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CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS HUMANOS
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Sumário


I. A sindicação em revista do uso da “equidade” (elemento essencial) na fixação do montante indemnizatório destinado a compensar danos não patrimoniais em caso de responsabilidade extra-contratual (arts. 483º, 1, 496º, 1 e 4, 494º, 1, CCiv.), ainda como matéria de direito (arts. 674º, 1, a), e 682º, 1, CPC), limita-se ao controlo dos pressupostos normativos da fixação equitativa da indemnização, relativa a danos com relevância legalmente admitida, e sobre a conformidade da avaliação e ponderação do montante quantitativo dos danos com os critérios e limites legais e/ou jurisprudenciais que para tal deveriam ser considerados na fixação desse montante.
II. Se o juízo equitativo formulado pelo acórdão recorrido em 2.º grau se encontra dentro dos padrões (“moldura de compensações”), numa perspectiva actualista, admitidos pelo STJ em situações tipologicamente análogas ou equiparáveis – isto é, no caso, aquelas em que se verificam condenações pelas violações de direitos de personalidade, em conflito com a liberdade de expressão e informação e a liberdade de imprensa, através da informação e divugação por meios de comunicação social (na circunstância, televisão) –, conduzindo a um resultado decisório que respeita a igualdade e a proporcionalidade perante a gravidade do dano e em confronto com a individualidade casuística do caso concreto, sem arbitrariedade e irrazoabilidade, tal “quantum” indemnizatório (€ 30.000) deve ser mantido.

Texto Integral


Processo n.º 2502/18.3T8CSC.L1.S1

Revista – Tribunal recorrido: Relação de Lisboa, 7.ª Secção

Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I) RELATÓRIO

1. AA intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, CC, DD, «TVI – Televisão Independente, S.A.» e «Media Capital Digital, S.A.», pedindo a condenação solidárias dos Réus ao pagamento duma indemnização de €350.000,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento; a removerem de todos os sites de que sejam proprietários, designadamente ... e ..., todos os conteúdos onde são relatados factos da vida privada do Autor e/ou em que seja divulgada a sua imagem e identidade, em concreto, nos ... da reportagem “...”; a condenação das 4.ª e 5.ª Rés a absterem-se de difundir qualquer facto que diga respeito à vida privada, familiar e íntima do Autor, nomeadamente, todo e qualquer facto que diga respeito ao seu processo ..., assim como a imagem e identidade do Autor, salvo se expressamente autorizadas por este para esse efeito; e todos os Réus jornalistas e ..., quer o ... Réu actual, quer aqueles que lhe vierem a suceder nas funções, a absterem-se de divulgar factos ou imagens referentes à vida privada, familiar e íntima do Autor, nomeadamente, todo e qualquer facto que diga respeito ao seu processo ..., assim como a imagem e identidade do A., salvo se expressamente autorizados por este para esse efeito; e dos Réus jornalistas a absterem-se de divulgarem factos ou imagens referentes à vida privada, familiar e íntima do Autor, nomeadamente, todo e qualquer facto que diga respeito ao seu processo ..., assim como a imagem e identidade do A., salvo se expressamente autorizados por estes para esse efeito; e decretar a proibição dos Réus de difundirem, em qualquer suporte dos quais sejam proprietários ou colaboradores (nomeadamente, na televisão, Internet ou imprensa escrita), factos da vida privada do Autor, designadamente que digam respeito ao processo ... e à sua vida privada e familiar, assim como a imagem e identidade do A., salvo se expressamente autorizados por este para esse efeito; e solidariamente a pagar ao Autor, a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, no concernente aos custos em que o A. incorrer para remover os conteúdos dos episódios acima identificados, criados e emitidos pelos Réus, dos diversos suportes, meios e plataformas digitais; e a fixar, nos termos e para os efeitos do art. 829.º-A do CCiv., uma sanção pecuniária compulsória para garantia do cumprimento da decisão a proferir nos presentes autos, em valor não inferior a €1.000,00, por cada infração de cada providência decretada por cada um dos Réus.

2. Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, no qual se fixou o valor da causa em € 350.000, transitado em julgado.

3. O Juiz ... do Juízo Central Cível de ... proferiu sentença, na qual se julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, dispôs:

“a) condeno os 1.ª, 2.ª, 3.º e 4.ª réus, solidariamente, a pagarem ao A. a quantia de €60.000,00, a título de danos não patrimoniais, montante já atualizado à data da sentença;

b) condeno os réus a absterem-se [de] difundir ou divulgar factos relativos à imagem e reserva da intimidade da vida privada do A., nomeadamente relacionados com a seu processo ..., com a obrigação de removerem, em termos definitivos, da reportagem denominada “...” e dos respetivos sites onde se encontrava disponível, por meios técnicos adequados, as referências ao nome e imagem do A. que permitam a sua identificação.”

4. Interpostos recursos de apelação pelo Autor, pela Ré «TVI – Televisão Independente, S.A.», pela Ré «Media Capital Digital, S.A.», assim como pelos 1.º, 2º e 3.º Réus, para o Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferido acórdão, no qual foi julgada improcedente a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pelos 1.º a 3.º Réus, e finalizado com o seguinte dispositivo:

“julgar a apelação do A. improcedente por não provada”;

“julgamos as apelações dos 1.º a 4.º R.R., parcialmente procedentes, alterando a al. a) da parte dispositiva da sentença recorrida, a qual é substituída pela condenação solidária dos 1.ª, 2.ª, 3.º e 4.ª R.R. a pagarem ao A. a quantia de €30.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, montante já atualizado à data do presente acórdão, a que acrescem juros de mora a contar da presente data até integral pagamento. No mais, julgamos manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.”

