RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE SEGURO
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
DANO NÃO PATRIMONIAL
Sumário


I – Em processo civil é admissível a prova por depoimento indirecto, que será valorada, como a demais prova testemunhal, em função da livre convicção do juiz.
II - A responsabilidade civil do advogado pode resultar quer da violação da obrigação principal do contrato de mandato que celebrou com o seu cliente, quer da violação de deveres acessórios e até deontológicos, mormente os que lhe são impostos pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, sendo seus pressupostos a conduta ilícita do réu-advogado (a qual consistirá, em geral, na inexecução ou execução defeituosa do mandato), a culpa do mesmo (que se presume nos termos do art.º 799º do CC), a existência de danos e o nexo de causalidade adequada entre estes e tal acção/omissão ilícita.
III - O seguro de responsabilidade civil dos advogados é obrigatório, mas nada obsta a que o lesado demande o responsável e a sua seguradora que respondem solidariamente pelos danos por si sofridos, dentro do montante coberto pelo contrato de seguro.
IV – Para efeito de aplicação do art.º 609º, nº 2, do NCPC, é irrelevante que o autor tenha formulado um pedido líquido ou específico sem que tenha conseguido provar os factos que havia alegado e dos quais dependia a fixação ou quantificação do objecto da prestação; também essa situação se insere no âmbito de previsão da norma citada e, portanto, também nesse caso o tribunal deverá condenar no que vier a ser liquidado.
V - O dano não patrimonial grave, merecedor de tutela do direito, é não apenas o dano exorbitante ou excepcional, mas também aquele que sai da mediania, ultrapassando as fronteiras da banalidade, tornando-se inexigível em termos de resignação.

Texto Integral


Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA
intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra
BB e EMP01... Company Se, ...,
pedindo que as rés sejam condenadas a pagar-lhe a quantia de € 70.106,44, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Para tal alegou que a ré BB é advogada, tendo a mesma sido contratada pelo autor para intentar uma acção indemnizatória contra os senhorios, após esta o ter aconselhado a encerrar o estabelecimento comercial e lhe ter garantido o sucesso da acção, dizendo que teria direito a uma indemnização superior a € 100.000,00; que, após ter tido conhecimento que os senhorios tinham intentado contra si uma acção de despejo e que já tinham tomado posse do locado e sido apreendidos os bens ali existentes pertencentes ao autor, informou de imediato a ré que lhe disse que iria contestar a acção e combinar com os senhorios a entrega dos bens; que, apesar de ter sido entregue à ré toda a documentação solicitada para o efeito, a mesma não intentou a acção para a qual havia sido contratada e deixou passar o prazo para impugnar o título de desocupação do locado e proceder ao levantamento dos bens, o que o autor só veio a perceber posteriormente; que a conduta da ré lhe provocou danos de ordem patrimonial e não patrimonial que computou na quantia acima referida (correspondente à soma dos valores indicados nos artigos 10, 11º, 22º, 46º a 48, 50º, 52º, 55º e 64º, da petição inicial).
Fundamentou ainda a responsabilidade da ré seguradora no facto de esta ter celebrado contrato de seguro mediante o qual garante os riscos derivados do exercício da profissão de Advogado.
A ré seguradora apresentou-se a contestar, por excepção, invocando a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade do autor para peticionar os montantes invocados nos artigos 10º, 11º, 50º, 51º, 52º e 55º da petição inicial e que a ré BB sempre seria responsável pelo pagamento da franquia acordada no contrato de seguro; e, por impugnação, afirmando desconhecer a generalidade dos factos alegados na petição inicial e ainda que o autor não alegou factos suficientes que permitam concluir pela prática pela ré de qualquer facto ilícito ou pela perda de chance; que os danos não patrimoniais não revelam gravidade suficiente para ser indemnizáveis e que os juros de mora só poderão ser contabilizados a partir do trânsito em julgado da decisão que os determine.
A 1ª ré apresentou-se igualmente a contestar, por excepção, invocando a ineptidão da petição inicial e a ilegitimidade do autor para deduzir todos os pedidos formulados nos autos; e, por impugnação, afirmando serem falsos os factos que lhe são imputados e os danos invocados. Deduziu ainda reconvenção pedindo a condenação do autor, como litigante de má-fé, em multa e indemnização a favor da ré, no valor de € 7.500,00.
Não tendo sido apresentado qualquer outro articulado, foi designada a audiência prévia e proferido o despacho saneador que se pronunciou sobre as excepções invocadas pela ré seguradora, julgando não verificada a ineptidão da petição inicial e declarando o autor parte ilegítima para peticionar os montantes referidos nos artigos 10º, 11º, 50º, 51º, 52º e 55º da petição inicial.
Foi ainda identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, em moldes que não suscitaram reclamações das partes em litígio, bem como admitida a prova requerida pelas partes.
Posteriormente, por despacho proferido em 5.06.2020, foi proferido despacho a julgar inadmissível a reconvenção deduzida pela ré advogada, o qual foi impugnado por recurso que não veio a ser admitido.

Realizada a audiência final, foi prolatada sentença a julgar parcialmente procedente a acção, constando do respectivo dispositivo o seguinte:

V. DECISÃO
Pelo exposto:
A) Julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:
a) Condeno a 1.ª Ré BB a pagar ao Autor AA a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), correspondente ao valor da franquia;
b) Condeno a 2.ª Ré EMP01... COMPANY SE, SUCURSAL EM ..., a pagar ao Autor AA a quantia de € 27.152,50 (vinte e sete mil, cento e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos em consequência da actuação ilícita da 1.ª Ré ao abrigo do contrato de mandato celebrado entre esta e aquele, acrescida de juros de mora à taxa legal contados da data da citação até efectivo e integral pagamento; c) Declaro que o Autor AA sofreu danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) em consequência da actuação ilícita da 1.ª Ré ao abrigo do contrato de mandato celebrado entre esta e aquele e, por decorrência, condeno a 2.ª Ré EMP01... COMPANY SE, SUCURSAL EM ... a pagar-lhe os juros de mora à taxa legal calculados sobre essa importância de € 5.000,00 (cinco mil euros), contados da data da presente sentença até efectivo e integral pagamento;
d) Absolvo as Rés do demais contra si peticionado pelo Autor;
B) Declaro que não há fundamento para a condenação do Autor e das Rés por litigância de má fé.

*
Custas pelo Autor, na proporção de 54%, pela 1.ª Ré, na proporção de 7%, e pela 2.ª Ré na proporção de 39% (cfr. artigos 527.º, n.º 1, e 607.º, n.º 6, do C.P.C.).
*
Registe e notifique.”.

A ré seguradora recorreu da aludida sentença, tendo concluído as suas alegações nos seguintes termos:

“1. O facto identificado no ponto 1 da matéria provada deve ser dado como não provado uma vez que foi impugnado e não existe qualquer outro meio de prova que sustente a sua demonstração.
2. Por a apreciação do tribunal se afigurar ilógica e violadora das regras de experiência comum e não existirem outras provas que cabalmente os sustentem, na medida em que as declarações de parte, apenas por si, não são um meio idóneo à prova dos factos alegados pela própria parte, devem os factos constantes dos pontos 8 a 10 serem dados como não provados.
3. Em consequência, uma vez que com a não prova dos factos 8 a 10 perde qualquer sentido autónomo o teor do ponto 11, deve o mesmo ser igualmente expurgado do elenco dos factos provados.
4. Para fundamentar a sua convicção positiva quanto à facticidade dos factos n.ºs 12 a 14, o tribunal recorrido baseou-se em documentos que foram impugnados, nomeadamente o seu teor e reprodução mecânica, nos termos do artigo 368.º do Código Civil e 444.º do Código de Processo Civil, não tendo o tribunal demonstrado por que motivo lhes atribuiu credibilidade, sem sustentação em qualquer outro meio probatório.
5. Também não resulta da prova testemunhal a sua sustentação na medida em que a única testemunha que mencionou a compra de chão foi a companheira do autor, CC [min.: 00:25:10 ficheiro áudio 20230106103112_1957028_2870626], sendo que a aludida testemunha referiu que apenas sabia das coisas através do companheiro [min.: 00:53:53; 01:01:16; 01:01:30].
6. Em face do exposto, deve os factos n.ºs 12 e 14 ser dados como não provados.
7. Os factos provados sob os pontos 17 a 20 devem ser dados como não provados uma vez que o tribunal “a quo” decidiu tendo em visto somente a sua visão subjectiva e as declarações de parte do autor, não se socorrendo de qualquer outro meio probatório que corroborasse aquela versão, a qual, por si e desacompanhada de qualquer outro meio probatório e insuficiente para demonstrar a versão do autor.
8. O facto provado sob o n.º 22 deve transitar para os factos carecidos de prova porque os documentos que sustentam a sua demonstração foram impugnados, nomeadamente o seu teor e reprodução mecânica, nos termos do artigo 368.º do Código Civil e 444.º do Código de Processo Civil, não tendo o tribunal demonstrado por que motivo lhes atribuiu credibilidade, sem sustentação em qualquer outra prova.
9. Os factos provados n.ºs 23 a 27 resultam apenas da íntima convicção do julgador e das declarações de parte do autor, o que é manifestamente insuficiente para se concluir pela prova daquela factualidade, desacompanhada de respaldo em qualquer outro meio probatório.
10. Deve ser expurgado do ponto 30 da matéria de facto que “a 1.ª ré procedeu ao pagamento da 1.ª prestação da taxa de justiça, tendo pago a 2.ª prestação em 06.12.2016, no valor de 51,00 euros”, uma vez que o tribunal decidiu apenas de harmonia com a sua íntima convicção e sem sustentação em qualquer outro meio de prova.
11. Devem ser dados como não provados os factos 55 a 58, uma vez que a prova testemunhal através da qual o tribunal recorrido formou a sua convicção se consubstancia em depoimentos indirectos resultantes do que o autor contou às testemunhas.
12. Veja-se, a este propósito, os depoimentos das testemunhas: CC [ficheiro áudio 20230106103112_1957028_2870626, min.: 00:25:10; 00:53:53; 01:01:16; 01:01:30]; DD [ficheiro áudio 20230106120912_1957028_2870626, min.: 00:30:00 a 00:31:08] e EE [ficheiro áudio 20230106144124_1957028_2870626, min.: 00:30:55 a 00:31:13].
13. Não existindo prova testemunhal cabal que corrobore as declarações de parte do autor as mesmas são manifestamente insuficientes, em face da qualidade que assume enquanto parte interessada no desfecho do litígio, para prova daquela factualidade, não servindo como meio de prova que as corrobore as ilações ilógicas do julgador.
14. Em consequência, devem ser dados como não provados os factos 55 a 58 e deve ser retirado do facto 65 a menção à 2.ª ré e nexo de causalidade com os sentimentos ali descritos, em face da ausência de prova dos factos 55 e 56.
15. Não estão preenchidos os pressupostos de que dependem a responsabilização profissional da 1.ª ré.
16. Não ficou demonstrado qualquer facto ilícito da 1.ª ré, uma vez que não se provou que a mesma se comprometeu a intentar qualquer acção judicial sem o contrato de 2019 e tampouco que tivesse iludido o autor quanto à propositura da mesma.
17. Da matéria de facto provada também não resulta demonstrado nem o montante do pretenso dano nem o nexo de causalidade entre o pretenso facto ilícito da 1.ª ré e valor do prejuízo peticionado.
18. Do facto n.º 66 consta apenas um juízo conclusivo e valorativo, dele não se podendo retirar que a perda de rendimentos decorreu de qualquer conduta da 1.ª ré, nem tampouco o valor dos prejuízos apurados,
19. O valor do pretenso dano alcançado pelo tribunal recorrido encontra-se erradamente calculado na medida em que engloba rendimentos de períodos temporais em que quem se encontrava a explorar o EMP02...” não era o autor, mas sim a sociedade “EMP03...”.
20. O autor é parte ilegítima para peticionar perdas de rendimentos a partir do mês de Maio de 2015.
21. O valor atribuído a título de danos não patrimoniais não é devido na medida em que o autor, em sede de declarações de parte confessou que não havia qualquer contrato de 2019 assinado bem sabendo, porque é pessoa instruída, que tal era o pressuposto para obter uma indemnização pelo despejo antecipado.
22. Também não se justifica a atribuição daquele montante em face do comportamento displicente do mesmo, que muito contribuiu para os danos que peticionou, sendo que, além do mais, os sentimentos que resultaram provados não alcançam o patamar mínimo de seriedade legalmente exigido.
23. Ao decidir como decidiu o tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 483.º, 496.º e 563.º, todos do Código Civil.
24. A responsabilidade das rés pelo pagamento de qualquer indemnização é solidária, tendo o tribunal recorrido violado o disposto nos artigos 497.º e 512.º do Código Civil, devendo ser alterado o dispositivo em conformidade e igualmente alterado o segmento das custas.
25. Ao valor da condenação da ora recorrente deve ser deduzido o montante da franquia que ficou a cargo da 1.ª ré de acordo com o disposto na al. a) do dispositivo da sentença, devendo-se alterar o dispositivo em conformidade.
26. Também no que toca aos danos patrimoniais a obrigação de juros só se pode constituir com decisão judicial que determine, em concreto, o montante devido a título de indemnização, contabilizando-se os juros moratórios desde a data do respectivo trânsito em julgado, tendo o tribunal “a quo” violado o disposto no artigo 805.º, n.º 1 do Código Civil.”.
Inconformada, a 1ª ré também recorreu da sentença e terminou as alegações de recurso pedindo que o referido recurso fosse julgado procedente, por provado e em consequência fosse revogada a sentença recorrida por outra em que, acolhendo os argumentos da recorrente, as rés sejam absolvidas da totalidade dos pedidos e das quantias em que foram condenadas. Todavia, após várias vicissitudes processuais, o tribunal ad quem acabou por rejeitar o referido recurso, conforme despacho de 6.12.2024 (pelo que não se transcrevem as respectivas conclusões).

