do imóvel.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1) Os AA. são donos e legítimos proprietários do prédio urbano sito na Rua ..., ..., da ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...08 da União das Freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob a descrição nº ...82. (doc. 1).
2) Em 1 de Março de 2012, foi celebrado contrato de arrendamento não habitacional entre as então senhorias EE e FF, respetivamente tia e mãe dos AA. e a Arrendatária, ora R., à data com a denominação A..., Unipessoal Lda, representada por GG, relativo ao prédio sito na Rua ..., ..., da ..., concelho ... (doc. nº 2).
3) Em virtude de alterações no pacto social da sociedade arrendatária e falecimento da senhoria EE, foi celebrada Adenda em 01 de Março de 2016, passando a constar como arrendatária a sociedade A..., Lda, a qual passou a ser representada por GG e LL, conforme doc. nº 3.
4) O contrato foi celebrado pelo prazo de oito anos com início no dia 1 de Março de 2012 e termo no dia 29 de Fevereiro de 2020, renovando-se automaticamente por períodos de três anos nas mesmas condições se não for denunciado por nenhuma das partes, conforme alínea a) da Cláusula Terceira do Contrato de Arrendamento. (vide doc. nº 2).
5) Foi convencionada a renda mensal de €2.000,00 (dois mil euros), a ser paga no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito por meio de depósito ou transferência bancária, bem como o aumento da mesma de acordo com os coeficientes de atualização publicados anualmente para o regime de renda livre, conforme alíneas d) e e) da Cláusula Terceira do Contrato de Arrendamento. (vide doc. nº 2), pelo que a renda atual é de €2.070,49.
6) Condições e valor de renda que se mantiveram inalterados, com exceção dos aumentos legais, mesmo após a alteração ao pacto social, merecendo a concordância de ambas as partes.
7) Nos termos da alínea b) da cláusula Terceira do contrato de arrendamento “As primeiras contraentes poderão denunciar o presente contrato para o fim do seu prazo inicial ou renovado, mediante notificação judicial avulsa, requerida com um ano de antecedência sobre o fim do prazo ou da sua renovação.”
8) Por Notificação Judicial Avulsa cumprida no dia 14 de Janeiro de 2022, os AA. comunicaram à aqui R. a oposição à renovação do Contrato de Arrendamento em vigor, com efeitos à data de 28 de Fevereiro de 2023 – doc. nº4
9) Foi ainda a arrendatária aqui R. notificada por aquele meio que ficava obrigada à entrega do locado livre de pessoas e bens com todos os seus pertences, até ao dia 28 de Fevereiro de 2023.
10) Perante a falta de entrega do imóvel na data do termo, em Março de 2020 o 1º A., na qualidade de cabeça-de-casal, intentou ação declarativa sob a forma de processo comum que correu termos sob o nº 8948/20.0T8PRT do Juiz 7 do Juízo Central Cível do Porto, requerendo a validade e eficácia da comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento e que fosse ordenado o despejo.
11) Veio a R. então invocar a ilegitimidade do ali A. porquanto este não era o único proprietário pelo que seria parte ilegítima na ação, tendo o Tribunal entendido que lhes assistia razão, renovando-se assim o contrato de arrendamento por três anos conforme contratualmente estipulado na alínea a) da Cláusula Terceira do contrato.
12) Quando em 2018 os AA., na pessoa do 1º A., demonstraram vontade de venderem o imóvel a R. manifestou interesse na aquisição do locado e realizaram-se várias conversações entre as partes, bem como troca de correspondência com esse propósito, sendo o valor de venda pretendido de € 900.000,00 (novecentos mil euros), tendo sido enviada carta à R. no dia 02 de Janeiro de 2019, na qual referia ainda as condições do negócio a realizar, reiterando que o contrato terminaria na data do seu termo em 29-02-2020, conforme notificação judicial que já havia dado entrada em juízo, cfr. docs. nº 5 e 6.
13) Sempre foi transmitido à gerência da R. que os AA. tinham interessados na compra do imóvel, mas que em igualdade de circunstâncias lhe seria dada preferência na aquisição.
14) Ainda que a R. não tenha respondido à notificação judicial avulsa que recebeu e referida em 8), o facto é que em correspondência posterior a R. manteve a posição já assumida na carta enviada ao 1º A. em 10/02/2020 e em sede da ação judicial supra identificada afirmando que o contrato de arrendamento se renovou por 8 anos ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 1110º do Código Civil, o que os AA. sempre refutaram, cfr. docs. 8, 9, 10 e 11.
15) Os AA. não aceitaram a renda relativa ao mês de Março de 2023 que a R. pagou em 27 de Fevereiro porquanto entendem ter o contrato de arrendamento cessado os seus efeitos na data de 28 de Fevereiro de 2023, não é devida qualquer outra renda.
16) O que os AA. comunicaram à R. por carta datada de 20 de Fevereiro de 2023, tendo devolvido a renda à R., vide docs. nº 12 e 13.
17) Perante a devolução da renda pelos AA., a R. informou que depositou o valor da renda relativa ao mês de Março de 2023 na Banco 1..., vide doc. nº 14.
18) As partes estipularam uma cláusula penal no valor de €36.000,00 (trinta e seis mil euros) para o caso de incumprimento da 1ª R. na entrega atempada do locado na data do término do contrato, conforme consta da Clausula Quarta do Contrato de Arrendamento (vide doc. nº 2).
19) A R., no período compreendido entre Julho de 2022 e Janeiro de 2023 não pagaram as rendas no prazo legalmente imposto para o efeito, ou seja, até ao dia 8 de cada mês, porquanto as rendas respeitantes aos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2022 e Janeiro de 2023 foram recebidas respectivamente nos dias 20/06, 15/07, 19/08, 20/09, 13/10, 15/11 e 15/12.
20) Dado o aludido atraso os AA. solicitaram à R. o pagamento da quantia de €2.911,29, por carta datada de 08-03-2023 (vide doc. 12).
21) Como os AA. recusaram o recebimento da renda reportada a Março de 2023, a R. começou a depositar a renda na Banco 1..., Agência ..., nos termos constantes das cartas de 11-03-2023 remetidas aos AA, que junta como Doc. 1 na qual referiu:
(…)Em face da v/ recusa de recebimento da renda, informamos que procedemos ao depósito da RENDA no valor líquido da retenção do IRS, de 1582, 87€ (mil, quinhentos e oitenta e dois euros e oitenta e sete cêntimos), correspondente à RENDA do mês de MARÇO DE 2023 do prédio sito na Rua ..., ... – Porto, na Banco 1..., S.A. - balcão da Praça ... – Edifício ..., nos termos do DUPLICADO DO DEPÓSITO que anexamos (na proporção de 1/5).
Este DEPÓSITO foi efectuado nos termos dos artigos 17º, 18º e 19º da Lei 6/2006 de 27-02 que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano, alterado pela Lei 31/2012 de 14 de Agosto, do qual damos, por este meio, conhecimento formal.
Informamos ainda, nos termos do art. 20º da mesma Lei, que enquanto subsistir a causa do depósito, continuaremos a depositar as rendas posteriores, sem necessidade de nova oferta de pagamento, nem de comunicação dos depósitos sucessivos.