5. Inconformados:

5.1. O Autor interpôs recurso de revista normal para o STJ, visando a alteração da decisão recorrida e a condenação dos Réus no pagamento de uma indemnização no montante de € 350.000 ou, subsidiariamente, em valor nunca inferior a € 90.000;

5.2. Os Réus interpuseram recurso de revista excepcional para o STJ, tendo por fundamento o art. 672º, 1, a) e b), do CPC, visando a absolvição ou, subsidiariamente, a redução do quantum indemnizatório fixado.

6. Remetidos os autos à Formação Especial a que alude o art. 672º, 3, do CPC, atenta a “dupla conformidade” na perspectiva de impugnação dos Réus, foi proferido acórdão de não admissão da revista excepcional interposta pelos Réus, insindicável nos termos do art. 672º, 4, do CPC.

7. A finalizar as suas alegações, a revista do Autor apresenta as seguintes Conclusões:

“1. Incorreu em erro o Tribunal a quo na fixação do quantum indemnizatório em cujo pagamento condenou os Réus, porquanto o mesmo é manifestamente insuficiente em face das circunstâncias do caso concreto e da factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo na decisão proferida.

2. O acórdão recorrido violou o disposto no artigo 496º do Código Civil, ao não aplicar justa e equitativamente os critérios para valoração dos danos de natureza não patrimonial aí definidos, fixando uma indemnização manifestamente injusta e insuficiente.

3. A condenação dos Réus no parco montante indemnizatório de € 30.000,00 (trinta mil euros), não só não assume qualquer efeito dissuasor da sua conduta ilícita, como, pelo contrário, acaba por chancelar e incentivar atuações idênticas, porquanto, feita a ponderação económico-financeira entre as suas receitas e a indemnização em que ora vêm condenados, resultará economicamente mais vantajoso para os Réus continuarem a violar os direitos das vítimas, em face dos proveitos que obtêm por via dessa linha sensacionalista, jornalisticamente reprovável e ilícita.

4. Não subsistiram dúvidas quanto ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil, por efeito da violação dos direitos de personalidade do autor, nos termos gerais do art. 70.º do CC, e, em concreto, por violação do seu direito à imagem, nos termos do art. 79.º do CC, e por violação do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, nos termos do art. 80.º do CC.

5. Ficou sobejamente demonstrado que o 3.º Réu, enquanto ... dos referidos canais televisivos, orientou e supervisionou a elaboração e execução da reportagem, a qual aprovou, e ainda que os mencionados Réus tinham conhecimento que os processos ... e os procedimentos que os antecedem são de conteúdo secreto e que não são de acesso ao público, tendo-lhes, inclusive, sido formalmente negada a consulta do processo ... do Autor.

6. Os Réus não se abstiveram de incluir na reportagem referência a factos da vida privada do Autor relacionados com o seu processo ... e procedimentos a ele conducentes, que se encontravam abrangidos pelo carácter secreto dos processos ..., de acordo com o art. 4.º do Regime Jurídico do Processo ..., aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 08/09, em vigor na data da transmissão da reportagem, e em relação aos quais se impunha a observância dos deveres de salvaguarda da reserva da intimidade da vida privada, sendo, assim, acentuado o grau de culpa dos Réus.

7. Concluiu igualmente o Tribunal a quo que os Réus, aqui Recorridos, “acabam por extravasar manifestamente os limites ao direito de informação, atingindo de forma completamente desnecessária o direito à imagem e à reserva da vida privada do A., atropelando inclusivamente a proibição de revelar factos sujeitos a segredo legal, a qual é estabelecida no interesse público, mas também no interesse da pessoa adotada”vide p. 125 do acórdão recorrido.

8. Terminando o Tribunal da Relação por reconhecer que o Autor, ora Recorrente, “(…) foi claramente vítima de todo este caso, que correu à sua revelia ou apesar da sua vontade, pelo que não haverá a considerar o contributo do lesado para a ocorrência do facto lesivo.” vide p. 125 do acórdão recorrido.

9. Ficou, também, amplamente assente no acórdão recorrido que as peças jornalísticas em causa objetivamente violaram a reserva da intimidade da vida privada do A. ao divulgarem aspetos da sua vida pessoal identitária mais íntima, que até estava sujeita a segredo legal (cfr. Art. 4.º n.º 1 do Regime Jurídico do Processo ... ...), estabelecido também no interesse da pessoa adotada, expondo realidades ao público de que o A. tinha legítimo interesse que não fossem divulgados, porque compreendidos na sua esfera pessoal mais íntima. (…) Mais, arevelação desses factose da sua imagem, seja por fotografias ainda em criança, seja por fotografias em adulto, não serviram qualquer propósito informativo atendível, no contexto das reportagens, ponderando que o A. não consentiu, nem na revelação do seu nome, nem na difusão da sua imagem – vide p. 119 do acórdão recorrido.

10. Termosem que se concluiu que areportagempoderia ter sidofeitasem incluir imagens do Autor enquanto criança ou enquanto adulto, nem expondo o seu verdadeiro nome, sem que tal constituísse qualquer impedimento a que fosse contada a história que os Réus pretendiam, conforme, inclusive, sucedeu em relação à mãe ... do Autor cuja imagem e nome verdadeiro foram ocultados.

11. Destarte, encontram-se preenchidos os requisitos da responsabilidade civil, não existindo quaisquer fundamentos de exclusão da responsabilidade dos Réus, terminando o Tribunal da Relação por reconhecer que “estamos perante uma violação ostensiva dos seus direitos de personalidade [do Autor] e se provaram os danos daí consequentes”.

12. No que toca ao quantum indemnizatório, dispõe o artigo 494.º aplicável ex vi artigo 496.º, n.º 4 do CC que são atendíveis como elementos de ponderação o “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.