O autor apresentou contra-alegações, concluindo-as nos seguintes termos (omitindo-se, por desnecessidade, as exaradas em resposta unicamente ao recurso da 1ª ré):

“1. A Recorrente EMP01... Company SE, ... impugna a matéria de facto, mas não procede à transcrição dos depoimentos que invoca, e nem sequer dos factos impugnados.
2. Ao não transcrever os depoimentos invocados, a Recorrente não cumpre o mínimo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes.
3. Assim, entendemos e concluímos que a Recorrente EMP01... Company SE, ... não deu cumprimento ao ónus que lhe era imposto no artigo 640.º nº2 alínea b) do Código de Processo Civil.
4. Pelo que, o recurso interposto tal como emerge das conclusões versa, apenas, matéria de direito.
5. Tendo sido apresentado para além do prazo concedido pela lei (30 dias) – cfr. artigo 638.º n.º 1 do Código de Processo Civil, o mesmo mostra-se extemporâneo.
6. Pelo que não deve ser admitido pelo tribunal a quo, o que expressamente se invoca.
(…)
10. Quanto à sentença em si, a mesma não é susceptível de qualquer espécie de censura.
11. Ainda que a pretensão do Recorrido não tenha procedido integralmente, entendemos que a douta sentença é digna do maior elogio na medida em que faz uma correcta aplicação do direito e encontra-se devidamente fundamentada.
12. Não assiste razão às recorrentes nos argumentos aduzidos e respectivas conclusões.
13. Nos presentes autos as Recorrentes prescindiram de toda a prova testemunhal e por declarações de parte que haviam indicado.
14. A matéria de facto dada como assente é a que resulta da ponderação da prova produzida como decorre da motivação respectiva e ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova acolhido no art. 607º, nº 5, do CPC.
15. As Recorrentes, ao não produzirem prova em sede de audiência de julgamento, deixaram apenas a prova produzida pelo Recorrido para que fosse apreciada.
16. E no caso em concreto dos presentes autos assistimos a uma situação diferente do habitual.
17. Em certo momento, quer na inquirição das testemunhas, quer em sede de alegações orais, há uma confusão entre Mandatário e Ré.
18. A Recorrente BB fala de si na primeira pessoa, acabando por admitir certos factos.
19. Factos com relevo para a boa decisão da causa, e que não podem ser ignorados pelo julgador.
20. Quanto aos factos impugnados, os argumentos trazidos não podem proceder.
21. O facto 1) dado como provado foi amplamente falado pelas testemunhas e a própria Recorrente Advogada o admite.
22. Os factos 8 a 11 da factualidade dada como provada, foram trazidos aos autos pela própria Ré/Recorrente BB, sendo a própria que admite a elaboração de um contrato que acabou por não aparecer assinado.
23. Não tendo as Recorrentes feito prova em sentido contrário, a Mma. Juiz a quo decidiu com base na sua convicção, explicando na motivação da sentença a sua convicção quanto aos factos 12 a 14 da factualidade dada como provada.
24. Os factos 17 e 19 foram trazidos aos autos pela própria Ré Advogada, nomeadamente o contrato que vigoraria até 2019, pelo que nos parece totalmente justificada a motivação do Tribunal a quo.
25. Quanto ao facto 18, alega a Recorrente que o tribunal formou a sua convicção apenas nas declarações de parte do Autor.
26. Além de não ser verdade, pois os factos foram confirmados por testemunhas, o depoimento do Recorrido mostrou-se credível, pelo que foi valorado nesse sentido.
27. Reiteramos que se as Recorrentes queriam mostrar que a reunião em causa não tinha ocorrido, ou que o conteúdo da mesma tinha sido distinto daquele que foi trazido aos autos, não deviam ter prescindido das suas testemunhas, que eram precisamente as pessoas que estiveram presentes nessa mesma reunião.
28. Quanto aos factos 23 a 27 que a Recorrente impugna, realmente questionamos que acção poderia ser movida contra os senhorios neste caso, mesmo aparecendo o contrato de 2009.
29. Mas a verdade é que é a própria Ré Advogada que, em sede de alegações finais, admite e assume que haveria uma acção, referindo inclusive que aquando da revogação da sua procuração ainda estaria em prazo.
30. Ainda que em certos momentos sustente que apenas a colocaria aparecendo o contrato, reiteramos o que acabámos de dizer: mesmo aparecendo o contrato, que justificação haveria para encerrar logo o estabelecimento e para demandar os senhorios?!
31. A nosso ver a resposta é: nenhuma justificação. Mas é a Ré Advogada que admite que iria mover uma acção. Ainda que não percebamos que tipo de acção, aparentemente para a Ré Advogada existia uma para o caso concreto.
32. Portanto, é a própria Ré Advogada que admite a possibilidade de intentar uma acção contra os senhorios, ainda que arranje uma desculpa para o não ter feito, nomeadamente sustentando a sua tese no não aparecimento do contrato de 2009 assinado.
33. Uma desculpa que a nosso ver, e do Tribunal a quo, não colou. Porque todo o circunstancialismo trazido aos autos mostra que a Ré Advogada disse que intentaria uma acção, que não intentou, e pior, disse sempre ao Recorrido que o havia feito.
34. Portanto, não pode proceder o argumento trazido pela Recorrida quanto a impugnação destes factos, bem como do facto 30, 55 a 58 e 65 da matéria assente.
35. Quanto ao direito aplicado, mais uma vez relembramos as alegações finais da Ré Advogada, feitas na primeira pessoa, e contando a sua versão dos factos, que a nosso ver demonstram uma confissão dos mesmos.
36. A Recorrente invoca a confusão entre o Recorrido e a sua empresa “EMP03..., Lda.”.
37. Ora, e no que diz respeito aos presentes autos, o contrato de arrendamento em causa era com o Recorrido.
38. Ainda que o mesmo pudesse estar numa fase de transmissão da actividade, o mesmo mantinha actividade aberta e tinha um contrato de arrendamento válido. Apenas se tivesse existido – que não existiu – uma transmissão da posição contratual para a referida sociedade poderia a Recorrida alegar o que alega. Não havendo, era o Recorrido o arrendatário, continuando o mesmo ainda a explorar o EMP02....
39. Também diz a Recorrente que o valor a título de danos patrimoniais não é devido porque sabendo o Recorrido que o contrato de 2019 não estava assinado, não poderia estar à espera de uma indemnização pelo despejo antecipado.
40. Ninguém fala em despejo antecipado.
41. O que existiu no caso em concreto foi uma oposição à renovação do contrato.
42. Aparecendo o novo contrato, o Recorrido teria mais tempo de contrato e eventualmente, se os senhorios quisessem o locado livre antes do termo do prazo, poderia negociar com os mesmos a sua saída ou até a sua continuação.
43. E mais, o Recorrido estava convencido que a acção movida contra os senhorios já tinha dado entrada no Tribunal, tal como consta dos factos provados.
44. Portanto, a indemnização por danos morais é legítima e apenas peca por não ser de valor superior. Mas, vale o princípio do pedido.
45. Por tudo o exposto, não pode o recurso proceder, tendo a sentença de fls. andado bem, devendo ser confirmada, nos seus termos.”.
O tribunal recorrido admitiu o recurso da ré seguradora, considerando-o tempestivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
*
Face ao teor das conclusões do recurso da ré seguradora, são as seguintes as questões que cumpre apreciar:

a) da reapreciação da decisão da matéria de facto quanto aos pontos 1, 8, 10, 11, 12 a 14, 17 a 20, 22, 23 a 27, 30, 55 a 58 e 65 do elenco dos factos provados, apreciando-se – como questão prévia – do cumprimento pela ré/recorrente do ónus de impugnação previsto no art.º 640º, nº 2, al. b), do NCPC;
b) da reapreciação do direito aplicado, nomeadamente:
i. apreciando se se encontram preenchidos, no caso, os pressupostos da obrigação de indemnizar com base na responsabilidade civil profissional da 1ª ré;
e, em caso de manutenção da decisão condenatória:
ii. averiguando da quantificação dos danos apurados;
iii. verificando se a responsabilidade das rés é solidária;
iv. apreciando se ao valor da condenação da recorrente deve ser deduzido o montante da franquia que ficou a cargo da 1ª ré de acordo com o disposto na al. a) do dispositivo da sentença, alterando-se o dispositivo em conformidade; e
v. decidindo se os juros de mora relativos aos danos patrimoniais só poderão ser contabilizados a partir do trânsito em julgado da decisão.
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III. Fundamentação

3.1. Fundamentos de facto
O Tribunal recorrido fixou nos seguintes termos a factualidade provada e não provada (assinalando-se a negrito a matéria de facto impugnada):

