Para efeitos da al. c) do nº 2 do artigo 629º do CPC, não existe contradição entre o AUJ nº 3/99 de 18 de Maio e o acórdão recorrido: no primeiro resolvia-se um conflito entre o proprietário do imóvel e o exequente que era o titular da penhora registada antes da aquisição; no segundo apreciam-se as implicações de uma sentença de acção de impugnação pauliana que anulou a venda executiva ( e levou ao cancelamento do registo ) através da qual o embargante tinha adquirido o imóvel agora penhorado.
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:
Alega que o prédio em questão lhe pertence, pois foi por si adquirido pelo preço de 125.000,00€ através de proposta em carta fechada apresentada no processo n.º 464/08.4... do ....º Juízo Cível (antigo) do Tribunal Judicial da Comarca de ..., no qual é exequente a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ..., C.R.L. e J são executados J..., - Sociedade Agropecuária, Unipessoal, Lda., J..., Unipessoal, Lda.., AA e CC; que desde a data da aquisição - 24/06/2009 - o embargante está na posse do imóvel referido, pagando os respetivos impostos, sendo tal posse fundada em modo legítimo de adquirir, desconhecendo o embargante lesar direito de outrem, posse que adquiriu sem violência e que exerce de forma a ser conhecida por toda a gente, exercendo sobre o imóvel uma posse titulada, de boa fé, pacífica e pública.
Foi proferido despacho liminar a receber os referidos embargos e a determinar a suspensão da execução à qual são opostos, relativamente ao bem imóvel em causa.
Notificadas as partes primitivas para contestar os embargos, nos termos do artigo 348º, nº 1, do CPC, veio a embargada/exequente apresentar contestação.
Excepcionou a ilegitimidade do embargante e pugnou pela improcedência dos embargos, sustentando, além do mais, que a alegada aquisição pelo embargante no processo executivo em 24.6.2009 é ineficaz em relação à aqui exequente/embargada, que consequentemente o pode penhorar, ainda que se encontre inscrita em nome de outro titular, como se a venda ou vendas não se tivessem efetuado. Excepcionou, ainda, o abuso do direito, alegando que o embargante foi considerado por sentença transitada em julgado e que serve de título à presente execução que está de má-fé, em conluio com o executado AA. Mais requereu a condenação do embargante como litigante de má-fé, no pagamento de indemnização a favor da embargada, a título de reembolso de despesas incluindo para honorários do seu Advogado e bem assim em multa condigna.
Houve resposta do embargante.
Após a fixação do valor da causa, foi proferido saneador-sentença, julgando improcedentes os presentes embargos de terceiro, a qual se transcreve na parte dispositiva:
«Nestes termos, julgam-se totalmente improcedentes os presentes embargos de terceiro, deduzidos pelo embargante BB e, em consequência:
a) absolvem-se os embargados do pedido;
b) determina-se a manutenção da penhora que incidiu sobre o imóvel identificado sob o nº 5, dos factos provados;
c) ordena-se o normal prosseguimento da instância executiva;
d) condena-se o Embargante como litigante de má fé em multa processual que se fixa em 6UCs e a pagar uma indemnização à Embargada/ Exequente Fagricoop - Cooperativa Agrícola e dos Produtores de Leite de ..., Crl no valor de 5UCs».
Tendo o embargante interposto recurso de apelação do assim decidido, o Tribunal da Relação de Guimarães, julgou parcialmente procedente a apelação e decidiu:
- Revogar a sentença recorrida no segmento em que, julgando verificada a litigância de má-fé por parte do embargante, condenou o embargante no pagamento de uma multa equivalente a 6 UC, e no pagamento de uma indemnização à embargada/exequente no valor de 5 UC;
- Confirmar, no mais, a sentença recorrida.”.
Inconformado com tal acórdão, veio o embargante apresentar o presente recurso de revista, fundado na violação de jurisprudência uniformizada do STJ – art. 629.º, n.º 2, al. c) do CPC.
