No recurso de fixação de jurisprudência, o legislador para além dos demais pressupostos formais, não se basta com a identificação de dois acórdãos em oposição. Exige, sob pena de rejeição do recurso, que o recorrente justifique a oposição entre ambas as decisões, o que pressupõe uma síntese conclusiva sobre a identidade da situação de facto e de direito, a qual deverá ser aprofundada nos pressupostos substantivos ou materiais.
1. O Assistente AA veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal, com fundamento na oposição de julgados entre o acórdão proferido no processo n.º 2518/19.2T9CSC.L1 do Tribunal da Relação de Lisboa, em 10 de Julho de 2024 (acórdão recorrido) e o acórdão de 14 de Junho de 2006, do Tribunal da Relação de Coimbra, no Processo nº 1672/06, (acórdão fundamento) apresentando as seguintes conclusões: (transcrição)
1. Foi o Assistente notificado da decisão proferida nos presentes Autos, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, julgando totalmente improcedente o seu recurso quanto à decisão do Juízo de Instrução do Tribunal de ..., no sentido de não pronunciar “a arguida BB pela prática de um crime de furto qualificado. p. e p. pelo art. 204.º, n.º 2, al. a) do Código penal, nem ainda pela prática de um crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo 205.º do Código Penal”;
2. Todavia, o Assistente não pode conformar-se com tal decisão, uma vez que decorrem dos Autos indícios (mais que) suficientes para que se faça um juízo de prognose no sentido de que a Arguida cometeu, pelo menos, um crime, em autoria, de Abuso de Confiança Agravado, sendo que os elementos constantes dos Autos (factos e vestígios probatórios) perspectivam a sua condenação, preenchendo todos os elementos do tipo de crime;
3. Acrescendo ainda, para efeitos do presente Recurso Extraordinário, o facto de tais decisões se encontrarem em evidente oposição com julgado noutros processos, nomeadamente, com um Acórdão que aqui serve de contraposição, a saber: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do Processo 1672/06, datado de 14/06/2006, e que segue anexo ao presente recurso;
4. Antes de mais, impõe-se uma súmula de factos em causa nestes Autos e uma breve contextualização
5. Vejamos, por remissão, o Juízo de Instrução, que proferiu a decisão em recurso, deu como indiciados vários factos do Requerimento de Abertura de Instrução; considerando outros, desse mesmo articulado, sobretudo os concernentes ao preenchimento do tipo de ilícito (elementos objectivos e subjectivos) como não indiciados; e ainda não tomou posição quanto aos demais por entender se tratar de “matéria conclusiva ou se referirem a matéria de direito”; Cfr. Decisão Instrutória.
6. Muito sumariamente, atente-se, pois, aos factos dados como indiciados: a Arguida é a irmã do Assistente, este apresentou queixa contra aquela em 17/05/2019, considerando pois que a Mãe de ambos - CC, faleceu em .../.../2007 - de quem são ambos únicos e universais herdeiros, sendo a Arguida a Cabeça-de-Casal da Herança (apesar de não ser a mais velha, mas porque assim quis); a Arguida, por residir mais próxima da Mãe (o Assistente vive há bem mais de 30 anos no ...), e considerando a necessidade de apoio daquela, quer pela idade quer pela situação da doença de que padeceu, foi a pessoa que a acompanhava mais de perto, nomeadamente no plano patrimonial e financeiro, gerindo os dinheiros da Mãe, e era também a Arguida que fazia parte das contas da Mãe, era contitular e/ou autorizada das mesmas, fazia pagamentos alegadamente a pedido daquela, tinha acesso ao homebanking e aos cartões bancários, sendo que a Mãe não usava nem sabia usar esses meios para movimentação das contas; e foi neste contexto que, aquando do falecimento da Saudosa D.