RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FUNDAMENTOS
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
LAPSO MANIFESTO
REGIME APLICÁVEL
REFORMA DE ACÓRDÃO
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
INDEFERIMENTO
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário


I – A insatisfação do vencido não dá lugar, enquanto fundamento legal, à nulidade do acórdão oportunamente proferido, sendo certo que as diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil apenas integram vícios de natureza estritamente formal da decisão, não tendo a ver com o mérito do decidido (em última e definitiva instância).
II - Uma coisa é discordar do decidido, repetindo os argumentos que no entender dos recorrentes deveriam conduzir a decisão diversa daquela que foi proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça; outra é querer vislumbrar nesse argumentário motivos de ausência de pronúncia quando as questões essenciais e decisivas para o sentido do acórdão foram efectivamente abordadas no aresto; falta de fundamentação, quando os motivos do decidido encontram-se abundante e claramente vertidos no texto do acórdão reclamado; erro na determinação das normas aplicáveis ou na qualificação jurídica dos factos, quando os pertinentes preceitos legais foram devida e correctamente avocados e interpretados, embora em sentido antagónico às pretensões dos expropriados.
III - A primeira posição é legítima, mas irrelevante (a lei não prevê novo recurso ordinário contra a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que conheceu da revista); a segunda não merece, como se compreende, nenhum acolhimento, encontrando-se aliás esgotado o poder jurisdicional nesse particular, nos termos do artigo 613º, nº 1, do Código de Processo Civil.
IV- Pelo que a presente arguição de nulidades e o pedido de reforma são naturalmente desatendidos, não passando de uma prolixa manifestação de desagrado da parte vencida relativamente ao decidido (como se ainda lhe sobrasse momento processual para o fazer).

Texto Integral

Revista nº 1236/05.3TBALQ.L2.S2.

Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão - Cível).

Por acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça em 12 de Novembro de 2024 foi negada revista interposta pelos recorrentes.

Vieram estes invocar a sua nulidade e pedir a respectiva reforma nos seguintes termos:

1ª. A prova produzida no processo e a jurisprudência consolidada quanto ao valor de mercado deste tipo de terrenos nesta zona é suficiente para fixar a justa indemnização de acordo com o critério do valor de mercado. Ainda que se entendesse que essa prova não era suficiente, os fortes indícios nesse sentido deveriam ter determinada a baixa do processo às Instâncias para ampliação da matéria de facto nos termos prescritos no art. 682º, nº 3, do CPC

Como se referiu, resultam dos autos (i) fortes indícios do valor de mercado (€ 18/m2) deste tipo de terreno nesta específica zona (suportados em várias escrituras públicas de compra e venda, de expropriação amigável e de outros negócios jurídicos relativos a 9 terrenos situados na imediata envolvente das parcelas aqui expropriadas, sendo que alguns desses terrenos situam-se na mesma propriedade ou em propriedades contíguas da que aqui se discute, sendo até um desses terrenos contíguos a uma das parcelas expropriadas que aqui nos ocupa) e (ii) e que tem sido esse o valor de mercado que tem sido decidido e seguido por Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação de Lisboa relativamente a terrenos expropriados desta mesma propriedade.

O Acórdão reclamado entendeu que todos esses documentos e decisões judiciais não são suficientes, “só por si, para impor, em termos fixos e automáticos, o valor corrente de mercado a que haveria que atender para a fixação de indemnização devida pela expropriação de parcelas em causa, com as suas características específicas” (pág. 49), pois “as exactas circunstâncias que estiveram na base da realização desses mesmos acordos – isto é, os concretos pressupostos da vontade (comum) de contratar - não se encontram minimamente definidas nem concretizadas nestes autos, sendo apenas hipotética e abstracta a afirmação de que a parcela sub judice, com as suas características próprias e singulares – e em especial com aptidão agrícola ao tempo da publicação da declaração de utilidade pública -, seria nesses mesmos termos facilmente transacionável, alcançando seguramente os seus proprietários o concreto preço que fora pago por parcelas diferentes (ainda que próximas ou mesmo contíguas).

Relativamente a este entendimento, ficam as seguintes constatações:

1ª.1 Ao contrário do que se entendeu no Acórdão reclamado, a prova produzida nos autos é suficiente para atestar o valor normal de mercado deste tipo de terrenos desta específica zona.