“A. Factos Provados
1. O Autor explorou o estabelecimento comercial denominado “EMP02...”, sito em ..., entre o ano de 2006 e o ano de 2015.
2. Para o funcionamento do Bar, o Autor, em 12 de Julho de 2006, celebrou com FF o denominado «contrato de arrendamento comercial» que se encontra junto a fls. 113/114 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, tendo por objecto a Loja ..., do ... andar, do prédio sito na Avenida ..., ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...34.º.
3. Com vista ao alargamento do espaço de funcionamento do Bar, o Autor, em 10 de Março de 2008, celebrou com o mesmo senhorio o denominado «contrato de arrendamento comercial» que se encontra junto a fls. 116/117 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, tendo por objecto a loja ... do mesmo imóvel.
4. Em ../../2013 faleceu FF e o lugar de senhorios do Autor passou para a herança indivisa por óbito daquele com o NIF ...59.
5. No ano de 2015, por volta do mês de Abril/Maio, o Autor constituiu a sociedade “EMP03..., L.da” que passou a explorar o estabelecimento comercial “EMP02...” e, a partir do dia 03.06.2015, passou a ter ao seu serviço o trabalhador GG, que até então ali laborava ao serviço daquele.
6. Ao longo dos vários anos de exploração do Bar, o Autor incrementou os seus rendimentos passando de um rendimento anual bruto de cerca de € 30.000,00 para valores de cerca de € 70.000,00/80.000,00.
7. Tal ocorreu em virtude de o “EMP02...” ser conhecido como um lugar de referência em ... para o divertimento nocturno, devido ao bom ambiente e às boas condições que oferecia, atraindo muitos clientes.
8. Através do processo n.º ...07 a correr os seus termos na Câmara Municipal ..., o Autor, por sua iniciativa, providenciou pela regularização da situação do Bar, com vista à obtenção de licença de utilização e respectivo alvará para o fim a que foi destinado, alterando este de comércio para café.
9. Antes, porém, houve de ser regularizada a situação do prédio que integrava as lojas n.ºs ... e ... que tinham sido dadas de arrendamento ao Autor, em razão de o mesmo não estar constituído em regime de propriedade horizontal, passando aquelas a constituir uma fracção.
10. Na sequência, e até para efeitos de actualização do valor da renda e definição do modo de pagamento da mesma, foi reformulado o contrato de arrendamento do EMP02..., tendo-se firmado, em substituição dos contratos de 2006 e 2008 referidos em 2. e 3., o denominado «contrato de arrendamento comercial» de 29.05.2009 que se encontra junto a fls. 343-345 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
11. Tudo foi tratado pela 1.ª Ré, em representação e a pedido do Autor, na qualidade de Advogada.
12. Em Julho de 2015, já em representação da sociedade “EMP03..., L.da”, e com o conhecimento e consentimento dos senhorios, o Autor decidiu fazer obras de remodelação e melhoramento nas lojas onde funcionava o “EMP02...”, tendo para tal contratado a empresa “EMP04..., L.da”.
13. O preço acordado para a execução de tais obras foi de € 13.500,00, tendo a EMP03..., L.da pago à empreiteira, por cheque, o valor de € 4.065,04 para início das obras.
14. A EMP03..., L.da comprou à empreiteira um pavimento no valor de € 2.973,05 para ser aplicado no Bar.
15. No dia 30.08.2015 (domingo), com o fim das festas em honra da Nossa Senhora do Caminho, o Autor decidiu encerrar o Bar por 15 dias, para a realização das obras.
16. No dia ../../2015, à noite, quando o Autor se encontrava a desmontar os equipamentos para se iniciarem as obras, apareceram familiares e herdeiros do falecido FF que o informaram, verbalmente, para não fazer as obras porque pretendiam dar outro destino às lojas n.ºs ... e ... arrendadas.
17. Porque tivesse ficado preocupado com tal informação, o Autor, logo na manhã do dia seguinte, procurou no seu escritório a 1.ª Ré, Dra. BB, na qualidade de Advogada, tendo esta lhe dito, de imediato, para não iniciar as obras enquanto não reunisse com os senhorios.
18. A reunião realizada no dia 05.09.2015 não teve qualquer resultado satisfatório em razão de terem os senhorios oferecido uma indemnização cujo valor estava aquém da compensação que a 1.ª Ré achava justa para o seu cliente, face ao investimento por este feito desde 2006 e ao volume de facturação alcançado.
19. Então, a 1.ª Ré aconselhou o Autor a não mais abrir o Bar até se definir a situação com os senhorios.
20. O Autor assim fez, face ao conselho de alguém em quem confiava e que já lhe havia tratado de outros assuntos.
21. Por carta de 29.09.2015 que se encontra junta a fls. 106/107, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, endereçada ao Autor e por este recepcionada em ../../2015, os senhorios comunicaram-lhe a sua oposição à renovação do contrato firmado em 12.07.2006, com efeito a partir de 01.07.2016.
22. Em 01.09.2015, a EMP03..., L.da já havia comunicado ao trabalhador GG sua decisão de extinguir o seu posto de trabalho, o que veio a efectivar-se no dia 31.10.2015.
23. O Autor logo deu conhecimento à 1.ª Ré do teor da referida carta.
24. Por entender que o seu cliente não poderia ser despejado sem mais, nomeadamente sem o pagamento de uma indemnização por perda de rendimentos, a 1.ª Ré tentou negociar, através do advogado que representava os senhorios, a saída do Autor do arrendado.
25. Face à frustração das negociações, que decorreram até ao início do ano de 2016, a 1.ª Ré comunicou ao Autor que deveriam avançar com uma acção judicial contra aqueles, aconselhando-o a manter o Bar fechado, o que fez.
26. Para o efeito o Autor entregou à Ré, a solicitação desta, uma procuração forense assinada por aquele em nome próprio e em representação da EMP03..., L.da e a documentação necessária, à excepção do exemplar assinado do contrato referido em 10., em virtude de não o ter encontrado.
27. Também lhe entregou, por cheque emitido em ../../2016, a importância de € 1.200,00 a título de provisão para honorários e/ou despesas.
28. Sucede que, em data não concretamente apurada mas anterior a ../../2016, a EMP05..., S.A. instaurou contra a EMP03..., S.A. um procedimento de injunção solicitando o pagamento de serviços prestados.
29. Regularmente notificada, a EMP03..., L.da, representada pela 1.ª Ré, na qualidade de sua mandatária, deduziu em 21.09.2016 a oposição que se encontra junta a fls. 334-336 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
30. Na sequência da remessa do processo n.º 79902/16.... para o Juízo de Competência Genérica de ..., desta Comarca de Bragança, a 1.ª Ré procedeu ao pagamento da 1.ª prestação da taxa de justiça, tendo pago a 2.ª prestação em 06.12.2016 no valor de € 51,00.
31. A audiência de julgamento teve lugar em 17.01.2017, com a presença da 1.ª Ré, do Autor e de uma testemunha que apresentaram.
32. Por falta de prova dos factos alegados no requerimento de injunção, o Tribunal concedeu a palavra à 1.ª Ré para alegações finais, que para o efeito usou, tendo de imediato proferido sentença absolvendo a EMP03..., L.da do pedido.
33. Em 04.11.2016, os senhorios instauraram procedimento especial de despejo junto do Balcão Nacional do Arrendamento, que aí correu termos sob o n.º 3734/16.....
34. O Balcão Nacional do Arrendamento converteu o requerimento de despejo em título para a desocupação do locado.
35. No seu requerimento de despejo, os senhorios designaram a Sra. Agente de Execução HH para a desocupação do locado.
36. Às 12:50 horas do dia 16.05.2017 a Sra. Agente de Execução afixou um aviso na morada Av. ..., Loja ..., ... ....
37. Tal morada foi indicada pelos senhorios por requerimento de 24.11.2016, inclusivamente para efeitos de notificação do requerido AA, aqui Autor.
38. Nessa morada sempre esteve instalado o EMP02..., que deixou de laborar a partir do dia ../../2015.
39. Através do referido aviso a Sra. Agente de Execução fez saber ao Autor “que, não tendo encontrado qualquer pessoa presente neste local em condições de poder ser notificada, fica informado que se procedeu ao arrombamento da porta de acesso, encontrando-se as chaves na posse do proprietário do imóvel”.
40. E advertiu “de que dispõe do prazo de 30 dias para proceder ao levantamento dos bens sob pena de serem considerados abandonados”.
41. Nele a Sra. Agente de Execução deixou todos os seus contactos (n.ºs de telefone, fax e telemóvel, domicílio profissional e endereço electrónico).
42. Naquela data, e com a presença de dois militares da G.N.R., que para o efeito foram requisitados, procedeu-se ao arrombamento de portas com a substituição de fechaduras para apreensão dos bens móveis que se encontravam no interior do estabelecimento comercial.
43. Os referidos bens móveis são os que se encontram identificados na «relação de bens existente no locado» junta a fls. 213-215, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
44. Alertado por terceiros, o Autor deslocou-se à referida morada e, perante a carta que encontrou na caixa do correio e após leitura do aviso, aí tomou conhecimento de que os senhorios tinham instaurado um processo contra si e já tinham tomado posse do locado, que estavam apreendidos todos os bens ali existentes e que tinha um prazo de trinta dias para remover os bens, sob pena de serem considerados abandonados.
45. De imediato o Autor informou a 1.ª Ré do que tinha acabado de saber e de que nunca tinha recebido qualquer tipo de correspondência na morada da sua residência.
46. A 2.ª Ré remeteu às 18:47 horas do dia 19.06.2017 para o escritório da Sra. Agente de Execução, por via telemática, um requerimento, por si subscrito em nome do Autor e da EMP03..., L.da, e por referência ao processo identificado em 33., informando da morada “Rua ..., ..., ..., ... ...” para a qual deveriam ser notificados.
47. A Sra. Agente de Execução endereçou ao Autor e para a morada indicada o «ofício» que se encontra junto a fls. 216 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, solicitando a junção da procuração forense que conferia poderes à 1.ª Ré para subscrever o referido requerimento.
48. Por requerimento de 02.10.2017, que se encontra junto a fls. 155-157 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, a 1.ª Ré, em nome do Autor e da EMP03..., L.da, remeteu, por via telemática, a procuração forense solicitada pela Sra. Agente de Execução, outorgada a seu favor pelo Autor em 28.01.2016, conferindo-lhe “os mais amplos poderes forenses em direito permitidos”.
49. E solicitou à Sra. Agente de Execução a designação de dia e hora para facultar ao Autor o acesso ao estabelecimento comercial a fim de retirar os bens, do qual o A. teve inteiro conhecimento.
50. Em 12.02.2018, a Secção do Juízo de Competência Genérica de ..., desta Comarca de Bragança, fez concluso ao Juiz o processo n.º 173/17.....
51. Em 19.02.2018 foi proferido o despacho que se encontra junto a fls. 165/166, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, julgando infundado e extemporâneo o requerimento apresentado pela 1.ª Ré em 02.10.2017 e ordenando que a Sra. Agente de Execução diligenciasse pelo regular andamento dos autos.
52. Em 21.03.2018 o Autor apresentou requerimento no processo n.º 173/17.... revogando a procuração que havia conferido à Sra. Dra. BB, aqui 1.ª Ré, e juntando procuração forense a favor da Sra. Dra. II.
53. A 1.ª Ré teve conhecimento da revogação da procuração pelo Autor por notificação expedida em 23.03.2018.
54. Pelo menos desde finais de Janeiro de 2016 o Autor não mais levantou a correspondência do Bar.
55. Apesar de todas as diligências feitas nesse sentido, melhor descritas em 25. e 26., por razões não concretamente apuradas, a 1.ª Ré não chegou a propor qualquer acção indemnizatória contra os senhorios do Autor.
56. Não obstante, o Autor esteve sempre convencido de que o fizera, já que a 1.ª Ré lhe ia dizendo que teriam de aguardar por notícias do Tribunal sem nunca revelar que ainda não havia proposto a acção.
57. Disso tomou o Autor conhecimento através da nova advogada que tinha contratado.
58. A quantia de € 1.200,00 referida em 27. foi usada pela 1.ª Ré para pagamento da taxa de justiça no proc. n.º 79902/16.... e respectivos honorários.
59. À data de 16.09.2017 os bens que compunham o recheio do Bar e que se encontram discriminados na relação de bens referida em 43. já haviam revertido para os senhorios, sem qualquer possibilidade de recuperação.
60. Para o EMP02... o Autor adquiriu:
- uma bancada refrigerada de inox com grupo à esquerda pelo valor de € 1.314,00;
- uma bancada de inox com duas prateleiras e uma porta e escaparate de inox pelo valor de € 2.000,00;
- uma arca congeladora ... e um suporte de plasma pelo valor total de € 280,00;
- um ventilador pelo valor de € 1.000,00;
- um plasma ... pelo valor de € 1.639,20;
- 3 mesas altas e 12 bancos de bar pelo valor total de € 768,00;
- 7 mesas com tampo preto, 28 cadeiras em branco e 10 bancos altos pelo valor total de € 5.000,00;
- acrílicos redondos com reclame, imagem para balcão, imagem para WC, imagem música com placa luxobond, imagem TV, bolsa acrílica e papel decorativo pelo valor total de € 768,35;
- uma mesa de som e sistema de som com microfones sem fios e com fios, amplificador, várias fichas e cabos e outros equipamentos de som pelo valor global de € 4.207,10.
61. Em Abril e Maio de 2015, o Autor adquiriu, também para o EMP02..., várias bebidas, alcoólicas e não alcoólicas, num total de 48 garrafas, pelo valor total de € 669,42.
62. No ano de 2015, até Junho, com a actividade do EMP02... o Autor arrecadou a quantia bruta de € 21.722,12.
63. Na sequência do encerramento do Bar, o Autor, em representação da EMP03..., L.da, pagou ao trabalhador GG, em Outubro de 2015, a importância de € 4.114,50 a título de vencimento, indemnização e subsídios de férias e natal.
64. O Autor sofreu grande desgosto e ficou deprimido quando foi confrontado com a perda de todos os bens que constituíam o recheio do EMP02..., vendo desfeito todo o seu trabalho de anos.
65. E sentiu-se muito desiludido e traído quando percebeu que a 1.ª Ré não tinha zelado pelos seus interesses, defraudando a confiança que nela depositava e a expectativa de ser indemnizado pelos senhorios em acção judicial que por aquela foi aconselhado a propor e sempre esteve convencido de que tinha entrado no Tribunal.
66. Como consequência do sucedido com o EMP02..., o Autor sofreu perda de rendimentos que lhe asseguravam uma vida desafogada, tendo-se confrontado com uma alteração da sua situação económica, especialmente porque a sua companheira se encontrava grávida e tinham feito os seus planos tendo em conta o rendimento global de ambos.
67. Desde 2007/2008 que o Autor recebe subsídios agrícolas de olival.
68. O Autor tornou-se um empresário agrícola no concelho ..., dedicando-se à produção de amêndoa desde 2012/2013, para o que também recebe subsídios do Estado, tendo auferido a esse título no ano de 2015 o valor global de € 30.445,24.
69. Entre a Ordem dos Advogados e a Companhia de Seguros EMP01... Company SE, Sucursal em ... foi celebrado um contrato de seguro de grupo, temporário, anual, do ramo de responsabilidade civil, titulado pela Apólice n.º ...9....
70. Através do referido contrato de seguro a Ré assumiu a responsabilidade de pagar os eventuais prejuízos causados a terceiros no exercício da advocacia por advogados inscritos na Ordem dos Advogados, com um limite de € 150.000,00 por sinistro.
71. Tal contrato foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com data de início às 0:00 horas do dia 1 de janeiro de 2019 e termo às 0:00 horas do dia 1 de janeiro de 2020.
72. Através desse contrato firmado com a 2.ª Ré foi, ainda, acordada a franquia de € 5.000,00 por sinistro.
*
B. Factos não provados

- a Ré BB disse ao Autor que para o despejarem teriam de lhe pagar uma indemnização no mínimo de cem mil euros ou mais;
- garantindo-lhe que iriam ganhar a acção e que a indemnização seria superior a cem mil euros.
- a quantia de € 1.200,00 entregue à Ré foi para pagamento de serviços por esta prestados para obtenção de alvará de licença, referente ao EMP02..., que se encontrava numa situação de ilegalidade, desde há vários anos, funcionando sem licença de utilização e respectivo alvará;
- a partir do momento em que comunicou ao Autor que o processo tinha dado entrada no Tribunal de Bragança, a 1.ª Ré deixou de atender as chamadas telefónicas do Autor e se mostrou sempre indisponível para o atender no seu escritório;
- mas numa reunião que o Autor marcou com a Ré, no ano de 2017, a Autora voltou a garantir que o processo tinha entrado no Tribunal e que o iriam ganhar, dizendo até que “nem que eu cometa uma loucura e accione o meu seguro”;
- quando falou com a Advogada, já a EMP03..., Lda. tinha fechado o café, que funcionava há muito tempo sem licença nem alvará;
- a Advogada foi contactada bem mais tarde, quando a EMP03..., já tinha comunicado ao trabalhador GG, a extinção do posto de trabalho;
- o Autor adquiriu para o Bar uma máquina do gelo e várias canecas no valor de € 1.315,00, várias garrafas de bebidas brancas, num total de € 2.860,00, vários sumos, águas e outras bebidas num valor total de € 500,00, uma vitrine publicitária do “...” com um valor comercial de € 600,00, prateleiras, estantes e móveis em ferro no valor de € 100,00, granito do balcão no valor de € 800,00, uma caixa de ferramentas com vários conjuntos de chaves no valor de € 150,00, três guarda sois no total de € 300,00;
- o Autor adquiriu um aparelho de ar condicionado no valor de € 2.000,00 para instalar no bar após as obras.”.
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3.2. Fundamentos de direito

3.2.1. da reapreciação da decisão de facto
Cumpre começar por apreciar o erro de julgamento imputado à decisão de facto.
E nesta sede se a recorrente observou os ónus de impugnação que sobre si recaem (cfr. art.º 640º, do NCPC).
Para a apreciação desta pretensão importa ter presente os seguintes pressupostos:

Prescreve o art.º 639º do NCPC – sobre o ónus de alegar e de formular conclusões - nos seguintes termos:

“1. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3. Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4. O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5. O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.”.