Para tanto formulou, a final, as seguintes conclusões:
“I) O recorrente, em 21/04/2009, adquiriu o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...13/20051021 e inscrito na matriz predial sob o artigo 1042 da freguesia de ..., no concelho de ..., pelo preço de € 125.000,00 (Cento e Vinte e Cinco Mil Euros) que pagou, tendo, para tanto, apresentado uma proposta em carta fechada, no processo que correu termos sob o nº 464/08.4... do ...º Juízo Cível (extinto) do Tribunal Judicial da Comarca de ....
II) Ora, se a aquisição deste prédio pelo executado AA - registada pela AP. ... de
21/10/2005 - e a hipoteca a favor da CCAM - registada pela AP. ... de 16/02/2006 – nunca estiveram em causa na acção pauliana, esta não pode ser eficaz em relação à execução hipotecária que culminou com a venda judicial, no processo nº ....64/08;
III) Ao contrário do vertido no douto acórdão recorrido, o que releva não é a circunstância do registo da acção pauliana ser anterior ao registo da venda na acção executiva, mas, outrossim, aquele registo ser posterior ao da hipoteca cuja execução deu origem ao processo nº ....64/08, em que o recorrente adquiriu tal prédio.
IV) Não tendo o Tribunal da Relação se pronunciado sobre a questão que lhe havia sido colocada pelo recorrente, qual seja a da inoponibilidade e ineficácia da acção pauliana em virtude do seu registo ter sido efectuado em data posterior ao da hipoteca cuja execução deu origem ao processo em que o recorrente adquiriu o prédio, é evidente a nulidade do acórdão recorrido, atento o vertido na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, pois tratava-se de questão que devia conhecer. Nulidade que desde já se invoca para todos os efeitos legais.
V) O acórdão recorrido, ao responder à questão de saber se o direito de propriedade do embargante é oponível à exequente/embargada, de modo a obstar ao direito alegado por esta de
executar o imóvel propriedade daquele, está a considerar embargante e embargada terceiros, para efeitos de registo. Ou seja, a questão está em saber se, tendo em conta o disposto no artigo 5º, nº 1 e 4 do Código do Registo Predial, a anterioridade do registo da acção pauliana e a aquisição em venda executiva constituem direitos incompatíveis entre si, adquiridos de um autor comum.
VI) Após longa e diversificada controvérsia doutrinal e jurisprudencial, o conceito de terceiros obteve consagração legal, através do DL 533/99, de 11 de Dezembro, que aditou ao art.º 5º do CRP o n.º 4, do teor seguinte: Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si. Esta formulação legal é tributária de uma das posições doutrinais que, acerca do conceito, se vinham digladiando desde há muito e o próprio legislador não deixou de o assinalar, no preâmbulo daquele diploma, onde frisou que «aproveita-se, tomando partido pela clássica definição de Manuel de Andrade, para inserir no art. 5º do Código do Registo Predial o que deve entender-se por terceiros, para efeitos de registo, pondo-se cobro a divergências jurisprudenciais geradoras de insegurança sobre a titularidade dos bens.
VII) No caso dos autos, como estamos perante uma venda no âmbito de uma acção executiva, não é o executado que é o vendedor, pelo que não pode revestir a qualidade de autor comum exigível pelo nº 4 do artigo 5º do CRP, e, consequentemente, o embargante não pode ser considerado terceiro para efeitos de registo.
VIII) A procedência da acção pauliana, invalidando a transmissão do bem do devedor para terceiro, não transfere para o credor o direito de propriedade sobre tal bem. Limita-se a fazer retornar o bem ao património do devedor onde o credor, munido de título adequado, poderá satisfazer o seu crédito através da acção executiva. Não afecta, nomeadamente, o direito real de garantia, como a hipoteca, anteriormente constituída sobre o bem a favor da CCAM.
IX) Por outro lado, atente-se no facto de, aquando da penhora efectuada nos presentes autos – em 30/04/2021 pela Ap. 1117 - os executados AA e J..., Unipessoal, Lda. já não serem proprietários do prédio. É certo que esta penhora veio a ser registada e o registo de aquisição pelo embargante, efectuado provisoriamente, caducou, embora tal aquisição em si mesma haja sido registada, em momento anterior, mais precisamente em 21/07/2009, pela Ap....92.