(…), cf. DOC. 2 (duplicado dos depósitos efetuados).
Nesta carta a R. referiu ainda, quanto à pretendida (e inválida) oposição à renovação por parte dos AA:
“A inquilina não é intransigente, a inquilina pretende apenas o respeito pela lei aplicável, nos termos que decorrem do art. 1110º, nº 3 do Codigo Civil, que prescreve a renovação do contrato. Compreende-se a tentativa do senhorio de “acusar”, vitimar-se, mas basta recordar alguns factos para se compreender de que lado está a intransigência:
- a inquilina não só cumpriu desde sempre com as suas obrigações, como zelou e beneficiou o prédio de forma excecional com obras de quase 100.000€,
- a inquilina sempre teve uma postura civilizada e colaborante, sendo disto exemplo o facto de que assim que V. Exas. demonstraram a vontade de VENDER O PRÉDIO arrendado, imediatamente nos dispusemos a analisar a situação, verificando qual seria o valor justo e se obteríamos financiamento.
Informamo-nos, falamos com quem está no mercado imobiliário, tanto na vertente de quem vende, como na vertente de quem investe e inclusive da própria Banca e com base nisto apresentamos uma proposta séria e realista mas o Senhorio não aceitou.
Tentamos ao máximo aumentar a nossa proposta e contra todos os conselhos que recebemos, aumentamos a nossa proposta até ao valor de 800.000€.
Os profissionais que havíamos consultado consideraram este valor absolutamente exagerado, especulativo, injusto mas nós decidimos apresenta-lo, contudo, o senhorio continuou a recusa-lo, exigindo um valor absurdo.
Estamos convictas que foram atitudes como a vossa que determinaram a alteração da lei do arrendamento com a publicação da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, em vigor desde 13-02-2019 que se destinou, entre outras coisas, a fazer face ao estado especulativo do mercado imobiliário principalmente, das cidades de Lisboa e Porto.”
22) O prédio arrendado funciona há dezenas de anos como estabelecimento de infantário e até, de 1º ciclo, Primeiro, com o nome de EXTERNATO B..., depois com o nome EXTERNATO C... e depois com o nome D... explorado pela sociedade E..., que foi precisamente a inquilina que precedeu a R..
23) A inquilina que precedeu a R. – a E... – esteve lá muito pouco tempo (pouco mais de um ano), pois não conseguiu manter uma atividade minimamente viável: só tinha 12 crianças e era impossível pagar a renda que havia sido estabelecida e os demais encargos, desde logo, de salários do pessoal.
24) O prédio não tinha (nunca teve) ALVARÁ para funcionar como estabelecimento de ensino.
25) Aparentemente, o prédio estava em bom estado pois tinha acabado de ser pintado, mas a verdade é que tinha os problemas estruturais que não podiam ser detetados aquando da celebração do contrato.
26) Assim, logo no primeiro inverno após a celebração do contrato de arrendamento, o prédio revelou os grandes problemas de que padecia, principalmente a nível do telhado, deixando entrar a água, que caía mesmo no interior, desde o piso superior até ao de baixo.
27) No tempo de chuva, chovia dentro do prédio, e para além de todos os problemas que as infiltrações determinavam (apodrecimento das madeiras, incluindo todas as caixilharias das janelas, a deterioração da pintura e demais revestimentos e a impossibilidade de MANTER as superfícies conservadas), havia o perigo de ter um local de acolhimento de crianças e de bebés de colo, com pisos e escadas escorregadios.
28) Assim que a situação foi detectada, a R. comunicou aos AA. a necessidade de repararem o telhado, passaram anos até que os AA. se decidissem a fazer essa obra, o que apenas sucedeu após terem caído os tectos de duas salas de acolhimento de crianças, facto ocorrido ao fim de semana.
29) Os AA. vieram a realizar essas obras de reparação do telhado em 2015 mas fizeram-no apenas em metade do telhado, na parte que estava pior, quando o mesmo exigia a substituição completa.
30) Ainda: aquando da celebração do contrato de arrendamento, a nível da cave, o prédio apresentava condições de autêntica inabitabilidade.
31) Para além de acessos estreitos, escuros e de tectos baixos, a cave tinha uma cozinha velhíssima com armários de madeiras apodrecidas, com um cheiro insuportável a mofo, de tal forma que as louças não podiam ser aí acomodadas, tinham que ser deixadas em cima dos balcões, caso contrário, ficavam com um cheiro tal que não se podiam utilizar.
32) O “refeitório” que existia na cave era um lugar imprestável, com tectos muito baixos, sem nenhuma ventilação, com os azulejos e o chão estragados e encardidos.
33) O pátio exterior era um local parcialmente de mato (ao abandono) e de cimento.
34) Perante este cenário e perante a situação de inexistência de ALVARÁ do prédio, a R. iniciou logo em 2012 todas as diligências necessárias para obter esse licenciamento junto da Segurança Social.
35) Acontece que esta entidade veio impor múltiplas exigências de adaptação do espaço: para além de ter exigido a realização de inúmeras obras de adaptação e reabilitação, exigiu ainda, o parecer positivo de várias entidades – Bombeiros, Proteção Civil, Delegada de Saúde e DGEST.
36) A R. solicitou expressamente aos AA. autorização para realizar todas as obras necessárias.
37) AA. e R. reuniram-se no arrendado no fim do ano de 2015 ou no início de 2016, tendo estado presentes os AA. AA e CC, as sócias e gerentes da R., GG e LL (esta última representada por MM) e o Arquiteto NN, o qual explicou detalhadamente todas as obras que se pretendiam realizar e que podem ser vistas de forma esquemática na PLANTA que se anexa como DOC. 3.
38) Os AA. deram a sua autorização à realização de todas as obras.
39) A R. solicitou aos AA. que tendo em conta o investimento que ia realizar, lhe fosse admitida uma carência de alguns meses no pagamento da renda mas os AA. recusaram.
40) Essas obras consistiram no seguinte:
- no piso 0, construíram-se áreas de recepção, gabinete de administração, núcleo administrativo, gabinete técnico, uma sala de creche destinada a crianças entre os 12 e os 24 meses, uma sala polivalente e instalações sanitárias adaptadas tanto às crianças como outras destinadas a adultos sendo uma, inclusivamente, prevista para pessoas de mobilidade condicionada, inclusive, com construção de rampa;
- na cave implementou-se uma nova cozinha, refeitório, vestiários do pessoal e respectivas instalações sanitárias bem como as demais áreas funcionais, tais como, zonas de armazenagem distinta e depósito e separação de roupa. Foi o piso mais intervencionado, para cumprir todo o dispositivo legal, onde se destaca a regularização e revestimento integral do piso com pavimento vinílico, a instalação de meios auxiliares de sistemas de renovação de ar forçado e a reformulação completa da cozinha de forma a garantir a adequação às normas vigentes e a redefinição das instalações sanitárias.
- no primeiro andar foram efectuadas as reparações necessárias,
- no segundo andar onde se encontra o berçário, construiu-se uma área vedada de preparação de papas e esterilização de biberões equipada com um ponto de água, uma área vedada de fraldário, uma sala parque e uma área para berços com 12 m2. As divisões destes espaços permitem a comunicação visual permanente.