Por sua vez, dispõe o art.º 640º do NCPC que:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636º”.
Assim, aos concretos pontos de facto, aos concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: delimitar o âmbito do recurso e tornar efectivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrente deverá apresentar “um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido” (assim, o ac. da RP de 17.03.2014, processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, disponível in www.dgsi.pt).
Não cumprindo o recorrente os ónus do art.º 640º, nº 1 do NCPC, dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art.º 639º, nº 3 do NCPC (cfr. ac. da RG de 19.06.2014, processo nº 1458/10.5TBEPS.G1, in www.dgsi.pt).
Não obstante, não se poderá olvidar que os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. o ac. do STJ de 28.04.2014, processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, acessível in www.dgsi.pt).
Assim sendo, têm-se vindo a entender que nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, bastando que os demais requisitos constem de forma explícita da motivação (neste sentido, veja-se o recentíssimo AUJ 12/2023, in DR 220/2923, Série I, de 14.11).
Por outro lado, é também entendimento largamente maioritário que se deverá usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no nº 1 do art.º 640º (de delimitação do objecto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do nº 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) [neste sentido, ac. do STJ de 29.10.2015, processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, também acessível in www.dgsi.pt].
Com efeito, o ónus atinente à indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicação, com exactidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. acs. do STJ, de 26.05.2015, processo nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, de 22.09.2015, processo nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, de 29-10-2015, processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, e de 19.01.2016, processo nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, todos acessíveis in www.dgsi.pt).
Diga-se, porém, que a apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do nº 2 do art.º 640º do NCPC (neste sentido, ac. do STJ de 19.02.2015, processo nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, in www.dgsi.pt), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova dos factos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. ac. do STJ de 28.05.2015, processo nº 460/11.4TVLSB.L1.S1, também acessível in www.dgsi.pt).
Acresce que a insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, ver o proficiente ac. do STJ de 19.02.2015, processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, acessível in www.dgsi.pt).
Note-se que, “em termos substanciais, a impugnação da matéria de facto traduz-se no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância, procurando-se que a Relação reaprecie e repondere os elementos probatórios produzidos, averiguando se a decisão da primeira instância relativa aos pontos de facto impugnados se mostra conforme às regras e princípios do direito probatório, impondo-se se proceda à apreciação não só da valia intrínseca de cada um dos elementos probatórios, da sua consistência e coerência, à luz das regras da normalidade e da experiência da vida, mas também da sua valia extrínseca, ou seja, da sua consistência e compatibilidade com os demais elementos.” (cfr. ac. da RL de 26.09.2019, processo nº 144/15.4T8MTJ.L1, consultável in www.dgsi.pt).
Não obstante o que deixamos dito, na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do art.º 662º do NCPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.
Por conseguinte, o tribunal de recurso não só pode, como deve sanar oficiosamente, e quando para tal tenha todos os elementos, os vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no art.º 662º, nº 2, al. c) do NCPC (ou seja, independentemente do recorrente impugnar os pontos de factos em causa ou mesmo que o mesmo não cumpra os supra elencados ónus de impugnação da decisão de facto).
Assim e sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, estão estas dependentes da iniciativa da parte interessada tal como resulta do citado art.º 640º do NCPC.
Motivo por que e tal como refere Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, em anotação ao artigo 662º do NCPC, p. 338 e 339 “Ou seja, sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de normas imperativas, à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscrever o objeto do recurso. Assim o determina o princípio do dispositivo que se revela através da delimitação do objecto do recurso (matéria de facto) através das alegações.
Posto que, em tais circunstâncias, a modificação da decisão da matéria de facto esteja dependente da iniciativa da parte interessada e deva limitar-se aos pontos de facto especificamente indicados, desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais que constam do art.º 640º, a Relação já não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (art. 413.º), sem exclusão sequer da possibilidade de efetuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão.”.
Sobre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai, portanto, o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso, salvo se tratar de questão do conhecimento oficioso.
Em todo o caso, sendo de admitir a impugnação da matéria de facto, a Relação pode e deve reapreciar a prova que se lhe afigurar pertinente para decidir da concreta pretensão recursória (excepto, como é evidente, se se tratar de uma situação que contenda com a apreciação de prova vinculada).
Com efeito, tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.ºs 341º a 396º do CC e 607º, nos 4 e 5 e ainda 466º, nº 3 (quanto às declarações de parte) do NCPC], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.
Fazendo ainda [vide, Abrantes Geraldes, in ob. cit., em anotação ao art.º 662º do NCPC, p. 328 e seguintes]:
- uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide art.º 349º do CC), sem prejuízo do disposto no art.º 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;
- ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no art.º 607º, nº 4, última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objecto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância);
- levando em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no art.º 607º, nº 4 do NCPC (norma que define as regras de elaboração da sentença), ex vi art.º 663º do NCPC (norma que define as regras de elaboração do acórdão e que para o disposto nos art.ºs 607º a 612º do NCPC remete, na parte aplicável).
Por fim, é de realçar que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide, art.º 607º nº 4 do NCPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram. Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos art.ºs 414º do NCPC e 346º do CC.
Importa ainda referir, com particular acuidade no caso em apreço que, na medida em que os recursos visam, por via da modificação de decisão antes proferida reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, temos de concluir que a reapreciação da matéria de facto está limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objecto processual delineado pelas partes e assim já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo [vide, neste sentido, acs. desta RG de 12.07.2016, processo nº 59/12.8TBPCR.G1 e de 11.07.2017, processo nº 5527/16.0T8GMR.G1, disponíveis in www.dgsi.pt].
Também o Supremo Tribunal de Justiça sufraga esta jurisprudência, afirmando o seguinte no seu ac. de 14.07.2021 (processo nº 65/18.9T8EPS.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt): «Se o facto que se pretende impugnar for irrelevante para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis, não há qualquer utilidade naquela impugnação da matéria de facto, pois o resultado a que se chegar (provado ou não provado) é sempre o mesmo: absolutamente inócuo. O mesmo é dizer que só se justifica que a Relação faça uso dos poderes de controlo da matéria de facto da 1ª instância quando essa actividade da Relação recaia sobre factos que tenham interesse para a decisão da causa, ut artº 130º do CPC. Quando assim não ocorre, a Relação deve abster-se de apreciar tal impugnação.».
Estas as linhas gerais em que se baliza a reapreciação da matéria de facto na Relação.
*
Tendo presentes estes considerandos e revertendo ao caso concreto, é possível extrair das conclusões do recurso quais os pontos da decisão de facto sobre os quais recai a crítica da recorrente, imputando erro de julgamento.
E igualmente se extrai das alegações do recurso que a apelante pugna que os factos impugnados sejam considerados como não provados (ou seja, resulta claro, qual a redacção que a recorrente pretende que seja conferida aos factos impugnados), bem como quais os concretos meios probatórios (ou falta deles) que, no seu entender, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Deste modo, resta-nos verificar se - conforme veio defender o recorrido - a recorrente não procedeu à indicação exacta das passagens da gravação no sistema informático, nos termos do disposto no art.º 640º, nº 1, al. b) e nº 2, al. a) do NCPC.
Ora, decorre das conclusões de recurso que a apelante pretende ver modificada a matéria de facto inserta nos pontos 1, 8, 10, 11, 12 a 14, 17 a 20, 22, 23 a 27, 30, 55 a 58 e 65 do elenco dos factos provados.
Porém, analisada a motivação do recurso, facilmente se constata que a recorrente apenas faz apelo à prova gravada para fundamentar as alterações que pretendem ver introduzidas aos pontos 12 a 14 e 55 a 58 dos factos provados, sendo que quanto aos demais ou restringe a sua pretensão de reapreciação à prova documental (ponto 22) ou à inexistência de prova e insuficiência ou inadequação das declarações de parte para, por si, fundamentar a convicção do julgador sobre os factos em causa (pontos 8 a 10, 17 a 20, 23 a 27 e 30) ou pura e simplesmente entende que a factualidade deveria ter sido dada como não provada no confronto com outros factos provados (pontos 11 e 65).
E prescrutada a impugnação deduzida com base na prova gravada, facilmente se constata que a recorrente procedeu à indicação exacta das passagens da gravação no sistema informático tidas por relevantes, pelo que carece de razão a crítica dirigida à impugnação da decisão da matéria de facto.
Por conseguinte, entendemos que falece de razão o argumento invocado pelo recorrido para não se apreciar a impugnação da matéria de facto.
Todavia, afigura-se-nos que, a reapreciação pretendida pela recorrente, é, pelo menos em parte, inútil.
Com efeito, a demonstração da matéria de facto constante dos pontos 12 a 14 e 30 do elenco dos factos provados não teve qualquer repercussão na decisão proferida nos presentes autos, pelo que a apreciação da sua impugnação também se revela inútil para a pretendida alteração da decisão condenatória proferida pela 1ª instância.
Veja-se que – no que importa às quantias reclamadas nos autos a título de despesas efectuadas com obras e aludidas nos mencionados pontos 12 a 14 - o autor/recorrido foi declarado parte ilegítima para peticionar tais montantes já em sede de despacho saneador (decisão que não foi impugnada e que, portanto, há muito transitou em julgado), sendo que tais quantias já não foram consideradas nos valores indemnizatórios fixados na sentença recorrida.
E no que respeita ao teor do ponto 30 do elenco dos factos provados (pagamento pela ré advogada das taxas de justiça devidas num processo judicial estranho aqueles que se encontram em discussão nos autos), trata-se de facticidade meramente instrumental, cuja reapreciação não tem, por si só, qualquer relevância para o caso em apreço.
Por conseguinte, não procederemos à reapreciação dos pontos 12 a 14 e 30 do elenco dos factos provados, por se revelar tal reapreciação completamente espúria.       
Isto posto, resta-nos analisar da pertinência da alteração pretendida pela recorrente quanto aos demais pontos de facto impugnados.

Vejamos, então.

. quanto à impugnação deduzida relativamente ao ponto 1. do elenco dos factos provados:

“1. O Autor explorou o estabelecimento comercial denominado “EMP02...”, sito em ..., entre o ano de 2006 e o ano de 2015.”
Insurge-se a recorrente quanto à decisão proferida pelo tribunal a quo relativamente a tal factualidade, dizendo nas conclusões que a mesma foi impugnada e não existe qualquer meio de prova que sustente a sua demonstração. Mas sem qualquer razão.
Com efeito e muito embora a ré/recorrente tenha impugnado tal factualidade por desconhecimento, não podendo o tribunal recorrido alicerçar a sua convicção na admissão de tal facto pela 1ª ré na respectiva contestação, a verdade é que a demonstração da exploração do estabelecimento comercial pelo autor entre 2006 e 2015 encontra-se devida e amplamente suportada quer na prova documental oferecida nos autos (vg, contrato de trespasse celebrado em ../../2006 celebrado entre o autor/recorrido e JJ referente ao estabelecimento em questão), quer nos depoimentos prestados por todas as testemunhas e pelo autor/recorrido – a cuja audição procedemos na íntegra -, os quais quanto a tal factualidade prestaram depoimentos coincidentes e circunstanciados, merecendo nessa medida credibilidade.
Improcede, portanto, e nesta parte, o recurso.

