I. É pressuposto da admissibilidade do recurso ordinário especialmente previsto no art.º 27.º n.º 6 do RCP que condenação em multa (processual), penalidade ou taxa sancionatória excecional tenha sido aplicada “fora dos casos legalmente admissíveis”.
II. Pelo que, não admite tal recurso decisão judicial que, nas situações que a lei expressamente prevê, aplica uma consequência monetária para sancionar condutas procedimentais manifestamente infundadas, abusivas ou temerárias.
Reclamação – artigo 405.º do CPP (n.º 02/2025)
I - Relatório:
Por decisão sumária de 4 de outubro de 2024, proferida ao abrigo do disposto nos artigos 417.º, n.º 6, alínea b), e 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP, foi rejeitado o recurso interposto pela condenada BB, por manifestamente improcedente, considerou-se que a sentença condenatória já tinha transitado em julgado quando a recorrente invocou a prescrição do procedimento criminal, único requerimento em análise na decisão recorrida de 05-02-2024, encontrando-se tal direito precludido em virtude do caso julgado entretanto constituído.
A recorrente foi condenada no pagamento das custas, fixando-se em 4 UCs o valor devido a título de taxa de justiça, a que acresce a importância de 6 UCs (pagamento de sanção processual nos termos do artigo 420.º, n.º 3, do CPP).
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Não se conformando, a condenada BB reclamou da decisão sumária para a conferência na parte em que rejeitou o recurso por manifestamente improcedente e interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça circunscrito ao segmento da decisão sumária que a condenou no pagamento de uma sanção processual que fixou em 6 UCs.
Recurso que não foi admitido por despacho de 12 de novembro de 2024 que se reproduz:
“A condenada veio interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da parte da decisão sumária que a condenou no pagamento de uma importância de 6 UC fixada ao abrigo do disposto no art.º 420.º, n.º 3, do C.P.P., invocando, para tal, o disposto no art.º 27.º, n.º 6, do R.C.P.
Cumpre decidir.
Da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excecional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso, o qual, quando deduzido autonomamente, é apresentado nos 15 dias após a notificação do despacho que condenou a parte em multa, penalidade ou taxa. (cfr. art.º 27.º, n.º 6, do R.C.P.).
Assim, as decisões de condenação em multa, penalidade, incluindo a taxa sancionatória, excluindo as situações de litigância de má-fé, são recorríveis em um grau, independentemente do valor da causa ou da sucumbência.
Contudo, prevendo o preceito em causa a possibilidade de ser interposto das decisões de condenação nas sanções a que se refere, fora dos casos de litigância de má-fé, recurso autónomo ou não autónomo, facilmente se constata que aquele (recurso autónomo) só será possível caso a decisão em que aquela condenação se insere não admitir forma de impugnação (cfr. COSTA, Salvador da, in As Custas Processuais Análise e Comentário, 10.ª edição, Almedina, 2024, págs. 212 e 213). Na verdade, admitindo, será aí e não autonomamente que a condenação nas ditas sanções deverá ser questionada.
Ora, inserindo-se a condenação na dita importância na decisão sumária proferida em 04-10-2024 e que rejeitou, por manifesta improcedência, o recurso interposto pela condenada, verifica-se que desta, e assim, também daquela condenação, cabe reclamação para a conferência (cfr. art.º 417.º, n.º 8, do C.P.P.).
Aliás, a condenada reclamou da dita decisão sumária para a conferência (cfr. ref. ª 716754 de 17-10-2024), pelo que deveria ter sido aí, e não autonomamente, que deveria ter questionado a condenação na dita sanção.
Pelo exposto e ao abrigo dos citados preceitos legais, não admito o recurso autónomo interposto.”
A recorrente apresentou reclamação do despacho que não admitiu o recurso, nos termos do artigo 405.º do CPP, argumentando, em síntese, que interpôs recurso ao abrigo do disposto no artigo 27.º, n.º 6, do RCP, circunscrito ao segmento da decisão sumária que a condenou no pagamento de uma sanção processual que fixou em 6 UCs, nos termos do disposto no artigo 420.º, n.º 3, do CPP, entendendo que esta condenação corresponde à condenação no pagamento de uma taxa sancionatória excecional, prevista no artigo 521.º do CPC.
Acrescenta, fundada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2019, proferido no processo 566/12.2PCCBR.C2. S1 que o recurso da decisão que aplica uma taxa sancionatória excecional é suscetível de impugnação, de harmonia com o disposto no citado artigo 27.º, n.º 6, do RCP.
Mais refere, que a letra e o espírito da referida norma não impõe que tal condenação tenha de ser questionada através da reclamação para a conferência, permitindo que seja sempre possível recorrer de uma decisão que aplique taxa sancionatória excecional fora dos casos legalmente admissíveis, tendo interposto recurso de tal decisão de modo autónomo no prazo de 15 dias, após a decisão que a condenou.
Adita, que interpôs igualmente recurso ao abrigo do disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea a), do CPP, uma vez que a decisão sumária que a condenou numa taxa sancionatória excecional foi proferida em 1.ª instância pela Relação, invocando a nulidade do despacho que não admitiu o recurso por falta de fundamentação (artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP).