13. Daqui resulta, conforme explica Menezes Leitão, que a indemnização por danos não patrimoniais em casos de abuso de liberdade de imprensa deve revestir um cariz punitivo fixado no interesse da vítima.

14. Deve atender-se na fixação da indemnização ao enriquecimento dos Réus de forma a desincentivar a repetição da prática ilícita.

15. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.06.2020, proferido no âmbito do Processo 1981/14.2TBOER.L1.S1, no qual se pode ler: “Em casos de invasão de privacidade ou de ofensa ao direito à honra cometidas pela imprensa sensacionalista, independentemente do grau de intensidade dos danos causados às vítimas pelas lesões dos seus direitos fundamentais, deve aquela ser condenada numa indemnização punitiva, por razões sancionatórias e preventivas, e, por isso, suficientemente pesada para exprimir a reprovação do direito e ter efeitosno futuro”.

16. Neste conspecto, resulta da matéria de facto provada nos presentes autos com interesse para efeitos de cálculo da indemnização compensatória devida ao Autor pelos danos não patrimoniais sofridos, designadamente: (i) a gravidade e relevância dos factos objeto de tratamento na reportagem que se referem a um núcleo essencial da privacidade relacionada com a infância e as circunstâncias ..., (ii) a dimensão da divulgação que mereceu a reportagem, (iii) os múltiplos e graves danos causados no bem estar da pessoa do Autor e (iv) o acentuado grau de culpa no que se refere à não salvaguarda da intimidade e da imagem do Autor, e (v) a elevada capacidade financeira e os significativos benefícios obtidos pelo Réus.

17. No mais, importa ter em consideração o número dos programas que compõe a reportagem, exibidos em dois canais televisivos, em horário nobre, aos quais se seguiram diversos debates televisivos a esse respeito e a repetição da exibição da reportagem e a sua divulgação noutras plataformas, e a repercussão e mediatização que teve a exibição da reportagem, nomeadamente, as audiências recorde que se verificaram, tendo chegado a números à volta de um milhão e meio de telespectadores, com o respetivo efeito em termos de receitas publicitárias que ascendem a números significativos e que comprovam a capacidade económica elevada das Rés TVI e Media Capital (cfr. factos 93 a 113 da sentença recorrida).

18. A verdade é que se encontra amplamente documentado e provado nos presentes autos as elevadíssimas audiências efetivamente registadas – e não “prováveis” como refere o Tribunal a quo – no decurso da emissão da reportagem, a qual é inicialmente composta por ... episódios, num total aproximado de cinco horas, emitidas diária e consecutivamente, em prime time, no mês de Dezembro, nas semanas anteriores às festividades de Natal.

19. Tampoco se pode desmerecer a divulgação da imagem do Autor, que não se limita à transmissão da sua imagem, como também à divulgação do seu nome, da sua família e, acima de tudo, da sua história de vida, nos seus elementos mais íntimos e privados – sem mencionar natural e legalmente secretos por se tratarem de factos relacionados com o seu processo ....

20. Importa ainda salientar as consequências que a reportagem comprovadamente teve na esfera jurídica do Autor, pelo efeito mediático e reações que se geraram no seguimento da exibição da reportagem e que, de forma inquestionável, tiveram repercussão no Autor, nomeadamente, na sua saúde mental e no seu estado anímico-psicológico, tendo-se visto o Autor obrigado a reviver episódios de... vividos durante a infância com a sua família ... e, bem-assim, forçado a falar sobre o tema e a dar explicações a desconhecidos.

21. E para tal, não releva o facto de a reportagem ter sido emitida em Portugal e de Autor residir no Brasil, designadamente em termos de diminuição das repercussões da atuação dos Réus na vida do Autor, como parece fazer crer o Tribunal da Relação no seu acórdão.

22. ArealidadeéqueoAutortevedeprestarexplicaçõesaestranhos,atravésdoFacebook, por ter sido ... no contexto revelado pelas reportagens (cfr. factos provados 82 e 83), e teve de dar justificações à sua esposa acerca da sua vida e do processo ..., pois sendo certo que aquela sabia que o A. era..., desconhecia os detalhes da sua infância com a...(cfr. facto provado 91).

23. O Autor sentiu-se consternado, irritado, frustrado e impotente, vendo a sua imagem e vida privada devassadas perante largos milhares de pessoas.

24. O Autor sentiu-se exposto pela sua vida privada ter sido divulgada, em termos que não associa inteiramente às memórias que guarda, perante milhares de pessoas (vide facto 84 da sentença recorrida).

25. O Autor ficou chocado e consternado perante o conteúdo da reportagem e sentiu-se violentado na sua intimidade e na sua vida privada (vide facto 85 da sentença recorrida).

26. O Autor sentiu um grande desgosto, frustrado e impotente, vendo a sua imagem e vida privada devassadas (vide factos 85 e 86 da sentença recorrida), tendo sentido também uma tristeza profunda e um enorme sentimento de injustiça pelas referências feitas na reportagem aos seus ... e à ideia transmitida de que o teriam ..., quando os via como alguém que ..., ... lar, amor e carinho (vide facto 87 da sentença recorrida).

27. Mais, em pleno século XXI, num mundo globalizado em que a informação circula livre e amplamente, não pode o Tribunal da Relação vir socorrer-se da geolocalização do local de emissão das reportagens sub judice, porquanto tal não tem qualquer correspondência com a realidade em que vivemos, em que a informação se difunde além fronteiras, como, aliás, se encontra cabalmente demonstrado nestes autos.

28. Não existe ainda suficiente jurisprudência em matéria de liberdade de imprensa, sobretudo em casos idênticos ao dos presentes autos, para que o Tribunal a quo pudesse fundamentar a sua decisão com base na jurisprudência existente – muito menos recente e atualizada aos dias que correm (o que resulta evidente das datas dos acórdãos identificados pelo Tribunal a quo).