Exigir o que o Acórdão reclamado exige para a demonstração do valor de mercado deste tipo de terreno nesta zona (“as exactas circunstâncias que estiveram na base da realização desses mesmos acordos – isto é, os concretos pressupostos da vontade (comum) de contratar”) é exigir aos Expropriados uma prova para além do que é possível demonstrar, uma evidente prova diabólica.

A interpretação do art. 23º, nº 5, do Código das Expropriações e do ónus da prova (art. 342º, nº 1, do CC), no sentido que não constituem prova suficiente para demonstrar o valor de mercado (€ 18/m2, in casu) do tipo de terreno expropriado na específica zona em que o mesmo se insere (i) várias escrituras públicas de compra e venda, de expropriação amigável e de outros negócios jurídicos relativos a 9 terrenos situados na imediata envolvente das parcelas expropriadas (sendo que alguns desses terrenos situam-se na mesma propriedade ou em propriedades contíguas da que aqui se discute e sendo até um desses terrenos contíguos a uma das parcelas expropriadas que aqui nos ocupa) e (ii) vários Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação de Lisboa que, com base nesses mesmos documentos, têm julgado ser esse o valor de mercado deste tipo de terrenos nesta zona, é inconstitucional por violação dos direitos fundamentais a uma justa indemnização, a um processo judicial equitativo, à proibição da exigência de ‘prova diabólica’ e às exigências de um Estado de Direito (arts. 62º, nº 2, 20º, nº 4, e 2º da Constituição).

Do mesmo modo, a interpretação do art. 23º, nº 5, do Código das Expropriações e do ónus da prova (art. 342º, nº 1, do CC), no sentido que não constituem prova suficiente para demonstrar o valor de mercado (€ 18/m2 in casu) do tipo de terreno expropriado na específica zona em que o mesmo se insere várias escrituras públicas de compra e venda, de expropriação amigável e de outros negócios jurídicos relativos a 9 terrenos situados na imediata envolvente das parcelas expropriadas (sendo que alguns desses terrenos situam-se na mesma propriedade ou em propriedades contíguas da que aqui se discute e sendo até um desses terrenos contíguos a uma das parcelas expropriadas que aqui nos ocupa), por não virem demonstradas as exatas circunstâncias que estiveram na base da realização desses mesmos negócios (isto é, os concretos pressupostos da vontade comum de contratar), é inconstitucional por violação dos direitos fundamentais a uma justa indemnização, a um processo judicial equitativo, à proibição da exigência de ‘prova diabólica’ e às exigências de um Estado de Direito (arts. 62º, nº 2, 20º, nº 4, e 2º da Constituição).

Noutra perspetiva, a interpretação do art. 23º, nº 5, do Código das Expropriações e do ónus da prova (art. 342º, nº 1, do CC), no sentido que para a fixação da justa indemnização em processos expropriativos o Tribunal não tem que atender ou relevar o valor de mercado decidido em Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação relativamente a terrenos expropriados da mesma propriedade em que se integram as parcelas expropriadas, é inconstitucional por violação dos direitos fundamentais a uma justa indemnização, a um processo judicial equitativo e às exigências de um Estado de Direito e dos princípios da igualdade e da tutela das legítimas expectativas dos expropriados (arts. 62º, nº 2, 20º, nº 4, e 2º da Constituição).

1ª.2 Todos os documentos em causa (escrituras públicas de compra e venda, de expropriação amigável e de outros negócios jurídicos relativos a 9 terrenos situados na imediata envolvente das parcelas expropriadas, sendo que alguns desses terrenos situam-se na mesma propriedade ou em propriedades contíguas da que aqui se discute e sendo até um desses terrenos contíguos a uma das parcelas expropriadas que aqui nos ocupa) constam nos autos, pelo que podem e devem ser atendidos nos termos do art. 5º, nº 2, do CPC.

A interpretação deste preceito no sentido que essas escrituras públicas de compra e venda, de expropriação amigável e dos outros negócios jurídicos atestados não podem ser consideradas por não constarem nos factos assentes apesar de constarem nos autos, é inconstitucional por violação dos direitos fundamentais a uma justa indemnização, a um processo judicial equitativo, e às exigências de um Estado de Direito (arts. 62º, nº 2, 20º, nº 4, e 2º da Constituição).

