DIREITO DE PREFERÊNCIA
COMUNICAÇÃO
BOA -FÉ
COMPROPRIEDADE
QUOTA INDIVISA
LEILÃO
EXECUÇÃO FISCAL
NOTIFICAÇÃO
REQUISITOS
IRREGULARIDADE
PRÉDIO URBANO
PENHORA
Sumário


I - O dever de comunicação do obrigado à preferência visa possibilitar ao preferente o exercício do seu direito de preferir, tornando mais simples e menos oneroso esse exercício e consiste num dever de conduta, imposto não só pela lei, mas também pelo princípio da boa fé (art. 762.º, n.º 2, do CC), que modela o conteúdo exigível a esta comunicação.
II - O preferente confia, e tem direito a confiar, que o obrigado o informará da sua decisão de contratar e das condições que regerão esse negócio, dado que o preferente tem direito a preferir em igualdade de circunstâncias com o terceiro envolvido.
III - No processo de execução fiscal, a venda faz-se através de leilão eletrónico, exigindo o art. 249.º, n.º 7, do CPPT, que a notificação ao preferente indique o dia e a hora da entrega dos bens ao proponente para que o preferente possa exercer o seu direito, momento distinto do ato de abertura e de aceitação das propostas.
IV - Não tendo o preferente sido notificado do dia e hora da entrega do bem ao arrematante em processo de execução fiscal, pelo preço arrematado, nem tendo sido advertido, na notificação que lhe foi dirigida, que a sua ausência no momento da abertura de propostas ou no momento da entrega ao proponente determinaria a extinção do seu direito de preferência no processo executivo, conclui-se pela irregularidade da notificação, não se podendo considerar que o exercício do direito a preferir foi intempestivo.

Texto Integral

Processo n.º 330/19.8T8VLN.G1.S1

Acordam na 1.ª Seccão do Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

1. AA veio propor a presente ação declarativa de condenação contra BB, CC, DD e V..., Lda., pedindo que:

- se declare que o autor é comproprietário, na quota-parte de 1/2 (metade) indivisa, das frações autónomas designadas pelas letras “CH”, “CI”, “CJ”, “CK”, “CL”, “CM”, CN”, “CP”, “CQ”, “CR”, “CT” e “CS” do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial;

- seja reconhecido ao autor, enquanto comproprietário, o direito de preferência na venda ou alienação da quota-parte, correspondente a metade indivisa, das referidas frações autónomas, e pelos preços por que as mesmas foram vendidas na execução fiscal a que se alude no artigo 16º da petição inicial, no âmbito das vendas e pelos preços referidos nos artigos 18º, 23º e 24º do mesmo articulado, ao abrigo das disposições legais pertinentes, designadamente, do disposto nos art.ºs 1409º, nº 1, e 1410º, nº 1, do Código Civil, substituindo-se os adquirentes de tais metades indivisas nas aludidas frações (réus) pelo autor, enquanto preferente na titularidade do direito de propriedade sobre tais metades, e consequentemente, condenar-se os réus a abrir mão dessas quotas-partes a favor do autor, a quem deverão entregar os bens e direitos que titulam, livres e desonerados, mediante o recebimento das importâncias mencionadas no artigo 33º da petição inicial, cabendo aos 1º, 2º, 3º e 4º réus, respetivamente, os montantes totais indicados sob as als. a) a d) desse mesmo artigo 33º, já depositadas por via dos depósitos autónomos juntos como documentos nºs 31 a 34 da petição inicial; e

- seja ordenado o cancelamento de quaisquer registos lavrados a favor dos réus, consequentemente à venda a que se faz referência nos artigos 18º, 23º e 24º da petição inicial, e feitos com base nela, ou de outros lavrados consequentemente a atos de oneração ou de disposição subsequentes àquele.

Alegou, em síntese, ser comproprietário das aludidas frações autónomas, na proporção de metade; as outras metades indivisas dos ditos imóveis foram penhoradas e depois vendidas aos 1º a 4ºs réus, no âmbito de uma execução fiscal, sem que lhe tenha sido regularmente facultado o exercício da preferência legalmente estabelecida a seu favor.

Procedeu ao depósito do preço de cada uma das alienações, nos termos do nº 1 do artigo 1410º do Código Civil.

2. Regularmente citado, apresentou o réu BB requerimento no qual confessou o pedido deduzido.

3. Vieram ainda os réus DD e V..., Lda. apresentar contestação, invocando expressamente as exceções de incompetência absoluta do tribunal e de ilegitimidade passiva. Mais impugnaram parte da factualidade invocada pelo autor, acrescentando que este teve conhecimento prévio de todos os elementos essenciais das vendas para poder exercer atempadamente os seus direitos e nada fez, só manifestando a intenção de preferir volvido quase um mês (cfr. designadamente, os artigos 30º a 32º, do respetivo articulado).

No exercício do contraditório, o autor pugnou pela improcedência das aludidas exceções dilatórias e para, o caso de assim não se entender, requereu a admissão da intervenção principal provocada passiva do Serviço de Finanças de ... e/ou a remessa do presente processo para o Tribunal Administrativo e Fiscal de ....