29. De todo o modo, sempre se dirá que o Tribunal da Relação interpretou erradamente a jurisprudência que o próprio cita.

30. Ainda que se admita que o Tribunal a quo possa ter em consideração os padrões de indemnização seguidos pela prática jurisprudencial, este deverá procurar uma aplicação evolutiva do direito, tendo em conta os tempos que se vivem, não podendo ficar cristalizado no passado em que a realidade era, inevitavelmente, muito distinta.

31. Como bem tem sido decidido na nossa jurisprudência mais recente o quantum da indemnização por danos não patrimoniais deve ser, não irrelevante ou simbólico, mas significativo, visando propiciar compensação quanto ao dano sofrido, com fixação equilibrada e ponderada, de acordo com critérios de equidade, tendo em conta os padrões jurisprudenciais atualizados” (negrito e sublinhado nossos).

32. Os episódios da reportagem registaram uma audiência média de 1 milhão e 430 mil telespectadores e 30,7% de quota de mercado, ou seja, 31 em cada 100 pessoas que tinha a televisão ligada, estava a assistir à reportagem.

33. A TVI e a TVI 24 foram sempre os canais mais vistos quando exibiam os episódios.

34. Para além disso, os episódios foram repetidos no dia seguinte, após a hora de almoço, tendo as repetições registado uma média de 388 mil telespectadores por minuto.

35. No conjunto desta série de reportagens e das respectivas repetições, o conteúdo foi visto por mais de 5 milhões de pessoas em Portugal, ou seja,mais de 50% da população residente em Portugal Continental com 4 ou mais anos de idade.

36. Em 2017, a semana em que a TVI registou a maior quota de mercado foi de ... a ... de dezembro, com 23,3% de quota de mercado, quando foram exibidos os episódios.

37. Em 2017, houve um rendimento em publicidade na TV de 101 milhões de euros, nos canais TVI, TVI 24, TVI Internacional, TVI Ficção, TVI África e TVI Reality.

38. A soma do investimento a preço de tabela da TVI, TVI 24, TVI Ficção e TVI Reality foi de 2825milhões563mileuros,comdestaqueparaaTVI(com 94%desteinvestimento, totalizando 2 655 milhões 132 mil euros), podendo assumir que o Grupo Media Capital pratica um desconto comercial na ordem de pelo menos 96,5%.

39. Com base no investimento por tabela na TVI em 2017, 2 886 milhões e 334 mil euros, e assumindo que o grupo Media Capital pratica o tal desconto comercial na ordem dos 96,5%, então em 2017 a TVI teve um rendimento na Publicidade na ordem dos 101 milhõesdeeuros,oquese traduz numamédiade277 mileurosdiários derendimentos operacionais provenientes de publicidade.

40. A TVI ganhou (preço por tabela) em publicidade nos dias em que foram exibidos os episódios da Reportagem, nos breaks imediatamente após a exibição, 12 milhões 510 mil euros.

41. Mais, segundo o relatório de resultados do primeiro semestre de 2018, divulgado no site da Media Capital, os rendimentos operacionais subiram 10%, atingindo os 86 milhões 900 mil euros no primeiro semestre de 2018.

42. O resultado líquido acumulado foi de 10 milhões 500 mil euros, 26% acima do verificado no ano anterior, sendo que no trimestre, o resultado líquido subiu 33% para 8 milhões 600 mil euros.

43. A reportagem teve, ainda, um tremendo impacto digital, tendo os episódios da reportagem ficado disponíveis online, tanto no site da TVI como no YouTube da TVI 24.

44. Assim, e conforme resulta da factualidade provada os Réus conseguiram arrecadar milhões de euros com a exibição da reportagem, assim como um incremento da popularidade e aumento generalizado das audiências da TVI.

45. Ao que acresce o facto de a TVI ser o primeiro canal de TV generalista com um milhão de seguidores no Facebook e a marca de televisão mais seguida na rede social Instagram.

46. Para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, em cumprimento da prescrição legal que determina que o julgamento seja feito de harmonia com a equidade, deverá, pois, atender aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada.

47. E, neste caso, o ... de informação viu e orientou o conteúdo da reportagem ora em apreço, dando o seu consentimento prévio e aprovando a sua emissão, razão pela qual, nos termos das Leis da Imprensa e da Televisão, o operador de televisão titular do alvará passa a responder por todos os danos causados pela atuação dos seus jornalistas e ..., sendo a Ré TVI – cuja ampla capacidade económica se logrou demonstrar e que foi a entidade que mais beneficiou dos conteúdos emitidos – a responsável, solidariamente com o ..., por suportar a indemnização a pagar ao Autor.

48. A indemnização fixada não só não é adequada à reparação dos danos sofridos pelo Autor, como ainda legitima a conduta dos Réus, porquanto feito o seu balanço final, os proveitos económicos obtidos através da sua conduta ilícita suplantam exponencialmente o montante indemnizatório que ora vêm condenados, como facilmente se entenderá ao colocar nos pratos da balança uma receita de milhões de euros, por um lado, e um “custo” de € 30.000,00 (trinta mil euros), por outro.

49. Assim, para a justa compensação dos danos sofridos pelo Autor, por tudo quanto se expôs, deveria o Tribunal a quo, ter feito um prudente e criterioso uso da equidade a que está vinculado atento o disposto no artigo 496.º do CC e, por conseguinte, ter fixado a indemnização no valor de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) ou, ainda que assim não se entenda – o que por mera cautela de patrocínio se concede – em valor nunca inferior a € 90.000,00 (noventa mil euros).