X) A anterioridade do registo pode ter a virtualidade de estabelecer uma presunção de que o direito correspondente pertence ao respectivo titular inscrito, mas tal presunção pode ser ilidida como de resto o foi nos presentes autos. Não restam dúvidas de que aquando do registo da penhora pela exequente os executados já não eram proprietários do prédio, estando tal direito de propriedade na esfera do ora embargante.
XI) Sendo a hipoteca anterior ao registo da acção pauliana, e tendo o prédio sido vendido naquela execução hipotecária, esta venda - ao contrário do que diz o acórdão recorrido - não é ineficaz em relação à Fagricoop, cujo registo da acção é posterior. Ou, dito de outro modo, a venda judicial de um prédio, com registo de hipoteca anterior ao registo de acção pauliana, é perfeitamente válida e eficaz em relação ao autor desta, in casu, a ora exequente.
XII) Na verdade, o que releva não é a circunstância do registo da acção pauliana ser anterior ao registo da venda na acção executiva, mas, outrossim, aquele registo ser posterior ao da hipoteca cuja execução deu origem ao processo nº 464/08, em que o embargante adquiriu tal prédio.
XIII) O Tribunal da Relação de Guimarães - assim como a 1ª instância - violaram:
a) O disposto nos artigos 686º e 691º do Código Civil;
b) O disposto no artigo 5º, nos 1 e 4 do Código do Registo Predial;
c) O disposto no artigo 408º, nº 1 do Código Civil;
d) A jurisprudência obrigatória plasmada no acórdão de uniformização de jurisprudência nº 3/99 de 18/05.
Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso, concedendo-se a Revista e, em consequência, revogar-se o douto acórdão recorrido e a sentença da 1ª instância, julgando-se procedentes os embargos e ordenando-se o levantamento da penhora efectuada e o cancelamento do respectivo registo. Assim se fazendo a habitual, sã e serena Justiça!”
A recorrida Fagricoop – Cooperativa Agrícola e dos Produtores de Leite de ..., C.R.L., respondeu ao recurso pugnando pela sua improcedência.
A Relação, por acórdão proferido em conferência pronunciando-se sobre a arguição de nulidade deduzida pelo Recorrente, indeferiu-a, mantendo decidido.
Cumpre decidir.
Foram dados como provados os seguintes factos:
“Os…que …constam do relatório[ do acórdão da Relação]…e ainda:
1. A Exequente Fagricoop - Cooperativa Agrícola e dos Produtores de Leite de ..., Crl intentou a execução de que estes autos são apenso contra AA, J..., - Sociedade Agropecuária, Unipessoal, Lda., J..., Unipessoal, Lda. e BB, apresentando como título executivo a sentença proferida no âmbito do Proc. n.º 2834/07.6..., do ...º Juízo Cível de ... -requerimento executivo.
2. Como título executivo foi apresentada a sentença proferida no âmbito do Processo Ordinário, com o n.º 2834/07.6..., do Juízo Central Cível de ... - Juiz ..., confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães e transitada em julgado em 21/10/2015, em que figuravam como Autora a Fagricoop - Cooperativa Agrícola e dos Produtores de Leite de ..., Crl e como Réus os Executado(a)(s) AA (1º Réu) , J..., - Sociedade Agropecuária, Unipessoal, Lda. (2ª Ré), J..., Unipessoal, Lda. (3ª Ré) e BB (4º Réu).