E ainda que a interpretação do artigo 27.º, n.º 6, do RCP, adotada no despacho reclamado, no sentido de não ser admissível recurso para o STJ, viola os artigos 32.º, n.º 1 e 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP.
1. No que aqui releva, estamos perante uma decisão sumária que rejeitou o recurso por manifestamente improcedente, condenando a recorrente, além do mais, no pagamento de 6 UCs (sanção processual - artigo 420.º, n.º 3, do CPP).
A recorrente limitou o recurso à condenação no pagamento da sanção processual que lhe foi aplicada.
Assim:
2. Para além de não ser admissível recurso da decisão sumária para o Supremo Tribunal de Justiça, também o segmento de que se pretende recorrer não tem autonomia, não podendo ser retirado da unidade da decisão, desde logo por a referida condenação ser consequência da rejeição do recurso.
Nessa medida, devia a recorrente quando reclamou para a conferência também ter impugnado essa condenação e não recorrer dela autonomamente para o Supremo Tribunal de Justiça.
3. Ainda que assim, não fosse, a norma do RCP – o artigo 27.º n. º 6 - invocada pela reclamante, dispõe que “da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso (…)”.
É, pois, pressuposto da admissibilidade do recurso ordinário aí especialmente previsto que condenação em multa (processual), penalidade ou taxa sancionatória excecional tenha sido aplicada “fora dos casos legalmente admissíveis”. Não admite, portanto, sindicância da decisão judicial que, nas situações que a lei expressamente prevê, aplica uma consequência monetária para sancionar condutas procedimentais manifestamente infundadas, abusivas ou temerárias.
4. Ao invés do que alega a reclamante, não foi condenada em taxa sancionatória excecional.
A aplicação de taxa sancionatória excecional aos sujeitos processuais em processo penal está prevista no artigo 521.º n.º 1 do CPP, conjugado com o disposto no artigo 531.º do CPC.
Mas não foram estas as normas em que se fundou a condenação da recorrente.
No caso, a sanção processual aplicada à recorrente está especialmente prevista no artigo 420.º, n.º 3, do CPP, segundo o qual: “se o recurso for rejeitado, o tribunal condena o recorrente, se não for o Ministério Público, ao pagamento de uma importância entre 3 UC e 10 UC.”
É, assim, insofismável que a condenação da recorrente se encontra prevista em lei especial. Estando, por isso, excluída do âmbito da norma invocada pela reclamante.
Consequentemente, a decisão sumária visada, não admitiria recurso ordinário, mesmo que circunscrito à sindicância da condenação na sanção processual aplicada.
5. E ainda à luz do artigo 432.º, n.º 1, alínea a), do CPP, invocado, também o recurso não seria admissível.
Com efeito, independentemente de a condenação em sanção processual ter ocorrido no Tribunal da Relação, o certo é que a decisão de que se recorreu, foi proferido em instância de recurso.
Deveria saber-se que o processo penal se estrutura por fases: as preliminares (inquérito e instrução), a de julgamento, a de recurso e a de execução (de decisões condenatórias). Abundante parece ter de notar-se que na fase de recurso, necessariamente processada em tribunal superior, todas as decisões ou despachos são, evidentemente, de 2ª instância, independentemente de incidirem sobre o mérito da causa ou apenas sobre questões atinentes à tramitação do procedimento. É, pois, a fase do processo que determina o grau da decisão nele proferida. Os tribunais superiores proferem decisões em 1ª instância apenas nas fases preliminares e na fase de julgamento. Tanto deveria bastar para que o recorrente percebesse que os tribunais superiores não proferem decisões de 1ª instância na fase de recurso.
6. A reclamante invoca a nulidade do despacho ora reclamado.
Porém não há que conhecer autonomamente desta questão.
Uma vez que o âmbito de conhecimento da reclamação, face aos poderes de cognição previstos no artigo 405.º, n.º 1, do CPP, cinge-se à confirmação ou revogação da decisão sobre a não admissibilidade ou a retenção indevida do recurso. A reclamação destina-se somente a reagir contra tal decisão ou a retenção de recurso apresentado contra decisão judicial. Quaisquer outras questões, incluindo a própria fundamentação da decisão que não admitiu o recurso, estão à margem da finalidade e do âmbito da reclamação. A decisão judicial que não admitiu ou reteve o recurso não admite recurso. A única via de reação é a reclamação. A confirmação da não admissão do recurso fecha definitivamente a via do recurso ordinário.
7. Por fim, não se conhece da inconstitucionalidade suscitada, uma vez que o artigo 27.º, n.º 6, do RCP não constituiu fundamento e critério da presente decisão. Isto, porque o carácter instrumental do recurso para o Tribunal Constitucional, impede este de apreciar aquela questão de inconstitucionalidade por não ter qualquer influência sobre o julgamento da causa.
III - Decisão:
8. Pelo exposto, indefere-se a reclamação, deduzida pela condenada BB confirmando-se, ainda que com diferente fundamento, o despacho reclamado.
Custas pela reclamante fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.
Notifique-se.
O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
Nuno Gonçalves