50. Pelo que, deverá a douta decisão do Tribunal a quo ser substituída por outra que, dando provimento ao presente recurso, condene os Réus a pagar ao Autor o montante de EUR 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) ou, ainda que assim não se entenda – o que por mera cautela de patrocínio se concede – em valor nunca inferior a € 90.000,00 (noventa mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais por ele sofridos por força da atuação dos Réus, conforme factualidade provada e mantida no acórdão recorrido, mantendo-se, no restante, o já decidido.”

Os Réus não apresentaram contra-alegações em face da revista do Autor.



Colhidos os vistos nos termos legais, cumpre apreciar e decidir.

II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS

1. Objecto do recurso

Vistas as Conclusões que delimitam o objecto do recurso (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC), a questão decidenda limita-se à sindicação, em termos de fixação por intermédio de juízos de equidade (art. 496º, 4, CCiv.), do montante do prejuízo a que os Réus foram condenados para compensação de danos não patrimoniais no âmbito de responsabilidade extra-contratual decorrente da violação de direitos de personalidade do Autor (arts. 70º, 1, 79º, 80º, 483º, 1, 496º, 1, 494º, CCiv.; 29º, 1, da Lei 2/99, de 13 de Janeiro (“Lei de Imprensa”); 70º, 1 e 2, da Lei 27/2007, de 30 de Julho (“Lei da Televisão”)).

2. Factualidade

1. As instâncias consideram provados os seguintes factos:

1. A 1.ª R., BB, e a 2.ª R., CC, são jornalistas e desenvolveram a sua atividade profissional nos canais de televisão TVI e TVI24.

2. A 1.ª e a 2.ª R.R. são as jornalistas autoras e responsáveis pelo conteúdo da reportagem transmitida na TVI e TV24, denominada “...”.

3. O 3.º R., DD, foi o ... das áreas de informação da TVI e da TVI24, sendo, na altura dos factos, o responsável pela informação dos referidos canais.

4. Enquanto ..., o 3.º R. é ... do conteúdo das emissões transmitidas nos canais de televisão TVI e TVI24.

5. O 3.º R. aprovou a elaboração e execução de uma grande reportagem sobre o tema “...”.

6. Na semana que antecedeu a transmissão da reportagem objeto dos autos, a TVI e a TVI24 anunciavam num vídeo promocional, que iriam transmitir uma reportagem, apresentada como “...”.

7. Contendo, ainda, referências a tratar-se do segredo mais bem guardado da ... (...) e a crianças levadas de Portugal numa rede internacional de ... sendo, inclusive, colocada nessa divulgação a expressão “...”.

8. O 3.º R., enquanto ..., e a direção da TVI e TVI 24 tiveram conhecimento prévio da sua existência e conteúdo da reportagem, tendo o 3.º R. acompanhado o processo de investigação liderado pelas jornalistas, sabendo que na mesma se tratariam temas que implicavam o relato de situações relativas à vida e processo de ..., incluindo do A., AA.

9. A 4.ª R. TVI – Televisão Independente, S.A. é um operador televisivo com autorização para o exercício da atividade de televisão através dos serviços de programas TVI e TVI24.

10. A 5.ª R., Media Capital Digital, S.A., é proprietária dos sites da TVI e da TVI 24 e do portal IOL onde estão alojadas as notícias e vídeos referentes à reportagem denominada “...”, sendo a sua entidade gestora e responsável pela conservação de dados dos utilizadores do site.

11. Consta das condições gerais relativas à prestação de serviços pela 5.ª R. relativamente a serviços a utilizadores autenticados na rede por si explorada que a reprodução, alteração, cópia, uso, distribuição, comercialização, comunicação pública ou privada, aproveitamento, descarregamento ou qualquer outra forma de utilização e exploração dos materiais e conteúdos dos sites e dos serviços, não é permitida sem a sua autorização prévia, por escrito, nos termos do ponto 6 do doc. n.º 8 junto com a p.i..

12. Consta, ainda, das referidas condições gerais que é direito exclusivo da 5.ª R. gerir o design, layout e disposição de toda a informação, conteúdos e materiais dos sites e/ou dos serviços, assim como eliminar, modificar ou acrescentar quaisquer conteúdos, serviços, opções ou funcionalidades ou ainda modificar os respetivos URL’s, bem como que a R. removerá, sem necessidade de aviso prévio, todo e qualquer conteúdo ou material disponibilizado pelos utilizadores através dos sites e/ou dos serviços ou armazenado nos seus servidores cuja ilicitude for manifesta ou quando tal for determinado por uma entidade competente nos termos legais, nos termos do ponto 10 do doc. n.º 8 junto com a p.i..

13. No dia ...-12-2017, foi iniciada a transmissão no serviço de programas TVI e TVI24 da reportagem denominada “...”, a qual foi transmitida até ao dia ...-12-2017.

14. A reportagem é constituída, inicialmente, por ...e tem por objeto a divulgação de uma alegada rede ... levada a cabo ....

15. Ao longo desses ... são relatadas as alegadas circunstâncias em que decorreram vários processos ... que são apelidados de ilegais.

16. Na reportagem são divulgadas a ..., a sua imagem, quer enquanto crianças, quer enquanto adultos, a identidade dos ...e as circunstâncias de vida ....

17. O A. foi ... referidas na reportagem como tendo sido objeto de ....

18. Na reportagem, o autor é identificado pelo nome, associando ainda a sua imagem, quer enquanto criança, quer enquanto adulto, identificando, ainda, os seus ..., quer pelo nome, quer pela imagem.

19. O A. não deu autorização para tal, nem nunca quis ver a sua vida nem o facto de ser ... exposto publicamente, muito menos através de um órgão de comunicação social.

20. Na reportagem, é feita referência à história de vida do A. e os problemas que o mesmo tinha enquanto vivia com a sua ....

