ESCUTAS TELEFÓNICAS
FORMALIDADES
CONTROLO JUDICIAL
ARGUIÇÃO DE NULIDADE
Sumário

I – O art.º 188.º, do CPP, regula as formalidades das operações e, como refere o STJ, só em situações excepcionais poderia a violação daquela norma atingir certos direitos fundamentais (“como seria no caso em que, depois de autorizada a escuta, deixasse de haver entrega do material e de acompanhamento ulterior do juiz.”).
II - E acolhe-se ainda a jurisprudência do TC, ao exigir um juízo seguro sobre se a concreta medida da ultrapassagem dos prazos e as suas circunstâncias constitui uma restrição desproporcionada à proibição de ingerência, por permitir a validação sem o necessário acompanhamento judicial.
III - As violações aos procedimentos do art.º 188.º, do CPP, só se enquadrariam em proibição de prova (sendo então o vício insanável conhecido oficiosamente) se as circunstâncias do caso concreto revelassem que, apesar de previamente autorizadas (no caso a recolha de voz e imagem), deixou de haver um efectivo controlo judicial, o que está fora de cogitação quando se trata de um mero atraso.
IV - A situação está longe de se poder entender como uma ausência absoluta e efectiva do acompanhamento judicial. O atraso de 15 dias (mesmo se traduzindo no dobro do prazo para apresentar) não atinge os direitos fundamentais do visado, nem a sua dignidade humana. Não há uma investigação à revelia do juiz das liberdades e garantias. Apesar de tudo, estamos a falar de prazos curtos, que não deviam existir, é certo, por isso estamos perante violação de procedimentos, mas que não significam a falta absoluta de controlo judicial.
V - Não havendo proibição de prova, nem sendo caso das tipificadas nulidades insanáveis, resta considerar que, na situação em apreciação, a nulidade por violação das formalidades tinha que ser arguida.

Texto Integral

Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório
No Juízo de Instrução Criminal da Amadora, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi proferido o seguinte despacho:
“Investiga-se nos presentes autos a prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do D.L. nº 15/93 de 22/1.
Por despacho proferido em 4-6-2024 (fls. 119) foi inicialmente autorizada a recolha de voz e imagem, nos termos dos artigos 1.º, n.º 1, al. a), e 6.º, ambos da Lei n.º 5/2002, de 11/1, e 187.º, nºs 4, als. a) e b), e 6, 188.º e 269.º, n.º 1, al. f), do Código de Processo Penal, sendo este meio de obtenção de prova objecto de despachos de prorrogação ou reinício proferidos em 11-7-2024 (fls. 129), 9-8-2024 (fls. 208) e 23-9-2024 (fls 246).
No despacho proferido em 9-8-2024 (fls. 208) a autorização da recolha de voz e imagem foi concedida até 15-9-2024 pelo que não tendo sido requerida e concedida a respectiva prorrogação, o despacho de 23-9-2024 (fls 246) consubstancia um reinício da autorização, devendo considerar-se como início da recolha da voz e imagem, nos termos do art.º 188º, nº 3 do C.P.P., o dia seguinte, ou seja, 24-9-2024, com termo do prazo de 15 dias em 8-10-2024, seguindo-se novo período de 15 dias em 9-10-2024 até 23-10-2024, este o termo final autorizado até ao momento.
São aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias adaptações, as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo Penal, cfr. nº 3, do art.º 6º da Lei nº 5/2002 de 11/1, mormente a necessidade de apresentação dos autos ao M.P. e ao JIC para conhecimento e validação, nos termos do art.º 188º, nº 3 do C.P.P..
A recolha de imagem obtida em 14 de Outubro de 2024 apenas em 4-11-2024 (fls. 270) foi submetida ao M.P., nos termos do art.º 183º, nº 3 do C.P.P., por remissão do art.º 6º, nº 3 da Lei nº 5/2002 de 11/1, ou seja, volvido quase novo período de 15 dias, ainda que este “novo período” inexista porquanto caducou a autorização, concedida que foi até 23-10-2024.