ª CC, a Arguida transmitiu ao Assistente que havia transferido parte significativa das poupanças da mãe para uma conta pessoal sua e do seu Marido, pedindo-lhe um tempo para lhe entregar a sua parte (50%), de forma não perderem os juros pelo vencimento antecipado das aplicações financeiras; ao que, o Assistente anuiu; cerca de 15 dias após o falecimento da Mãe, a Arguida transferiu a quantia de 180.000,00 EUR; algo que o Assistente estranhou, por quanto capital e juros não deveriam resultar em tão redonda soma; motivo pelo qual, consultou um advogado, tendo sido mandada uma interpelação, para que a Arguida esclarecesse o valor transferido, e eis senão quando, ao invés de confirmar a justeza da quantia transferida, a Arguida admite erro no cálculo e transfere-lhe, em 03/04/2008, mais 24.994 EUR e 25 cêntimos; ainda não satisfeito, porque entendia (e entende) o Assistente que, fruto das receitas e despesas da Senhora sua Mãe, entendia (e entende) haver quantia (bem) superior, passou aquele a solicitar documentos demonstrativos de que o valor estava justamente repartido; algo a que a Arguida sempre se escusou, motivo pelo qual o Assistente resolveu mover-lhe uma Acção de Prestação de Contas, a qual corre os seus termos sobre o número do Processo 3292/18.5..., no Juízo Local Cível - Juiz 3, no Tribunal da Comarca de ...; sendo que, de início, inclusivamente se negou à obrigação de prestar contas, dando nota que o valor estava bem repartido e que nada mais havia a distribuir;
7. Considerando a factualidade naquele processo, o Assistente, no ano seguinte, resolveu intentar também queixa-crime, a qual subjaz aos presentes Autos, tendo sido autuado como Crime de Abuso de Confiança Agravado;
8. O Denunciante foi admitido a intervir como Assistente nos Autos;
9. Como acto inicial de inquérito, foi solicitada a informação ao Banco de Portugal acerca das contas bancárias da de cujus, e, nesse seguimento, foram oficiadas das entidades SANTANDER TOTTA, MILLENNIUM BCP e CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, para prestarem informações, tendo sido apurada que naquela primeira entidade a conta era co-titulada pela Falecida e pela filha (Arguida), tendo sido aberta em 07/04/2005, não possuindo movimentos entre 01/01/2007 a 06/04/2021; pela segunda entidade foi referido que presentemente a conta é titulada pela Denunciada e pelo Marido, mas que foi aberta em nome daquela (Arguida) e pela sua Mãe, tendo esta sido substituída pelo Marido em 01/03/2004; e, por fim, referiu a terceira entidade que a conta era titulada unicamente pela Senhora D.ª CC sendo a Arguida pessoa autorizada como poderes de movimentação, existindo ainda outra conta, esta titulada por Mãe e pelos seus dois filhos, mas sem quaisquer movimentos desde 2005;
10. Foi requerida ainda informação à Acção de Prestação de Contas com Certidão do Estado e peças processuais;
11. Ora, desde logo aqui a mera confrontação dos elementos recolhidos na informação prestada pelas entidades bancárias com a contestação e demais documentos e demais requerimentos, apresentados pela Arguida, naquela Acção de Prestação de Contas, evidenciam, por si só, notórias contradições, nomeadamente no que diz respeito a dizer que: (i) o denunciante era também titular todas as contas da mãe; (ii) que nunca tinha administrado os bens daquela; e (iii) chegando inclusivamente a dizer que “mesmo que a R. tivesse levantado ou aplicado quaisquer verbas que se encontrassem nas contas tituladas por si, pela mãe e irmão (até determinada altura), embora nunca o tenha feito e só se consegue e apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, ainda assim existia uma autorização mútua e tácita para a respectiva movimentação inexistindo qualquer obrigação de prestar contas”; Cfr. Contestação do Processo 3292;
12. Estranhamente, ou não, o encontrando-se agendada Audiência de Discussão e Julgamento a Arguida fez um Requerimento e juntou documentos àquele Proc. 3292, entanto nota que: “4 - (…) a Requerida logrou obter agora documentos comprovativos dessa partilha entre requerente e requerida, pelo que requer a sua junção aos autos dos docs. 1 a 35 que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, requerendo, desde já, se Digne relevar a sua junção tardia, uma vez que só agora os conseguiu obter, após busca intensa em arquivos e dossiês guardados em arrecadação é que há muito não eram mexidos. / 5 - saliente-se que os Docs. Nºs 1 a 21 referência a conta do Banco Santander-Totta, titulada pela Requerida e pelo seu Marido, onde estiveram aplicados 380.000,00 € (230.000,00 € + 150.000,00 €). / 6 - Em Julho de 2007, na sequência do falecimento da mãe de Requerente e Requerida, resgatou se uma das aplicações e em Agosto de 2007, foi transferido o valor de 180.000,00 € para a conta do Requerente (Cfr. Docs. Nº 3 a 6).