21. O relato da história do A. é associado ao de outras crianças, em relação às quais é apelidado o processo de ..., com base na existência de uma alegada ....

22. A história do A. e do seu irmão ... é contada nos ..., sendo, ainda, a sua imagem e o seu nome exposto nos ....

23. Posteriormente, a história ... do A. e do seu irmão ... volta a ser abordada nos ..., tendo estes sido emitidos numa continuação da reportagem transmitida em ...-04-2018 e ...-04-2018.

24. Em concreto, no dia ...-12-2017, foi transmitido o ...da reportagem, no qual se pode visualizar o seguinte:

- No final deste episódio surge uma mulher, que não é possível identificar pelo facto de a sua imagem ter sido ocultada, mas que de seguida é identificada como sendo ...do autor e do seu irmão EE, sendo-lhe dado o nome fictício de “FF”;

- De seguida é afirmado, oralmente, o seguinte:

Narrador: E FF nunca mais viu os seus filhos depois de entrarem no Lar da ....

FF: A ..., ..., ..., ..., aquela ... toda que pertence essa roubaram os meus filhos.

- De seguida, começa a ser narrada a alegada história do autor e do seu irmão ...:

Narradora: Foi na Av. ..., para onde o lar da ... mudou, deixando para trás as degradadas instalações em ..., que a mãe de FF deixou os seus netos.

FF tinha apenas pedido à avó das crianças para cuidar dos seus filhos enquanto endireitava a vida mas a mãe de FF achou que estariam melhor no ....

FF: Diz-me ela assim: “GG, eu já arranjei um sítio para os teus filhos irem, para estudarem, para dormirem, para comerem, para de hoje para amanhã serem uns homens e serem alguém na vida.” E eu digo: Então mas vão para onde? Colégio? “Aí não te preocupes que..., eu conheço. Não te preocupes que eles vão ficar bem até tu consigas sair da vida em que tu andas.”

Jornalista: A sua mãe era da ...?

FF: A minha mãe é da .... A minha mãe é doente por essa.

- Este episódio termina a anunciar o teor do episódio seguinte, designadamente a alegada história ... do autor e do seu irmão ....

Narrador: No próximo episódio, fique a conhecer... da outra filha do HH.

Testemunha Oculta: Era um doce de menino, super bem comportado, lindo de morrer, ... de olho ....

Narrador: O bebé ... de três anos, que qualquer casal ..., foi ... em tempo recorde com documentos que....

FF: Eu nunca na minha vida estive sentada num tribunal.

Narrador: Conheça a história triste da separação de dois irmãos que foram entregues no lar pela própria avó, ...

FF: A minha mãe é doente por essa.

Narrador: Novas revelações nesta investigação exclusiva TVI sobre “...” da ...

25. Neste episódio aparece a imagem do autor e do seu irmão ... enquanto crianças.

26. No dia ...-12-2017, foi transmitido ...da reportagem, no qual se pode visualizar o seguinte:

- Logo no início do episódio surge a mãe ... do autor, sendo afirmado o seguinte:

Narrador: A verdadeira história dos filhos ... por ....

FF: A ..., ..., ..., ..., aquela ... toda que pertencem essa ...os meus filhos.

Narrador: Uma história sem voz revelada agora em exclusivo na TVI.

- De seguida volta a surgir “FF”, mãe ... do autor, que, enquanto relata a sua suposta história de vida folheia fotografias do autor e do seu irmão ... enquanto crianças.

- Prosseguindo:

FF: Este é o meu filho, II. É o meu II, é o meu filho.

Jornalista: Foi mais ou menos com essa idade que ...…

FF: Foi. Foi, sim.

Jornalista: Era assim?

FF: Era. É o meu II.

- De seguido é afirmado pela jornalista:

Narradora: Este é II. Outra criança que ... do lar da ....

FF: A ..., ..., ..., ..., aquela ... toda que pertencem essa ...os meus filhos.

- São mostradas fotografias do irmão ... do autor enquanto criança.

- Surgindo novamente a mãe ... do autor, proferindo as seguintes afirmações:

FF: A ..., ..., ..., ..., aquela ... toda que pertencem essa ... os meus filhos.

Narradora: EE foi levado para ... pela mão da outra...HH.

JJ é a filha mais velha do... Trabalha na T..., no Brasil, ao lado do marido, o KK, com quem casou quando tinha apenas 17 anos.

- Mais à frente, e a propósito do processo ... do irmão ... do autor é afirmado:

Narradora: Em 1997, quando vivem em ..., JJ muda de ideias e avança para um esquema ... que envolve a ... de um bebé de ... num lar da ..., em Portugal. (...)

Testemunha oculta: Este é o EE.

Jornalista: O EE foi ...?

Testemunha oculta: Foi ... pela JJ.

Jornalista: Pela filha do HH?

Testemunha Oculta: Pela filha do HH, sim. Era assim um bebé ..., um bebé que toda a gente queria, era lindo de ..., ..., muito mimoso, muito dengoso.

Narradora: um processo que, como verá, é bem diferente de uma ... normal e foi feito em tempo recorde.

- Também aqui são exibidas fotografias do irmão do autor enquanto criança, assim como do próprio A..

- Ao mesmo tempo que é afirmado o seguinte:

Narradora: II era o mais novo de dois irmãos. Ele e AA, o mais velho, foram vítimas de.... O pai, ..., tinha a mãe ... em casa, prendia-a com cordas para a obrigar a ... e, depois de ..., a ... para conseguir dinheiro. FF, a mãe ... destes irmãos, assume o seu passado e conta como conseguiu fugir.

FF: Se eu consegui escapar, se eu consegui fugir daquilo tudo eu posso, eu devo ao meu filho mais velho que discorreu em desprender-me para a gente poder fugir.