O Ac. nº 1/2018 de 12/2 fixou a seguinte jurisprudência: “A simples falta de observância do prazo de 48 horas, imposto no n.º 4 do art.º 188.º do CPP, para o M.º P.º levar ao juiz os suportes técnicos, autos e relatórios referentes a escutas telefónicas, constitui nulidade dependente de arguição, nos termos dos art.s 190.º e 120.º, ambos do Código de Processo Penal”, sendo expresso no referido Acórdão que a fixação de jurisprudência abrange unicamente a inobservância do prazo de 48 horas para o M.P. apresentar ao JIC os suportes, autos e relatórios, já não a qualificação da nulidade relativa à inobservância do prazo de 15 dias para o o.p.c. fazer presentes ao M.P. tais elementos, nos termos do nº 3 do art.º 188º do C.P.P., ainda que aí se verse que tal igualmente ocorreu na decisão recorrida, bem como se refere que certa parte da jurisprudência mantém o mesmo exacto entendimento/qualificação, ou seja, considerar-se tal inobservância do disposto no nº 3, do art.º 188º do C.P.P., uma nulidade dependente de arguição, mas não fixando
Superiormente tal entendimento por, neste aspecto, inexistir contradição em relação ao Acórdão fundamento.
Nos presentes autos verifica-se que no período em apreço (24/9 a 23/10) foi completamente obnubilada a necessidade do controlo judicial da recolha de voz e imagem, referindo-se inclusivamente a fls. 255, no relatório policial para validação, o período de “23-9-2024 a 23-10-2024 (terceira captação de imagem)”.
Em face do documentado nos autos e exposto no presente despacho, consideramos verificada a nulidade da recolha de voz e imagem no período entre 24-9-2024 e 23-10-2024, porque não sujeita, em tempo, ao devido controlo judicial, nos termos do artigo 183º, nº 3 do C.P.P., por remissão do art.º 6º, nº 3 da Lei nº 5/2002 de 11/1, não podendo as imagens obtidas pelo o.p.c. e documentadas a fls. 251-254 de 14-10-2024, ser valoradas como meio de prova, nos termos do art.º 126º, nº 3 do C.P.P..
Notifique.”
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Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, concluindo do seguinte modo:
“1. Por despacho de 06-11-2024, a Mma. Juiz de Instrução Criminal declarou a nulidade da recolha de registo de voz e imagem efetuada no âmbito do presente inquérito no período compreendido entre 24-09-2024 e 23-10-2024, por o relatório de vigilância de fls. 251-254, referente a esse período, não ter sido apresentado, pelo OPC ao Ministério Público, no prazo máximo de 15 dias, conforme previsto no art.º 188.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
2. Nos termos do AFJ n.º 1/2018, a falta de observância do prazo de 48 horas previsto no n.º 4 do art.º 188.º do Código de Processo Penal constitui nulidade dependente de arguição.
3. A ratio legis do art.º 188.º do Código de Processo Penal impõe que se conclua que a exigência procedimental contida no n.º 3 do art.º 188.º do Código de Processo Penal - remessa, pelo OPC ao Ministério Público, dos suportes técnicos, autos e relatórios - constitui um procedimento-meio que tem como fim último o controlo judicial da regularidade e legalidade das operações de obtenção de prova, ao abrigo do n.º 4 do mesmo preceito legal, sendo o Ministério Público que, enquanto titular do inquérito, recebe os elementos probatórios do OPC e promove junto do Juiz de Instrução Criminal a sua validação e junção aos autos.
4. Por conseguinte, a inobservância do disposto no n.º 3 do art.º 188.º do Código de Processo Penal não pode merecer sanção mais gravosa que a inobservância do n.º 4, uma vez que a primeira norma é uma norma-meio em relação à segunda.
5. A inobservância do disposto no n.º 3 do art.º 188.º do Código de Processo Penal constitui nulidade sanável, dependente de arguição pelos interessados no prazo previsto no art.º 120.º, n.º 3, alínea c) do Código de Processo Penal, pelo que a Mma. Juiz de Instrução Criminal não podia ter conhecido oficiosamente desse vício.
6. É essa a consequência a que se reporta o art.º 190.º do Código de Processo Penal quando comina com nulidade o desrespeito pelo preceituado no art.º 188.º do mesmo diploma legal.
7. Isto porque o art.º 190.º do Código de Processo Penal tem de ser interpretado no sentido de que a consequência da violação do disposto no art.º 187.º e no art.º 188.º é distinta: a primeira, enquanto norma referente à admissibilidade das intercepções telefónicas, constitui barreira à actuação do Estado, sendo o seu desrespeito cominado com uma proibição de prova (art.º 126.º do Código de Processo Penal); a segunda, enquanto norma meramente procedimental, estabelece requisitos formais relativos à aquisição da prova, sendo a sua violação cominada com nulidade sanável (art.º 120.º do Código de Processo Penal).