13. Realizou-se a Audiência de Julgamento, foi proferida Sentença e ambas as partes apresentaram Recurso da mesma, mas foi decidido, por decisão já transitada em julgado, que Arguida deveria prestar de contas no período depois da morte da Mãe;
14. Tendo resultado como facto provado, do Processo 3292/18.5..., que: “a Ré acompanhou a mãe agências bancárias a fim de tratar dos assuntos relacionados com depósitos e aplicações financeiras”, dando nota a Arguida de que “nos últimos anos de vida era visita de casa da sua mãe quase todos os dias, e que ajudava nas deslocações e saídas, bem como banco, quando foi necessário pedido da mãe, ajudá-la a transferir quantias da conta dela (…)”
15. Chegado ao momento de prestar contas, veio a própria Arguida dar nota de que afinal havia um valor de capital de 445.508 EUR e 27 cêntimos, ao qual se soma a quantia de juros num montante de 4.491 EUR e 73 cêntimos, pertencente à Herança, que se encontra numa conta sua e do Marido, apondo a data de 12/08/2005, como alegado na data de transferência para a sua conta pessoal, coincidentemente ou não a sua data de aniversário;
16. Resulta assim, dos factos dados como indiciados, indubitável que a Arguida, apesar de reconhecer ter transferido para a sua conta pessoal e do seu Marido, ainda antes da morte da mãe, em 12/08/2005, uma determinada quantia, a qual, com juros, ascende ao total de 450.000,00 EUR, apenas transferiu para o Assistente a quantia de 204.994 EUR e 25 cêntimos, o que a Arguida confessa!!!!
17. Tudo conforme acima melhor referenciado nas Alegações, nas quais se procede à transcrição da excertos dos Requerimentos e documentos juntos pela Arguida, no sentido que vem antedito, com indicação concreta da sua localização nos Autos, para apuramento mais célere, constando dos autos Certidão dessas mesmas peças processuais;
18. Existindo, pois, já evidência que há uma quantia de valor superior a 20.000,00 EUR, que a Arguida continua e quer continuar a deter na sua posse, praticando sobre ele actos como se fosse a sua titular de direito e de facto, e recusando-se a transferir esse valor ao aqui Recorrente, por alegadamente as contas estarem devidamente saldadas entre si;
19. Sendo este apenas, ainda, o “levantar do pano”, haverá ainda muito mais para apurar, mas este é, já por si, um indício concreto, factual, suficiente, bastante e convincente de que a Arguida de forma voluntária, livre e espontânea, com consciência da proibição da sua conduta, se apropria de coisa alheia que lhe foi entregue, por título não translativo da propriedade, obstando-se a repor a licitude da sua conduta, e conformando se com isso!!!
20. O que confessa e admite, sem pudor!!!
21. Quanto à prova que decorre dos Autos, a saber: habilitação de herdeiros, certidão de óbito, informações bancárias, extractos bancários, outros documentos juntos, peças processuais da Acção de Prestação de Contas, etc…; bem como aquela que foi permitida produzir na Instrução, a saber: certidões com Peças do Processo 3292/15.5... e Declarações do Assistente, resulta suficientemente indiciado a prática de ilícitos criminais, por parte da Arguida;
22. Motivo pelo qual, se conclui que haveria o Juízo de Instrução de Cascais ter proferido, também por esta via, Despacho de Pronúncia, como se impunha, e, não o tendo feito, impõe-se aqui reverter aquela decisão;
Dizer também que:
23. Não obstante, todas as tentativas do Assistente para que a Arguida demonstrasse documentos comprovativos da justa repartição do valor, o que tentou durante anos, facto é que aquela nunca exibiu um único documento, recusando-se expressamente a mostrar-lhe o que quer que fosse de forma a esclarecer cabalmente o assunto;
24. E tudo aquilo que o Assistente sabe, neste momento, corresponde às pontas que têm vindo a ser levantadas no âmbito das acções judiciais instauradas;
25. Tenha-se assim atenção que o Assistente não tem outro modo de certificar que de facto o valor que a Arguida lhe transferiu é um valor correcto e ajustado aqui ambos tinham direito, tem de recorrer aos Tribunais.
26. O Assistente não quer mais do que aquilo a que tem direito, apenas quer a VERDADE!!!!
27. Considerando o valor distribuído pelos herdeiros existente nas contas que permaneciam em nome da falecida CC, o mesmo demonstra-se manifestamente diminuto em face da realidade que era vivenciada por aquela e das suas poupanças, tanto que, havia uma herança recente que tinha recebido, em moeda, no valor de mais de 500.000,00 EUR;
28. Por outro lado, considerando o comportamento que a Arguida tem vindo a adoptar, este tem deixado ainda o Assistente de pé atrás, até porque os valores muitas vezes não fazem sentido, aliás não se compreende como a Arguida refere e junta extractos bancários que demonstram a existência de 380.000,00 EUR, em 2007, quando após, também dar nota que em 2005 existia 450.000,00 EUR, não se entende!!!!