3. Nessa sentença, foi decidido:
« a) Condenar o 1º réu a pagar à autora a quantia de € 1.052.847,45; acrescida dos juros de mora vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
b) Condenar a 2ª ré a ver os bens mencionados nos articulados 24º, 25º e 35º da petição restituídos à situação anterior à data da sua constituição;
c) Condenar a 3ª ré a ver o bem mencionado no articulado 36º da petição restituído à situação anterior à escritura de Compra e Venda de 2007.01.22, fls. 86, Livro 51-A, do Cartório NotarialDD, deste concelho, entre o 1º réu e 3ª ré;
d) Condenar o 4º réu a ver os direitos e bens mencionados no articulado 33º e 34º da petição restituídos à situação anterior à escritura de cessão de quinhões hereditários, de 23.02.07, lavrada de fls. 19, do Livro 54-A, entre 1º réu e 4º réu.
e) Condenar todos os réus a verem anulados quaisquer registos e actos dos prédios identificados nesta petição.
f) Condenar o 1º réu a abster-se de praticar qualquer acto de disposição ou oneração em nome das suas representadas 2ª e 3ª ré, bem como exercer os actos de gerência, diligentemente, sob pena de serem requeridas as suas destituições.
g) Condenar o 4º réu a abster-se de praticar qualquer acto de disposição, partilha ou oneração sobre os quinhões constantes dos documentos juntos sob os nºs 25 e 26 da petição.
h) Condenar a 2ª ré, no pagamento da quantia de € 300.000,00, para garantia da satisfação do crédito da autora.
i) absolver o 1º réu do restante contra si peticionado.
j) absolver a autora do pedido contra si deduzido pelo 4º réu na sua contestação.
Custas pelos réus, na proporção dos respectivos decaimentos, e sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o 1º réu.» - cfr. certidão junta aos autos de execução ref.ª ...38.
4. No âmbito dos autos declarativos referidos em 2 (Proc. n.º 2834/07.6...) ficou provado, entre o mais, ao que interessa nestes autos:
« x) Em 2007.01.03, constituiu o 1º réu a firma de que também é único titular, J..., Unipessoal, Lda., aqui 3ª R, - ver doc. nº 24 – para a qual transferiu em 2007. 01. 22, por escritura de Compra e Venda, de fls. 86, do Livro 51-A, do Cart. Not. DD, deste concelho, o prédio denominado ... ou ..., sito na freguesia de ..., desta comarca, descrito na CRP sob º nº ...13 e inscrito no art. ...98 da matriz rústica respectiva (doc.s 28 e 29).
(…)
6) O prédio referido na alínea X) era o único prédio de que o 1º réu era proprietário.
7) Deparou-se, assim, a autora, durante o desenvolvimento do referido Procedimento, com dificuldades em realizar e efectivar a penhora em mais bens, direitos e bens imóveis do 1º réu.
(…)
9) Ao constituir as duas unipessoais, 2ª e 3ª rés, para as quais transferiu, para a 2ª ré a sua empresa agrícola e todo o seu património, que detinha a título pessoal, para a 3ª ré cedeu o único bem imóvel rústico que possuía e cedeu os quinhões de que era titular a seu irmão BB, aqui 4º réu com ele residente, colocou-se numa ausência total de património.
10) As operações referidas tiveram como único intuito realizar a diminuição da garantia patrimonial do crédito concedido.
11) Tendo unicamente, como finalidade impedir a autora de obter a satisfação do seu crédito.
12) O que tudo fizeram no corrente ano, intencionalmente, com o intuito único de prejudicar a autora, obstando a que esta pudesse satisfazer o seu crédito.
13) O 1º réu por si e também de comum acordo com o 4º réu.
14) Quer o 1º réu na constituição das unipessoais e transferência para estas do que supra se menciona e o 4º réu na aceitação dos quinhões que pertencem ao 1º réu.
15) O 4º réu tinha pleno conhecimento da dívida do 1º réu para com a autora, é bancário e sabia e sabe da situação financeira de seu irmão, inclusive vive com ele.» - cfr. certidão junta aos autos de execução ref.ª ...38.