Remetidos os autos ao Juízo Central Cível de ... por ser o competente em razão do valor, foi admitida a intervenção principal do Estado Português como associado dos réus.

Designada audiência prévia, foi proferido despacho a julgar procedente a exceção de incompetência material e, posteriormente, determinada a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., tribunal este que também se declarou incompetente em razão da matéria e suscitou a intervenção do Tribunal de Conflitos.

Na sequência, foi julgada a jurisdição comum materialmente competente para tramitar os autos e conhecer o pedido.

Remetidos novamente os autos ao Juízo Central Cível de ..., foi dispensada a realização de nova audiência prévia, tendo sido proferido despacho a considerar válida a instância, definido o objeto do processo e procedido à seleção dos temas de prova.

3. Realizada a audiência final, foi prolatada sentença que, no final, julgou procedente o pedido de declaração do direito de compropriedade do autor e improcedentes os demais pedidos formulados pelo autor.

4. Inconformado com tal sentença, dela apelou o autor, tendo Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão, datado de 9 de maio de 2024, decidido o seguinte:

«Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, reconhecendo ao autor o direito de preferência na venda da quota-parte, correspondente a metade indivisa, das fracções autónomas designadas pelas letras “CH”, “CI”, “CJ”, “CK”, “CL”, “CM”, CN”, “CP”, “CQ”, “CR”, “CT” e “CS” do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, e pelos preços por que as mesmas foram vendidas na execução fiscal a que se alude no artigo 16º da petição inicial, no âmbito das vendas e pelos preços referidos nos artigos 18º, 23º e 24º do mesmo articulado, substituindo-se os adquirentes de tais metades indivisas nas aludidas fracções (1º a 4ºs réus) pelo autor e, consequentemente, condena-se os referidos réus a abrir mão dessas quotas-partes a favor do autor; e ordena-se o cancelamento de quaisquer registos lavrados a favor dos réus, consequentemente à venda a que se faz referência nos artigos 18º, 23º e 24º da petição inicial, e feitos com base nela, ou de outros lavrados consequentemente a actos de oneração ou de disposição subsequentes àquele.

Custas da acção e do recurso a cargo dos recorridos».

5. O Ministério Público, em representação do Estado, não se conformando com o Acórdão do Tribunal da Relação proferido nos autos, veio dele interpor recurso de revista, a subir nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo, ao abrigo dos artigos 671º nº 1, 674º nº 1 als. a) e b), 675º nº 1 e 676º CPC, formulando na sua alegação de recurso as seguintes conclusões:

«1. No Acórdão recorrido foi proferida decisão que julgou procedente o recurso interposto, revogando parcialmente a sentença recorrida, reconhecendo ao autor o direito de preferência na venda da quota-parte, correspondente a metade indivisa, nas frações autónomas aí identificadas e pelos preços por que as mesmas foram vendidas na execução fiscal, substituindo-se os adquirentes de tais metades indivisas nas frações pelo autor, condenando-se os réus a abrir mão dessas quotas-partes a favor do autor e ordenando-se o cancelamento dos registos lavrados a favor dos réus.

2. Entendeu o Tribunal que, a notificação dirigida ao autor/preferente foi irregular, não se podendo concluir que o mesmo exerceu o seu direito a preferir no aludido processo executivo fiscal de forma intempestiva.

3. Pois que, o autor não foi notificado do dia e hora da entrega dos bens, pelo preço arrematado, aos proponentes, conforme resulta dos arts. 249º nº 7 do CPPT e Portaria nº 219/20211 de 01/06, mas apenas da data da abertura de propostas e ainda que, da notificação, não consta qualquer advertência ao preferente de que deveria acompanhar digital e eletronicamente o leilão para exercer o seu direito até ao seu termo ou até à entrega dos bens ao proponente e que, caso não o fizesse, deixaria de poder exercer o seu direito no processo executivo.

4. No processo de execução fiscal, foi determinada a venda para o dia 18/01/2019, na modalidade de leilão eletrónico, nos termos da Portaria nº 219/2011 de 01/06, a que se refere o nº 7 do art. 248º CPPT.

5. Do art. 249º CPPT, que dispõe sobre a publicidade da venda, consta do nº 7: Os titulares do direito de preferência na alienação dos bens são notificados do dia e hora da entrega dos bens ao proponente, para poderem exercer o seu direito no ato da adjudicação.