1ª.3 O Acórdão reclamado, apesar de se referir por vezes a características específicas da parcela expropriada, não invoca qualquer fator ou característica diferenciadores das parcelas expropriadas face às parcelas de terreno objeto das escrituras públicas de compra e venda, de expropriação amigável e dos outros negócios jurídicos invocados.

De facto, o Acórdão reclamado pressupõe sem qualquer fundamento que possam existir diferenças, mas não invoca ou aponta uma diferença que seja.

Na verdade, a questão que se coloca e para a qual não há resposta é a seguinte: quais são as características específicas e diferenciadoras das parcelas expropriadas face às restantes?

Vindo atestado nos autos que as parcelas objeto (i) das escrituras públicas de compra e venda, de expropriação amigável e de outros negócios jurídicos relativos aos 9 terrenos da imediata envolvente que vêm invocados (ii) e dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação de Lisboa que fixaram a justa indemnização pela expropriação de parcelas desta mesma propriedade, têm as mesmas características essenciais das 2 parcelas aqui expropriadas (cfr. Docs. 2 e 3 das nossas Alegações de 09.06.2014; Docs. 1, 25 e 28 da Petição de recurso dos Expropriados de 06.10.2005 dos Acórdãos Arbitrais; e Doc. 1 junto ao nosso Requerimento de 09.09.2021; Relatório de Avaliação Pericial de 05.03.2014 e págs. 9 a 15 e pág. 22 das nossas Alegações de 04.06.2024), não faz sentido que o Acórdão reclamado, sem qualquer fundamentação ou referência, invoque características específicas das parcelas expropriadas.

Assim, verifica-se in casu uma nulidade do Acórdão reclamado por falta de fundamentação (art. 615º, nº 1, b), do CPC).

1ª.4 Do mesmo modo, não faz sentido que o Acórdão reclamado venha invocar que os Expropriados não impugnaram a decisão da matéria de facto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que vinha recorrido, designadamente o “incorreto exercício dos poderes de facto” (págs. 57 a 61).

E não faz sentido por 2 ordens de considerações: (i) por um lado, os factos em causa nada têm que ver com o valor de mercado das parcelas expropriadas, que é a única questão em causa; (ii) por outro lado, como expressamente se referiu nesse Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que vinha recorrido, o conhecimento das questões relativas a esses factos seria inútil atendendo à decisão sobre a matéria de direito aí proferida: os factos em causa em nada modificariam a decisão a proferir; nestes exatos termos, ver págs. 28 e 29 desse Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que vinha recorrido.

2ª Ainda que se entenda que a prova apresentada não é suficiente para o efeito pretendido (valor de mercado indiciário das parcelas expropriadas), sempre estaríamos integrados na previsão normativa do art. 682º, nº 3, do CPC, isto é, a decisão de facto podia e devia ser ampliada, pelo menos no sentido de confirmar ou infirmar o valor de mercado indiciado nos autos, devendo assim ter sido determinado que o processo baixasse às instâncias para o efeito.

Como resulta do disposto do art. 682º, nº 3, do CPC, se a decisão de facto for deficitária quanto à questão essencial a decidir no processo (neste caso, o valor de mercado indiciário das parcelas expropriadas), a mesma pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, devendo o processo baixar às instâncias para o efeito.

Este poder-dever sai reforçado neste processo pela seguinte constatação: dos autos resultam (i) fortes indícios do valor de mercado (€ 18/m2) deste tipo de terreno nesta específica zona (suportados em várias escrituras públicas de compra e venda, de expropriação amigável e de outros negócios jurídicos relativos a 9 terrenos situados na imediata envolvente das parcelas aqui expropriadas, sendo que alguns desses terrenos situam-se na mesma propriedade ou em propriedades contíguas da que aqui se discute, sendo até um desses terrenos contíguos a uma das parcelas expropriadas que aqui nos ocupa) e (ii) que tem sido esse o valor de mercado que tem sido decidido e seguido por Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação de Lisboa relativamente a terrenos expropriados desta mesma propriedade.

Existindo fortes indícios do valor de mercado deste tipo de terreno nesta zona, o Acórdão reclamado, no mínimo, deveria ter cumprido a prescrição deste art. 682º, nº 3, do CPC.