- o logradouro foi em parte ajardinado, transformando-se o arrumo grande que aí existia numa sala servida de novas instalações sanitárias.
Tendo a R. gasto até ao momento mais de 90.000€ (noventa mil euros), vide fotografias do arrendado após a reabilitação e facturas das obras realizadas, sob DOCS. 4 e 5.
41) Na sequência das obras realizadas a R. obteve o ALVARÁ necessário à sua atividade e às funcionalidades do prédio que lhe foi arrendado – cf. DOC. 6.
42) O prédio tem mais de 50 anos e apesar das obras feitas pela R, exige mais ainda: neste momento, a substituição da porta exterior (a madeira está podre e nos dias de maior calor não abre), a caixilharia exterior das janelas, a outra metade do telhado (pois deixa entrar água!), as caleiras das traseiras estão podres…e a fachada exige uma reabilitação completa pois os azulejos (antigos) estão a cair aos poucos, fruto das infiltrações e da sua antiguidade.
43) A actividade de creche e jardim de infância é de uma maneira geral, uma actividade muito pouco lucrativa, cobrando o mínimo possível (atualmente, com a enorme inflação que se verifica, o valor cobrado é de 333€ por cada criança mais 48€ de alimentação).
44) A Ré tem cerca de 70 crianças inscritas e emprega quinze pessoas.
45) Os salários praticados pela R. são baixos, tanto os das auxiliares, como os das educadoras, como os da própria gerência e a actividade é desenvolvida com enorme rigor e aperto e ainda assim, os rendimentos servem à justa para cobrir os gastos e a gerência não tem conseguido evitar que ocorra prejuízo todos os anos – cf. Informação parcial da última IES (informação Empresarial Simplificada) apresentada, sob DOC. 7.
46) A A. em Novembro de 2022 comunicou aos AA. que em face da mora dos Senhorios, iria substituir-se a eles, realizando as obras necessárias, relativas:
- a deterioração do telhado (na parte não intervencionada pelos AA no passado) que é responsável pelas infiltrações que determinam que o espaço esteja sempre a sofrer humidades;
- a porta da frente que mal o tempo aquece, deixa de abrir,
- a fachada com a queda persistente dos azulejos, vide doc. 8.
47) Posteriormente ainda, a R. comunicou aos AA. a situação que se verificava na sala dos bebés em que por detrás dos rodapés apodrecidos eram visíveis larvas– o que exigiu que a R. mandasse proceder a uma desinfestação – – cf. DOC. 9 e 9-1, 10.
48) Perante aquela carta, os AA. tiveram a atitude de ir ver e anunciar que iriam reparar.
49) Os AA., para além do telhado, apenas fizeram intervenções superficiais que nada resolveram, cf. Docs. 8, 9, 10 e 12 da P.:.
50) Por exemplo, a intervenção a nível da porta principal do prédio aparenta uma porta muito bonita, pintada de fresco, mas bastaram os primeiros dias quentes de abril e a porta empena e não abre.
51) Para evitar o constrangimento desta situação ocorrer com a entrada ou saída dos utentes, nesses dias a R. tem que colocar uma funcionária todo o dia na porta, evitando fechá-la por recear não a conseguir reabrir.
52) Tudo isto foi dito pela R na correspondência junta à PI como DOCS. 11 e 14 da PI., designadamente na carta de 11-03-2023 onde referiu:
Entendemos que não vos assiste o direito de exigir o pagamento da multa que referem, uma vez que o incumprimento do Senhorio na realização das obras solicitadas desde abril de 2021 a setembro de 2022 (tal como referido e explicado por último na nossa carta de 28-11-2022), provocou danos na gestão do estabelecimento derivadas das constantes infiltrações e, no verão, da não abertura da porta de entrada no infantário.
Tudo isto determinou a necessidade de mobilização do pessoal auxiliar para tarefas de portaria e constante limpeza de humidades na tentativa de evitar outros danos tanto no prédio como nos utentes.
Se quiserem manter a vossa exigência do pagamento da multa, então exercemos igualmente o nosso direito ao ressarcimento dos prejuízos sofridos em virtude do v/ incumprimento.
53) Actualmente o valor do prédio é de €1.000.000,00 caso seja para um fim diferente de infantário. O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
a) Na sequência das diversas oportunidades e reuniões realizadas, as partes lograram alcançar acordo para a venda do arrendado pelo valor de €900.000,00, ficando apenas a R. dependente da aprovação do empréstimo bancário para aquisição do imóvel.
b) O justo valor de mercado do prédio fosse de €630.000,00, mesmo no máximo dos máximos e no pico da especulação do mercado imobiliário do Porto.
c) O preço de venda no valor de 900.000€ constituísse mais 50% do valor justo e adequado ao valor do mercado.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[1]
São as conclusões das alegações de recurso que estabelecem os limites do objecto da apelação e, consequentemente, do poder de cognição do Tribunal de 2ª instância, de modo que na impugnação da decisão sobre a matéria de facto devem constar das conclusões de recurso necessariamente os concretos pontos de facto impugnados, pese embora a decisão alternativa que o recorrente propõe para cada um dos factos impugnados (AUJ nº 12/2023 de 14.11), bem como a análise pormenorizada dos concretos meios probatórios possa constar apenas do corpo das alegações ou motivação propriamente dita, tal como as concretas passagens das gravações ou transcrições dos depoimentos de que o recorrente se socorra.
Ambas as partes recorreram da sentença proferida em 1ª Instância e em ambos os recursos foi impugnada a decisão sobre a matéria de facto.
Vejamos cada um desses recursos: i. Os Apelantes/AA não concordaram com o segmento da decisão que absolveu a Ré do pagamento da cláusula penal e tendo presente a revogação desse segmento impugnaram os pontos 21, 24 a 34, último parágrafo do ponto 40, pontos 41, 42, 45, 46, 49 a 52 dos factos provados (Conclusões A a Y) pretendendo que os mesmos sejam dados como não provados, assim como pugnaram pelo aditamento de dois outros pontos aos factos provados, com a seguinte redação:
- “ a R. não entregou o locado a 28 de Fevereiro de 2023”;
-“Os AA realizaram diversas obras no imóvel, nomeadamente substituição de metade do telhado, serviços de pintura, manutenção, limpezas de caleiras e telhado, substituição de telhas, colocação de silicones, arranjos pontuais, fornecimento e aplicação de soalho e vinil no berçário, reparação e esmaltagem da porta principal, rodapés, substituição dos painéis alveolares da claraboia e pintura da parede exterior (doc. 3 junto aos autos sob a referência Citius 35821911).”
Não obstante, a impugnação da decisão de facto não constitui um fim em si mesmo, antes se mostra admitida enquanto meio ou instrumento que visa permitir à parte que impugna a decisão de facto a revogação/alteração da decisão final, ou seja, como meio que visa a demonstração de um determinado direito que a sentença não concedeu.