6. A Portaria nº 219/2011 que aprovou os procedimentos a observar na realização da venda de bens penhorados em processo de execução fiscal, na modalidade de leilão eletrónico, além de dispor sobre o funcionamento informático do leilão (art. 3º), duração do leilão (art. 4º), entrega das propostas (art. 5º), o art. 6º nº 1, 2 e 3 estabelece: 1 - No dia e hora designados para o termo do leilão, o órgão de execução fiscal decide sobre a adjudicação dos bens. 2 - Podem assistir ao ato de adjudicação o executado, os proponentes, os credores citados nos termos do artigo 239.º do CPPT e os titulares dos direitos de preferência ou remição. 3 - Para o exercício de direitos ou deveres, o ato de adjudicação previsto no n.º 1 é equiparado ao ato de adjudicação dos bens na venda por proposta em carta fechada, a que se refere no artigo 253.º do CPPT, o qual, por sua vez, estabelece na al. a) A abertura das propostas far-se-á no dia e hora designados, na presença do órgão da execução fiscal, podendo assistir à abertura os proponentes, os reclamantes citados nos termos do artigo 239.º e quem puder exercer o direito de preferência ou remissão.

7. Assim, da conjugação dessas disposições legais, resulta que, no caso de venda executiva fiscal, na modalidade de leilão eletrónico, o preferente é notificado dos termos da venda para, querendo, exercer o direito de preferência, no acto da adjudicação, após o termo do leilão e abertura das propostas.

8. Na execução fiscal, a fase de venda compreende a marcação da venda, o leilão eletrónico, encerramento do leilão eletrónico, decisão de adjudicação, emissão de guias para pagamento do preço, depósito do preço, cumprimento de obrigações fiscais, e emissão de título de transmissão.

9. Ora, é após o encerramento do leilão e aceitação da proposta, que o preferente pode exercer o seu direito no ato da adjudicação, não correspondendo este ato à adjudicação a que se refere o art. 829º CPC, nos termos do qual os bens só são adjudicados após o pagamento do preço e satisfeitas as obrigações fiscais.

10. Ora, o autor foi notificado, em 24/12/2018, por carta registada com a/r, na qualidade de preferente e para, querendo, exercer o direito de preferência no ato da adjudicação, de que foi designado o dia 18 de janeiro de 2019, entre as 10:00 e as 10:22, para a venda executiva do bem penhorado, na modalidade de leilão eletrónico, e de que o bem seria adjudicado à proposta de valor mais elevado.

11. Assim, o autor foi devidamente notificado para exercer o direito de preferência. Foi-lhe dado conhecimento da data, hora, local e modalidade da venda, que nessa data e hora ocorreria a abertura das propostas e que poderia, se assim entendesse, exercer o direito de preferência, se alguma proposta fosse aceite, no ato da adjudicação.

12. Da conjugação das referidas disposições legais resulta que, no caso de leilão eletrónico, o preferente é notificado da data e hora do leilão, para que, no termo do leilão, uma vez aceite alguma proposta, possa exercer o direito de preferência no momento da adjudicação – o dia e hora designados para o termo do leilão conforme dispõe o nº 1 do art. 6º da Portaria nº 219/2011.

13. O ato da adjudicação ocorre aquando da abertura das propostas apresentadas e em que é tomada a decisão de adjudicação dos bens à proposta de valor mais elevado. É nessa altura que o preferente pode exercer o seu direito e a partir daí seguem os procedimentos para a transmissão do bem com a elaboração do respetivo auto de transmissão.

14. Da conjugação dessas disposições legais - arts. 248º nº 7, 249º nº 7 CPPT, art. 6º da Portaria nº 219/2011 de 01/06 e art. 253º CPPT - resulta que o autor foi devidamente notificado para exercer o direito de preferência e, não o tendo exercido na altura devida, precludiu o direito de o fazer. Foi-lhe dado conhecimento de todos os elementos, quer quanto aos bens, quer quanto à data, hora, forma para exercer o seu direito de preferência, de que era nessa altura que tinha de o exercer, após aceitação de alguma proposta, a de valor mais elevado, no ato da adjudicação.

15. O Tribunal da Relação fez uma incorreta interpretação dos arts. 248º nº 7, 249º nº 7 e 253º CPPT e art. 6º nº 1, 2 e 3 da Portaria nº 219/2011, de 01/06.

Nestes termos e nos mais de direito, deve o recurso ser julgado procedente, revogando-se o Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que mantenha a decisão da 1ª instância, julgando a ação improcedente.

Os Senhores Juízes Conselheiros, farão, como sempre, Justiça».

6. O recorrido, AA, notificado das alegações de recurso do Ministério Público, veio apresentar contra-alegações nas quais pugna pela manutenção do decidido.

7. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, a questão a decidir é a de saber se o autor foi regulamente notificado para exercer o seu direito de preferência, nos termos do artigo 249º, nº 7, do CPPT.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A – Os factos