29. Acrescendo ainda que, os documentos constantes dos Autos, por parte das Entidades Bancárias, denotam que era a Arguida unicamente que fazia parte de praticamente todas as contas da Mãe, e que, além disso, evidenciam transferências frequentes, de montante variados entre ambas;
30. Estranhando-se ainda a abertura de contas nos anos que antecederam a morte da D.ª CC, em que esta estava já em idade avançada, bem como as alterações às contas existentes, nomeadamente saindo a Mãe e entrando o Marido da Arguida;
Assim,
31. Retenha-se o seguinte, a Arguida refere no aludido Processo 3292, que:
I - “6. No que se refere às contas apresentadas quanto ao Banco Santander a ora requerente tem apenas documentação muito dispersa, com falhas no seguimento das “folhas”, não conseguindo ter acesso aos extractos da respectiva conta por se encontrar encerrada. Acresce que, recorda-se a requerente, que parte da verba existentes na conta, foi partilhado ainda antes do óbito, pelo que, fará sentid, neste caso, solicitar um extracto com data anterior ao óbito. Nestes termos, e no que se refere ao Santander:
a. Requere-se que V. Exª. se digne ordenar a notificação daquela entidade bancária para que venha juntar aos autos os extratos bancários da conta nº ...........30 desde 25/09/2005 até ao seu encerramento – Maio/2018 (sendo certo que essa conta não era da titularidade da falecida, no entanto nos termos do Acórdão, deverá a requerente prestar contas sobre a mesma). A conta seria da sua titularidade e do seu marido DD.
6.1 Apenas com a junção desses extratos poderemos considerar as contas total e cabalmente prestadas e esclarecidas.”
Cfr. Requerimento de 20/05/2022, junto aos Autos pelo Assistente, através dos seus Requerimentos de 27/09/2023 (cópia simples) e de 13/10/2023 (Certidão código de acesso UQET-...-L3V2-CZD0, com continuação na Certidão código de acesso RZ6X-VOJR-8D95-ZPV5).
II – junta ao Requerimento de Prestação de Contas acima identificado, documentos dos quais decorre que cada um dos herdeiros tinha direito a quantia de 225.000,00 EUR, uma vez que o crédito a dividir somava se em 450.000,00 EUR, sendo 445.508 EUR e 27 cêntimos de capital, aos quais acrescia 4491 EUR e 73 cêntimos de juros;
Cfr. Requerimento de 20/05/2022, junto aos Autos pelo Assistente, através dos seus Requerimentos de 27/09/2023 (cópia simples) e de 13/10/2023 (Certidão código de acesso UQET-...-L3V2-CZD0, com continuação na Certidão código de acesso RZ6X-VOJR-8D95-ZPV5) e Cfr. Requerimento de 01/07/2022, junto aos Autos pelo Assistente, através dos seus Requerimentos de 27/09/2023 (cópia simples) e de 13/10/2023 (Certidão código de acesso UQET-...-L3V2-CZD0.
III - “efetivamente os valores transferidos para o Autor, no que se refere à “conta Santander” foram, 180.000€, e posteriormente, 24.994,25€, o que naturalmente resultará da prova a efetuar nos autos.”
Cfr. Requerimento de 19/12/2022, junto aos Autos pelo Assistente através do Requerimento apresentado em 27/09/2023 (cópia simples) e de 13/10/2023 (Certidão código de acesso RIBR-5NOK-...-OTY2).