Não o tendo feito, verifica-se uma nulidade processual, isto é, a omissão de um ato/diligência legalmente prescrita (art. 195º, nº 1, do CPC) com uma influência decisiva no exame e na decisão da causa.

De facto, verificada a previsão normativa do art. 682º, nº 3, do CPC (insuficiência da matéria de facto), a estatuição aí prescrita (a baixa dos autos às Instâncias para suprir essa insuficiência) consubstancia um efetivo poder-dever deste Venerando Supremo Tribunal.

É que, aspeto essencial, só com a baixa do processo às instâncias para esse efeito se cumprirão os princípios da tutela jurisdicional efetiva, do inquisitório e da descoberta da verdade material constitucionalmente consagrados no art. 20º da Constituição.

Concretizando esta exigência constitucional, o art. 411º do CPC prescreve que “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio”.

Assim, se, apesar de existirem fortes indícios do valor de mercado (€ 18/m2) deste tipo de terreno nesta específica zona, Tribunal não considera a matéria de facto suficiente para fixar a justa indemnização nesses termos, é constitucionalmente exigido que se proceda nos termos determinados no art. 682º, nº 3, do CPC.

Assim, importa concluir que a interpretação do art. 682º, nº 3, do CPC nos processos de expropriação, no sentido que, nos casos em que existam fortes indícios acerca do valor de mercado do tipo de terreno expropriado na específica zona em que o mesmo se insere (seja por prova documental através de escrituras públicas de compra e venda e de expropriação amigável, seja por decisões de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação que, com base nesses documentos, têm fixado o valor de mercado deste tipo de terrenos nesta zona nos termos peticionados pelos expropriados) mas em que o Supremo Tribunal de Justiça considera essa prova insuficiente para fixar a justa indemnização de acordo com o valor de mercado do terreno expropriado, o mesmo não tem o dever de determinar a baixa dos autos para a ampliação da matéria de facto prescrita neste artigo no sentido de apurar esse valor de mercado, é inconstitucional por violação dos direitos fundamentais a uma justa indemnização, a um processo judicial equitativo, à proibição da exigência de ‘prova diabólica’ e às exigências de um Estado de Direito (arts. 62º, nº 2, 20º, nº 4, e 2º da Constituição).

3ª Os documentos e a jurisprudência que suportam os fortes indícios do valor de mercado deste tipo de terreno nesta zona, ainda que não façam uma ‘prova cabal ou plena’ desse valor de mercado, são suficientes para determinarem um julgamento de acordo com o critério do valor de mercado também decidido no Acórdão reclamado, devendo assim ter afastado o critério dos rendimentos agrícolas calculado nos Acórdãos Arbitrais que o Acórdão reclamado, mantendo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que vinha recorrido nesta revista, acabou por subscrever.

Esses 9 terrenos são que vêm referidos nas alíneas a. a f. nas págs. 46-48 do Acórdão reclamado, que transcrevem as págs. 27-29 das nossas Alegações de 04.06.2014 apresentadas nesta revista. e (ii) o facto de ser esse o valor de mercado que tem sido seguido por Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação de Lisboa relativamente a terrenos expropriados desta mesma propriedade, são suficientes para determinarem um julgamento de acordo com o critério do valor de mercado também decidido no Acórdão reclamado, afastando assim o critério que só atendeu a rendimentos agrícolas calculado nos Acórdãos Arbitrais que o Acórdão reclamado, ao manter o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que vinha recorrido, subscreveu (art. 616º, nº 2, b., do CPC).

De facto, seguindo as exigências legais/constitucionais (por todas, art. 23º, nº 5, do Código das Expropriações), a Jurisprudência unânime dos nossos Tribunais superiores e toda a Doutrina sobre esta questão (algumas dessas referências jurisprudências ficaram registas nas págs. 24-27 das nossas alegações de 04.06.2024), o Acórdão reclamado também decidiu que a justa indemnização devida em expropriações por utilidade pública deve corresponder ao valor de mercado dos bens expropriados.