5. Nos autos principais foi realizada a penhora sobre o Prédio Rústico, denominado "... ou ... Porta", correspondente a um terreno, confrontante a Norte com EE, a Sul Herdeiros de FF, a Nascente com estrada e a Poente com GG, sito no Lugar ..., .... Pertencente ao concelho de ..., freguesia de ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...98º e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o número ...13/20051021;
6. Penhora essa que ficou registada sob a AP. ...17 de 2021/04/30.
7. Sobre esse prédio foram inscritos:
- pela AP. ... de 2005/10/21 - a aquisição desse prédio a favor de AA, por Sucessão Deferida em Partilha Extrajudicial por óbito de HH;
- pela AP. ... de 2006/02/16 - Hipoteca Voluntária a favor da CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE..., CRL;
- pela AP. ... de 2007/01/24 - Aquisição, a favor da J..., Unipessoal, Lda. por compra a AA;
- pela AP. ... de 2008/02/26, a pendência da acção identificada em 2, movida pela ora Exequente Fagricoop - Cooperativa Agrícola e dos Produtores de Leite de ..., Crl contra os Executado(a)(s) e também contra o ora Embargante, e onde foi proferida a sentença oferecida à execução, por nessa acção haver sido requerida a condenação da 2ª Ré a ver restituída à situação anterior à escritura de compra e venda de 22/01/2007, a fls.86, do livro 51-A do Notário DD, de ..., entre o ...º Réu e a ...ª ré e anulados quaisquer registos do prédio; registo esse provisório por natureza;
- pela AP. ... de 2008/04/23 – Penhora a favor da CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE ..., CRL;
- pela AP.... de 2008/05/23 - Penhora a favor da CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE ..., CRL;
- pela AP. ...92 de 2009/07/21 - Aquisição por compra em processo de execução, a favor do ora Embargante BB;
- pela AP. ...69 de 2020/06/22 - a conversão em definitivo do registo da acção identificada em 2, correspondente à apresentação 2008/02/26, com a parte dispositiva «Condenado o 3ª Ré J..., Unipessoal, Lda., a ver os direitos e bens deste prédio, restituídos á situação anterior á escritura de compra e venda, de 22/01/2007, lavrada de fls 86 do Livro 51-A, do Cartório Notarial de DD, do concelho de ..., entre o 1º Réu AA e a 3ª Ré. Condenados todos os réus, a ver anulados quaisquer registos e actos dos prédios»;
- pela AP. 369 de 2020/06/22 foi averbado, oficiosamente, o cancelamento da aquisição correspondente à apresentação 17 de 2007/01/24; a actualização da Ap. 61 de 2008/04/23 - Penhora - provisório por natureza - Artigo 92.º, n.º 2, al. a); «Sujeito Titular Inscrito: AA»; a actualização da Ap. 24 de 2008/05/23 -Penhora - provisório por natureza - Artigo 92.º, n.º 2, al. a); «Sujeito Titular Inscrito: AA»; e a caducidade da aquisição a favor do ora Embargante BB correspondente à apresentação 2792 de 2009/07/21.”
Admissibilidade do recurso:
O recorrente interpôs o recurso de revista ao abrigo do disposto art. 629º, nº 2, al. c), do CPC, invocando a violação, por parte do acórdão recorrido, da jurisprudência uniformizada no Acórdão do STJ n.º 3/99, de 18 de Maio.
Como se viu, o acórdão recorrido confirmou o despacho saneador-sentença na parte em que determinou a manutenção da penhora que incidiu sobre o imóvel identificado no ponto n.º 5 dos factos provados e ordenou o normal prosseguimento da acção executiva.
Como se sustentou nos Acs. do STJ de 13.9.2018, revista nº 679/14.6TBALQ.L1.S1, sumário publicado em www.stj.pt, de 19.5.2020, revista nº 6673/10.9TBCSC-D.L1.S1, de 2.6.2020, revista nº 1199/15.7T8GMR.G2.S2 e de 30.3.2023, revista nº 202/14.2TBBAO-M.P1.S1, estes três últimos publicados em https://juris.stj.pt/, quando se baseia na ofensa de caso julgado, a admissão do recurso depende da possibilidade de a ofensa ocorrer para que o recurso seja admissível (ainda que circunscrito à apreciação dessa questão), sendo a demonstração de que a decisão recorrida ofendeu, realmente, o caso julgado um aspecto que tem a ver com a procedência do recurso.