As instâncias, após o exercício pelo Tribunal da Relação do seu poder oficioso de modificação da matéria de facto, ao abrigo do artigo 662º, nº 2, al. c), do CPC. consideraram provados os seguintes factos:

a) Encontram-se descritas na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número ...04, 12 frações autónomas, designadas pelas letras CH, CI, CJ, CK, CL, CM, CN, CP, CQ, CR, CS e CT todas elas compostas por lugares de garagem, situadas ao nível da cave menos um e integrantes do prédio urbano, composto de cave menos um e cave menos dois e, a partir daí, com dois blocos, sito em ..., freguesia e concelho de ..., conforme se retira da cópia da certidão da referida Conservatória junta aos autos de fls. 22 a 36 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

b) A aquisição de metade (1/2) do direito de propriedade das frações designadas pelas letras CH, CJ, CN, CQ, CS e CT encontra-se inscrita a favor de DD, por adjudicação em processo de execução fiscal, conforme se retira da cópia da certidão da referida Conservatória junta aos autos de fls. 22 a 36 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

c) A aquisição de metade (1/2) do direito de propriedade das frações designadas pelas letras CK, CL, CP e CR encontra-se inscrita a favor de V..., Lda., por adjudicação em processo de execução fiscal, conforme se retira da cópia da certidão da referida Conservatória junta aos autos de fls. 22 a 36 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

d) A aquisição de metade (1/2) do direito de propriedade da fração designada pela letra ... encontra-se inscrita a favor de BB, por adjudicação em processo de execução fiscal, conforme se retira da cópia da certidão da referida Conservatória junta aos autos de fls. 22 a 36 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

e) A aquisição de metade (1/2) do direito de propriedade da fração designada pela letra ... encontra-se inscrita a favor de CC, por compra em processo de execução, conforme se retira da cópia da certidão da referida Conservatória junta aos autos de fls. 22 a 36 e do auto de adjudicação constante de fl. 37 e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;

f) A aquisição da outra metade das frações supra referidas encontra-se inscrita a favor de AA, na referida Conservatória, conforme se retira da cópia da certidão da referida Conservatória junta aos autos de fls. 22 a 36 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

g) A metade indivisa que pertencia a EE nas identificadas frações foi-lhe penhorada, por dívidas fiscais, pela Autoridade Tributária;

h) Tal penhora foi lavrada nos autos da execução fiscal que, sob o processo nº ...00 e Apensos, correu termos pelo Serviço de Finanças de ...;

i) No âmbito dessa execução fiscal foi determinada a venda da quota-parte que àquele Executado pertencia mediante a modalidade de leilão eletrónico e, posteriormente, face à inexistência de proponentes, por propostas em carta fechada;

j) A tais vendas foram atribuídos os nºs ...07 (quanto à fração “CH”), ...09 (quanto à fração “CJ”), ...13 (quanto à fração “CN”), ...15 (quanto à fração “CQ”), ...17 (quanto à fração “CS”), ...18 (quanto à fração “CT”), ...10 (quanto à fração “CK”), ...11 (quanto à fração “CL”), ...14 (quanto à fração “CP”), ...16 (quanto à fração “CR”), ...12 (quanto à fração “CM”) e ...08 (quanto à fração “CI”);

k) Por inexistência de propostas em anteriores vendas, foi determinada nova venda, através de leilão eletrónico para o dia 18 de janeiro de 2019 (Facto modificado pelo Tribunal da Relação)

l) Data na qual foram apresentadas as seguintes propostas, dadas como as vencedoras: (i) pelo primeiro Réu, BB, no que se reporta à fração identificada pela letra “CI”, no valor de € 334,00; (ii) pelo segundo Réu, CC, quanto à fração designada pela “CM”, no valor de € 252,00; (iii) pelo terceiro Réu, DD, quanto às frações designadas pelas letras “CH”, “CJ”, “CN”, “CQ”, “CS” e “CT”, nos valores de, respetivamente, € 425,00, € 260,00, € 275,00, € 425,00, € 555,00 e € 585,00, totalizando € 2.525,00; e (iv) pela quarta Ré, V..., Lda., quanto às frações identificadas pelas letras “CK”, “CL”, “CP” e “CR”, nos valores de, respetivamente, € 281,00, € 222,00, € 331,00 e € 465,00, somando € 1.299,00;

m) O autor recebeu, em 24.12.2018, a carta, registada com aviso de receção, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 180v a 181, com o seguinte teor:

«Fica por este meio notificado, na qualidade de titular do direito de preferência, que na sequência da inexistência de propostas no dia e hora designados para abertura de propostas por carta fechada, foi designado o dia 18 de Janeiro de 2019 entre as 10:00 e as 10:22 H, neste Serviço de Finanças para se proceder à venda executiva do bem que foi penhorado no processo executivo supra referido

Fica ainda notificado, caso não tenha sido, nos termos e para os efeitos, no art.º 812º do Código Processo Civil(CPC) e de acordo com a alteração à redacção do art.º 248º do CPPT, feita pela Lei 64-B/2011, de 31 de Dezembro, foi determinado que a venda do bem penhorado seja realizada na modalidade de leilão electrónico, conforme estipulado no nº 4, do normativo supra mencionado, adjudicando-se o bem à proposta de valor mais elevado.

A abertura de propostas far-se-à no dia e hora acima designados. A venda pode estar sujeita ao pagamento dos impostos que se mostrem devidos, nomeadamente o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, o Imposto de Selo, o Imposto sobre o Valor Acrescentado ou outros.