Por conseguinte, a impugnação da decisão de facto é de rejeitar quando, em razão das circunstâncias específicas do caso submetido a julgamento, em razão das regras do ónus da prova ou do regime jurídico aplicável, a eventual alteração da decisão de facto não assume relevo para a decisão a proferir, pois que, em tal circunstancialismo, a respectiva actividade jurisdicional revelar-se-ia como inconsequente ou inútil. [2]
Antecipamos que assim sucede no presente caso, porquanto apesar de o tribunal a quo ter absolvida a Ré do pedido de condenação no pagamento da cláusula penal acordada no contrato para o atraso na entrega do locado, por recurso ao abuso de direito e lançando mão dos aludidos pontos de facto impugnados, certo é que independentemente da pretendida alteração para passarem para os factos não provados a decisão de absolvição será de manter, embora com fundamento distinto do defendido pelo tribunal a quo, por se entender que tendo os Apelantes/AA obtido provimento na pretensão da condenação da Apelada/Ré na indemnização prevista no art. 1045º nº 2 do CC não lhe deverá ser atribuída cumulativamente a importância da mencionada cláusula penal sob pena de se lhe estar a conceder uma duplicação de compensação pelo mesmo comportamento infractor da Apelada/Ré- não entrega do locado findo o contrato- como melhor abordaremos em sede de apreciação dessa questão de mérito.
Salienta-se que, ainda que assim não fosse, também os próprios Apelantes/AA que acabam por admitir a desnecessidade de apreciação dos referidos pontos impugnados, ao referirem que nunca haveria lugar ao abuso de direito da sua parte pelas razões jurídicas apontadas nas Conclusões AE a NA.
Não obstante, como abordaremos em sede própria, ainda que afastada fosse a actuação em abuso de direito por parte dos Apelantes/AA, a nosso ver não lhes será de conceder a clausula penal acordada no contrato e por isso mesmo a reapreciação da referida matéria de facto consubstanciaria um acto perfeitamente inútil, porquanto ainda que tal impugnação viesse a ser declarada procedente nos moldes propugnados pelos Apelantes, a decisão final de absolvição da Apelada/Ré quanto a essa pretensão será de manter como oportunamente se verá. ii. A Apelante/Ré pretende sob as Conclusões 2 a 4 que sejam acrescentados dois novos factos à matéria de facto dada como provada, alegando serem os mesmos importantes para o julgamento da causa:
- “ A R estava disponível para comprar por 800.000€”;
-“Em 2019/2020 o prédio valeria cerca de 900.000€”
Para a pretendida alteração da decisão da matéria de facto a Apelante/Ré invocou como meios de prova declarações de parte da gerente GG, bem como os depoimentos das testemunhas HH, II, JJ e KK, no entanto não observou o ónus estabelecido no art. 640º nº 2 al. a) do CPC, não tendo indicado as passagens da gravação em que se funda tal impugnação, ainda que tais depoimentos tenham sido gravados, nem apresentou qualquer transcrição dos mesmos, quer nas conclusões, quer mesmo no corpo das alegações de recurso.
Ora segundo o referido preceito legal, “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte,indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Deste modo, a impugnação da decisão da matéria de facto apresentada pela Apelante/Ré é de rejeitar e dela não conheceremos (neste mesmo sentido já se decidiu no Ac RP de 19.11.2024, Proc. Nº 2664/23.8T8VFR.P1, também subscrito pela ora relatora, consultável em www.dgsi.pt). Renovação do contrato de arrendamento por mais 8 anos
A questão da ineficácia da comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento que lhe fora enviada pelos Apelados/AA- senhorios- foi suscitada pela Apelante/Ré como sendo uma questão de interpretação do regime consagrado no art. 1110º nº 3 do CC com a redação introduzida pela Lei nº 13/2019 de 12.02, trazendo à liça a divergência quer doutrinal, quer jurisprudencial, sobre a questão da natureza supletiva ou imperativa do regime estabelecido no mencionado preceito legal quanto ao prazo de renovação do contrato de arrendamento, defendendo a Apelante que o prazo de renovação ali mencionado tem natureza imperativa e que os Apelados não o respeitaram.
Nessa querela o tribunal a quo acolheu a posição que sustenta que o prazo estabelecido para a renovação do contrato de arrendamento mencionado no referido preceito legal tem mera natureza supletiva, posição que adiantamos merece também o nosso acolhimento.
Está demonstrado nos autos que entre as partes foi celebrado um contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais, tendo ficado estipulado expressamente o prazo de 8 anos para a duração do mesmo, constando da cláusula 3ª que tal prazo teve início em 1 de Março de 2012 e termo no dia 29 de Fevereiro de 2020, renovando-se automaticamente por períodos de três anos nas mesmas condições se não fosse denunciado por nenhuma das partes (ponto 4 dos factos provados).
Ficou igualmente demonstrado nos autos que por notificação judicial avulsa cumprida no dia 14.01.2022 os senhorios/AA comunicaram à aqui Apelante/Ré a oposição à renovação do contrato de arrendamento em vigor, com efeitos à data de 28 de Fevereiro de 2023.
Isto é, os senhorios/AA comunicaram à arrendatária/Ré que decorrido o prazo inicial de duração do contrato- 8 anos- mais a primeira renovação contratualmente acordada- 3 anos-consideravam extinto o contrato, extinção essa decorrente da oposição a nova renovação.
Defende a Apelante/Ré que “o nº 3 do art. 1110º deve assim, interpretar-se no sentido de se tratar de uma norma imperativa que impõe nos contratos de arrendamento não habitacional, nos quais as partes não tenham estipulado a exclusão da renovação, a renovação automática por período de igual duração do prazo inicial, ou dizendo de outra forma, a partir da entrada em vigor desta lei (referindo-se à Lei nº 13/2019) o senhorio só pode opor-se à renovação se o contrato de arrendamento efectivamente referir a exclusão da renovação”(Conclusão 14).
Deste modo, conclui a Apelante/Ré que em face do exposto, entende que o contrato de arrendamento não terminou no dia 28-02-2023, pois anteriormente, em 01-03-2020 renovou-se por oito anos, mantendo-se como arrendatária (Conclusão 16).
Contrariamente ao que parece defender a Apelante, o art. 1110º nº 3 do CC mesmo na interpretação que dele faz não concede ao arrendatário o direito a permanecer ad eternum no imóvel locado para fins não habitacionais só porque do contrato não consta a exclusão da renovação, quando muito permitirá defender que não sendo comunicada de forma válida a oposição à renovação do contrato por parte do senhorio, o contrato se renovará por igual período pois que a sua duração inicial não é inferior ao prazo de 5 anos previsto no referido preceito legal.
O que verdadeiramente pretende a aqui Apelante/Ré não é mais do que afastar a estipulação acordada na cláusula 3ª do contrato de arrendamento em apreço nestes autos quanto ao prazo de renovação do contrato por 3 anos, prazo esse inferior ao prazo de 5 anos vertido no art. 1110º nº 3 do CC, pugnando pela imperatividade deste último prazo e defendendo que o contrato se renovou por mais 8 anos não sendo eficaz a comunicação de oposição à renovação enviada pelos senhorios.
O art. 1110º nº 3 do CC com a redação introduzida pela Lei nº 13/2019, cuja aplicabilidade ao contrato em apreço nestes autos as partes não discutem, refere expressamente que, “salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior.”