. quanto à impugnação deduzida relativamente aos pontos 8. a 11. do elenco dos factos provados:
“8. Através do processo n.º ...07 a correr os seus termos na Câmara Municipal ..., o Autor, por sua iniciativa, providenciou pela regularização da situação do Bar, com vista à obtenção de licença de utilização e respectivo alvará para o fim a que foi destinado, alterando este de comércio para café.
9. Antes, porém, houve de ser regularizada a situação do prédio que integrava as lojas n.ºs ... e ... que tinham sido dadas de arrendamento ao Autor, em razão de o mesmo não estar constituído em regime de propriedade horizontal, passando aquelas a constituir uma fracção.
10. Na sequência, e até para efeitos de actualização do valor da renda e definição do modo de pagamento da mesma, foi reformulado o contrato de arrendamento do EMP02..., tendo-se firmado, em substituição dos contratos de 2006 e 2008 referidos em 2. e 3., o denominado «contrato de arrendamento comercial» de 29.05.2009 que se encontra junto a fls. 343-345 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
11. Tudo foi tratado pela 1.ª Ré, em representação e a pedido do Autor, na qualidade de Advogada.”
Quer na motivação, quer nas conclusões de recurso, a ré/recorrente insurge-se contra a decisão proferida pelo tribunal a quo relativamente a tal factualidade, apenas com o fundamento da convicção do tribunal se ter baseado exclusivamente nas declarações de parte do réu.
Vejamos se se confirma esta alegação da recorrente.
Na motivação da sentença ora em crise pode ler-se, no que a este particular interessa, o seguinte:
“A prova dos factos 8. e 10. sustenta-se nos documentos de fls. 343-351 – o contrato de arrendamento datado de 29.05.2009 e não assinado pelos outorgantes, o expediente do processo n.º ...07, no qual o Autor está referenciado como «requerente» e indicada a «alteração de uso da fracção ..., de comércio para café» como «assunto», e a caderneta predial urbana do artigo ....º, que referencia um «prédio destinado a habitação e comércio» com cave, ..., 1.º, 2.º e 3.º andares e sótão.
Especificamente quanto ao ponto 10., cremos que a elaboração de tal contrato veio na sequência dos procedimentos feitos para regularização da situação do Bar, aproveitando-se para se fazer a actualização das rendas. É o procedimento correcto, ante a constituição do prédio em propriedade horizontal, com fracções autónomas diferenciadas, e face à pretensão, perfeitamente denotada da redacção de tal contrato, de aumento do valor da renda e de clarificação dos espaços arrendados – e tal só poderia ser aconselhado por um profissional como a 1.ª Ré. Percebemos do teor de tal contrato que, além de terem sido agregadas num só documento as duas lojas arrendadas, que antes eram objecto de contratos diferentes (de 2006 e 2008) e com rendas diferenciadas (€ 362,62 e € 150,00, respectivamente), e de ter sido fixada uma só renda, no valor de € 533,20 (que é ligeiramente superior à soma daquelas rendas - € 512,62 - certamente para actualização das rendas fixadas em 2006 e 2008), foi incluída a referência ao «respectivo terraço» (vide cláusula 4.ª) – note-se que o Autor referiu, em sede de declarações de parte, que “tinha uma esplanada com 15 mesas”, só podendo estar a referir-se ao terraço só podendo estar a referir-se ao terraço – e, pasme-se, foi alterada a forma de pagamento «por cheque, nas instalações do senhorio» ou «através de transferência bancária para a conta do 1.º outorgante por este a indicar» (vide cláusula 10.ª), por forma a haver comprovativos (nos contratos de 2006 e 2008 previa-se o pagamento «na residência do senhorio ou por transferência bancária» – vide cláusula 4.ª).
De resto, é particularmente impressivo que tenha sido a 1.ª Ré a dar conhecimento nos autos sobre a existência de um terceiro contrato, facto totalmente omitido pelo Autor na sua petição inicial, mas confirmado pelo mesmo em sede de declarações de parte que prestou. Com efeito, o Autor afirmou que “foi a Dra. BB que o minutou”, que “entreguei-o à Dra. BB depois de estar assinado por mim e pelo Sr. FF”, “para ser apresentado nas Finanças” e que o mesmo “desapareceu”. Mas reconheceu que “a Sra. Dra. pediu-me o contrato assinado”, que “procuramos no escritório da Dra. BB e não apareceu o contrato assinado” e que “também procurei no bar, numa pasta que lá tinha, mas não encontrei”.
E, pese embora o Autor se referir sempre ao contrato desaparecido como sendo “o contrato de 2008” – o que só pode dever-se lapso seu, pois esse consta dos autos devidamente assinado por ambos os outorgantes –, a menção de que esse contrato lhe “dava até 2019” indicia fortemente a existência desse contrato de 2009, visto que na respectiva cláusula 7.ª se estipula que «o arrendamento é feito pelo prazo de dez anos, com início no dia 29 do mês de Maio do ano de 2009» e os contratos de 2006 e 2008 previam prazos de duração e renovação diferentes, 5 anos o primeiro e 3 anos o segundo, o que nos faz reportar aos anos de 2016 e 2017, respectivamente (aos dias 1 de Julho de 2016 e 1 de Março de 2017, mais precisamente – vide cláusula 3.ª).
Além disso, o facto de ter sido junta aos autos apenas a minuta do contrato e pela mão da 1.ª Ré só pode ser justificado pela circunstância de esta a ter no seu arquivo (no computador e/ou em papel, já que foi a própria que a redigiu, conforme admitido pelo Autor), não se vislumbrando razões minimamente plausíveis para aquela ter consigo o original assinado (por razões óbvias, os contratos devem ficar na posse dos respectivos outorgantes). De resto, que interesse teria a 1.ª Ré em ficar com o contrato, sabendo que não lhe competia comunicá-lo às Finanças? É, pois, inverosímil a versão apresentada pelo Autor no sentido de que entregou à 1.ª Ré o contrato devidamente assinado para apresentar nas Finanças. Como decorre da lei1 e, aliás, é do senso comum e prática corrente, compete ao senhorio participar o contrato às Finanças, pagando o respectivo imposto de selo.
Repare-se que o contrato de 2006 foi participado às Finanças por FF para efeitos de pagamento de imposto de selo em 20.07.2006 (€ 36,27, correspondente a 10% do valor da renda, € 362,62), tendo o imposto referente ao contrato de 2008 sido pago em 14.03.2008 (€ 15,00, correspondente a 10% do valor da renda, € 150,00) – vide documentos de fls. 118, 120 e 121, constando a assinatura de «KK», o que foi referenciado pelas testemunhas como sendo marido da herdeira LL (LL).
Do vindo de expor resulta a inserção dos factos 10. e 11., ao abrigo do disposto no artigos 5.º, n.º 2, do C.P.C., tendo o Autor reconhecido, em sede de declarações de parte que prestou, que a 1.ª Ré lhe tratara de outros assuntos (e os resolvera, pelos vistos), razão por que depositava confiança na mesma. A respeito vejam-se também os documentos de fls. 332-342 e 352-355 – expediente referente ao processo de injunção n.º 79902/16...., a saber a notificação da EMP03... efectuada pelo Balcão Nacional de Injunções com data de ../../2016, a oposição subscrita pelo Autor com data de 21.09.2016, o requerimento de 05.12.2016 subscrito pela 1.ª Ré juntando comprovativo do pagamento em 06.12.2016 da 2.ª prestação de taxa de justiça no valor de € 51,00 (já tinha pago, pelo menos, o valor de € 51,00 com a apresentação da oposição, como é de lei e resulta do prosseguimento da acção) e a acta de audiência de julgamento e sentença de absolvição da EMP03... com data de 17.01.2017, constando mencionado o nome da 1.ª Ré como «mandatária do réu».”.
Do ora transcrito, resulta evidente que o tribunal a quo não criou a sua convicção unicamente com base nas declarações de parte do autor/recorrido.
As declarações de parte foram ponderadas, mas, primeiro, foram ponderadas não isolada, mas conjuntamente com outros elementos de prova (mormente, documental) e, segundo, foram ponderadas nos termos admitidos por lei, valendo quanto a elas o princípio da livre apreciação do julgador, conforme expressamente resulta do disposto no art.º 466º, nº 3 do NCPC.
Na verdade, e independentemente de ser discutido na doutrina e na jurisprudência o modo como esta apreciação deve ser efectuada (vide, ac. da RL de 26.04.2017, relatado por Luís Pires de Sousa, e disponível in www.dgsi.pt), no caso concreto, o raciocínio do tribunal a quo não envolveu quanto a esta questão uma interpretação errada ou indevida de normas de direito probatório material, e em particular do art.º 466º do NCPC.
Depois, não tendo a ré/recorrente sequer feito qualquer esforço argumentativo para colocar em causa todos os meios probatórios nos quais o tribunal a quo efectivamente baseou a sua convicção, é manifesto não poder proceder este segmento do recurso, mantendo-se a factualidade em questão no elenco dos factos provados.
. quanto à impugnação deduzida aos pontos 17. a 20. do elenco dos factos provados.
“17. Porque tivesse ficado preocupado com tal informação, o Autor, logo na manhã do dia seguinte, procurou no seu escritório a 1.ª Ré, Dra. BB, na qualidade de Advogada, tendo esta lhe dito, de imediato, para não iniciar as obras enquanto não reunisse com os senhorios.
18. A reunião realizada no dia 05.09.2015 não teve qualquer resultado satisfatório em razão de terem os senhorios oferecido uma indemnização cujo valor estava aquém da compensação que a 1.ª Ré achava justa para o seu cliente, face ao investimento por este feito desde 2006 e ao volume de facturação alcançado.
19. Então, a 1.ª Ré aconselhou o Autor a não mais abrir o Bar até se definir a situação com os senhorios.
20. O Autor assim fez, face ao conselho de alguém em quem confiava e que já lhe havia tratado de outros assuntos.”
Relativamente a este segmento do recurso, diz o réu o seguinte, nas suas conclusões:
“Os factos provados sob os pontos 17 a 20 devem ser dados como não provados uma vez que o tribunal “a quo” decidiu tendo em visto somente a sua visão subjectiva e as declarações de parte do autor, não se socorrendo de qualquer outro meio probatório que corroborasse aquela versão, a qual, por si e desacompanhada de qualquer outro meio probatório e insuficiente para demonstrar a versão do autor.”.
Ora, face ao teor das conclusões e mesmo analisando mais de perto a impugnação deduzida pela ré/recorrente no corpo das suas alegações, temos, pois, que a mesma acaba por defender que a prova produzida quanto a tal factualidade não permite concluir no sentido seguido pelo tribunal a quo e não que ocorreu total ausência de prova/instrução sobre estes mesmos factos, o que seria coisa diversa.
Baseia-se, pois, novamente a apelante e tão só na insuficiência das declarações de parte do autor para, por si só, alicerçar a convicção positiva do tribunal a quo relativamente a tal factualidade. Ou seja, a impugnação da recorrente funda-se tão só numa suposta violação de regras do direito probatório material.
Porém, perscrutando a motivação do tribunal recorrido relativamente a esta matéria, ressuma igualmente neste conspecto que não é minimamente correcto afirmar-se que o tribunal recorrido se bastou com as declarações de parte do autor/recorrido para considerar provados os factos descritos nos pontos de facto referidos.
Muito pelo contrário.
Com efeito, o tribunal recorrido baseou ainda e sobretudo a sua convicção quanto a tal facticidade na apreciação de toda a demais prova produzida em audiência, tendo equacionado a documentação junta aos autos, que reputou essencial, no confronto com a prova testemunhal e fê-lo de forma crítica e fundamentada, esclarecendo a forma como formou a sua convicção e especificando os fundamentos decisivos para a formação da mesma.
Rememoremos, pois, aqui o que o tribunal recorrido diz a este propósito na sua motivação:
No que concerne aos pontos 15. a 27., o Tribunal atendeu à única prova testemunhal produzida em audiência de julgamento (que foi arrolada pelo Autor), que, no geral, se mostrou coerente, isenta, consistente e coincidente entre si, pela sua razão de ciência, pela coincidência dos relatos em pormenores que só podem ser dados por alguém que, pessoal e directamente, ou indirectamente (quanto ao conhecimento de ouvir contar ao Autor, que o confirmou em sede de declarações de parte que prestou), deles tomou conhecimento, sendo alguns sustentados em prova documental e nas regras da experiência e do senso comum.
Assim, as testemunhas foram unânimes quanto à descrição das circunstâncias em que o Autor foi informado pelos senhorios (mais concretamente, por LL e KK ou KK, conforme referido por algumas testemunhas que, estando a acompanhar o Autor nos trabalhos, confirmaram a presença daqueles) de que não fizesse as obras por terem outro destino a dar às lojas arrendadas (em sede de declarações, o Autor contou que lhe foi dito que pretendiam fazer um hotel ou um alojamento local, não havendo mais prova disso além dos testemunhos de ouvir dizer ao Autor), facto que é demonstrado pelo teor da carta de 29.09.2015 que se encontra junta a fls. 106/107, ante a comunicação de oposição à renovação do contrato – inequivocamente, não quiseram manter o arrendamento ao Autor das lojas n.ºs ... e ..., se bem que este referiu, em sede de declarações de parte que prestou, que na reunião de “sábado de manhã, que até coincidiu com o baptizado dos meus sobrinhos”, lhe deram a possibilidade de utilizar a cave para os mesmos fins (hipótese que logo foi recusada pelo Autor, por não ter luz natural – bem compreensível), o que suscita dúvidas sobre o verdadeiro motivo para a cessação do contrato existente.
Conforme consta daquela carta, e até foi confirmado pelo Autor em sede de declarações de parte que prestou, a 1.ª Ré endereçou cartas aos senhorios (pelos vistos duas, em 15.09.2015 e 24.09.2015, conforme teor da carta de fls. 106/107) antes do envio dessa mesma carta, reportando-se as mesmas aos recibos de renda, à licença de utilização, ao alvará referente ao bar e às obras. Sobre estas, o seu conhecimento prévio por parte dos senhorios quanto ao seu conteúdo surge negado em tal missiva (não já o conhecimento prévio da intenção de as realizar porque tal não é propriamente dito na carta e o Autor assegurou que comunicou aos Autores a sua intenção de fazer obras no Bar) – “não informou acerca da sua natureza, do seu tipo, da sua duração, nem do seu impacto na estrutura do edifício, já de si deteriorado em resultado das vibrações produzidas pelas emissões sonoras do bar, nem tão pouco da existência de licença administrativa para a sua realização”.
Portanto, dúvidas não há de que o Autor solicitou os serviços da 1.ª Ré para lhe tentar resolver o problema da cessação do arrendamento e que esta fez diligências nesse sentido junto dos senhorios, sendo plausível, porque absolutamente correcto em face da situação supostamente inesperada, que o aconselhou a não realizar as obras até se definir a situação com os senhorios e, bem assim, a não abrir o Bar (por causa da indemnização por perda de rendimentos), ante a incerteza da situação e, conforme dito pelo Autor, “para pressionar os senhorios”. Isto porque só um mês após a conversa havida no Bar entre senhorios e inquilino, aqueles manifestaram ao Autor, pelo menos em termos formais, a sua decisão de não renovação do contrato e lhe deram a saber que não pretendiam a desocupação imediata do espaço onde funcionava o Bar (nem poderiam, ante a obrigatoriedade de serem observados os procedimentos e prazos legais e a invocação do contrato de 2006, cujo términus ocorreria em Julho de 2016). De resto, o «requerimento de despejo» deu entrada no Balcão Nacional do Arrendamento em 04.11.2016 (vide requerimento de fls. 109-126).
Já se não se prova que a 1.ª Ré o tivesse aconselhado a deixar de pagar a renda. Disseram-no claramente as testemunhas CC e DD; e vemos que os senhorios não reclamaram o pagamento de rendas, nem o Autor o refere. Se bem que também se estranha que o Autor, mantendo o Bar fechado por vários meses, anos até, já que os senhorios tomaram posse do imóvel em 16.05.2017 (conforme expediente referente à desocupação do locado), continuasse a pagar uma renda mensal no valor de € 530,00 (de Setembro de 2015 a Junho de 2017, quando terá tido conhecimento disso, são € 11.660,00 só em rendas!). De todo o modo, para o caso, é irrelevante.
Foi nesse entretempo, de 31/08 a 29/09 (conforme registo postal junto a fls. 119 e envelope de fls. 163, a carta de 29/09 foi remetida em 30/09 e recepcionada pelo Autor em 01/10), que a 1.ª Ré encetou e promoveu diligências, como a reunião do dia 05.09.2015, que as testemunhas DD e EE confirmaram (foi no dia do baptizado dos filhos), tendo ainda remetido aos senhorios as cartas de 15/09 e 24/09 que são mencionadas na carta de 29/09.