Pelo exposto, poderá, se assim quiser, exercer o direito supra mencionado no acto de adjudicação, se alguma proposta for aceite. Caso opte pelo exercício desse direito, deverá fazer-se acompanhar dos elementos probatórios da vigência do mesmo (documentos autênticos).

(…)».”.

n) Enviou o autor, através do seu advogado, no dia 12.02.2019, ao Serviço de Finanças uma mensagem eletrónica a solicitar informação sobre a existência de propostas na data designada para a venda dos bens penhorados, tendo-lhe sido dada resposta, pela mesma via, a 14.02.2019, a identificar as propostas aceites e os respetivos proponentes, bem como a informar que estes já haviam feito o depósito do preço e dos impostos associados à aquisição e que tinham sido emitidos os correspondentes autos de adjudicação.

B – O Direito

1. No caso sub judice, a questão de direito a dirimir consiste em saber se o autor, comproprietário das frações vendidas em execução fiscal, por meio de leilão eletrónico, exerceu ou não atempadamente o seu direito de preferência, questão que depende de saber se foi ou não regularmente notificado para o efeito.

A sentença do tribunal de 1.ª instância considerou, após descrição do regime jurídico aplicável. que o direito de preferência do autor tinha sido exercido fora de tempo, dado que, tal como exige o artigo 249.º, n.º 7, do CPPT, «o Autor foi notificado, na qualidade de titular do direito de preferência, da designação do dia 18 de Janeiro de 2019, entre as 10.00 e as 10.22 horas, para se proceder à venda executiva – cfr. alínea m), do ponto II.1. Nessa mesma notificação pode ler-se que “poderá, se assim quiser, exercer o direito supra mencionado no acto de adjudicação, se alguma proposta for aceite”.

Destarte, em face do regime exposto aplicável e da notificação recebida pelo Autor, consideramos que a exigência prevista no artigo 249º, nº 7, do CPPT, foi cumprida, não tendo o Autor exercido tempestivamente o invocado direito de preferência».

Já o acórdão da Relação de Guimarães, reconhecendo que houve notificação, coloca a questão na perspetiva de saber se esta notificação observou as formalidades exigidas por lei, concluindo pela irregularidade da mesma, com o seguinte fundamento:

«Não tendo o preferente sido notificado do dia e hora da entrega do bem ao arrematante em processo de execução fiscal, pelo preço arrematado, nem havendo sido assinalado na notificação que lhe foi dirigida que a sua ausência no momento da abertura de propostas ou no momento da entrega ao proponente determinaria a extinção do seu direito de preferência no processo executivo, mostra-se a mesma irregular, não se podendo concluir pelo exercício intempestivo do direito a preferir».

O Ministério Público, aqui recorrente, invoca, por sua vez, que o Tribunal da Relação fez uma incorreta interpretação dos artigos 248º nº 7, 249º nº 7 e 253º, todos do CPPT, bem como do artigo 6º nºs 1, 2 e 3, da Portaria nº 219/2011, de 1 de junho.

Vejamos.

2. O autor é proprietário de metade indivisa de várias frações autónomas, tendo a outra metade indivisa dos mesmos imóveis sido penhorada, por dívidas fiscais, pela Autoridade Tributária, e vendida num processo de execução fiscal, por leilão eletrónico, no dia 18 de janeiro de 2019.

No processo de execução fiscal, nos termos do artigo 248.º, n.º 1, do CPPT, «A venda é feita preferencialmente por meio de leilão electrónico ou, na sua impossibilidade, de propostas em carta fechada, nos termos dos números seguintes, salvo quando o presente Código disponha de forma contrária».

E, nos termos do artigo 249.º (Publicidade da venda) do citado diploma, «Determinada a venda, procede-se à respetiva publicitação, mediante divulgação através da Internet» (n.º 1). «O disposto no número anterior não prejudica que, por iniciativa do órgão da execução fiscal ou por sugestão dos interessados na venda, sejam utilizados outros meios de divulgação» (n.º 2).

Em todos os meios de publicitação da venda, afirma o n.º 5 do preceito, incluem-se, por forma que permita a sua fácil compreensão, as seguintes indicações:

a) Designação do órgão por onde corre o processo;

b) Nome ou firma do executado;

c) Identificação sumária dos bens;

d) Local, prazo e horas em que os bens podem ser examinados;

e) Valor base da venda;

f) Designação e endereço do órgão a quem devem ser entregues ou enviadas as propostas;

g) Data e hora limites para recepção das propostas;

h) Data, hora e local de abertura das propostas;

i) Qualquer condição prevista em lei especial para a aquisição, detenção ou comercialização dos bens.

Nos termos do n.º 6 «Os bens devem estar patentes no local indicado, pelo menos até ao dia e hora limites para recepção das propostas, sendo o depositário obrigado a mostrá-los a quem pretenda examiná-los, durante as horas fixadas nos meios de publicitação da venda.