Foi a inclusão desta parte final no referido preceito legal que deu azo às divergências doutrinais e jurisprudenciais afloradas na sentença recorrida, porque na redação anterior era consensual ser de natureza meramente supletiva quer a possibilidade de renovação, quer o prazo de renovação por períodos sucessivos de igual duração, não se suscitando dúvidas de que a expressão inicial “salvo estipulação em contrário” se aplicava a ambas as situações.
Após as alterações de redação introduzidas pela Lei nº 13/2019 quer no art. 1096º nº 3 CC – referente aos arrendamentos habitacionais-quer no art. 1110º nº 3 do CC- referente aos arrendamentos para fins não habitacionais- a doutrina e a jurisprudência passaram a perfilhar duas posições antagónicas sobre a natureza – imperativa ou supletiva – do prazo de renovação do contrato de arrendamento, cujos argumentos embora primacialmente dirigidos ao art. 1096º do CC têm plena aplicabilidade ao art. 1110º do CC pois que a nova redação no que para aqui interessa é em ambos semelhante.
Para aqueles que entendem que o prazo de renovação neles previsto, e no que para aqui importa o prazo previsto no art. 1110º nº 3 do CC, tem natureza imperativa, como é o caso da aqui Apelante, o prazo de renovação terá sempre de corresponder ao prazo inicial ou ao prazo de 5 anos, no caso de aquele ser inferior (não sendo o caso dos presentes autos), sem que senhorio e arrendatário possam convencionar prazo diferente.
Para aqueles que entendem que o prazo de renovação nele previsto tem natureza supletiva, é perfeitamente válida a estipulação contratual que consagre prazo de renovação por período inferior a 5 anos, como é o caso da cláusula 3ª do contrato sob apreciação.
Na doutrina, essa querela foi também abordada, referindo-se a titulo exemplificativo Jéssica Rodrigues Ferreira, que esclarece que a “nova redação do art. 1096.º suscita várias dúvidas interpretativas, desde logo relacionadas com o alcance da expressão “salvo estipulação em contrário”. Reportar-se-á apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, ou permitirá também a estipulação de um prazo de renovação diferente do aí previsto? Parece-nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores - dos supletivamente fixados pela lei, e não, conforme poderia também interpretar-se da letra do preceito em análise – cuja redação pouco precisa gera estas dúvidas – um pacote de “pegar ou largar”, em que as partes estariam adstritas a optar entre contratos não renováveis ou, optando por um contrato automaticamente renovável no seu termo, com períodos sucessivos de renovação de duração obrigatoriamente igual à duração do contrato ou de cinco anos se esta for inferior, pois ainda que a ratio subjacente a esta alteração legislativa tenha sido reforçar a estabilidade dos contratos, se o legislador deixou ao critério das partes o mais – optar por renovar ou não o contrato – também se deve entender que lhes permite o menos – optando por renovar o contrato, regular os termos dessa renovação. Este argumento parece-nos ser ainda reforçado pela remissão operada no n.º 1 para o regime de oposição à renovação previsto para o arrendamento habitacional, regulado nos art. 1097.º e 1098.º, onde se continuam a prever prazos de oposição à renovação específicos para os casos de duração inicial do contrato ou das suas renovações inferiores a cinco anos (al. b) e c) do n.º 1 do art. 1097.º e al. b) e c) do n.º 1 do art. 1098.º). No sentido de que o prazo da renovação admite estipulação em contrário, ISABEL ROCHA, PAULO ESTIMA, Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência, 5.ª edição, Porto, Porto Editora, 2019, p. 286 e JORGE PINTO FURTADO, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Coimbra, Almedina, 2019, p. 579 (para o arrendamento habitacional), onde se lê, a jeito de conclusão, que se pode “validamente estabelecer, ao celebrar-se um contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações de dois, ou de um ano, quatro ou cinco, como enfim se pretender” e pp. 686- 687 (para o arrendamento não habitacional), onde se pode ler que o contrato se pode renovar por “períodos sucessivos e iguais, entre si, de um, dois, três, quatro ou, em suma, os mais anos que se pretendam”.[3]
No mesmo sentido, de que é admissível estipulação em contrário quanto ao próprio prazo de renovação, reportando-se embora ao art. 1096º do CC, mas cuja argumentação é transponível para o art. 1110º do CC, defende Jorge Pinto Furtado “poder validamente estabelecer, ao celebrar-se o contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações, de dois ou de um ano, quatro ou cinco, como enfim se pretender”.[4]
Entendimento contrário defende Maria Olinda Garcia, em cuja doutrina se fundamentou a aqui Apelante, sustentando que “Quanto à renovação do contrato, a nova redação do artigo 1096.º suscita alguma dificuldade interpretativa, nomeadamente quanto ao alcance da possibilidade de “estipulação em contrário” aí prevista. Por um lado, pode questionar-se se tal convenção poderá excluir a possibilidade de renovação do contrato ou apenas estabelecer um diferente prazo de renovação. Parece-nos que (na sequência do que já se verificava anteriormente) as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano). O contrato caducará, assim, verificado esse termo. Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos. Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência. Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese que agora é criada pelo n.º 4 do artigo 1097.º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau. Trata-se de um tipo de solução que, até agora, só vigorava no domínio dos arrendamentos de duração indeterminada, a qual depende do preenchimento dos requisitos do artigo 1102.º e exige o cumprimento dos deveres impostos pelo artigo 1103.º, n.ºs 1, 5 e 9. Por outro lado, quanto ao direito do locador para se opor à renovação do contrato, importa ainda interpretar conjugadamente o artigo 1097.º, n.º 3, com o artigo 1096.º, n.º 1. Assim, na hipótese de o contrato ser celebrado por um ano (sem se excluir a sua renovação), como o artigo 1096.º, n.º 1, diz que a renovação do contrato opera por um período mínimo de 3 anos, o direito de oposição à renovação, previsto no n.º 4 do artigo 1097.º, só produzirá efeito no final de um período de 4 anos. ”[5]
A primeira posição acima mencionada, que opta pela natureza supletiva do prazo de renovação, admitindo que as partes acordem na consagração de um prazo de renovação inferior ao consagrado nos referidos preceitos legais, tem sido acolhida por uma parte significativa da jurisprudência, de que é exemplo o recente Ac RP de 9.04.2024, Proc. Nº3179/23.0T8VNG.P1, em cujo sumário se fez expressa menção à referida posição, dele constando que “a norma constante do nº 1 do artigo 1096º do C. Civil tem uma natureza supletiva, o que abrange quer a admissibilidade da convenção de que o contrato de arrendamento poderá não ser renovado, quer a previsão de que a renovação do contrato, a ocorrer, poderá ter um prazo diferente daquele de 3 anos que o legislador ali inscreveu”.
No mesmo sentido faz-se menção aos arestos mais recentes deste Tribunal da Relação do Porto, como é o caso, entre outros do Ac RP de 21.10.2024, Proc. Nº 5746/22.0T8MTS.P1; Ac RP de 21.11.2024, Proc. Nº 1064/24.7YLPRT.P1; Ac RP de 16.01.2024, Proc. nº 3223/23.0T8VNG.P1; Ac RP de 14.09.2023, Proc. Nº 1394/22.2YLPRT.P1; Ac RP de 23.03.2023, Proc nº 3966/21.3T8GDM.P1; bem como entre outros, aos Ac RC de 8.10.2024, Proc. Nº 77/24.3YLPRT.C1 e Ac RL de 11.07.2024, Proc. Nº 10489/23.4T8SNT.L1-7, consultáveis em www.dgsi.pt.