Essa decisão retira-se de vários segmentos decisórios do Acórdão reclamado: (i) “Os contratos de compra e venda e outros negócios invocados nos articulados, a terem sido efectivamente concretizados, constituem actos negociais que representam, no fundo, a expressão do livre e legítimo exercício da autonomia privada das partes intervenientes, não servindo necessariamente, só por si, para impor, em termos fixos e automáticos, o valor corrente de mercado a que haveria que atender para a fixação de indemnização devida pela expropriação de parcelas em causa, com as suas características específicas” (pág. 49); (ii) “O que significa que quando a lei alude ao “valor real e corrente, numa situação normal de mercado” (artigo 23º, nº 5, do Código das Expropriações) não pode desvalorizar ou esquecer as características e natureza do imóvel expropriado tal como ele existia ao tempo da publicação da declaração de utilidade pública” (pág. 51). .

Apesar disso e apesar dos fortes indícios que resultam dos autos quanto ao valor de mercado deste tipo de terrenos nesta zona, o Acórdão reclamado, ao manter o Acórdão do TR Lisboa que vinha recorrido, acabou por aderir ao cálculo indemnizatório efetuado nos dois Acórdãos Arbitrais proferidos neste processo, onde a justa indemnização foi fixada (a € 3,9/m2) sem atender aos valores praticados no mercado para este tipo de terrenos nesta específica zona.

A interpretação dos arts. 27º, nº 3, e 23º, nº 5, do Código das Expropriações no sentido que a justa indemnização devida em expropriações por utilidade pública, quando hajam fortes indícios do seu valor de mercado (suportados em várias escrituras públicas de compra e venda, de expropriação amigável e de outros negócios jurídicos relativos a terrenos situados na imediata envolvente das parcelas aqui expropriadas, sendo que alguns desses terrenos situam-se na mesma propriedade ou em propriedades contíguas da que aqui se discute, sendo até um desses terrenos contíguos a uma das parcelas expropriadas que aqui nos ocupa) e quando é esse o valor de mercado que tem sido decidido por Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação de Lisboa relativamente a terrenos expropriados desta mesma propriedade, mas se considere que a demonstração desse valor de mercado não resultou plenamente demonstrada, devendo então a justa indemnização ser exclusivamente fixada de acordo com o critério dos rendimentos agrícolas, é inconstitucional por violação dos direitos fundamentais a uma justa indemnização, a um processo judicial equitativo e às exigências de um Estado de Direito, do princípio da igualdade, da proporcionalidade e da justiça (arts. 266º, 62º, nº 2, 20º, nº 4, e 2º da Constituição).

4ª. O evidente erro nos pressupostos do Acórdão reclamado quanto à qualificação/natureza dos 9 terrenos negociados que aqui se invocam como comparáveis para aferir o valor de mercado deste tipo de terrenos nesta zona e dos terrenos sobre que incidiram os referidos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação de Lisboa, que levou o Acórdão reclamado a fixar a indemnização nos termos do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que vinha recorrido (que por sua vez aderiu ao valor determinado nos Acórdãos Arbitrais proferidos quanto às 2 parcelas aqui expropriadas, onde a indemnização foi fixada só de acordo com os rendimentos agrícolas): ao contrário do que se pressupôs no Acórdão reclamado, todos esses terrenos são também terrenos agrícolas integrados na Reserva Agrícola Nacional, isto é, com as mesmas características das 2 parcelas aqui expropriadas.

Ao invocar/sublinhar (para aderir aos valores indemnizatórios fixados no Acórdão do TR Lisboa que vinha recorrido que são os calculados nos Acórdãos arbitrais proferidos quanto a estas parcelas expropriadas) a relevância da vocação agrícola dos terrenos expropriados (solos para outros fins) como fator a considerar no cálculo da justa indemnização, ainda que de acordo com o valor de mercado, o Acórdão reclamado ignorou que as várias escrituras públicas de compra e venda, de expropriação amigável e de outros negócios jurídicos relativos a 9 terrenos situados na imediata envolvente das parcelas aqui expropriadas (sendo que alguns desses terrenos situam-se na mesma propriedade ou em propriedades contíguas da que aqui se discute, sendo até um desses terrenos contíguos a uma das parcelas expropriadas que aqui nos ocupa) se referem a terrenos agrícolas, também integrados na Reserva Agrícola Nacional: os 9 terrenos considerados na análise comparativa de mercado também são terrenos agrícolas.