8. O despacho recorrido, ao ter conhecido de uma nulidade dependente de arguição, e ao cominar a sua verificação com uma proibição de valoração da prova, incorreu na violação dos arts. 188.º, 190.º, 126.º, n.º 3, 118.º a 122.º, todos do Código de Processo Penal, e 6.º, n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 5/2002, de 11/01.
9. A correcta interpretação do preceituado nessas normas legais imporia que o despacho recorrido não se pronunciasse sobre a nulidade decorrente da inobservância do prazo de 15 dias vertido no art.º 188.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, e que, em consequência, validasse e ordenasse a junção aos autos do relatório de vigilância de fls. 251-254.”
O arguido veio responder, sem apresentar conclusões, a pugnar pela manutenção do decidido.
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O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Uma vez remetido a este Tribunal, a Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta deu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II – Objecto do recurso
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art.º 410º do Cód. Proc. Penal.
O recurso tem o seguinte fundamento: A inobservância do disposto no n.º 3 do art.º 188.º do Código de Processo Penal constitui nulidade sanável, dependente de arguição pelos interessados no prazo previsto no art.º 120.º, n.º 3, alínea c) do Código de Processo Penal, pelo que a Mma. Juiz de Instrução Criminal não podia ter conhecido oficiosamente desse vício.
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III – Fundamentação
Basicamente o que aqui se discute é saber se a violação das formalidades do art.º 188.º do CPP (aplicável in casu por força do art.º 6.º, da Lei n.º 5/2002, de 11.01) constitui proibição de prova ou mera nulidade dependente de arguição.
Diríamos que a questão não é pacífica na doutrina, mas a jurisprudência (em matéria de intercepções telefónicas), sobretudo do Supremo e do Tribunal Constitucional, tem sido consistente na sua posição.
Vejamos a jurisprudência do STJ, plasmada nos fundamentos do AFJ n.º 1/2018:
“As proibições de prova apoiam-se na ponderação de certos direitos individuais, contrapostos aos interesses processuais, investigatórios, que estão ao serviço da descoberta da verdade. A violação da integridade física e moral da pessoa, em geral, incluindo a tortura e a coação, ultrapassam barreiras intransponíveis, na nossa ordem jurídica, de tal modo que até a anuência do visado se mostra irrelevante para garantia dos direitos que estão em causa.
A violação da privacidade, na vertente do sigilo das telecomunicações, por exemplo, já admite consentimento do visado, mas mesmo assim, se ele não existir, merece uma tutela igual àquela. E tudo serão proibições de prova.
O legislador entendeu portanto que certos temas probatórios (é dizer, certo tipo de ilícitos), impedem o uso de escutas, porque o atentado que elas implicam é desproporcionado, perante o interesse da descoberta de verdade de um crime, cuja danosidade social não é muito elevada, ou cuja investigação se satisfaz, por regra, com meios menos intrusivos. E mesmo perante ilícitos graves essa desproporção ocorrerá, se os factos se puderem provar, sem dificuldade, através de outras provas. Como desproporcional seria a escuta se atingisse pessoas não implicadas de perto na prática do crime (n.º 4 do art.º 187.º do CPP).
Colidiria ainda, com os direitos de defesa, se a escuta fosse da comunicação estabelecida entre certas pessoas, concretamente entre o arguido e defensor (art.º 32.º, n.º 1 da CR e n.º 5 do art.º 187.º do CPP).
Daí a exigência de intervenção de um juiz das liberdades que tenha o controlo da autorização e o acompanhamento da escuta.
Diferentemente se passam as coisas em face das "Formalidades das operações" do art.º 188.º do CPP, porque aí se não pretende uma proteção direta de direitos fundamentais nem se tem como objetivo primeiro a tutela da dignidade humana.
A regulação introduzida visa obter eficácia, celeridade e acompanhamento de um juiz, numa escuta que já foi autorizada por quem de direito e está permitida por lei.
Estão em causa interesses procedimentais, que só em situações excecionais poderiam atingir direitos fundamentais, como seria no caso em que, depois de autorizada a escuta, deixasse de haver entrega do material e de acompanhamento ulterior do juiz.”