O Autor, em sede de declarações de parte que prestou, além da possibilidade de arrendar a cave do prédio para os mesmos fins, referiu que na reunião feita com a presença de todos os herdeiros do anterior senhorio lhe foi apresentada uma proposta de indemnização no valor de € 30.000,00, sinal de que o pagamento de uma indemnização foi aventado e negociado, só o podendo ser com a intermediação de advogados, de parte a parte (“o Dr. AA, advogado dos senhorios”, conforme referido pela testemunha CC – no expediente referente ao procedimento especial de despejo vemos identificado o Sr. Dr. MM), e tendo como critério o investimento realizado desde que iniciou a exploração em 2006 (relembramos que, com o arrendamento da loja em 2008, o Autor aumentou o espaço do Bar, para o que teve de fazer obras de fundo) e o volume de facturação (recordamos que houve um incremento de rendimento bruto de € 30.000,00 – não residirá aí a oferta dos € 30.000,00? – para € 70.000,00/80.000,00).
Ainda quanto às circunstâncias em que o Autor foi informado pelos senhorios para não realizar as obras, sabendo que as festividades em honra da Nossa Senhora do Caminho em ... tem lugar no último domingo de Agosto2 e verificando no calendário do ano de 2015 que foi em 30/08 esse último domingo – até porque o Autor, com bastante pormenor, descreveu a sequência dos factos, referindo-se a uma 2.ª feira como sendo a do 1.º dia de encerramento do Bar (por 15 dias, como fazia todos os anos) para fazer os trabalhos de preparação das obras que iriam iniciar no dia seguinte, factualidade que foi confirmada por todas as testemunhas, por terem estado a acompanhar o Autor na execução desse trabalhos –, foi, efectivamente, no dia ../../2015 que o Autor foi abordado pelos senhorios, que até eram vizinhos, à noite, como todos afirmaram, razão por que só no dia seguinte, de manhã, procurou a 1.ª Ré. Por conseguinte, a reunião com os senhorios no sábado seguinte, que pelas testemunhas e pelo próprio Autor foi referenciado como sendo o dia do baptizado dos seus sobrinhos, ocorreu no dia 05.09.2015.”.
Perante tal detalhada fundamentação, à ré/recorrente impor-se-ia colocar em causa os meios probatórios nos quais o tribunal a quo efectivamente baseou a sua convicção ou ao menos concretizar os meios probatórios concretos susceptíveis de evidenciar o erro de julgamento do tribunal a quo quanto aos factos impugnados, o que manifestamente não fez, limitando-se a fundamentar a sua discordância quanto ao decidido - com fundamento, pois, em violação do direito probatório material - o que não ocorre.
Ante o ora exposto, ou seja, perante a ausência de alegação de qualquer fundamento relevante e válido para alterar os pontos 17 a 20 dos factos provados no sentido pretendido pela recorrente, decorre a manifesta improcedência da impugnação da matéria de facto nesta parte.
. quanto à impugnação do ponto 22. do elenco dos factos provados
“22. Em 01.09.2015, a EMP03..., L.da já havia comunicado ao trabalhador GG sua decisão de extinguir o seu posto de trabalho, o que veio a efectivar-se no dia 31.10.2015.”
Defende a recorrente que o facto ora transcrito deve transitar para os factos carecidos de prova porque os documentos que sustentam a sua demonstração foram impugnados, nos termos do art.º 368º do CC e 444º do NCPC, não tendo o tribunal demonstrado por que motivo lhes atribuiu credibilidade, sem sustentação em qualquer outra prova.
Ora, salvo o devido respeito, mais uma vez, se revela completamente carecida de fundamento a impugnação deduzida à decisão da matéria de facto quanto a este ponto, desde logo, porquanto os documentos que sustentaram a demonstração de tal factualidade foram juntos pela co-ré (cfr. documentos nºs 1 a 6 da contestação da ré advogada) e não pelo autor, sendo certo ainda que, quer o autor, quer a ré/recorrente, apesar de lhes ter sido notificada a contestação apresentada pela ré advogada e os respectivos documentos anexos, nada vieram dizer ou impugnar.
Depois, o teor dos documentos em causa é por si só bastante para demonstrar a matéria de facto em questão.
Impõe-se, pois, e sem necessidade de doutras considerações, manter inalterada a factualidade dada como provada neste ponto.
. quanto à impugnação dos pontos 23 a 27 do elenco dos factos provados
“23. O Autor logo deu conhecimento à 1.ª Ré do teor da referida carta.
24. Por entender que o seu cliente não poderia ser despejado sem mais, nomeadamente sem o pagamento de uma indemnização por perda de rendimentos, a 1.ª Ré tentou negociar, através do advogado que representava os senhorios, a saída do Autor do arrendado.
25. Face à frustração das negociações, que decorreram até ao início do ano de 2016, a 1.ª Ré comunicou ao Autor que deveriam avançar com uma acção judicial contra aqueles, aconselhando-o a manter o Bar fechado, o que fez.
26. Para o efeito o Autor entregou à Ré, a solicitação desta, uma procuração forense assinada por aquele em nome próprio e em representação da EMP03..., L.da e a documentação necessária, à excepção do exemplar assinado do contrato referido em 10., em virtude de não o ter encontrado.
27. Também lhe entregou, por cheque emitido em ../../2016, a importância de € 1.200,00 a título de provisão para honorários e/ou despesas.”
Insurge-se a recorrente quanto à decisão do tribunal recorrido quanto a estes factos, afirmando que os mesmos “resultam apenas da íntima convicção do julgador e das declarações de parte do autor, o que é manifestamente insuficiente para se concluir pela prova daquela factualidade, desacompanhada de respaldo em qualquer outro meio probatório”.
Mas, mais uma vez, sem fundamento bastante.
Para tanto, basta atentarmos no teor da motivação do tribunal a quo no que a este particular concerne e que, assim, passamos a transcrever:
“Merece, pois, credibilidade a versão do Autor sobre a sucessão de factos desde o dia ../../2015 até ../../2015 e deste em diante – é absolutamente verosímil e consentâneo com os procedimentos que se esperam de um Advogado ante a iminência de perda do posto de trabalho de um cliente e em total defesa dos seus interesses, como é seu dever, não só em termos legais mas também ao nível deontológico.
Por essa razão, também consideramos demonstrados os factos inseridos nos pontos 23. a 27., em virtude de, mais uma vez, ser o comportamento expectável da 1.ª Ré, na qualidade de advogada do Autor, perante a oposição à renovação do contrato impetrada pelos senhorios (cuja carta lhe foi entregue, conforme decorre da cópia do envelope junta a fls. 163 e que a 1.ª Ré apresentou no procedimento de despejo) e a frustração de todas as negociações (frustração essa que decorre, além do mais, da instauração do procedimento de despejo em 04.11.2016, já que a oposição à renovação do contrato operada por carta de 29.09.2015 diferia os seus efeitos para 01.07.2016). E veja-se que a 1.ª Ré estava munida de uma procuração forense outorgada pelo Autor a seu favor com data de 28.01.2016, sendo datado de ../../2016 o cheque emitido pelo Autor à ordem da 1.ª Ré no valor de € 1.200,00 (cuja cópia se encontra junta a fls. 108), só podendo ser um pagamento a título de ‘provisão’ (pagamento antecipado, portanto) para honorários e/ou despesas, dadas as circunstâncias em que o mesmo surge, depois da oposição à renovação do contrato de arrendamento e perante a frustração de todas as tentativas de negociação com os senhorios. Não é, pois, crível que tal pagamento tivesse sido para pagar serviços prestados anteriormente (de 2007, 2008, 2009…, como a 1.ª Ré sugeriu na sua contestação), sendo que nessa data o Autor ainda estava na posse legítima do Bar, já que os efeitos da oposição à renovação produziam-se a 1 de Julho de 2016. E também não colhe a versão do Autor de que tal cheque seria para pagar ‘a’ taxa de justiça, já que a taxa de justiça devida por uma acção no valor de € 100.000,00, como afirma que a 1.ª Ré se comprometeu a tal, é de € 918,00; e mesmo que fosse a do escalão seguinte (> € 100.000,00), no valor de € 1.020,00, sempre teria a possibilidade de a pagar em duas prestações (cfr. artigo 14.º do R.C.P. e tabela I anexa) – então, nada era pago à 1.ª Ré a título de honorários? Acresce que a taxa de justiça é paga através de um DUC.”.
Do que deixamos transcrito, resulta evidenciado pois que, quanto à factualidade em análise, o tribunal recorrido embora ponderando sobremaneira as declarações prestadas pelo autor, fê-lo tomando em atenção a prova documental produzida nos autos e que discrimina e analisa proficuamente, objectivando também neste ponto a sua convicção.
Ou seja, resulta que o tribunal a quo valorou de acordo com a regra da livre apreciação da prova, como lhe incumbia as declarações de parte do autor, à luz da documentação oferecida nos autos.
Deste modo, temos que concluir também nesta parte pela improcedência manifesta do recurso.
 . quanto à impugnação dos pontos 55 a 58 e 65 do elenco dos factos provados:  
“55. Apesar de todas as diligências feitas nesse sentido, melhor descritas em 25. e 26., por razões não concretamente apuradas, a 1.ª Ré não chegou a propor qualquer acção indemnizatória contra os senhorios do Autor.
56. Não obstante, o Autor esteve sempre convencido de que o fizera, já que a 1.ª Ré lhe ia dizendo que teriam de aguardar por notícias do Tribunal sem nunca revelar que ainda não havia proposto a acção.
57. Disso tomou o Autor conhecimento através da nova advogada que tinha contratado.
58. A quantia de € 1.200,00 referida em 27. foi usada pela 1.ª Ré para pagamento da taxa de justiça no proc. n.º 79902/16.... e respectivos honorários.
65. E sentiu-se muito desiludido e traído quando percebeu que a 1.ª Ré não tinha zelado pelos seus interesses, defraudando a confiança que nela depositava e a expectativa de ser indemnizado pelos senhorios em acção judicial que por aquela foi aconselhado a propor e sempre esteve convencido de que tinha entrado no Tribunal.”
Defende ainda a recorrente que os pontos 55. a 58. do elenco dos factos provados devem ser considerados não provados, uma vez que a prova testemunhal através da qual o tribunal recorrido formou a sua convicção se consubstancia em depoimentos indirectos, resultantes do que o autor contou às testemunhas CC, DD e EE, não existindo, pois prova testemunhal cabal que corrobore as declarações de parte do autor.
E, que em consequência, deve ser retirado do facto 65 a menção à 1ª ré (só por lapso manifesto escreveu na conclusão 14ª “2ª ré”, em vez de “1ª ré”) e nexo de causalidade com os sentimentos ali descritos em face da ausência de prova dos factos 55 e 56.
Apreciando.
Antes de mais, importa desde já referir que, “[e]m processo civil é admissível a prova por depoimento indirecto, que será valorada, como a demais prova testemunhal, em função da livre convicção do juiz.”, conforme e bem se alude no ac. da RL de 18.01.2018, processo nº 1758/13.2TBMTA.L1, acessível in www.dgsi.pt).
No mesmo sentido, veja-se ainda o ac. do STJ de 5.07.2018, processo nº 97/12.0TBPVL.L1.S1 e os acs. da RL de 6.01.2016, processo nº 387/12.2TTPDL.L1 e de 6.07.2021, processo nº 2775/16.6T8ALM-A.L1, todos consultáveis in www.dgsi.pt.
Depois, ouvidos na íntegra os depoimentos das testemunhas em causa – respectivamente, companheira, irmã e cunhado do autor – temos por certo que muitos dos factos relatados pelas mesmas resultou apenas daquilo que lhes foi sendo transmitido pelo autor/recorrido, já que, conforme as mesmas afirmaram, sem qualquer rebuço, nunca estiveram presentes em qualquer reunião tida entre o demandante e a 1ª ré. Não obstante, as aludidas testemunhas demonstraram ter conhecimento directo de muitos outros factos e circunstâncias, desde logo atenta a sua relação familiar próxima com o autor, o que conferiu consistência e credibilidade ao por si relatado.
Com efeito, as aludidas testemunhas para além de terem prestaram depoimentos circunstanciados, ricos de pormenores e na essência coincidentes, mostraram-se consentâneos, quer com o que foi relatado pelo autor nas respectivas declarações de parte, quer com o teor da prova documental, sendo que nenhuma prova foi produzida nos autos susceptível de abalar ou infirmar os seus testemunhos.
Note-se que as referidas testemunhas ouvidas em audiência final disseram que tendo sido comunicado ao autor/recorrido pelos senhorios que pretendiam se opor à renovação do(s) contrato(s) de arrendamento dos imóveis onde se encontrava instalado o estabelecimento comercial denominado “EMP02...”, este procurou de imediato a 1ª ré, tendo o autor lhes dado a conhecer, logo à data, que a mesma teria aconselhado ao demandante “a estar quieto” – nas palavras impressivas da testemunha DD – e a não retirar os bens do local enquanto não se definisse a situação com os senhorios; e que não tendo o autor aceite a proposta de acordo inicialmente apresentada pelos senhorios, ficou a aguardar o decurso das negociações levadas a cabo pela sua advogada com o advogado dos senhorios e que, posteriormente, em face da frustração de tais negociações, a 1ª ré o aconselhou a avançar com uma acção de indemnização (tendo em consideração o investimento realizado no locado e os rendimentos do estabelecimento comercial), tendo a testemunha CC referido ainda ter conhecimento que o autor, para tal efeito, no início de 2016, outorgou uma procuração a favor da 1ª ré e emitiu um cheque para pagamento da taxa de justiça e honorários e que ficou também o autor a aguardar o resultado da mesma.
Pelas referidas testemunhas foi ainda asseverado que o autor/recorrido estava completamente convencido que a 1ª ré tinha intentado a projectada acção indemnizatória e que foi completamente apanhado de surpresa quando tomou consciência que, não só tinha perdido os bens que compunham o estabelecimento comercial, como nem sequer iria receber uma indemnização, em virtude de não ter sido intentada nenhuma acção para tal efeito pela 1ª ré, sentindo-se enganado e gravemente desapontado com aquela (como também amplamente explicado e enfatizado pelas testemunhas).
Não podemos deixar de acompanhar ainda o juízo efectuado pelo tribunal recorrido quando afirma que da análise crítica e concatenada da prova documental produzida nos autos ressalta evidente que o autor/recorrido tinha incumbido a 1ª ré de propor uma acção contra os senhorios, pois o mesmo outorgou, por si e na qualidade de legal representante da sociedade por si constituída em Abril/Maio de 2015 – a EMP03..., Lda – uma procuração forense a favor da 1ª ré, com data de 28.01.2016 (cfr. documento 26 junto com a petição inicial) e emitiu, a título pessoal, um cheque a favor da 1ª ré em ../../2016, no valor de € 1.200,00, sendo que a emissão deste cheque na referida data nunca poderia ter tido como objectivo proceder ao pagamento da taxa de justiça e honorários da acção nº 79902/16.... (apenas proposta contra a EMP03...), como quis fazer crer a 1ª ré (cfr. ponto 38º, da contestação), porquanto dos próprios documentos por esta juntos com a contestação se retira conclusão diversa.
Na verdade, resulta do documento nº 7 junto com a contestação que sociedade EMP03..., Lda apenas foi notificada da acção proposta contra si pela EMP05... em 7.09.2016, ou seja, mais de sete meses após a outorga da dita procuração forense e cerca de meio ano após a emissão do cheque.
Resta dizer ainda que, no que concerne à facticidade aludida no ponto 58 do elenco dos factos provados, também não vemos razão para não considerar igualmente acertada a decisão do tribunal recorrido, o qual teve em consideração, desde logo, a posição assumida pela 1ª ré no seu articulado e que não pode ser escamoteada. Com efeito, a 1ª ré não refutou o recebimento de tal quantia, antes afirmou tê-la utilizado para pagamento de outras prestações de serviços.
Assim pode-se ler na motivação da decisão de facto a este propósito que: “Apesar de imputar o pagamento de € 1.200,00 também a serviços prestados por causa da licença do Bar, apresentado, para prova, documentos dos anos de 2007 e 2008 (?) – razão por que se inclui tal factualidade nos factos não provados –, a 1.ª Ré invocou o pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça e os respectivos honorários, o que é absolutamente plausível, ante o que dissemos. Dever-se-á a esquecimento a alegação do pagamento da 1.ª prestação? Cremos que sim, porque ele teve de existir e o Autor não referiu qualquer outro pagamento. Donde a prova do facto constante do ponto 58.”.
Ante o ora exposto, não subsiste qualquer fundamento válido para alterar a decisão da matéria de facto, mormente quanto à factualidade inserta nos pontos 55 a 58 e 65 dos factos provados, sobroçando a pretensão recursória neste ponto.
Isto posto, julga-se improcedente o recurso da matéria de facto.