32. Ou seja, reconhece a existência de: I – um bem pertença da Herança; II – que esse bem é concernente a quantia de 450.000,00 €, que transferiu da conta da Mãe para uma conta pessoal sua; III – que, por conta da referida quantia, apenas entregou ao Assistente 204.994,25 €;
Prosseguindo,
33. Com base na factualidade acima, ainda assim, entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa não dar razão ao Assistente, tendo este entendido “não terem sido recolhidos indícios suficientes da prática de qualquer crime no arguida BB e que as questões invocadas pelo assistente, são da natureza cível e não criminal”;
34. Reconhecendo, no entanto, o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, estar fixado o seguinte:
I - que Arguida e Assistente são os únicos e universais herdeiros da sua mãe CC, a falecida .../.../2007;
II - que a Arguida é cabeça-de-Casal;
III - que existe uma acção especial de Prestação de Constas que corre os seus termos sob o n.º 3292/19.5..., na qual foi Arguida obrigada a prestar contas;
Isto posto,
35. O que vem dito opõe-se ao decidido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do Processo 1672/06, registando se oposição de julgados;
36. É que, vejamos, neste mesmo processo, precisamente em similitude com os factos dos Autos e no domínio da mesma legislação, foi tomada decisão contrária;
37. Vejamos, aí, na sequência de um Despacho de Acusação, promovido pelo Ministério Público (doravante MP), a Arguida veio requerer a Abertura de Instrução, tendo concluído o Juízo de Instrução por proferir Decisão de Não Pronuncia, por se ter entendido não se registar apropriação de coisa alheia;
38. O MP veio interpor recurso dessa decisão, tendo conseguido reverter a decisão e levar a Arguida a Julgamento;
39. Contextualizado, aí a Arguida era filha adoptiva, a Mãe faleceu e sucedeu-lhe como herdeira, mas a de cujus instituiu outros dois Irmãos como seus Herdeiros, por Testamento; além de demais património, existiam três contas bancárias (com mais de 160.000,00 €), que a Arguida, na qualidade de Cabeça-de-Casal, e sob o pretexto de necessidade de ter de pagar despesas e encargos da Herança, lhe foram entregues; a Arguida acabou por levantar a totalidade desses valores, fazendo-os seus, e usando-os em proveito próprio, apesar de saber que actua nomeadamente, contra os demais Herdeiros;
40. Ora, no nosso caso concreto, ocorre exactamente a mesma situação: a Arguida transferiu para a sua conta pessoal e do Marido uma determinada quantia, que a mesma confessa, na Acção de Prestação de Contas, corresponder a 450.000,00 €; valor que a mesma assume ser da Herança e elenca como valores a partilhar entre os Herdeiros; tais valores foram-lhe entregues com o alegado propósito de obter maior rentabilidade e, após a morte da Mãe, a Arguida assumiu ao Assistente possuir parte substancial dos valores mobiliários depositados numa conta sua, pedindo para aguardar um tempo pela distribuição desse valor, para não perderem os rendimentos da aplicação que tinha efectuado, encontrando-se para breve seu vencimento; depois disso transferiu ao Assistente, por conta desse valor, em 01/08/2007, a quantia de 180.000,00 EUR; asseverando que estavam as contas efectuadas; e depois de interpelada para justificar e exibir documentos, considerando conta tão redonda, sem mais justificações, voltou, em 03/04/2008, a transferir nova quantia de 24.994 EUR e 25 cêntimos; daí e até à Acção de Prestação de Contas, em que na fase preliminar de processo impugnou o dever de prestar Contas, apesar de ser Cabeça-de-Casal, e referiu nada ter o Assistente a haver, por se encontrar a divisão de valores integral e justamente realizada; na fase posterior, após ter sido condenada a aprestar contas, assumiu a existência de 450.000,00 € e que apenas tinha transferido a quantia de 204.994,25€.
41. Os factos são muito equiparados, no Processo de ... apenas existiu uma Providência Cautelar, que determinou a entrega dos valores à Arguida; e no caso dos Autos, há uma Acção de Prestação de Contas, repristinando a entrega a momento anterior à morte da Mãe de Assistente e Arguida; sendo que o relevante, para o efeito, é, numa fase preliminar, a entrega e o objectivo da entrega, e depois, a posteriori, o comportamento desviante daquele pressuposto inicial, e, nesse ponto, o animus é o mesmo!!!
42. Quanto a ser ou não ser bem alheio, o Tribunal a quo entendeu que não o era, na medida em que se trata de um bem da Herança; ora no Acórdão junto o Tribunal decidiu: “é a própria arguida que admite que reconhece que se trata de dinheiro da herança e que se apropriou efectivamente, em seu proveito exclusivo, do dinheiro existente na consta da herança, dispondo dele, levantando-o da conta onde estava depositado por imposição do tribunal, despendendo-o ou gastando-o em seu benefício exclusivo, para fins que nada têm a ver com dívidas ou encargos da herança”;
43. A Herança é assim destrinçada da situação de comunhão de bens, assumindo-se a primeira como um património autónomo e individual e, por via disso, é sempre alheio à Arguida;
44. Por outro lado, e no que concerne à apropriação, esta resulta da inversão do título da posse, bastando, para o efeito, o comportamento desviante das obrigações iniciais, ou seja, reconhecido o valor como da Herança (o que a Arguida não nega, pelo contrário assume) impunha-se a obrigação de dividir justamente o valor com o Assistente, o que apesar de ter asseverado, não ocorreu, como já vimos, obstando-se, até aos dias de hoje a devolver esse valor;