Afigura-se que este entendimento é transponível para o caso que nos ocupa, em que foi invocada a contradição entre a decisão da Relação e a jurisprudência uniformizada do STJ.
Como assim, admite-se a revista, sem prejuízo da posterior apreciação da real contradição contra jurisprudência uniformizada do STJ.
Do mérito do recurso:
A admissão do recurso ao abrigo da al. c) do n.º 2 do art. 629.º do CPC, com fundamento na violação de jurisprudência uniformizada, tem como consequência que o seu objecto fique circunscrito à apreciação da questão que está na base da sua admissão, não podendo alargar-se a outras questões.
A apreciação da revista deve abranger também a apreciação das nulidades do acórdão recorrido desde que estejam conexionadas directamente com o objecto do recurso, ou seja, das nulidades que sejam conexas com a alegada contradição jurisprudencial (cfr. Acs do STJ de 07.9.2020, revista nº 12651/15.4..., de 16.12.2020, revista nº 12380/17.4... e de 02.6.2021, revista nº 2381/19.3..., disponíveis em https://juris.stj.pt/.)
Assim, deverá apreciar-se a nulidade por omissão de pronúncia arguida pelo recorrente, que tem a ver com a não apreciação da questão da inoponibilidade e da ineficácia da acção pauliana relacionada com o facto de o registo desta acção ter sido efetuado em data posterior ao da hipoteca cuja execução deu origem ao processo em que o recorrente adquiriu o prédio, questão essa que se mostra interligada com aquela que o recorrente suscita a propósito da contradição com a uniformização de jurisprudência,.
Ou seja, atentas as conclusões do recurso de revista, importa apreciar, as seguintes questões: a) a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia; b) a alegada violação do acórdão recorrido com a jurisprudência uniformizada no Acórdão do STJ n.º 3/99, de 18 de Maio, segundo a qual a inoponibilidade de direitos, para efeitos de registo, pressupõe que ambos os direitos advenham de um mesmo transmitente comum.
Da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia.
Como se disse, o recorrente invoca a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d) do CPC), com o fundamento de que o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre a questão que lhe havia sido colocada pelo recorrente, “qual seja a da inoponibilidade e ineficácia da ação pauliana em virtude do seu registo ter sido efetuado em data posterior ao da hipoteca cuja execução deu origem ao processo em que o recorrente adquiriu o prédio”.
Porém, constata-se que o acórdão recorrido apreciou todas as questões relevantes que constituíam o objecto da apelação, à luz do entendimento que considerou decorrer do regime legal aplicável, concluindo, além do mais, que a transmissão do prédio em momento posterior ao do registo da acção de impugnação pauliana é inoponível em relação ao ora exequente.
No âmbito da análise de tal problemática, adoptou, assim, uma posição que, pondo a tónica no registo da acção de impugnação pauliana, não atendeu ao argumento, invocado pelo ora recorrente, de que a acção pauliana é ineficaz devido ao facto de o registo desta ter sido efectuado em data posterior ao da hipoteca (cuja execução deu origem ao processo em que o recorrente adquiriu o prédio).
Pelo exposto, não se podendo confundir questões com argumentos ou linhas de fundamentação jurídica invocados pelas partes, entendemos que o acórdão recorrido não enferma de qualquer nulidade (v. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, pág. 737; r Ac. STJ de 11.10.2022, proc. nº 602/15,0T8AGH.L1-A.S1).
Da alegada contradição da decisão recorrida contra jurisprudência uniformizada do STJ.
O recorrente invoca, ainda, que o acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, entrou em contradição com o Ac. do STJ nº 3/99, de 18 de Maio, que uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: “Terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5.º do Código do Registo Predial, são os adquirentes de boa-fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa”.