E o mesmo se passa quanto aos terrenos expropriados sobre que incidiram os julgamentos efetuados nas expropriações julgadas no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2020 (que foi invocado como Acórdão fundamento na oposição de julgados deduzida), bem como nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.06.2018 e de 10.05.2018 que já vinham invocados nos autos (estes 3 Acórdãos ficaram citados nos seus essenciais nas págs. 6-15 das nossas Alegações de 04.06.2024): também estes Acórdãos fixaram a justa indemnização nos termos aqui peticionados relativamente a terrenos agrícolas desta mesma propriedade que se integram na Reserva Agrícola Nacional.

Na verdade, vem atestado nos autos que as parcelas objeto (i) das escrituras públicas de compra e venda, de expropriação amigável e de outros negócios jurídicos relativos aos 9 terrenos da imediata envolvente que vêm invocados (ii) e dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação de Lisboa que fixaram a justa indemnização pela expropriação de parcelas desta mesma propriedade, também têm natureza/vocação agrícola: cfr. Docs. 2 e 3 das nossas Alegações de 09.06.2014; Docs. 1, 25 e 28 da Petição de recurso dos Expropriados de 06.10.2005 dos Acórdãos Arbitrais; e Doc. 1 junto ao nosso Requerimento de 09.09.2021; Relatório de Avaliação Pericial de 05.03.2014 e págs. 9 a 15 e pág. 22 das nossas Alegações de 04.06.2024.

Assim, confirmando-se que também esses terrenos têm natureza/vocação agrícola, não faz sentido diferenciar as parcelas expropriadas face às parcelas objeto desses negócios jurídicos e desses Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação de Lisboa.

Verificando este erro nos pressupostos do Acórdão reclamado quanto à qualificação/natureza dos 9 terrenos negociados que aqui se invocam como comparáveis para aferir o valor de mercado deste tipo de terrenos nesta zona e dos terrenos sobre que incidiram os referidos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação de Lisboa (art. 616º, nº 2, a., do CPC), importa reconhecer às parcelas expropriadas o mesmo valor que foi dado no mercado a esses 9 terrenos e que foi reconhecido nesses Acórdãos às parcelas aí expropriadas.

Nestes termos,

Pelas razões que ficaram expostas e pelas que este Venerando Supremo Tribunal doutamente suprirá, deverá a presente reclamação ser julgada procedente e a justa indemnização fixada nos termos peticionados. Se assim não se entender, deverá o processo baixar às instâncias a fim de ser ampliada a decisão de facto (valor de mercado do tipo de terrenos correspondente às parcelas expropriadas nesta zona) nos termos que ficaram expostos, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito (artigo 682º, nº 3, do CPC).

Apreciando:

O acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça abordou, decidindo, todas as questões pertinentes que se colocavam no âmbito da revista, baseando-se rigorosamente nos factos que constavam do processo.

O dito aresto abordou com suficiência todos os aspectos essenciais a que tal análise obrigava, o que não significa que tivessem de ser conhecidos todos os diversos argumentos marginais apresentados pelos recorrentes (não sendo obrigatório que o fossem).

O que sucede é que os arguentes das nulidades e do pedido de reforma, cientes de que não lhes restava outra instância de recurso, vieram por esta via manifestar a sua discordância em relação ao decidido, a qual (discordância) é, em si, perfeitamente legítima e mesmo compreensível.

Contudo, como é sabido, tal notória insatisfação não dá lugar, enquanto fundamento legal, à nulidade do acórdão oportunamente proferido, sendo certo que as diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil apenas integram vícios de natureza estritamente formal da decisão, não tendo a ver com o mérito do decidido (em última e definitiva instância).

Bem pode mesmo dizer-se que a peça processual agora apresentada constitui, no fundo e materialmente, - e até pela sua anómala extensão - uma espécie de novo, atípico e paradoxal “recurso de revista” contra uma decisão final proferida pelo Tribunal de cúpula do sistema judiciário, buscando que esta entidade, esgotado que se encontra o seu poder jurisdicional, desdiga sem mais o que antes fundadamente afirmou.

Refira-se concretamente:

1º - Não existia qualquer fundamento para ordenar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação nos termos do artigo 682º, nº 3, do Código de Processo Civil, conforme o acórdão reclamado explicou com mais do que suficiente clareza (mormente quando se aludiu à sua divergência com o entendimento sufragado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2019, proferido no processo nº 1228/05.2TBALQ.L1.S1).