45. Se assim é, se, como nos Autos, a Arguida reconhece que o valor é da Herança e se obsta a entregá-lo, pelo menos, no que concerne ao diferencial que já reconheceu, ela própria na Acção de Prestação de Contas, então naturalmente só se pode daí extrair que é em proveito próprio;
46. O comportamento da Arguida já amplamente patenteado, associado também às regras da experiência comum, evidenciam que a mesma se pretende apropriar do que não é seu, como bem o sabe; evitando a justa repartição dos valores da Herança, o que afaz de forma consciente e dolosa, bem sabem que comete a prática de, pelo menos, um crime, mas ainda assim conformando-se com esse comportamento;
47. Assim, o Tribunal de Instância Inferior, em face dos factos que possuía, deveria ter tido o mesmo entendimento de que o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no sentido de que há indícios (mais que) suficientes, existindo preenchimento do tipo objectivo e subjectivo, nomeadamente no que concerne à existência de coisa alheia e apropriação;
Acresce ainda que,
48. Impõe-se ainda fazer uma breve alusão ao direito concretamente aplicável;
Dispõe o artigo 205.º do Código Penal que “quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregues por título não translativo de propriedade é punido com prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
49. São assim elementos do tipo objectivo: a apropriação ilegítima de coisa móvel e a entrega ao agente por título não translativo da propriedade;
50. Não havendo dúvidas que há aqui, por parte da Arguida, posse e detenção de coisa alheia, que aquela sempre apropriou, ao longo dos tempos, fazendo daquela coisa sua - animo domini;
51. E fazendo de forma dolosa, consciente, bem sabendo da licitude desse comportamento, mas conformando se com o mesmo;
52. Nada fazendo, nem mesmo depois da própria evidenciar e exteriorizar confessadamente uma retenção ilegítima de valor que pertence ao Assistente, de forma a fazer cessar o ilícito, que promove de forma contínua;
53. Encontrando-se subjacente a esse comportamento uma obrigação de restituição do valor ao Assistente;
Em conclusão,
54. O Acórdão recorrido, além de assentar em pressupostos de facto e, consequentemente, de direito erróneos, violando preceitos de natureza adjectiva e substantiva, está em contradição com outro Acórdão proferido por outro Tribunal da Relação, pelo que se impõe a sua revogação.
55. Portanto, entende o Assistente, e salvo melhor opinião, com o devido respeito pela decisão em crise, que a mesma não pode manter-se nos termos proferidos, devendo, por isso, ser a mesma revogada por uma outra decisão que se afigure mais justa, adequada e legítima ao caso concreto, atentas as circunstâncias e fundamentos acima enunciados;
56. Ora, se a decisão tomada serve para convencer a comunidade jurídica de que não há indícios suficientes, ela não pode, pois, deixar margens permitam levantar-se dúvidas, nem por, outro lado, pode deixar de proteger os direitos e legítimos interesses do lesado/ofendido/queixoso;
57. Havia o julgador de ter formulado um juízo na prognose condenatório, e não o fez!!!
58. E, mais não fosse, por estar consolidado, para já, pelo menos, a existência de apropriação de mais de 20.000,00 € que a Arguida retém ilegitimamente e não entrega ao Assistente, devia sempre, no mínimo, se é pronunciada por esses factos;
59. Dando-se, pois como procedente o Recurso.
60. Atento que é apodíctico que a decisão em recurso violou, entre outros, os seguintes preceitos legais: 20.º e 205.º da CRP; 120.º, 125.º, 126.º a contrario, 286.º, 287.º, 288.º, 289.º, 292.º, 340.º, 347.º do CPP; 204.º e 205.º do CP;
TERMOS em que, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso, no sentido das Alegações e Conclusões acima tomadas e, em consequência, ser a decisão ora recorrida revogada, por desconforme com outro Acórdão de posição diversa em relação à mesma questão de direito e de identidade de factos, e ser substituída por uma outra que pronuncie a Arguida pelo crime de que vinha indiciada, para todos e devidos efeitos legais. (fim de transcrição)
2. O Ministério Público, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição)
1. O Recorrente não identificou, como lhe era exigível, os aspectos de identidade que
alegadamente determinam a contradição invocada entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento.
2. O Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento não se pronunciam sobre idênticas situações de facto, e como tal, não estamos perante dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas expressas.
3. A duas decisões apresentam distintos enquadramentos jurídicos à luz dos contornos da factualidade nelas apreciadas, pelo que, e de acordo com a nossa Jurisprudência mais
conceituada, o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento não decidem em termos opostos sobre a mesma questão de direito.
4. Não se verifica, pois, a oposição de julgados pretendida pelo Recorrente.
5. Termos em que se tem de concluir pela não verificação dos requisitos legais previstos no artigo 437.° do Código de Processo Penal, por não estarmos perante dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas expressas.