Conforme decorre do art. 629º, nº 2, al. c) do CPC, para que proceda a invocação da contradição jurisprudencial aí prevista, é necessário que a oposição se materialize na mesma questão de direito analisada em ambos os arestos. Daqui se retira que deve existir uma identidade substantiva do quadro normativo (identidade normativa) em que se insere a questão essencial decidenda; as soluções jurídicas acolhidas no acórdão recorrido e no acórdão de uniformização de jurisprudência, devem assentar numa mesma base normativa, correspondendo, embora, a soluções divergentes da mesma questão fundamental de direito.
Alegam os recorrentes o seguinte:
“Diz-se no douto acórdão recorrido:
“Deste modo, a eventual transmissão do prédio em momento posterior ao registo de impugnação pauliana é inoponível em relação ao ora exequente, em virtude de ter sido assumidamente realizada após o registo da ação de impugnação pauliana que havia sido interposta pelo exequente relativamente ao mesmo prédio (penúltimo parágrafo da pg. 14).
É certo que o acórdão recorrido, ao responder à questão de saber se o direito de propriedade do embargante é oponível à exequente/embargada, de modo a obstar ao direito alegado por esta de executar o imóvel propriedade daquele, está a considerar embargante e embargada terceiros, para efeitos de registo.
Ou seja, a questão está em saber se, tendo em conta o disposto no artigo 5º, nº 1 e 4 do Código do Registo Predial, a anterioridade do registo da ação pauliana e a aquisição em venda executiva constituem direitos incompatíveis entre si, adquiridos de um autor comum.”.
Conclui o recorrente que, “no caso dos autos, como estamos perante uma venda no âmbito de uma acção executiva, não é o executado que é o vendedor, pelo que não pode revestir a qualidade de autor comum exigível pelo nº 4 do artigo 5º do CRP, e, consequentemente, o embargante não pode ser considerado terceiro para efeitos de registo.”.
Porém, e desde já se antecipa, não se verifica qualquer oposição entre a solução acolhida naquele aresto uniformizador e a acolhida pela Relação no acórdão recorrido.
A situação que está na base do conflito resolvido pelo acórdão uniformizador (num momento em que a lei ainda não definia explicitamente o conceito de terceiro) é diferente da situação da presente acção.
Com efeito, no processo que esteve na base do Ac. do STJ n.º 3/99, o direito incompatível com a propriedade não registada era emergente de mero registo de penhora sobre o bem em causa, ainda não vendido na ação executiva; já presente acção, existe uma venda executiva consumada, sendo que a aquisição do prédio por essa via a favor do embargante foi efectivamente registada pela AP 2792 de 2009/07/21 ( registo que veio a ser cancelado, por força da decisão proferida no âmbito da acção de impugnação pauliana onde foi proferida a sentença dada à execução).
Conforme decorre dessa sentença exequenda, a aí 3.ª ré (Jaripalé - Unipessoal, Limitada) foi condenada a restituir o prédio (que, entretanto, foi penhorado nos autos principais) à situação anterior à escritura de compra e venda de 22.1.2007 celebrada entre o aí 1.º réu e 3.ª ré, sentença que condenou todos os réus, incluindo o ora embargante, a verem anulados quaisquer registos e actos dos prédios identificados na ação.
Nessa medida, e tal como foi enunciado pelo acórdão recorrido, a sentença (proferida no âmbito do processo n.º 2834/07.6... e que constitui o título executivo na presente execução) teve um efeito restitutório do prédio ao património do devedor (o ali 1.º réu, AA), impondo-se, dessa forma, e por força da eficácia do caso julgado a todos quantos intervieram nessa acção (entre os quais o ora embargante), o direito da ora embargada/exequente à restituição do concreto bem imóvel, objecto dos presentes embargos, ao património do devedor (ora 1.º executado) para aí a exequente o poder executar (tal como fez através da execução que corre por apenso aos presentes embargos).
Com efeito, como é entendimento consolidado na jurisprudência e na doutrina, a procedência da acção pauliana confere ao credor o direito a executar o bem alienado como se ele não tivesse saído do património do devedor na medida do necessário para satisfação do seu crédito. A venda sucessiva da coisa tem-se, assim, por ineficaz relativamente ao credor impugnante, que a pode penhorar, ainda que ela se encontre inscrita em nome de outro titular, como se a venda ou vendas não se tivessem efectuado.