Não desconhecemos que parte da jurisprudência acolhe posição distinta, pugnando pela imperatividade do prazo de renovação previsto nos arts. 1096º nº 3 e 1110º nº 3 do CC, como se dá conta, entre outros no Ac RL de 24.05.2022, Proc. Nº 7855/20.0T8LRS.L1-7; Ac RP de 21.11.2024, Proc. Nº 5650/24.7T8PRT.P1; Ac RP de 12.10.2023, Proc. Nº 328/23.1YLPRT.P1 e Ac RP de 20.05.2024, Proc. Nº 1686/23.3YLPRT.P1, consultáveis em www.dgsi.pt)
Nesta acesa controvérsia, situamo-nos entre os que defendem que o prazo previsto no art. 1110º nº 3 do CC (assim como ocorre no art. 1096º nº 3 do CC) tem natureza meramente supletiva, permitindo a lei prazos de renovação inferiores a 5 anos, desde que haja convenção expressa nesse sentido, podendo as partes afastar tal regra ao abrigo do princípio da liberdade de estipulação contratual, entendimento que a nosso ver será o que melhor respeita o elemento literal e o elemento sistemático do referido preceito atendíveis enquanto princípios basilares interpretativos, sem deixar de ter presente os objectivos que o legislador afirmou terem estado na base das alterações introduzidas pela Lei nº 13/2019 e a coerência do diploma legal visto no seu todo.
Da Lei nº 13/2019 extrai-se que a mesma “estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.”
Secundando as considerações efectuadas no Ac RL de 10.01.2023 “em primeiro lugar, é patente que as partes são livres de estabelecer o prazo do arrendamento entre os prazos mínimos de um ano e máximo de trinta anos, conforme deflui do Artigo 1095º, nº2, do Código, na redação da Lei nº 13/2019, de 12.2. Em segundo lugar, da ressalva inicial do nº 2 do Artigo 1096º (“Salvo estipulação em contrário”) decorre que as partes podem, ab initio, convencionar que o contrato de arrendamento não será renovado. Em terceiro lugar, estipulando as partes que o contrato será renovável, são livres de estabelecer prazos diferenciados de renovação, sendo o prazo de três anos (introduzido pela Lei nº 13/2019) um prazo supletivo a aplicar nos casos em que as partes não concretizem o prazo da renovação (silêncio do contrato), apesar de preverem a renovação do contrato. De facto, se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus; cf. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, p. 443). A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º, nos termos do qual: «3- A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.» Ou seja, a tutela do inquilino e da estabilidade do arrendamento decorre diretamente desta norma e não propriamente do nº1 do Artigo 1096º do Código Civil. De facto, a tese acima explicitada (maioritária na jurisprudência) segundo a qual, a prever-se a renovação do contrato, esta ocorre imperativamente por um prazo mínimo de três anos sucumbe quando confrontada com o disposto no nº 3 do Artigo 1097º do Código Civil. Na verdade, na lógica dessa tese, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Ora, se assim fosse, o disposto no nº 3 do Artigo 1097º não faria qualquer sentido, tratando-se de uma norma inútil e espúria porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº3 do Artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo! Ou seja, o direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato. A tutela da estabilidade do arrendamento está aqui e não propriamente no nº1 do Artigo 1096º. Assim, na discussão da questão em apreço, o elemento interpretativo da lei que mais releva não é propriamente o teleológico, mas sim o sistemático”.
Desde logo resulta estranho que se possa defender a cisão da norma em duas partes para defender-se que a possibilidade de estipulação em contrário abrange apenas o primeiro segmento- relativo à possibilidade ou não de renovação do contrato- e que quanto ao segmento seguinte- relativo à duração da renovação- o mesmo normativo já seja imperativo, quando o legislador tinha forma de fazer essa destrinça caso fosse verdadeiramente essa a sua intenção, bastando-lhe impor que para o caso de não ser acordada a exclusão da renovação a duração da mesma tivesse de ser obrigatoriamente pelo mesmo prazo da duração inicial do contrato ou pelo prazo de 5 anos caso aquela duração inicial fosse inferior, o que não fez.
Mesmo o argumento de que o objectivo prosseguido pelo legislador com as alterações introduzidas pela Lei nº 13/2019 foi o de “reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e proteger arrendatários em situação de especial fragilidade” não impõe a adesão à posição da imperatividade do prazo da renovação, porquanto aquele objectivo é essencialmente assegurado com a regra, essa sim de natureza imperativa, prevista no nº 4 do art. 1110º do CC, que impõe que nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação, assegurando assim uma duração mínima de 5 anos para todos e quaisquer contratos de arrendamento para fins não habitacionais, mesmo para aqueles em que a duração inicial acordada fosse inferior.
Cremos que a actual menção no nº 3 do art. 1110º do CC ao prazo de 5 anos para a renovação do contrato, nos casos em que as partes não a excluam mas nada digam quanto à duração da renovação, não é mais do que um reforçar da intenção de garantir ao arrendatário que o senhorio não poderá opor-se à renovação do contrato pelo menos durante os primeiros 5 anos de vigência do mesmo (regime imperativo previsto no nº 4).
O legislador teve o cuidado de atribuir natureza imperativa ao nº 4 do art. 1110º do Código Civil, impedindo que as partes possam acordar que haja oposição à renovação antes de decorridos cinco anos desde o início do contrato, o que na prática equivale a que nos contratos em que não haja cláusula a prever a não renovação automática, a sua duração seja no mínimo de 5 anos, mas já não teve esse cuidado quando se referiu no nº 3 do mesmo preceito legal aos prazos das renovações, iniciando-o sob a expressão “salvo estipulação em contrário” sem ressalvar qualquer dos segmentos desse número 3, o que nos leva a concluir que para as renovações o prazo é meramente supletivo porque o legislador permite convenção em contrário.
De forma assertiva e lapidar o Ac RL 10.01.2023 assentou na seguinte linha de raciocínio que também nós trilhamos, apesar das dúvidas interpretativas que as alterações introduzidas pela Lei 13/2019 vieram trazer (e que o legislador ciente delas ainda não se apressou a resolver como se impunha), de que “a jurisprudência vem entendendo, maioritariamente, que, da redação do Artigo 1096º, nº 1, do Código Civil, dada pela Lei nº 13/2019, de 1.2. (entrada em vigor a 13.2.2019), decorre que, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, só terão liberdade para convencionar prazo de renovação igual ou superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo imperativo de três anos. Dissente-se dessa interpretação porquanto: i. Se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus); ii. A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º; iii. Na lógica da tese referida em I, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Se assim fosse, o disposto no nº3 do Artigo 1097º não faria qualquer sentido porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº 3 do Artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo. iv. O direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato.”
Permitindo a lei que os contratos de arrendamento possam ser celebrados pelo prazo mínimo de um ano, de acordo com o n.º 2 do artigo 1095.º do CC, permitindo que por acordo das partes seja excluída a renovação automática do contrato, afigura-se-nos fazer pouco, para não dizer nenhum sentido, que o legislador tenha pretendido impor um prazo mínimo de cinco anos para a renovação automática do mesmo contrato sem permitir às partes convencionarem prazo de renovação diferente, designadamente inferior.