6. O que constitui causa de rejeição do recurso, por inadmissibilidade legal, nos termos dos artigos 414.° n.° 2 e 420.° n.° 1 al. b), do C. de Processo Penal. (fim de transcrição)
3. Neste Supremo Tribunal de Justiça o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu douto parecer concluindo “entende que não se verificam os requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário interposto, pelo que não deverá o mesmo prosseguir.”
4. Notificado o Assistente o mesmo respondeu manifestando-se, de novo, pela procedência do recurso.
5. Efectuado o exame preliminar, o processo foi aos vistos e remetido à conferência, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 440.º do Código de Processo Penal.
Cumpre apreciar e decidir.
II Fundamentação
6. Sob a epígrafe “Fundamento do recurso”, dispõe o artigo 437.º do Código de Processo Penal, no que tange à interposição de recurso extraordinário de fixação de jurisprudência:
«1 – Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.
2 – É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.
5 – O recurso previsto nos n.ºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público».
Por sua vez o artigo 438º, sob a epígrafe “Interposição e efeito”, dispõe:
“1 - O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.
2 - No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.
3 - O recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo.”
7. O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência visa a obtenção de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça que fixe jurisprudência, “no interesse da unidade do direito”, resolvendo o conflito suscitado (artigo 445.º, n.º 3, do Código de Processo Penal), relativamente à mesma questão de direito, quando existem dois acórdãos com soluções opostas, para situação de facto idêntica e no domínio da mesma legislação, assim fomentando os princípios da segurança e previsibilidade das decisões judiciais e, ao mesmo tempo, promovendo a igualdade dos cidadãos.
Como se diz no acórdão nº 5/2006 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no DR I-A Série de 6.06.2006, «A uniformização de jurisprudência tem subjacente o interesse público de obstar à flutuação da jurisprudência e, bem assim, contribuir para a certeza e estabilidade do direito.» Por isso se lhe atribui carácter normativo.
Como o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a reiterar, a interposição do recurso para fixação de jurisprudência, depende da verificação de pressupostos formais e materiais.1
São requisitos de ordem formal:
i. a legitimidade do recorrente (sendo esta restrita ao Ministério Público, ao arguido, ao assistente e às partes civis) e interesse em agir, no caso de recurso interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis (já que tal recurso é obrigatório para o Ministério Público);
ii. a identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação, com justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito;
iii. o trânsito em julgado de ambas as decisões;
iv. tempestividade (a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito da decisão proferida em último lugar).
São requisitos de ordem material:
i. a existência de oposição entre dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão da Relação e um do Supremo Tribunal de Justiça;
ii. verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões;
iii. oposição referente à própria decisão e não aos fundamentos;
iv. as decisões em oposição sejam expressas;
v. a identidade de situações de facto.
8. Da verificação dos pressupostos formais
Legitimidade e interesse em agir: o Assistente AA tem legitimidade e interesse em agir (artigo 437º, nº 5 do Código de Processo Penal)
Tempestividade: Nos termos do artigo 438.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o recurso para fixação de jurisprudência deve ser interposto no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido.
O acórdão recorrido foi proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 10 de Julho de 2024 e transitou em julgado a 27 de setembro de 2024.
O presente recurso entrou em dia 01 de Outubro de 2024, portanto dentro dos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado do mesmo.
Assim, o pressuposto da tempestividade mostra-se igualmente preenchido.
Invocação, identificação, cópia do acórdão fundamento (só um) e indicação da sua publicação (artigo 438, nº 2 do Código de Processo Penal).
O recorrente para a oposição de julgados como acórdão fundamento invocou o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 14 de Junho de 2006, no Proc. N.º 1672/06 transitado em julgado.
Trânsito em julgado dos dois acórdãos contraditórios de tribunais superiores: está em causa a contraditoriedade de dois acórdãos de Relações diferentes e os dois transitaram em julgado (artigos 438, nº 1, e 437, nº 4).
Justificação da oposição, de facto e de direito (438, nº 2): O Assistente na sua motivação e conclusões não “justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência”, tal como exige o referido preceito legal.
Na verdade, o legislador não se basta com a identificação de dois acórdãos em oposição. Exige, mesmo em relação aos pressupostos formais, que o recorrente justifique a oposição entre ambas as decisões, o que pressupõe uma síntese conclusiva sobre a identidade da situação de facto e de direito, a qual deverá ser aprofundada nos pressupostos substantivos ou materiais.
Ora, no seu recurso o Assistente não logra justificar a oposição entre os dois acórdãos. Como refere o Senhor Procurador-Geral no seu douto parecer, “ (…) No caso dos autos não existe tal identidade, pois que a decisão de não pronúncia se baseia, em primeiro lugar, na circunstância de se entender como não indiciado que a arguida se haja apropriado de qualquer quantia pertencente ao património indiviso da herança aberta por óbito da mãe (sua e do assistente) à herança, enquanto que não acórdão fundamento se partiu já da certeza indiciária quanto a tal ter ocorrido.