Afirma o n.º 7, com pertinência para o presente caso, que «Os titulares do direito de preferência na alienação dos bens são notificados do dia e hora da entrega dos bens ao proponente, para poderem exercer o seu direito no acto da adjudicação». – destaque nosso

3. O autor, como comproprietário de metade indivisa de um conjunto de frações, é titular de um direito legal de preferência, dotado de eficácia real (artigos 1409.ºe 1410.º do Código Civil), tendo prioridade na aquisição da outra metade, uma vez que a lei pretende reduzir ou eliminar a situação de pluralidade de direitos sobre a mesma coisa (cfr. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6.ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2009, p. 361), por entender que, em regra, dificulta a sua exploração e produtividade.

No momento em que o sujeito passivo decide alienar o bem objeto da preferência em certas condições com certo terceiro, fica obrigado a comunicar ao preferente o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato (artigo 416.º, n.º 1, do Código Civil).

Este dever de comunicação do obrigado à preferência visa possibilitar ao preferente o exercício do seu direito de preferir, tornando mais simples e menos oneroso esse exercício (cfr. Agostinho Guedes, «A natureza jurídica do direito de preferir», Universidade Católica, Porto, 1999, p. 184) e consiste num dever de conduta a cargo do obrigado à preferência, imposto não só pela lei, mas também pelo princípio da boa fé (artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil), que modela o conteúdo exigível a esta comunicação.

O preferente confia, e tem direito a confiar, que o obrigado o informará da sua decisão de contratar e das condições que regerão esse negócio, dado que o preferente tem direito a preferir em igualdade de circunstâncias com o(s) terceiro(s) envolvido(s). A sua declaração de preferência faz-se tanto por tanto, ou seja, o titular do direito de preferência oferece o mesmo e nas mesmas condições que o terceiro.

A decisão de contratar tem, pois, de se materializar em factos cognoscíveis e objetivos e de ser comunicada de forma a permitir ao preferente ter conhecimento do preço do bem, e, nalguns casos, entre os quais se inclui o direito de preferência do comproprietário, a identidade do terceiro.

De acordo com as regras gerais civilísticas que regulam o direito de preferência, aplicáveis em tudo o que não seja contraditado por lei especial, o Estado, enquanto transmitente dos bens penhorados no processo executivo, tem de comunicar ao preferente a sua decisão de contratar e as condições do contrato a celebrar com terceiro(s), sendo necessário que pratique um ato que exteriorize uma decisão definitiva de celebrar o contrato com certo terceiro.

4. Nos termos da matéria de facto, sob alínea m), o autor recebeu, em 24.12.2018, a carta, registada com aviso de receção, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 180v a 181, com o seguinte teor:

«Fica por este meio notificado, na qualidade de titular do direito de preferência, que na sequência da inexistência de propostas no dia e hora designados para abertura de propostas por carta fechada, foi designado o dia 18 de Janeiro de 2019 entre as 10:00 e as 10:22 H, neste Serviço de Finanças para se proceder à venda executiva do bem que foi penhorado no processo executivo supra referido

Fica ainda notificado, caso não tenha sido, nos termos e para os efeitos, no art.º 812º do Código Processo Civil(CPC) e de acordo com a alteração à redacção do art.º 248º do CPPT, feita pela Lei 64-B/2011, de 31 de Dezembro, foi determinado que a venda do bem penhorado seja realizada na modalidade de leilão electrónico, conforme estipulado no nº 4, do normativo supra mencionado, adjudicando-se o bem à proposta de valor mais elevado.

A abertura de propostas far-se-à no dia e hora acima designados. A venda pode estar sujeita ao pagamento dos impostos que se mostrem devidos, nomeadamente o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, o Imposto de Selo, o Imposto sobre o Valor Acrescentado ou outros.

Pelo exposto, poderá, se assim quiser, exercer o direito supra mencionado no acto de adjudicação, se alguma proposta for aceite. Caso opte pelo exercício desse direito, deverá fazer-se acompanhar dos elementos probatórios da vigência do mesmo (documentos autênticos).

(…)».”.

5. O acórdão recorrido entendeu que o dia 18 de janeiro, para o qual o preferente foi notificado, era apenas o dia da abertura das propostas no leilão eletrónico, momento que não coincide com o da entrega dos bens, referência temporal exigida pela lei no artigo 249.º, n.º 7, do CPPT, para o momento da notificação.

Com efeito, como salientou o acórdão recorrido na sua argumentação, o exercício do direito de opção no processo executivo civil e no processo executivo fiscal faz-se em ocasiões distintas.

No primeiro determina-se a notificação do preferente para a data da abertura de propostas (artigo 823.º, n.º 1, do CPC), mas admite-se que este, não tendo estado presente, ainda possa exercer a preferência no prazo de 15 dias após a notificação de que foi aceite uma determinada proposta (cfr. artigo 824.º, n.º 2, do CPC).

No processo de execução fiscal, não está expressa esta segunda possibilidade, mas a notificação para o preferente estar presente e exercer o seu direito não é feita para o dia e hora da apresentação de propostas, mas para o ato da entrega dos bens ao proponente, o que é distinto do ato de abertura e aceitação das propostas.