Esta nossa posição secunda também a argumentação a esse propósito explanada no Ac RP de 14.09.2023, no qual se concluiu que “o prazo previsto no n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, na actual redacção conferida pela Lei n.º 13/2019, tem natureza supletiva, permitindo a lei prazos de renovação inferiores a três anos, desde que as partes nisso tenham convencionado. O uso da expressão “Salvo estipulação em contrário” no início do dispositivo em causa significa que o legislador consentiu às partes a possibilidade de convencionarem prazos de renovação distintos dos nele previstos, designadamente de duração inferior a três anos. Tal entendimento resulta não só da interpretação literal do preceito, mas igualmente da sua interpretação sistemática, pela conjugação, designadamente, dos artigos 1095.º, n.º 2, 1096.º, n.º 1 e 1097.º, n.º 3, todos do Código Civil.”[6]
Ora, se o contrato dos autos foi celebrado com prazo certo, por 8 anos, com início em 2012, e se os senhorios apenas se opuseram à renovação para produzir efeitos em Fevereiro de 2023, estando assegurada a vigência ininterrupta do contrato por um período de mais de 5 anos contado da data da sua celebração, conforme imposto pelo art. 1110º nº 4 do CC, acolhendo-se a posição de que o prazo de renovação previsto no nº 3 do mesmo preceito legal tem natureza supletiva, na interpretação do referido preceito legal que se tem como a mais acertada, temos de concluir ser perfeitamente válida a cláusula 3ª do contrato sob apreciação, na qual as partes ao abrigo da liberdade contratual convencionaram um prazo de renovação de três anos (inferior ao prazo supletivo de 5 anos) devendo ser este o prazo atendível, nomeadamente para efeitos de oposição à renovação do contrato, como se decidiu na sentença recorrida.
Como tal, decorrido o prazo inicial de duração do contrato- superior a 5 anos- e a primeira renovação pelo período acordado (3 anos), tendo os Apelados/AA comunicado a oposição a nova renovação com a antecedência legal, o contrato findou em 28.02.2023, soçobrando a pretensão da Apelante/Ré de que se tenha renovado por mais 8 anos. Actuação dos Apelados/AA em abuso de direito
A Apelante/Ré fez uma menção ao de leve à actuação dos AA em abuso de direito sob as Conclusões 8 a 12, parecendo sustentar que tendo o imóvel arrendado graves problemas estruturais não detectáveis aquando da celebração do contrato de arrendamento, tendo sido ela a diligenciar para dotar o prédio das condições mínimas para funcionar e para obter alvará da segurança social, tendo gasto mais de €90.000,00 na realização dessas obras, os AA terão actuado em abuso de direito ao se terem recusado a vender-lhe o imóvel pelo preço por ela oferecido de €800.000,00 quando comunicaram a intenção de proceder à venda do imóvel por €900.000,00.
Acontece que o que está sob apreciação nestes autos é apenas e só a validade e eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento levada a cabo pelos AA em função da natureza do prazo previsto no art. 1110º nº 3 do CC, não se cuidando nestes autos de apreciar se a eventual recusa de venda do imóvel pelos AA à Apelante/Ré verificadas aquelas circunstâncias foi ou não abusiva, sendo esta questão independente daquela, isto é, ainda que porventura se considerasse abusiva a pretensa recusa de venda, tal nunca obstaculizaria a cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação, nem mesmo por recurso ao abuso de direito.
Qualquer arrendatário tem a obrigação de saber que o locador é livre de vender o imóvel arrendado, concedendo a devida preferência ao arrendatário, e se não lograrem acordar quanto ao preço ou o arrendatário não acompanhar a melhor oferta, independentemente do tipo ou envergadura de obras que lá tenha efectuado e ainda que tenham beneficiado o imóvel, apenas poderá eventualmente reclamar compensação, não impedindo o normal desenrolar do contrato de arrendamento, nem obstaculizando a eventual oposição à renovação em curso promovida pelo senhorio, que nesse caso se limita a exercer o direito que lhe assiste sem que tal possa por si só consubstanciar qualquer actuação em abuso de direito.
Diferentemente, nas Conclusões 17 e 18, o abuso de direito foi suscitado pela Apelante/Ré com vista a reverter a decisão de condenação no pagamento da importância respeitante ao atraso no pagamento das rendas dos meses de Julho a Dezembro de 2022 e Janeiro de 2023.
Para sustentar tal pretensão alegou a Apelante/Ré que considerando o que ficou provado nos números 42 a 52 da douta sentença, designadamente que a mora da R. no pagamento de algumas das rendas foi devido ao enorme aperto no exercício da sua atividade, o qual resulta naturalmente do desequilíbrio financeiro em que incorreu pelo investimento feito no prédio e considerando que os AA. se encontram em mora na realização de obras estruturais que a eles cabem desde pelo menos abril de 2021, a exigência dos AA da R. lhes pagar um acréscimo de 20% em cada uma das rendas dos meses em que se atrasou (num atraso que não excedeu 12 dias) quando eles próprios se achavam em mora no cumprimento de obrigações cuja omissão, essa sim, causou constrangimentos à R. é um autêntico abuso de direito.
Porém, a Apelante extrai conclusões dos referidos pontos 42 a 52 dos factos provados que neles não encontram respaldo factual, porquanto em nenhum deles ficou provado, como agora alegou, que o atraso no pagamento das rendas dos meses de Julho a Dezembro de 2022 e janeiro de 2023 se tenha devido a um desequilíbrio financeiro da Apelante decorrente de obras estruturais que tenha tido de fazer no prédio e cuja execução incumbisse aos senhorios/AA, quer por obrigação decorrente da lei quer por obrigação contratualmente assumida.
Não está neles demonstrado sequer que a Apelante/Ré tenha custeado naquele período temporal quaisquer obras, muito menos obras estruturais que incumbissem aos AA, apenas está dado como provado no ponto 46 dos factos provados que lhes comunicou que em face da mora na realização de obras se iria substituir a eles realizando as obras necessárias no telhado, na fachada e na porta da frente, não estando demonstrado que o tenha feito, pelo contrário, resulta do ponto 49 que terão sido os AA a intervencionar o telhado e feito outras intervenções ainda que superficiais apesar de não ter ficado solucionado pelo menos o problema da porta principal que empena.
Ainda que assim não fosse, afigura-se-nos que mesmo que a Apelante/Ré tivesse realizado obras em substituição dos senhorios tal não lhe permitiria pagar as rendas com atraso, mas porventura efectuar a compensação do crédito pelas despesas com a realização das obras com a obrigação da renda, ou exercer essa compensação de forma autónoma, mas em qualquer dos casos sempre exercendo esses direitos nos moldes previstos no art. 1074º do CC, dando disso prévio conhecimento aos senhorios, o que a Apelante/Ré não fez.
Deste modo, ainda que porventura os AA possam estar em mora na realização de algumas obras cuja obrigação lhes incumba, certo é que não está demonstrado que tenha sido essa falta de realização de obras que tenha determinado os atrasos no pagamento daquelas rendas.