Jornalista: Que tinha seis?

FF: Que tinha seis anos. Ele conseguiu desprender as cordas, ele foi com os dentes, desprendeu-me as cordas, as primeiras cordas que ele me desprendeu foi a dos braços para eu poder desprender as das pernas. Eu disse: tenta aqui os braços da mãe, tenta! E ele tentou e conseguiu. E depois fui eu que tirei o das pernas, saltei pela janela do quarto porque ele tinha as portas trancadas, essas janelas, a casa não tinha gradeamentos, não é verdade, levantar os estores, abrir a janela de correr, sai primeiro, o meu AA deu-me o pequenino, o meu II, e depois ajudei o meu AA e depois a gente foi “pernas para que te quero”, apanhei um táxi e fugi.

- A reportagem em causa prossegue da seguinte forma:

Narradora: Com medo do marido, FF refugia-se em casa do seu pai e pede-lhe ajuda.

FF: E escondeu-me no fosso do elevador, a mim e aos meus filhos.

Jornalista: Estiveram escondidos?

FF: Estivemos escondidos porque o pai deles foi à minha procura. Foi à minha procura e eu estava escondida no quinto andar, no fosso do elevador.

Narradora: Nesse momento, decide avançar para uma ... e pede ajuda à avó das crianças para cuidar delas só que, em vez disso, a avó entrega-as, sem o consentimento da mãe nas novas instalações do Lar da ....

FF: “Já arranjei um sítio para os teus filhos irem, para estudarem, para dormirem, para comerem, para de hoje para amanha serem uns homens e serem alguém na vida.” E disse-lhe: Então mas vão para onde? Colégio? “Aí, não te preocupes que pertencem..., eu conheço, não te preocupes que eles vão ficar bem até que tu consigas sair da vida em que tu andas.”.

Jornalista: A sua mãe era ...?

FF: A minha mãe é.... A minha mãe é doente ....

- Voltando a ser mostradas fotografias do A. e do seu irmão ... enquanto crianças.

- Prossegue a reportagem relatando a vivência do A. e do seu irmão ... no Lar, assim como o processo ...:

Narradora: FF visitava os filhos no lar... e acreditava nas falsas promessas que lhe faziam mas, a verdade, é que nunca terá havido nenhum registo da sua presença.

FF: Eu poderia ir as vezes que eu quisesse vê-los, pronto, que não haveria problema nenhum, que ia continuar a ter sempre contacto com eles, nunca os ia perder na vida.

Jornalista: E assinava algum papel? Assinava algum livro?

FF: Não. Nem à entrada, nem à saída. Nunca assinei nada. Nunca.

Jornalista: Não assinou o livro de visitas?

FF: Não havia livro de visitas.

Narradora: Mais uma vez, o mesmo esquema. Enquanto o lar parece tentar garantir a tese de abandono dos filhos pelos pais ...s, os funcionários da ... alimentam falsas promessas à mãe.

FF: Eu ia-me afastar da ..., da ... por eles. “Sim, senhora. Faça, consiga a sua cura arranje a sua vida e depois eles estarão cá para si.”. Coisa que isso nunca aconteceu. Eu refiz a minha vida, tive força de largar tudo até hoje…Os meus filhos nunca mais os vi, nunca mais pus a vista em cima deles.

Narradora: Mais uma vez, a escolha é feita por fotografia.

Jornalista: Mas a senhora lembra-se do HH lhe ter pedido as fotografias dos miúdos?

Antiga Funcionária do Lar (testemunha oculta): Sim, ele tinha acesso às crianças, às fotografias das crianças mas pedir, não a mim. À ... e à responsável…

Jornalista: À LL?

Antiga Funcionária do Lar: À LL e à moça que estava na (…), que era o braço direito da dona LL. Ela é que tinha acesso às fotografias e ela é que levava as fotografias. Eu nunca levei fotografia de ninguém.

Jornalista: Mas levava as fotografias a quem? Porquê?

Antiga Funcionária do Lar: Não faço a mínima ideia. Exatamente como é que as coisas eram escolhidas, não faço a mínima ideia.

Jornalista: Mas eram ...?

Antiga Funcionária do Lar: Eram.

Jornalista: E levadas para o estrangeiro?

Antiga Funcionária do Lar: Foram levadas para o estrangeiro. Aquele casal, aquelas três, sim.

Jornalista: E a da JJ também. Porque foi para ...…O EE.

Antiga Funcionária do Lar: Exatamente. Sim, o EE sim porque era o irmão do que ficou com a dona LL.

Jornalista: Era o AA.

Narradora: É uma simples fotografia como esta que muda o rumo da vida destas crianças.

Uma fotografia que no final de 1996 chega às mãos da filha mais velha do HH.

- Mais à frente volta a ser mostrada a imagem do Autor e do seu irmão ... ainda crianças.

- Ainda mais à frente é referido o seguinte:

Narradora: Ainda hoje, FF continua à procura dos filhos nas redes sociais. Confirmou agora, vinte anos depois, pela TVI que uma das crianças foi ... pela filha do HH em 1999.

- Sendo, de seguida, mostradas imagens do autor como é hoje em dia, já adulto.

- Voltando a ser mostrada a fotografia do autor e do seu irmão ... enquanto crianças, e uma fotografia do autor com os seus irmãos ..., também enquanto crianças.

- Seguidamente é relatado que o autor e o seu irmão ... foram ... e ainda é descrito que o Autor tinha uma marca característica no corpo, um sinal muito grande ...:

Narradora: A escolha de JJ leva à separação forçada dos dois irmãos. A filha do HH não quis ficar com o AA o mais velho dos irmãos.

FF: O MM não foi ...?

Jornalista: Foi. Por outro .... Da ...

FF: Certo.