6. A modalidade de venda do leilão eletrónico encontra-se regulada na Portaria nº 219/2011, de 1 de junho (que aprova os procedimentos e especificações técnicas a observar na realização da venda de bens penhorados em processo de execução fiscal de venda judicial na modalidade de leilão eletrónico), sendo designado como a “modalidade de venda que utiliza meios informáticos para a licitação, através da Internet”, conforme exposto no nº 2 da portaria mencionada.

A regulamentação da divulgação das vendas no processo de execução fiscal através da Internet encontra-se, por sua vez, regulada na Portaria nº 352/2002, de 3 de abril, conforme exposto no artigo 249º, nº 8, do CPPT.

No artigo 6.º da Portaria n.º 219/2011, de 1 de Junho indica-se que:

«Adjudicação dos bens

1 - No dia e hora designados para o termo do leilão, o órgão de execução fiscal decide sobre a adjudicação dos bens.

2 - Podem assistir ao acto de adjudicação o executado, os proponentes, os credores citados nos termos do artigo 239.º do CPPT e os titulares dos direitos de preferência ou remição.

3 - Para o exercício de direitos ou deveres, o acto de adjudicação previsto no n.º 1 é equiparado ao acto de adjudicação dos bens na venda por proposta em carta fechada, a que se refere no artigo 253.º do CPPT.

4 - Sempre que o leilão electrónico terminar em dia não útil ou depois das 17 horas de qualquer dia, o órgão da execução fiscal decide, em diligência a ocorrer às 10 horas do dia útil seguinte, sobre a adjudicação dos bens.»

No Artigo 7.º, sob a epígrafe (Resultado do leilão), dispõe-se que «O resultado do leilão electrónico é disponibilizado no portal das finanças a todos os proponentes, após autenticação, nos termos referidos nos n.os 3 e 4 do artigo 3.º».

7. As normas do CPPT e da Portaria nº 219/2011, de 1 de junho, aqui aplicáveis, devem ser interpretadas de acordo com a orientação fixada no Acórdão do STA, de 24-07-2019 (proc. n.º 0599/18.5BELLE), citado no acórdão recorrido.

A tramitação do processo executivo fiscal por leilão eletrónico está assim descrita no citado Acórdão do STA, de 24-07-2019:

«A execução fiscal desdobra-se essencialmente em 4 fases: citação, penhora, venda, pagamento. Todas estas fases prolongam-se no tempo, cumprem um determinado rito processual e não se esgotam num único acto. Na citação há a ordem de citação e um conjunto mais ou menos alargado de actos que se sucedem no tempo de forma a permitir que a citação ocorra, mas esta só se tem por realizada quando o executado toma conhecimento efectivo do pedido exequendo pela forma legalmente prevista. Também na venda se sucedem uma pluralidade de actos, marcação da venda, leilão electrónico, encerramento do leilão electrónico, decisão de adjudicação, emissão de guias para pagamento do preço, depósito do preço, cumprimento de obrigações fiscais, e emissão de título de transmissão. Podendo ainda haver exercício do direito de preferência na alienação do imóvel ou do direito de remissão que, a efectivarem-se, levarão a que, pese embora a decisão de adjudicação, que mais não é que a decisão que torna claro o resultado do leilão electrónico, conduzem a que o proponente que «ganhou» o leilão electrónico nunca venha a adquirir a propriedade do imóvel que licitou, ou a perca depois de a ter adquirido.

Como qualificava José Alberto dos Reis in Da Venda no Processo de Execução, publicado em Revista da Ordem dos Advogados (ano 1, vol. 2), (1941), págs. 410 a 450; Lisboa, pág. 449, a venda executiva é um contrato sui generis de compra e venda onde existem duas manifestações de vontade de sentido oposto e convergente – a vontade do Estado, no exercício de um poder público de jurisdição executiva, de carácter expropriativo que lhe permite vender o bem do devedor, em nome próprio, sem representar ou substituir este, e independentemente da vontade do devedor que deixou de cumprir a obrigação a que se encontrava adstrito, e, a do adquirente, no exercício de um direito subjectivo, neste caso, à semelhança do que ocorre na venda voluntária, que produzem um resultado jurídico unitário – a transmissão da titularidade do direito de propriedade de um bem como contrapartida do pagamento do preço acordado».

Desta tramitação resulta que a transferência do direito de propriedade do imóvel não ocorreu com a decisão de adjudicação ao participante no leilão eletrónico que ofereceu o preço mais elevado. Com efeito, assim se sintetiza no citado Acórdão do STA:

«A transferência do direito de propriedade do imóvel não ocorre com a decisão de adjudicação ao participante no leilão electrónico que ofereceu o preço mais elevado» (…) «A transmissão do direito de propriedade, na venda executiva só ocorre com a emissão do título de transmissão, depois de depositado o preço convencionado e cumpridas as obrigações fiscais equivalendo à escritura pública de compra e venda na venda voluntária».