2º - A questão de saber se os elementos recolhidos nos autos são, ou não, suficientes para atestar o valor do mercado das parcelas expropriativas foi abordada, dissecada e resolvida no acórdão reclamado, não constituindo motivo para o presente pedido de nulidades/reforma.

3º - A interpretação que competia efectuar do disposto no artigo 23º do Código das Expropriações, bem como de outras disposições legais conexas, foi devidamente explicada e desenvolvida no acórdão reclamado nada competindo – não sendo sequer processualmente lícito fazê-lo - acrescentar neste momento.

4º - Não existe ainda o menor cabimento para pressupor que o acórdão recorrido estivesse obrigado a estabelecer as eventuais dissemelhanças entre as parcelas expropriadas e outras, valendo para este efeito o que consta dos acórdãos arbitrais e dos laudos periciais realizados, nunca esquecendo que as características daquelas eram as que existiam à data da declaração de utilidade pública, conforme resulta expressa e inequivocamente da lei aplicável.

5º - Quanto à não impugnação pelos recorrentes da impugnação da matéria de facto, trata-se de uma realidade objectiva e incontornável.

Os mesmos, agindo diligentemente, poderiam (e talvez deveriam) tê-lo feito.

O certo é que deliberadamente não o fizeram, não podendo agora – e surpreendentemente - queixar-se do apontado pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto a esse seu comportamento processual omissivo (que só àqueles, obviamente, diz respeito).

De todo o modo, como se frisou no acórdão, nunca haveria cabimento à ampliação oficiosa da matéria de facto, nos termos do artigo 682º, nº 3, do Código de Processo Civil, face à completa irrelevância e inutilidade desta no sentido de alterar a sorte da lide.

6º - Não existe qualquer (imaginário) erro nos pressupostos do acórdão reclamado, como os recorrentes não podem, actuando seriamente, deixar de saber.

O que sucede é que os mesmos discordam frontalmente dos pressupostos, de facto e de direito, adoptados no acórdão recorrido, o que é, em si, perfeitamente legítimo.

Tal não significa, contudo, qualquer lapso na aplicação do regime legal pertinente, ou na sua interpretação jurídica.

7º - São inteiramente respeitáveis todas as outras decisões jurisprudências que foram proferidas sobre a expropriação de parcelas próximas ou mesmo contíguas às expropriadas.

Porém, estas não têm nunca o efeito de condicionar o poder do Supremo Tribunal de Justiça quanto à apreciação e decisão que tomou na situação sub judice, pelo que não tem o menor fundamento a totalmente despropositada invocação do disposto no artigo 616º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil.

Em suma, não existe qualquer omissão de pronúncia ou falta de fundamentação que inquine a validade do acórdão proferido nos termos do artigo 615º, nº 1, alíneas b) e d), do Código de Processo Civil.

Não há arremedo de fundamento para a pretendia reforma do acórdão recorrido à luz do disposto no artigo 616º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil.

Uma coisa é discordar do decidido, repetindo os argumentos que no entender dos recorrentes deveriam conduzir a decisão diversa daquela que foi proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça; outra é querer vislumbrar nesse argumentário motivos de ausência de pronúncia quando as questões essenciais e decisivas para o sentido do acórdão foram efectivamente abordadas no aresto; falta de fundamentação, quando os motivos do decidido encontram-se abundante e claramente vertidos no texto do acórdão reclamado; erro na determinação das normas aplicáveis ou na qualificação jurídica dos factos, quando os pertinentes preceitos legais foram devida e correctamente avocados e interpretados, embora em sentido antagónico às pretensões dos expropriados.

A primeira posição é legítima, mas irrelevante (a lei não prevê novo recurso ordinário contra a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que conheceu da revista); a segunda não merece, como se compreende, nenhum acolhimento, encontrando-se aliás esgotado o poder jurisdicional nesse particular, nos termos do artigo 613º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Tudo não passa de uma prolixa manifestação de desagrado das partes vencidas relativamente ao que foi decidido (como se ainda lhes sobrasse momento processual para o fazer).

O que se decide.

Pelo exposto:

Acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça, em Conferência, em desatender a arguição de nulidade apresentada pelos recorrentes, bem como o pedido de reforma solicitado ao abrigo do disposto artigo 616º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil.

Custas pelos arguentes/recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2025.

Luís Espírito Santo (Relator)

Graça Amaral.

Maria Olinda Garcia.

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.