É claro o acórdão recorrido quando refere- e transcreve-se:
«Ora, analisada toda a prova recolhida, entendemos não resultar da mesma haver indícios suficientes, de que a arguida BB se tivesse apoderado de bens ou quantias monetárias pertencentes à massa hereditária, não obstante as suspeitas por parte do assistente de desaparecimento, sonegação e apropriação de montantes depositados em contas bancárias que foram sendo feitas ao longo dos últimos anos».
Já no acórdão utilizado como fundamento, pelo contrário, partiu-se dessa certeza, ali se dando como indiciariamente provado – transcreve-se:
«A arguida, […], firmou o propósito de fazer sua, gastando-a em proveito próprio, a supra mencionada quantia depositada, pertencente à dita herança indivisa.
Assim, na execução desse propósito, a arguida, […] procedeu ao levantamento da totalidade da quantia depositada - 32.716 858$70.
Dessa quantia em dinheiro a arguida gastou com os encargos da herança indivisa uma quantia inferior a 3.750,00 euros.
A restante quantia em dinheiro, pertença da herança indivisa, em valor superior a 160.000,00 euros, foi gasta pela arguida em proveito próprio, que assim fez seus aqueles mais de 160.000,00 euros.»
Daqui que cai pela base qualquer fundamento para fixar jurisprudência quanto a saber-se se integra a prática do crime de abuso de confiança (ou de furto) a apropriação de montantes pertencentes a uma herança indivisa, quando o autor dos factos é herdeiro, ou, melhor dizendo, se constitui tal património «coisa alheia» para aqueles efeitos: no caso do acórdão recorrido, ao contrário do que sucedeu com o acórdão-fundamento, inexistiu matéria indiciária quanto à própria apropriação, pelo que nem se chegou a apreciar se essa apropriação, a ter existido, integraria – ou não – algum tipo criminal.
Não se verifica no caso, pelo exposto, o preenchimento dos elementos que permitam, o prosseguimento do recurso extraordinário que, , como referido no acórdão deste STJ de 06-07-2022, no processo 184/12.5TELSB-R.L1-A.S1 [Relator – Pedro Branquinho Dias], tem como finalidade específica evitar contradições entre acórdãos dos tribunais superiores, assegurando, assim, a uniformização da jurisprudência e, reflexamente, os princípios da segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e da igualdade dos cidadãos perante a lei», cumprindo-se o interesse público de obstar à flutuação dos jurisprudência e, bem assim, contribuir para a certeza e estabilidade do direito.”
Pretender equiparar situações de facto diametralmente opostas, mais não é do que uma tentativa vã de conseguir, transformar o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, em um novo grau de recurso que a lei não suporta, como resulta da análise dos respectivos pressupostos.
Aliás, o próprio recorrente admite, de forma expressa, esta pretensão de nova instância de recurso ao concluir que a decisão do acórdão recorrido deve “(…) ser substituída por uma outra que pronuncie a Arguida pelo crime de que vinha indiciada, para todos e devidos efeitos legais”.
Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 24 de março de 2021, “(…) o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência não pode ser admitido com a finalidade de alçar o caso ao reexame extraordinário da regularidade processual ou do mérito da decisão recorrida.”2
Acresce que o recurso do recorrente não é passível de despacho de aperfeiçoamento, tal como resulta do artigo 440º do Código de Processo Penal e é jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça.3
Assim, não tendo o recorrente justificado a oposição entre os acórdãos invocados e não sendo o recurso passível despacho de aperfeiçoamento, é manifesto que o recorrente não cumpre o pressuposto formal estabelecido na norma legal.
Nestes termos, sem necessidade de mais considerandos por desnecessários, conclui-se pela rejeição do presente recurso extraordinário, nos termos dos artigos 438º, nº 2 e 441º, nº 1, todos do Código de Processo Penal.
III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em rejeitar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo Assistente AA.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC`s.
Supremo Tribunal de Justiça, 17 de Dezembro de 2024.
Antero Luís (Relator)
Carlos Campos Lobo (1º Adjunto)
Jorge Raposo (2º Adjunto)
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1. Veja- se por todos, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2024, proc.298/22.3YUSTR.L1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt
2. Processo n.º 64/15.2IDFUN.L1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt
3. Por todos acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de Janeiro de 2021, Proc. nº 12/15.6T9VFR.P1-D.S1, disponível em www.dgsi.pt