Prossegue ainda o Acórdão do STA, referindo-se ao artigo 6.º da Portaria n.º 219/2011, «Neste artigo, a palavra adjudicação é empregue com o sentido de acto onde se apura o resultado do leilão, como referido no art.º 7.º da mesma portaria e não no sentido utilizado pelo art.º 827.º do Código de Processo Civil dado que se refere exclusivamente ao acto de apuramento do resultado do leilão e não substancialmente ao acto de adjudicação dos bens vendidos que ocorre depois de integralmente pago o preço, satisfeitas as obrigações fiscais e exercido o direito de preferência.

Mesmo o acto de adjudicação a que se refere o art.º 827.º do Código de Processo Civil é diverso do acto de emissão do título de transmissão do direito de propriedade dos bens vendidos e pode não ser elaborado na mesma altura. A transmissão do direito de propriedade, na venda executiva, só ocorre com a emissão do título de transmissão, depois de depositado o preço convencionado e cumpridas as obrigações fiscais equivalendo à escritura pública de compra e venda na venda voluntária».

(…)

A Sociedade adjudicatária tem, com o resultado do leilão uma expectativa de vir a ingressar na titularidade do direito de propriedade do bem que licitou mas não tem qualquer direito de propriedade sobre esse bem alicerçada na decisão de adjudicação, assente exclusivamente no resultado do leilão, sem ter em conta quer o exercício do direito de preferência, quer o direito de remição e sem ter efectuado qualquer pagamento por conta do preço que se comprometeu a pagar».

8. Neste quadro legislativo e jurisprudencial, decorre que no momento do leilão ainda não é possível ao preferente conhecer o preço da arrematação e preferir tanto por tanto.

Julgamos, pois, ser insuficiente a notificação do preferente para o ato de abertura de propostas, 18-01-2019, bem como o entendimento do tribunal de 1.ª instância, segundo o qual, o preferente «necessita de acompanhar digital e electronicamente o leilão para que, aceite alguma proposta, possa exercer o seu direito de preferência no momento da adjudicação – o dia e hora designados para o termo do leilão».

No processo de execução cível, na venda por leilão eletrónico, o agente de execução notifica o preferente da data do termo do leilão eletrónico, cumprindo ao preferente ir diretamente ao processo de execução exercer o seu direito de preferência.

Todavia, no âmbito da execução fiscal, de acordo com o artigo 249.º, n.º 7, do CPPT, o titular do direito de preferência é notificado para exercer o seu direito a preferir no dia e hora da entrega dos bens ao proponente, o que não se confunde nem com o ato de abertura e aceitação de propostas, nem sequer com o ato de adjudicação.

Assim, não tendo sido o autor notificado do dia e hora da entrega dos bens, pelo preço arrematado, aos proponentes, mas da data da abertura de propostas – momento em que ainda não estava em condições de preferir – tem de se concluir ser irregular a notificação em litígio nestes autos.

Note-se ainda que, como salientou o acórdão recorrido, a notificação para a abertura de propostas não contém qualquer advertência ao preferente de que deveria acompanhar digital e eletronicamente o leilão para exercer o seu direito até ao seu termo ou até à entrega dos bens ao proponente e que, caso não o fizesse, deixaria de poder exercer o seu direito no processo executivo. Entendemos que esta advertência seria exigível de acordo com o princípio da boa fé que fundamenta todo o direito contratual.

9. Conclui-se, pois que a notificação dirigida ao aqui recorrido (autor) foi irregular, e, nestes termos, não se pode considerar intempestivo o exercício do direito de preferência.

Em consequência, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

10. Anexa-se sumário elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC:

I – O dever de comunicação do obrigado à preferência visa possibilitar ao preferente o exercício do seu direito de preferir, tornando mais simples e menos oneroso esse exercício e consiste num dever de conduta, imposto não só pela lei, mas também pelo princípio da boa fé (artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil), que modela o conteúdo exigível a esta comunicação.

II – O preferente confia, e tem direito a confiar, que o obrigado o informará da sua decisão de contratar e das condições que regerão esse negócio, dado que o preferente tem direito a preferir em igualdade de circunstâncias com o terceiro envolvido.

III – No processo de execução fiscal, a venda faz-se através de leilão eletrónico, exigindo o artigo 249º, nº 7 CPPT que a notificação ao preferente indique o dia e a hora da entrega dos bens ao proponente para que o preferente possa exercer o seu direito, momento distinto do ato de abertura e de aceitação das propostas.

IV – Não tendo o preferente sido notificado do dia e hora da entrega do bem ao arrematante em processo de execução fiscal, pelo preço arrematado, nem tendo sido advertido, na notificação que lhe foi dirigida, que a sua ausência no momento da abertura de propostas ou no momento da entrega ao proponente determinaria a extinção do seu direito de preferência no processo executivo, conclui-se pela irregularidade da notificação, não se podendo considerar que o exercício do direito a preferir foi intempestivo.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 10 de dezembro de 2024

Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Nelson Borges Carneiro (1.º Adjunto)

Manuel Aguiar Pereira (2.º Adjunto)