E do Tribunal Constitucional (acórdão n.º 476/2015):
“Quando uma escuta telefónica é autorizada com base na verificação dos pressupostos previstos no artigo 187.º do Código de Processo Penal, exige-se ainda, como vimos, por imperativo constitucional, que a mesma seja sujeita a um acompanhamento judicial «contínuo e próximo temporal e materialmente da fonte […], acompanhamento esse que comporte a possibilidade real de em função do decurso da escuta ser mantida ou alterada a decisão que a determinou» (cfr. Acórdão n.º 407/97), de forma a que toda a prova obtida por essa via seja objeto de controlo judicial quanto ao seu caráter não proibido e à sua relevância.
Só no caso de se constatar que as aludidas formalidades foram desrespeitadas de tal forma que é de concluir que não se verificou um efetivo acompanhamento das escutas, é que se poderá entender que a prova assim recolhida não possa ser utilizada, não podendo ter-se por sanada a “nulidade” daí decorrente, por falta da sua arguição num determinado prazo, sob pena de violação da proporcionalidade da restrição expressamente admitida no artigo 34.º, n.º 4, da Constituição.
Ora, tendo em consideração que os prazos fixados no artigo 188.º do Código de Processo Penal para que as escutas realizadas sejam levadas ao conhecimento do juiz de instrução se revelam adequados a garantir um acompanhamento efetivo daquelas, a sua simples ultrapassagem, independentemente da dimensão dessa ultrapassagem, é insuficiente para que, em abstrato, se possa considerar que essa inobservância põe em causa a possibilidade real do juiz de instrução acompanhar eficazmente a realização das escutas. Só a concreta medida dessa ultrapassagem e as circunstâncias em que a mesma ocorreu permitirão efetuar um juízo seguro sobre se a solução de considerar essa infração às leis processuais uma nulidade sanável por falta da sua arguição num determinado prazo, constitui uma restrição desproporcionada à proibição de ingerência nas telecomunicações, por permitir a validação de escutas realizadas sem o necessário acompanhamento judicial.
Reportando-se a interpretação normativa sub iudicio à simples circunstância de não terem sido observados os prazos previstos no artigo 188.º do Código de Processo Penal, independentemente da dimensão dessa inobservância não é possível considerar que a mesma ofende o prescrito nos artigos 18.º, 32.º, n.º 2, e 34.º, n.º 4, da Constituição.”
Agora Doutrina a defender a posição que, não obstante o artigo 190.º do Código de Processo Penal cominar com a sanção de “nulidade” as violações dos artigos 187.º e 188.º do mesmo diploma, importa distinguir os pressupostos substanciais de admissão das escutas (previstos no artigo 187.º), cuja violação é sancionada com nulidade absoluta e, consequentemente, insanável e de conhecimento oficioso, e os requisitos processuais da sua aquisição (previstos no artigo 188.º), cuja violação é sancionada com nulidade relativa, sanável e dependente de arguição nos prazos previstos no artigo 120.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal:
- Tem sido este o entendimento seguido, maioritariamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça (no mesmo sentido, cfr., Carlos Adérito Teixeira, «Escutas telefónicas: a mudança de paradigma e os velhos e novos problemas», in Revista do CEJ, 1.º Semestre de 2008, n.º 9, pág. 851; e António Henriques Gaspar, José António Henriques dos Santos Cabral, Eduardo Maia Costa, António Jorge de Oliveira Mendes, António Pereira Madeira e António Pires Henriques Graça, Código de Processo Penal Comentado, Coimbra, Almedina, 2014, págs. 851-852);
- Ainda neste sentido, Paulo Sousa Mendes (cfr., «Lições de Direito Processual Penal», Almedina, Coimbra, 2013, pág. 190) sustenta que há algumas nulidades de prova reconduzíveis ao sistema das nulidades processuais, as quais seguem o regime das nulidades dependentes de arguição previsto no artigo 120.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, como é o caso dos atos cuja invalidade resulta da violação de «meras formalidades de prova», contanto que a nulidade seja cominada nas disposições legais em causa, e aponta como exemplo deste tipo de situações a demora na entrega ao juiz das gravações e transcrições necessárias para se fiscalizar as escutas telefónicas (artigos 188.º, n.º 4, e 190.º, do Código de Processo Penal).