Além disso, o acórdão recorrido analisou, ainda, a matéria em discussão sob a perspectiva de que a situação em causa nos presentes autos diz respeito a uma venda executiva do bem, que foi registada posteriormente à data do registo da referida acção de impugnação pauliana – esta registada pela AP. 6 de 2008/02/06 - instaurada pelo ora exequente/embargado, concluindo que, tendo sido a venda judicial a favor do ora embargante, efectuada já na pendência daquela acção com registo anterior ao dessa venda, tal venda não pode ser oposta à ora exequente/embargada.
Ou seja, é patente a dissemelhança dos núcleos factuais e das questões normativas em causa no acórdão recorrido e no Acórdão do STJ n.º 3/99: o que estava em causa neste acórdão uniformizador era saber se o exequente, que logrou registar antecipadamente a penhora sobre o bem reivindicado pelo embargante, podia ser tomado como terceiro em relação ao proprietário que omitiu o registo da sua aquisição; pelo contrário, na presente acção, a questão fundamental é a de saber as implicações que a sentença proferida na acção de impugnação pauliana registada em momento anterior ao do registo de aquisição da venda judicial tem na venda judicial subsequentemente ocorrida a favor do ora embargante.
Com efeito, estas duas questões não se entrecruzam e convocam para o seu tratamento operações de subsunção jurídica manifestamente diferentes: a problemática que se suscita nos presentes autos – relativa à instauração de acção de impugnação pauliana e seus efeitos e relativa aos registos efectuados da propositura da acção e da posterior venda judicial do bem a favor do ora embargante - não foi, nem tinha de ser, resolvida pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 3/99, pela simples razão de que, como se disse, no caso subjacente a este acórdão uniformizador, se encontrava apenas em causa um proprietário do bem, sem registo, sem que tivesse ocorrido ainda qualquer venda executiva, desse modo o conflito de interesses se circunscrevendo apenas ao verdadeiro proprietário do imóvel e ao exequente, titular de penhora registada prioritariamente sobre tal bem.
Além disso, o registo da acção de impugnação pauliana não corresponde ao registo de qualquer ónus, garantia ou encargo sobre o prédio objecto da impugnação, nem corresponde ao registo de um qualquer direito. O registo da acção de impugnação pauliana tem por fim dar publicidade à existência do litígio que a acção encerra, não cumprindo qualquer função geradora ou integrativa de um processo de transmissão de direitos, mas tão somente de protecção de terceiros adquirentes do bem e do credor.
Assim, verifica-se que, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação não qualifica como terceiro quem não adquiriu derivadamente, de um mesmo transmitente, direito incompatível sobre o prédio em litígio. O acórdão da Relação considera que a venda em processo executivo não é oponível à ora embargada apenas com base nas consequências decorrentes da procedência da acção de impugnação pauliana e da prioridade do registo desta açcão em relação à data do registo da aquisição por venda judicial, sem que tenha enveredado, nesse contexto, pela análise do conceito de “terceiro”, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 4 do art. 5º do C.R.Predial,
Não se se pode ter, por isso, o acórdão da Relação como contrário à jurisprudência uniformizada no Ac. nº 3/99: as consequências a retirar do caso julgado formado pela sentença proferida na acção de impugnação pauliana e da circunstância de o registo desta acção ser anterior ao da venda executiva operada a favor do ora embargante não se atêm ao conceito de “terceiro” para efeitos de registo plasmado no nº 4 do art. 5º do C.R.Predial, extravasando, por isso, e de todo, os fundamentos e a decisão do acórdão uniformizador.
Em conclusão, não se verifica que a decisão do Tribunal da Relação tenha sido proferida, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Notifique o administrador da insolvência da recorrida/embargada/exequente do presente acórdão.
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Lisboa, 14 de Janeiro de 2025
António Magalhães (Relator)
Manuel Aguiar Pereira
Jorge Leal