3.2.2. da reapreciação da decisão de direito
Conforme decorre igualmente do acima exposto, o tribunal recorrido julgou parcialmente a presente acção, por ter considerado estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil e verificada a obrigação de indemnizar da 1ª ré, por ter ficado demonstrado que esta aconselhou o autor/recorrido a não voltar a abrir o estabelecimento comercial denominado “EMP02...” até se definir a situação com os senhorios do imóvel onde o referido estabelecimento se encontrava instalado e ter criado a expetactiva de que iria intentar uma acção judicial contra os senhorios, ocultando ao autor não o ter feito.
A ré seguradora, no respectivo recurso, entende, porém, e desde logo, não estarem preenchidos, no caso, todos os pressupostos da responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar.
Vejamos.
O problema da responsabilidade civil do advogado, por incumprimento do contrato de mandato, levanta diversas questões, as quais devem ser analisadas, não só à luz das disposições do Código Civil (v.g. art.º 798º e seguintes), mas também das normas reguladoras da sua profissão (Estatuto da Ordem dos Advogados – aprovado pela Lei nº 145/2015, de 09.09, e à data do início dos factos pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26.01).
Porém, nenhuma dúvida nos suscita que o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de mandato, por negligência ou imperícia, é susceptível de gerar de responsabilidade civil para o advogado.
Por isso mesmo, dizemos nós, se previa e prevê no Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) a obrigatoriedade para os advogados de celebrar um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional [cfr. art.º 99º, do EOA vigente à data do início dos factos e art.º 104º, do EOA actualmente em vigor].
Com efeito, quer a doutrina (cfr., entre outros Cunha Gonçalves, Tratado de direito civil: em comentário ao código civil português, vol. XII, p. 762; Moitinho de Almeida, “Responsabilidade civil dos advogados, p. 8 e 15 e seguintes; António Arnaut, Iniciação à advocacia, p. 170; José Lebre de Freitas, Estudos sobre direito civil e processo civil, vol. II, p. 694), quer a jurisprudência (cfr., entre outros, os acs. do STJ de 17.06.2006, processo 06A2773; de 29.04.2010, processo nº 2622/07.0TBPNF.P1.S1 e de 28.09.2010, processo nº 171/2002.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt), admitem que a violação de normas deontológicas representa um facto ilícito, pelo que, desde que verificados os demais requisitos da responsabilidade civil acima enunciados, o advogado constitui-se na obrigação de indemnizar os particulares por ele patrocinados.
A discussão na doutrina centra-se, antes, na caracterização da responsabilidade civil do advogado como contratual ou extracontratual.
Na verdade, o regime de responsabilidade profissional dos advogados apresenta determinadas particularidades, impostas, desde logo, pelo interesse público da profissão e do papel do advogado como elemento indispensável na administração da justiça, conforme decorre igualmente do EOA e, consequentemente, pelo conjunto de deveres e princípios deontológicas que regulamentam o seu comportamento público e profissional.
Tratam-se de normas deontológicas que, como refere Carneiro da Frada (in “Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil”, Coimbra, Almedina, 2007, p. 338), desempenham a função de “modelação e afinamento de exigências de comportamento”, através da especificação dos deveres a observar pelos advogados no exercício da sua profissão, sob pena de incorrerem em responsabilidade, e que, segundo Orlando Guedes da Costa (in, “Direito Profissional do Advogado: Noções elementares”, 7ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, p. 401), assumem-se como deveres de ordem pública, pelo que a sua imperatividade decorre também do disposto no art.º 280º do CC.
Daí não podermos deixar de enfrentar a questão de saber em que tipo de responsabilidade incorre o advogado que, em virtude do incumprimento de uma ou mais normas deontológicas, lesa interesses do seu cliente.
E a este respeito tem-se formado, no seio da doutrina portuguesa, três teses.
Assim, enquanto António Arnault defende que a responsabilidade civil do advogado para com o cliente tem natureza extracontratual, pois «sendo a advocacia uma actividade de eminente interesse público, a responsabilidade civil decorrente do seu exercício só pode resultar da infracção de deveres deontológicos estabelecidos, justamente, em nome daquele interesse» (in obra citada, p. 169 e seguintes), Moitinho de Almeida defende a tese da responsabilidade mista ou do concurso da responsabilidade contratual e extracontratual, referindo que «se o advogado não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advém do exercício do contrato de mandato (ou inominado) que firmou com o constituinte, tacitamente ou mediante procuração, incorre em responsabilidade contratual para com ele; se o advogado praticou facto ilícito lesivo dos interesses do seu constituinte, já a sua responsabilidade civil para com o mesmo constituinte é extracontratual ou aquiliana. Em grande parte dos casos, porém, a responsabilidade civil do advogado para com o cliente é, simultaneamente, contratual e extracontratual», podendo o lesado optar pela invocação de uma ou de outra (in obra citada, p. 13 e 14, citando Yves Avri, “La responsabilité de l’avocat”, nº 3, p. 2) que entende que a responsabilidade civil do advogado é sempre a contratual em relação aos clientes, sendo extracontratual em relação a terceiros.)
Diferentemente, outra corrente, na qual se incluem Lebre de Freitas, (ob e loc. citados), Orlando Guedes da Costa (ob. citada, p. 694), Abel Laureano (in “O cliente e a independência do advogado”, reimpressão, Lisboa, Quid Juris? – Sociedade Editora Ld.ª, 2000, p. 61) e Vitor Manuel Furtado Sousa (in “A responsabilidade civil dos advogados pela violação de normas deontológicas”, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Dissertação de Mestrado em Direito – Ciências Jurídicas Privatísticas, Porto julho de 2014, acessível in https://repositorio-aberto.up.pt, p. 43 e seguintes) entende que a responsabilidade civil do advogado pela violação das normas deontológicas no âmbito da relação advogado-cliente impostas pelo EOA, tem natureza contratual na medida em que estamos perante normas imperativas, que integram o contrato de mandato forense e que, nas palavras deste último autor, “conformam o próprio dever de prestar”, constituindo uma limitação à liberdade contratual dos particulares contemplada no art.º 405º do CC.
De sublinhar, porém, que para Vítor Manuel Furtado Sousa (ob. citada, p. 44 e seguintes, seguidor da tese defendida por Adela Serra Rodríguez (in “La Responsabilidade civil del Abogado”, 2ª edição, p. 260, por ele citado na referida dissertação de Mestrado), os deveres impostos pelas normas deontológicas constituem uma série de deveres acessórios que se integram no dever estrito da prestação principal, implicando uma ampliação desta e assegurando uma maior tutela do cliente.
Mas, embora defendendo, neste âmbito, a natureza obrigacional da responsabilidade civil do advogado, não deixa de fazer a distinção entre a «responsabilidade decorrente do inadimplemento da prestação principal (como poderá ser exemplo o caso da obrigação de contestar uma ação judicial - (…) – intentar uma petição inicial antes de ocorrer a prescrição do direito do cliente, representar o cliente em juízo, etc.) da responsabilidade decorrente do inadimplemento de deveres acessórios que conformam a própria prestação principal, ou seja, das normas deontológicas dos advogados».
De realçar que nesta linha de pensamento já se havia afirmado, no ac. do STJ, de 29.04.2010 (processo nº 2622/07.0TBPNF.P1.S1) que «a responsabilidade do advogado para com o cliente é contratual desde que o ilícito se traduza no incumprimento do, especifica ou genericamente clausulado (aqui incluindo os deveres colaterais deontológicos), no mandato forense, só sendo extra contratual se o ilícito consistir em conduta violadora de outros deveres - ou normas legais – não precisamente contratuais», entendimento que se perfilha, por se considerar mais consentâneo com o papel desempenhado pelas normas deontológicas, e sem prejuízo de se entender, ainda em consonância com este mesmo acórdão, que «a responsabilidade do advogado para com terceiros é sempre extracontratual».
No mesmo sentido, pode ainda ver-se os acs. do STJ, de 17.06.2006, processo 06A2773 e de16.02.2016, relatado por Gabriel Catarino, estando ambos acessíveis in www.dgsi.pt.
Ante todo o ora exposto, podemos concluir que existindo uma relação contratual estabelecida entre o profissional e o cliente, a responsabilidade daquele, derivada do incumprimento negligente das obrigações do contrato de mandato, assume natureza contratual.
É certo que os pressupostos da responsabilidade civil contratual não se distinguem dos requisitos da responsabilidade extra-contratual (como sejam: o facto voluntário do agente; a ilicitude; a imputação subjectiva; o dano e a imputação objectiva). Porém, sobreleva uma diferença essencial entre os dois tipos de responsabilidade:
- na responsabilidade extracontratual incumbe ao lesado o ónus de provar todos os referidos pressupostos consagrados no nº 1 do art.º 483º, do CC, entre eles a culpa do autor da lesão, nos termos dos art.ºs 487º, nº 1 e 342º, nº 1, ambos daquele Código, salvo existindo presunção especial de culpa, já que a obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, só existe nos casos especificados na lei - v. nº 2 do art.º 483º do CC;
- na responsabilidade contratual, a culpa do lesante presume-se, conforme decorre do nº 1, do art.º 799º, do CC.
Prescrutando a factualidade dada como provada, importa, desde logo, referir que resulta demonstrado não só que o autor procurou o aconselhamento jurídico da 1ª ré, como ainda foi posteriormente celebrado entre ambos um contrato de mandato forense ou mandato judicial, através do qual o autor lhe conferiu poderes para uma acção judicial, contrato ao qual se aplica o regime do contrato de mandato civil dos art.ºs 1157º e seguintes do CC, bem como as regras constantes do EOA, como vimos.
Na verdade, e para além das obrigações gerais do mandatário enunciadas no art.º 1161º do CC - para cujo cumprimento pontual, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé (cfr. art.ºs 406º e 762º do CC) -, haverá, pois, que ter em consideração os deveres resultantes do EOA.