Nem as dificuldades financeiras da Apelante/Ré, nem o facto de a actividade por ela exercida no locado ser pouco lucrativa, constituem justificação atendível para a pretendida isenção do pagamento da multa prevista no art. 1041º do CC.
“O abuso de direito, previsto no art. 334º do Código Civil consiste no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Não basta que o titular do direito exceda os limites referidos, é necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório daqueles valores.”[7]
Ora não vemos que da factualidade apurada nos autos e mormente da indicada pela Apelante/Ré se possa afirmar que os Apelados/AA ao exigirem a indemnização que o art. 1041º nº 1 do CC lhes atribui em função da mora da Apelante/Ré no pagamento daquelas específicas rendas, tenham excedido de forma manifesta e gravemente atentatória os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico daquele direito, e assim sendo deve manter-se a condenação da Apelante/Ré no pagamento da importância a esse propósito fixada na sentença recorrida. Exigência da cláusula penal acordada na cláusula 4ª do contrato de arrendamento
Está efectivamente provado que as partes estipularam uma cláusula penal no valor de €36.000,00 para o caso de incumprimento pela Apelada/Ré da entrega atempada do locado na data do término do contrato (ponto 18 dos factos provados), assim como ficou igualmente provado que por notificação judicial avulsa cumprida no dia 14 de Janeiro de 2022 os Apelantes/AA lhe comunicaram a oposição à renovação do contrato de arrendamento em vigor, com efeitos à data de 28 de Fevereiro de 2023 e que ficava obrigada à entrega do locado livre de pessoas e bens com todos os seus pertences até ao dia 28 de Fevereiro de 2023 (pontos 8 e 9 dos factos provados).
Resulta incontroverso dos autos que a Apelada/Ré não entregou o locado aos Apelantes/AA naquela data, afirmando que o contrato de arrendamento se renovou por 8 anos e como a renda de março de 2023 não foi aceite pelos Apelantes/AA, a Apelada/Ré depositou-a na CGD (pontos 14 a 17 dos factos provados).
Uma vez que, como acima ficou decidido, a comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento foi considerada válida, o contrato de arrendamento findou naquela data de 28.02.2023, pelo que, tendo sido a Apelada/Ré interpelada para proceder á entrega do locado por força do termo do contrato e não o tendo feito, entrou em mora e como tal o tribunal a quo condenou-a na indemnização especificamente atribuída aos senhorios pelo atraso na restituição do locado consagrada no art.1045º nº 2 do CC conforme por eles peticionado.
Acontece que os Apelantes/AA não se limitaram a peticionar aquela indemnização, pretendendo cumulativamente que lhes fosse paga a cláusula penal no valor de €36.000,00 acordada na cláusula 4ª do contrato para o caso de incumprimento da Ré na entrega atempada do locado na data do término do contrato.
Esta última pretensão foi-lhes negada pelo tribunal a quo com base no abuso de direito reportado à questão das obras, argumento que os Apelantes/AA refutam, insistindo terem direito também àquela importância.
Como já adiantamos em sede de apreciação do recurso relativo à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, cremos que tal como os Apelantes formularam os pedidos-de forma cumulativa-, tendo-lhes sido atribuída a indemnização especificamente prevista no art. 1045º nº 2 do CC a título de indemnização pela mora da locatária na restituição do imóvel locado findo que se mostra o contrato de arrendamento, ainda que os Apelantes/AA tivessem o direito de exigir a cláusula penal prevista na cláusula 4ª do contrato, a mesma não lhes pode ser concedida, sob pena de se lhes atribuir uma indemnização em duplicado, sancionando duas vezes a mesma conduta omissiva da Apelada/Ré e indemnizando duplamente o mesmo bem lesado, uma vez que quer a referida cláusula penal (atento o seu carácter meramente indemnizatório decorrente da sua redação), quer a indemnização atribuída ao abrigo do art. 1045º nº 2 do CC visam simultaneamente indemnizar o incumprimento da mesma obrigação- a falta de entrega pela locatária do locado logo que findo o contrato de arrendamento.
A indemnização pelo prejuízo da privação da coisa locada inflingido ao senhorio pelo locatário que não a restitui logo que finde o contrato apesar de interpelado para o efeito, é elevada ao dobro assim que aquele se constitua em mora, e esta duplicação da compensação pecuniária específica estabelecida no nº 2 do art. 1045º do CC constitui uma sanção para o atraso na restituição e simultaneamente uma indemnização pré-definida em função da renda acordada no contrato.
Isto não significa que não seja defensável que as partes possam estipular uma cláusula penal de montante superior àquele para o atraso na restituição do locado findo o contrato, nos termos do art. 810º do CC, como aflora Luís Menezes Leitão[8], mas essa estipulação como que se traduzirá na derrogação da indemnização já estabelecida no referido preceito legal, não se permitindo que o locador as exija cumulativamente, tendo de optar por aquela que melhor acautele os seus interesses.
Temos como certo que não poderá o locatário ser sancionado em duplicado por uma única e mesma conduta- atraso na restituição do locado- nem poderá o locador receber várias indemnizações que tenham por objecto compensar o mesmo e único prejuízo- privação do bem locado.
Em reforço desta nossa posição, Ana Prata em anotação ao art.811º do CC escreve que o conteúdo do nº 2 “corresponde à proibição de coexistência da cláusula penal e do regime indemnizatório do incumprimento”[9], pelo que a indemnização pré-fixada na cláusula penal para o incumprimento de determinada obrigação não pode ser cumulada com a indemnização legalmente decorrente do incumprimento dessa mesma obrigação, pelo que coexistindo ambas o credor terá que optar por uma delas a não ser que prove um dano excedente, o que manifestamente não ocorreu.
Não tendo os Apelantes/AA optado pelo ressarcimento do prejuízo decorrente do atraso na restituição do bem locado através unicamente da exigência da cláusula penal, insistindo que a mesma lhe é devida cumulativamente com a indemnização que já lhe foi atribuída pelo tribunal a quo ao abrigo do art. 1045º nº 2 do CC, estando devidamente acautelada a indemnização do prejuízo resultante do incumprimento daquela obrigação de entrega através da indemnização desse modo atribuída, a exigência também do pagamento da importância vertida na cláusula penal seria abusiva e nessa medida está vedada à luz dos princípios estabelecidos no art. 811º do CC.
Por conseguinte, concedida aos Apelantes/AA a indemnização legalmente consagrada no art. 1045º nº 2 do CC para o incumprimento da obrigação de restituição do imóvel locado findo o contrato, não lhes pode ser concedida cumulativamente a indemnização acordada na cláusula penal também para o caso de incumprimento da Ré na entrega atempada do locado na data do término do contrato, razão pela qual vai confirmada a decisão de absolvição da Apelada/Ré do pagamento da cláusula penal no montante de €36.000,00, embora com fundamentos distintos dos sufragados na sentença recorrida, e nessa medida improcede a apelação apresentada pelos Autores.
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V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedentes quer a apelação apresentada pelos Autores, quer a apelação apresentada pela Ré, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas em ambos os recursos a cargo de cada um dos apelantes.
Notifique.
Porto, 14.01.2025
Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
(Relatora)
Ramos Lopes
(1º Adjunto)
Márcia Portela
(2ª Adjunta)