Já André Lamas Leite tem opinião distinta: “Em primeiro lugar, a correcta interpretação do art.º 189.º, quer com base no elemento literal, quer recorrendo ao elemento lógico, aqui de índole sistemática e teleológica, imporá a conclusão de que o incumprimento do preceituado nos arts. 187.º e 188.º terá de implicar uma mesma sanção processual. De facto, assente que está a especial «danosidade social» das escutas telefónicas, tudo aponta para que tenha sido intenção do legislador parificar a consequência jurídica a desencadear quer no que concerne aos requisitos essenciais do recurso a este meio de obtenção da prova, quer no que tange aos aspectos, digamos, «procedimentais». Donde, não julgamos correcto afirmar a menor «dignidade» do art.º 188.º face ao dispositivo anterior. Basta atentar em alguns exemplos: a não apresentação atempada das fitas gravadas e do respectivo auto ao juiz (n.º 1 do art.º 188.º); o não cumprimento escrupuloso do procedimento de destruição do material irrelevante para o objecto do processo (n.º 3 do inciso); o incumprimento do n.º 5 do mesmo artigo, que periga, frontalmente, com a preparação do exercício do contraditório ou com a igualdade de armas.” – AS ESCUTAS TELEFÓNICAS — ALGUMAS REFLEXÕES EM REDOR DO SEU REGIME E DAS CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS DERIVADAS DA RESPECTIVA VIOLAÇÃO, disponível em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/23712/2/49724.pdf.
Aderimos à posição que tem prevalecido na jurisprudência. Não podemos deixar de considerar que o art.º 188.º, do CPP, regula as formalidades das operações e, como refere o STJ, só em situações excepcionais poderia a violação daquela norma atingir certos direitos fundamentais (“como seria no caso em que, depois de autorizada a escuta, deixasse de haver entrega do material e de acompanhamento ulterior do juiz.”).
E acolhe-se ainda a jurisprudência do TC, ao exigir um juízo seguro sobre se a concreta medida da ultrapassagem dos prazos e as suas circunstâncias constitui uma restrição desproporcionada à proibição de ingerência, por permitir a validação sem o necessário acompanhamento judicial.
As violações aos procedimentos do art.º 188.º, do CPP, só se enquadrariam em proibição de prova (sendo então o vício insanável conhecido oficiosamente) se as circunstâncias do caso concreto revelassem que, apesar de previamente autorizadas (no caso a recolha de voz e imagem), deixou de haver um efectivo controlo judicial, o que está fora de cogitação quando se trata de um mero atraso.
Indo ao caso concreto, a recolha de imagem foi obtida em 14 de Outubro de 2024, mas apenas em 4-11-2024 (fls. 270) foi submetida ao M.P., nos termos do art.º 183º, nº 3 do C.P.P., por remissão do art.º 6º, nº 3 da Lei nº 5/2002 de 11/1, ou seja, volvido quase novo período de 15 dias, ainda que este “novo período” inexista porquanto caducou a autorização, concedida que foi até 23-10-2024.
A situação está longe de se poder entender como uma ausência absoluta e efectiva do acompanhamento judicial. O atraso de 15 dias (mesmo se traduzindo no dobro do prazo para apresentar) não atinge os direitos fundamentais do visado, nem a sua dignidade humana. Não há uma investigação à revelia do juiz das liberdades e garantias. Apesar de tudo, estamos a falar de prazos curtos, que não deviam existir, é certo, por isso estamos perante violação de procedimentos, mas que não significam a falta absoluta de controlo judicial.
Termos em que se conclui que, não havendo proibição de prova, nem sendo caso das tipificadas nulidades insanáveis, resta dar razão ao recorrente e considerar que, na situação em apreciação, a nulidade por violação das formalidades tinha que ser arguida.
Pelo que se revoga o despacho recorrido, por se entender que não estamos perante proibição de prova (126.º, n.º 3, do CPP e 32.º, n.º 8, da CRP), o que afasta o conhecimento oficioso do vício resultante do não cumprimento atempado do disposto no art.º 188.º, n.º 3, do CPP).
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IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em sequência, em revogar o despacho recorrido, por se entender que não estamos perante proibição de prova (126.º, n.º 3, do CPP e 32.º, n.º 3, da CRP), o que afasta o conhecimento oficioso do vício resultante do não cumprimento atempado do disposto no art.º 188.º, n.º 3, do CPP).
Sem custas.

Lisboa, 21 de Janeiro de 2025
Paulo Barreto
João Grilo Amaral
Ana Lúcia Gordinho