Lembramos designadamente que o art.º 88º do EOA (correspondente ao art.º 83º do anterior EOA), preceitua sob a epígrafe, “Integridade”, que:
“1- O advogado é indispensável à administração da justiça e, como tal, deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.
2- A honestidade, probidade, rectidão, lealdade, cortesia e sinceridade são obrigações profissionais.”
Por seu turno, o art.º 97º, do mesmo diploma legal (a que correspondia o art.º 92º do anterior EOA) versa sobre os princípios gerais aplicáveis às relações com os clientes, dispondo que:
“1- A relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca.
2- O advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.”.

Já o art.º 98º, nº 2 do EOA (cfr. art.º 93º do anterior), sob a epígrafe, “Aceitação do patrocínio e dever de competência”, preceitua que: “O advogado não deve aceitar o patrocínio de uma questão se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se ocupar prontamente, a menos que actue conjuntamente com outro advogado com competência e disponibilidade para o efeito.”.

Finalmente, o art.º 100º, do EOA (cfr. art.º 95º do anterior EOA) elenca uma série de outros deveres do advogado, nas relações com o cliente, em que avultam:
“a) Dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, sobre os critérios que utiliza na fixação dos seus honorários, indicando, sempre que possível, o seu montante total aproximado, e ainda sobre a possibilidade e a forma de obter apoio judiciário;
b) Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade;
c) Aconselhar toda a composição que ache justa e equitativa;
(…)
e) Não cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas.
2 - Ainda que exista motivo justificado para a cessação do patrocínio, o advogado não deve fazê-lo por forma a impossibilitar o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado.”
Em conclusão, a responsabilidade civil do advogado poderá, pois, resultar quer da violação da obrigação principal do contrato de mandato que celebrou com o seu cliente, quer da violação de deveres acessórios e até deontológicos, mormente os que lhe são impostos pelo EOA, sendo seus pressupostos a conduta ilícita do réu-advogado (a qual consistirá, em geral, na inexecução ou execução defeituosa do mandato), a culpa do mesmo (que se presume nos termos do art.º 799º do CC), a existência de danos e o nexo de causalidade adequada entre estes e tal acção/omissão ilícita.
Retomando a situação em apreço e a actuação da 1ª ré que o autor entende detonadora dos alegados prejuízos, constata-se que foi considerado provado que a 1ª ré aconselhou o autor a manter fechado o estabelecimento comercial - explorado pela sociedade da qual era sócio gerente e instalado nos imóveis arrendados ao demandante -, bem como a propor uma acção contra os senhorios com vista a obter uma indemnização por perda de rendimentos, sendo que acabou por nunca intentar a referida acção, apesar de ir dizendo ao autor que teriam de aguardar por notícias do tribunal sem nunca revelar que ainda não havia proposto a acção, situação da qual o autor só veio a tomar conhecimento dessa realidade através da nova advogada que contratou.
Mais resultou demonstrado, com relevância para a decisão condenatória, que o autor se sentiu-se muito desiludido e traído quando percebeu que a 1ª ré não tinha zelado pelos seus interesses, defraudando a confiança que nela depositava e a expectativa de ser indemnizado pelos senhorios em acção judicial que por aquela foi aconselhado a propor e sempre esteve convencido de que tinha entrado no tribunal. E ainda que, atenta a situação em que permaneceu o dito estabelecimento comercial, o autor sofreu perda de rendimentos.
Ora, este conjunto de factos consubstancia, talqualmente considerou o tribunal recorrido, a violação de deveres acessórios ou laterais de conduta no cumprimento do contrato de mandato, à luz do disposto no art.º 762º, nº 2, do CC e nos supra citados normativos do EOA, o que corresponde a uma actuação ilícita e geradora de danos cuja gravidade justifica a tutela do direito.
Estão, pois, verificados factos ilícitos culposos geradores de danos na esfera jurídica do autor, conferindo-lhe o direito a uma indemnização, quer a título de danos patrimoniais, quer a título de danos não patrimoniais, nos termos do art.º 496º do CC (veja-se que actualmente é absolutamente pacífico que os danos de cariz não patrimonial não estão arredados do campo da responsabilidade contratual).
Julga-se importante realçar que, no caso, não nos situamos no âmbito do chamado dano por “perda de chance”. O autor nada alegou, nem demonstrou quanto ao possível sucesso da acção que a 1ª ré se comprometeu a intentar.
A ilicitude da actuação da 1ª ré não resulta propriamente da não instauração da dita acção. Na verdade, e como muito bem salienta o tribunal recorrido, mesmo considerando-se acertada a decisão de a não intentar, deveria a ré, desde logo em observância do princípio da boa fé que deve presidir as relações entre advogado e cliente, informar o autor, seu cliente, sobre a sua opinião ou sobre a falta merecimento da sua pretensão e de que não lhe assistia o direito indemnizatório que o aconselhou a fazer valer, evitando dessa forma o avolumar de prejuízos que a situação foi provocando ao autor (e/ou à sociedade que o mesmo representa ou representava).
O incumprimento por parte da 1ª ré de tais deveres, violou a confiança que o autor nela depositou, fazendo-a incorrer em responsabilidade civil.
Não podemos deixar de insistir que para efeitos de apreciação do grau de diligência e cuidado utilizado em concreto que a actividade (em abstracto) do advogado transcende a simples delimitação conceptual de profissão ganhando, como tivemos ocasião de referir, estatuto de interesse e ordem pública uma vez que no seu exercício, que constitui um verdadeiro munus publico constitucional (art.º 208º da Constituição da Republica), não se visa apenas a tutela directa dos interesses privados do mandante mas, frequentemente, interesses da sociedade em geral ou sejam interesses públicos ou de natureza e ordem publica; desta constatação resulta que ao advogado não é apenas exigível a diligência do homem médio (nº 2 do art.º 487º do CC) já que lhe é imposto especial rigor na investigação, actualização e sobretudo na aplicação dos conhecimentos da sua profissão.
Atento o supra exposto, impõe-se frisar que, carece de razão a recorrente quando afirma que, da matéria de facto provada, não resulta demonstrado o invocado dano patrimonial nem o nexo de causalidade entre o facto ilícito da 1ª ré e o valor do prejuízo peticionado.
Defende a ré/recorrente, mas sem fundamento, que do ponto 66 do elenco dos factos provados consta apenas um juízo conclusivo e valorativo, dele não se podendo retirar que a perda de rendimentos decorreu de qualquer conduta da 1ª ré, mais referindo que a partir de Maio de 2015 o estabelecimento comercial passou a ser explorado pela sociedade EMP03..., Lda e não pelo autor (que não tem legitimidade para pedir a perda de rendimentos a partir dessa data).
Ora, no que a particular diz respeito, cabe começar por realçar que muito embora a decisão da matéria de facto deva ser expurgada de juízos valorativos, a verdade é que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas.
O que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sendo certo que em muitos casos se mostra praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados juízos conclusivos sobre outros elementos de facto.
Por isso, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar-se que uma exagerada ortodoxia impeça a incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas, “sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstracções (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger” [cfr. ac. STJ de 13.11.2007, processo nº 07A3060, disponível in www.dgsi.pt].
Ou seja, os factos conclusivos podem ser considerados ainda matéria de facto quando constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis.
Neste mesmo sentido podemos ler Abrantes Geraldes, in ob. cit., p. 351), onde refere que em face «da opção de na mesma sentença se proceder à respectiva integração jurídica, segundo o método pendular que implica a ponderação conjugada de elementos de facto e de questões de direito, parece-nos defensável uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico-formais em torno do que seja “matéria de direito” ou “matéria conclusiva” que sirva apenas para provocar um desajustamento entre a decisão final e a justiça material do caso
Perante estas considerações, não temos dúvidas em considerar que não é conclusivo afirmar-se que o encerramento do estabelecimento comercial gerou perdas de rendimentos ao autor.
Mesmo que em primeira linha tal dano se tenha verificado na esfera jurídica da sociedade constituída pelo autor para explorar o dito estabelecimento, nada impede concluir que a situação de encerramento do estabelecimento provocou perdas de rendimento ao gerente da sociedade que o explora e que retira rendimentos dessa actividade. Questão diversa é a quantificação desse dano, como veremos de seguida.
Por outro lado, não restam dúvidas a propósito da demonstração do nexo causal entre a verificação de tal dano e a actuação ilícita da 1ª ré, nos termos já acima assinalados.
Por conseguinte, entendemos estarem preenchidos, no caso, todos os pressupostos da invocada responsabilidade da autora.
Isto posto, importa agora apreciar a quantificação dos danos apurados.
Refere a recorrente, a este propósito, que o valor do pretenso dano (patrimonial) alcançado pelo tribunal recorrido encontra-se erradamente calculado na medida em que engloba rendimentos de períodos temporais em que quem se encontrava a explorar o EMP02...” não era o autor, mas sim a sociedade EMP03..., Lda, não podendo o recorrido pedir a perda de rendimentos em que incorreu a referida sociedade.
E na verdade, as perdas de rendimento sofridas pelo autor não se confundem com as perdas de rendimento da sociedade em questão, sendo certo que não se apurou quais os rendimentos que o autor retirava para si em resultado da actividade profissional que desenvolvia no dito estabelecimento, enquanto representante da aludida sociedade ou enquanto colaborador da mesma.
Deste modo, a matéria de facto apurada é claramente parca para ajuizar o valor das perdas de rendimento sofridas pelo autor, em consequência do encerramento do dito estabelecimento comercial.
E, assim sendo, ou seja, não tendo sido possível apurar o concreto valor de tais perdas de rendimentos, nada mais resta que relegar a sua liquidação para momento posterior, nos termos previstos no citado art.º 609º, nº 2, do NCPC.
Com efeito, dispõe este normativo, que “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
E embora tenha existido alguma jurisprudência que interpretava a aludida disposição legal (mais concretamente a norma do anterior CPC que lhe correspondia), sustentando que apenas seria aplicável quando, no momento da sentença, ainda não fosse possível conhecer todos os factos necessários à liquidação da obrigação, não sendo, todavia, aplicável quando esses factos já haviam ocorrido e muito menos quando esses mesmos factos haviam sido alegados mas não provados (vg, o ac. do STJ de 17.01.1995, proferido no processo nº 085801, disponível in www.dgsi.pt), pensamos poder afirmar que essa corrente jurisprudencial está ultrapassada, não merecendo acolhimento na jurisprudência mais recente do STJ e não colhendo o necessário apoio na letra da lei e no pensamento legislativo.
Na verdade, nada na letra da lei nos induz a fazer tal interpretação (restritiva), uma vez que a previsão da norma em questão reporta-se à falta de elementos para fixar o objecto ou a quantidade da condenação sem fazer qualquer distinção entre as situações em que esses elementos não existem por ainda não terem ocorrido os factos que permitiriam fixar o objecto ou a quantidade da obrigação e as situações em que esses factos já ocorreram, já são conhecidos e até foram alegados, sucedendo apenas que não foram provados. Em qualquer uma dessas situações, o tribunal – no momento em que profere a sentença – não dispõe desses elementos e, portanto, está impossibilitado de fixar o objecto ou a quantidade da prestação e, ao que nos parece, é apenas essa circunstância que está subjacente à norma em questão.
O que ali se pretende salvaguardar é a possibilidade de o tribunal proferir uma decisão condenatória, nas situações em que, apesar de se ter apurado a existência do direito e respectiva obrigação, não se determinou o objecto ou a quantidade dessa obrigação. Ou seja, o juiz apurou a efectiva existência de uma obrigação – sabendo, portanto, que o réu terá que ser condenado – mas não apurou qual é o concreto objecto ou a quantidade exacta dessa prestação – não podendo, por isso, determinar o objecto da condenação.
Numa situação dessas, e como refere Alberto dos Reis (in, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 71) “…nem seria admissível que a sentença absolvesse o réu, nem seria tolerável que o condenasse à toa, naquilo que ao juiz apetecesse. A única solução jurídica é a que o texto consagra: proferir condenação ilíquida. O juiz condenará o réu no que se liquidar em execução de sentença”.
Temos, portanto, como certo que tal disposição será aplicável a todos os casos em que o tribunal, no momento em que profere a decisão, carece de elementos para fixar o objecto ou a quantidade da condenação, seja porque ainda não ocorreram os factos constitutivos da liquidação da obrigação, seja porque, apesar de esses factos já terem ocorrido e terem sido alegados, não foi feita a sua prova.
Neste sentido, pronunciaram-se ainda José Lebre de Freitas (in, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2ª ed., p. 682), Vaz Serra (in, RLJ, Ano 114º, p. 309 e 310) e, entre outros, o ac. do STJ de 22.09.2016, proferido no processo nº 681/14.8TVLSB.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt.
Concluímos, portanto, que, para efeito de aplicação da norma citada, é irrelevante que o autor tenha formulado um pedido líquido ou específico sem que tenha conseguido provar os factos que havia alegado e dos quais dependia a fixação ou quantificação do objecto da prestação; também essa situação se insere no âmbito de previsão da norma citada e, portanto, também nesse caso o tribunal deverá condenar no que vier a ser liquidado.
O que é absolutamente necessário é que se prove a existência da obrigação, uma vez que aquilo que pode ser relegado para posterior liquidação, ao abrigo da citada disposição legal, não é a existência da obrigação – porque esta, constituindo um pressuposto necessário para que seja proferida uma decisão condenatória, tem que ser previamente demonstrada – mas sim e apenas o objecto ou a quantidade dessa obrigação. Vide, assim, o ac. RC de 11.10.2017, processo nº 228/15.9T8SEI.C1 e o ac. 13.11.2023, processo nº 1285/22.7T8GDM.P1, ambos igualmente disponíveis in www.dgsi.pt.
Consequentemente, haverá desde já que atentar que não sendo o crédito pecuniário líquido, temos de considerar não existir ainda mora do devedor, pois que nos casos de iliquidez do crédito, a mora não ocorre enquanto ele se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor – art.º 805º, nº 3 do CC -, o que não é o caso.
Não sendo de fixar juros de mora nesta parte, fica prejudicada a apreciação do último fundamento recursório deduzido pela 2ª ré.
Concomitantemente, importa alterar a decisão quanto à fixação dos danos patrimoniais por perdas de rendimentos sofridos pelo autor, relegando-a para liquidação posterior, nos termos supra expostos.
No que se refere ao dano não patrimonial, defende a recorrente que não se justifica a atribuição daquele montante em face do comportamento displicente do autor, tendo este contribuído para os danos que peticionou.
Impõe-se, pois, começar por averiguar se a obrigação de indemnizar estaria excluída em face da eventual culpa do autor na produção dos danos reclamados nestes autos. 
Ora, quanto à questão da culpa do lesado, cumpre referir que estatui o nº 1, do art.º 570º, do CC, que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
Assim, não é qualquer comportamento do lesado que faz desencadear a consequência jurídica a que alude o referido preceito. “Exige-se que o mesmo seja, em sede de concausalidade adequada, idóneo à produção ou agravamento dos danos, aferido o acto em caso de negligência, sendo inoperantes “imprudências de relevo diminuto” por parte do lesado (cfr. ac. da RL, de 28.06.2012, apud ac. da RP de 8.02.2021, processo nº 274/17.8T8AVR e disponível in www.dgsi.pt).
No caso em apreço, porém, tal circunstância já foi tida em devida consideração na sentença recorrida. Com efeito, pelo tribunal a quo apenas foram atendidos na indemnização fixada os factos descritos no ponto 65 do elenco dos factos provados (em resultado da não instauração da acção e violação da confiança que o autor depositou na ré) e já não os contemplados no ponto 64 do elenco dos factos provados (quanto aos inerentes à perda dos bens, o tribunal recorrido concluiu terem ocorrido por exclusiva culpa do autor).
É, pois, absolutamente desprovido de fundamento o apontado reparo à decisão recorrida.  
Por outro lado, entende a recorrente haver erro na decisão recorrida, no que concerne à fixação de tal indemnização, defendendo que os danos apurados não são susceptíveis de ser indemnizados, por não revestirem gravidade suficiente.
Ora, desde já se diga que não assiste qualquer razão à recorrente também neste ponto.
Como é sabido, danos não patrimoniais são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, de modo a atenuar os padecimentos derivados das lesões e a neutralizar a dor física e psíquica sofrida, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória ou de pena privada.
Dispõe o art.º 496º, nº 1 do CC que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Redunda, pois, deste normativo que não há lugar a ressarcimento automático de tais prejuízos.
Com efeito, a acrescer aos pressupostos gerais da responsabilidade civil definidos no art.º 483º, do CC, diz-nos o citado nº 1 do art.º 496º que só são compensáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Rabindranath Capelo de Sousa refere que «Presentemente, a indemnização dos danos não patrimoniais resulta claramente do art. 496.º, n.º 1, do Código Civil e é pacífica na jurisprudência e na doutrina. Só que esta disposição legal limita a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais àqueles “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, o que deverá medir-se por padrões objetivos em face das circunstâncias de cada caso (...) afastando assim, a contrario, a indemnizabilidade, ou melhor, a reparabilidade dos danos morais destituídos de uma certa gravidade (...) prejuízos insignificantes ou de diminuto significado, cuja compensação pecuniária não se justifica, que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interativa vida social hodierna. Assim, não são indemnizáveis os diminutos incómodos, desgostos e contrariedades, embora emergentes de atos ilícitos, imputáveis a outrem e culposos.» (in, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, p. 459 e 555 a 556).
Serão, assim, irrelevantes, os pequenos incómodos ou contrariedades, assim como os sofrimentos ou desgostos que resultam de uma sensibilidade anómala.
Por outro lado, tem vindo a jurisprudência a considerar que dano grave, merecedor de tutela do direito, é não apenas o dano “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania, ultrapassando as fronteiras da banalidade”, tornando-se “inexigível em termos de resignação” (cfr. ac. do STJ, de 04.03.2008, relatado por Alves Velho e ac. da RC, de 29.01.2019, relatado por Moreira do Carmo, ambos acessíveis in www.dgsi.pt).
A gravidade do dano há-de, pois, medir-se por um padrão objetivo, ainda que a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso e o padrão de valorações ético-culturais aceite numa determinada comunidade, num certo momento histórico, relevando ainda factores como a dignidade do bem ou do interesse jurídico, a intensidade da lesão (em termos temporais e de afectação do bem ou interesse em causa) e a censurabilidade da conduta do agente (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição Revista e Actualizada, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Limitada, 1987, p. 499).
No caso dos autos, entendemos que tal ressarcibilidade se justifica plenamente.
Com efeito, tendo em consideração a factualidade apurada, mormente os sentimentos vivenciados pelo autor em consequência da actuação da 1ª ré, revestem clara gravidade, ultrapassando de forma ostensiva a dita “fronteira da banalidade”.
E, assim sendo, considera-se inequivocamente demonstrada a gravidade dos danos não patrimoniais descritos e o direito do recorrido a ser ressarcido.
Soçobra, deste modo, a pretensão recursória neste ponto.
Por fim, argumenta a recorrente que a responsabilidade das rés pelo pagamento da indemnização é solidária, tendo o tribunal recorrido violado o disposto nos art.ºs 497º e 512º do CC, devendo ser alterado o dispositivo em conformidade e igualmente alterado o segmento das custas. Mais refere que ao valor da condenação da ora recorrente deve ser deduzido o montante da franquia que ficou a cargo da 1ª ré de acordo com o disposto na al. a) do dispositivo da sentença, devendo-se também alterar o dispositivo em conformidade.
No que a este aspecto concerne, importa, antes de mais, ter presente que o contrato de seguro celebrado pela ré, como se provou, se destina a garantir a responsabilidade civil dos respectivos segurados; ou seja, a garantir o risco de constituição no património dos mesmos de uma obrigação de indemnização a favor de terceiros (cfr. art.º 137º, nº 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16.04). E, entre esses segurados, encontram-se os Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exerçam a respectiva actividade profissional, seja em prática individual, seja societária, podendo, portanto, ser beneficiários de tal contrato quando lhes seja imputada alguma responsabilidade por actos ou omissões, cometidos com dolo, erro ou negligência profissional.
Nesses casos, preenchidos os respectivos pressupostos, o referido seguro pode ser accionado.
O contrato de seguro para estes profissionais, no entanto, não é facultativo. É, antes, obrigatório. Na verdade, como decorre do disposto no art.º 104º, nº 1, do EOA, aprovado pela Lei nº 145/2015, de 09.09, “[o] advogado com inscrição em vigor deve celebrar e manter um seguro de responsabilidade civil profissional tendo em conta a natureza e âmbito dos riscos inerentes à sua atividade, por um capital de montante não inferior ao que seja fixado pelo conselho geral e que tem como limite mínimo (euro) 250.000, sem prejuízo do regime especialmente aplicável às sociedades de advogados e do disposto no artigo 38.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro”.
Estamos, portanto, perante uma obrigação legal, que, neste caso, foi assumida pela respectiva Ordem. Por um lado, para acautelar as consequências danosas decorrentes do risco do exercício desta atividade profissional, perante terceiros; e, por outro lado, para garantir também o património do próprio segurado, que, por esta via, pode ter mais tranquilidade e segurança no exercício da sua actividade profissional. Assume, por isso, também interesse público [cfr. entre outros, o ac. RP de 09.11.2017, processo nº 9108/16.0T8PRT-A.P1, acessível in www.dgsi.pt).
Dir-se-á, porém, que a circunstância de existir um seguro obrigatório apenas faculta ao lesado o direito de acção directa (cfr. art.º 146º, nº 1, da Lei do Contrato de Seguro) mas não lhe retira o direito de demandar o lesante, nos termos gerais e que responderá solidariamente com a seguradora para a qual foi transferida a obrigação de indemnizar, na parte em que valha a garantia do seguro, tratando-se de solidariedade imprópria na medida em que o responsável poderá fazer repercutir na seguradora o que for obrigado a cumprir e dentro da cobertura do seguro (cfr. a propósito a Lei do Contrato de Seguro Anotada, 3ª Edição Aumentada, Almedina 2020, Pedro Romano Martinez, Leonor Cunha Torres, Arnaldo da Costa Oliveira, Maria Eduarda Ribeiro, José Pereira Morgado, José Vasques e José Alves de Brito, quinto parágrafo da anotação III ao art.º 146º da referida Lei, p. 462 e 463, anotação da responsabilidade de José Vasques e ac. RP de 5.02.2024 processo nº 22569/18, acessível in www.dgsi.pt).
Nos seguros obrigatórios, como é o caso da responsabilidade profissional dos advogados, nada obsta, ressalvado o caso do seguro obrigatório automóvel por força de lei expressa (veja-se o art.º 64º, nº 1, al. a) do Decreto-Lei nº 291/2007 de 21.08), a que o lesado demande o responsável e a sua seguradora.
Assim, no que esta questão respeita, conclui-se que a 1ª ré e a ré seguradora respondem solidariamente pelos danos sofridos pelo autor em consequência da conduta ilícita e culposa da aludida 1ª ré, dentro do montante coberto pelo contrato de seguro, respondendo unicamente a 1ª ré na parte não coberta pelo contrato de seguro.
Cumpre atender à franquia estabelecida no contrato de seguro em questão, a qual foi fixada em € 5.000,00.
Assim, a 1ª ré responde unicamente pela referida quantia de € 5.000,00, respondendo ambas as rés solidariamente pelo remanescente.
Tem, pois, razão neste conspecto a ré seguradora, devendo alterar-se a sentença recorrida em conformidade.
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Em suma, conclui-se pela procedência parcial do recurso, devendo, em consequência, ser revogada parcialmente a sentença recorrida e, em consequência, mantendo-se a condenação da 1ª ré a pagar ao autor a quantia de € 5.000,00 (correspondente ao valor da franquia), decide-se condenar solidariamente as rés a pagar ao autor uma quantia, a título de indemnização pelas perdas de rendimentos sofridas em consequência da actuação ilícita da 1ª ré, a liquidar posteriormente, bem como os juros de mora à taxa legal calculados sobre a importância de € 5.000,00 (fixada a título de danos não patrimoniais), contados desde a data da sentença proferida em 1ª instância e até efectivo e integral pagamento; absolvendo-se as rés do demais peticionado.
As custas do presente recurso são a suportar pela recorrente e recorrido, na proporção do respectivo decaimento e as custas da acção a suportar pelo autor e pelas rés, igualmente na proporção do respectivo decaimento (cfr. art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC).
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela ré seguradora, revogando parcialmente a sentença recorrida e, em consequência:

- mantém-se a condenação da 1ª ré BB a pagar ao autor AA a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), correspondente ao valor da franquia;
- condena-se solidariamente as rés BB e EMP01... Company SE, Sucursal em ..., a pagar ao autor AA uma quantia, a título de indemnização pelas perdas de rendimentos sofridas em consequência da actuação ilícita da 1ª ré, a liquidar posteriormente, bem como os juros de mora à taxa legal calculados sobre a importância de € 5.000,00 (cinco mil euros), fixada a título de dano não patrimonial, contados desde a data da sentença proferida em 1ª instância e até efectivo e integral pagamento; absolvendo-se as rés do demais peticionado.
Custas do presente recurso a suportar pela recorrente e recorrido, na proporção do respectivo decaimento e custas da acção a suportar pelo autor e pelas rés, igualmente na proporção do respectivo decaimento.
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Guimarães, 16.01.2025
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Juíza Desembargadora Relatora: Dra. Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
1º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Alcides Rodrigues
2ª Adjunta: Juíza Desembargadora: Dra. Ana Cristina Duarte