Narradora: EE e AA eram muito cúmplices e próximos mas a breve passagem pelo lar separou-os para a vida.

Testemunha oculta: O AA já era uma criança mais arisca, já era mais problemático, mais birrento. Tinha um sinal assim um bocadinho feio... que era muito grande e com pêlo.

Jornalista: O seu filho AA tinha algum sinal no corpo?

FF: Tem, sim. O meu AA tem um sinal num ..., assim grande, sinal castanho, bem castanho.

Jornalista: Aonde? Mas é aqui? (aponta para a zona da parte ...) FF: É aqui, assim. É aqui que ele tem o sinal.

Jornalista: Tem um sinal grande, castanho?

FF: Grande, sim.

Jornalista: Você tem algum sinal?

FF: Eu tenho um sinal na ....

Jornalista: Igual ao dele?

FF: O meu é mais pequeno. O do meu filho consegue ser grande, enorme. Consegue ser enorme.

- Sendo, de seguida, novamente, mostradas imagens do autor e do seu irmão ... enquanto crianças.

- São igualmente identificados os pais ... do A.:

Jornalista: Havia um AA e um EE que fossem irmãos?

NN: Sim. Sim, eu lembro-me do AA. O AA tinha assim um sinal muito grande.

Jornalista: Sabes por quem é que foi ...?

NN: Não, não me lembro. OO? Não? Sim! Pelo OO e a tia LL.

Jornalista: Que chegou a ser ... do Lar.

NN: Sim.

Narradora: JJ recusou ... os dois irmãos. Rejeitou AA, o menino mais velho, que tinha um sinal escuro e peludo no ....

PP (testemunha oculta): O AA fica triste e fica ali desamparado porque o irmão acaba por ser uma referência, não é? Ele não estava sozinho naquela experiência nova que é estar num lar.

Antiga Funcionária do Lar: Do EE sei porque a Dª LL ficou com o AA e comentou que o EE seria para a outra filha do HH.

Narradora: É a ... do lar, LL, mulher OO da..., que acaba por ... AA, o irmão de EE.

QQ: Até foi o HH, o HH que ordenou a eles para ....

Quando tinha outras pessoas, outras pessoas que não tinham filhos, mas não, eles já tinham dois filhos, e o HH falou: “LL, você ... o menino.”, o irmão. Coitada, a LL até ficou assim a olhar para ele mas sabe que tem que obedecer e ela obedeceu.

- Novamente é mostrada a imagem do A. enquanto criança.

- Sendo, igualmente, apresentadas imagens dos pais ... do A..

27. No mesmo ...são feitas diversas referências ao processo ... do irmão ... do A., II, por parte de JJ, filha do HH, ..., e à ilegalidade desse procedimento, sendo referido a respeito da mãe ... do A. nunca ter esta sido ouvida pelo tribunal e nunca ter dado o consentimento para ... deste e do aqui A., nomeadamente, o seguinte:

Narradora: O plano terá passado, mais uma vez, por reservar a ... através do art. 19.º da OTM. A advogada... montou um esquema aparentemente legal para contornar o sistema....

(…)

Narradora: Se FF, a mãe ... dos menores, garante que nunca foi a Tribunal, nem deu consentimento ... dos seus filhos, quem é que afinal esteve no Tribunal de família de ... a dar os menores para ...? Quem foi a mulher que se terá feito passar pela mãe ... destas crianças? Sem consentimento prévio ..., a Lei exige que, no mínimo, os pais da criança sejam ouvidos pelo Tribunal, o que também nunca aconteceu.

28. Ainda no ... e no que se refere à ida da mãe ... a tribunal para prestar consentimento prévio para ... e a ter perdido o Bilhete de Identidade, pode visualizar-se o seguinte:

Jornalista: Nunca (es)teve num tribunal? Nunca…

FF: Nunca.

Jornalista: …fez este consentimento prévio?

FF: Nunca, nunca.

Jornalista: Então como é que explica que o tribunal tenha um consentimento prévio ... em seu nome?

FF: Não faço a mínima ideia. Alguém, alguém o fez por mim mas eu não fui.

Jornalista: Mas como é que alguém o pode ter feito por si?

FF: Fizeram por mim, devem-no ter feito por mim porque eu nunca me sentei, nunca lá fui e desapareceu-me um bilhete de identidade. Deve ter sido por aí, devem-mo ter tirado para poder fazer isso.

Jornalista: Na altura não foi à polícia dizer que desapareceu?

FF: Não, não. Eu fui aos registos centrais, pensei que tinha perdido o Bilhete de Identidade, nem sequer dei como roubado. Cheguei lá e disse que não tinha o Bilhete de Identidade e fui tratar de outro. E tratar duma segunda via.

Jornalista: E onde é que desapareceu esse Bilhete de identidade?

FF: O meu Bilhete de Identidade, esse que desapareceu, desapareceu na casa da minha mãe.

Jornalista: E, portanto, admite a hipótese de a sua mãe ter entregue a…

FF: Admito.

Jornalista: A alguém ...?

FF: Admito. Eu penso que foi tudo feito com .... Por isso me desapareceu o Bilhete de Identidade.

Narradora: A TVI confirmou que, na altura, FF deu como perdido o Bilhete de Identidade conforme documento conforme documento do Registo a que esta investigação teve acesso.

- Foi, então, exibido uma imagem de uma consulta informática da […] resultará que a mãe ... do autor em ...-02-1998 renovou o bilhete de identidade tendo declarado perdido o anterior.

29. Após a transmissão do ..., no mesmo dia ...-12-2017, teve lugar um debate sobre a reportagem conduzido pelo jornalista RR, com a presença da 1.ª R. e da mãe ... do A. no qual se pode visualizar o seguinte:

- O referido programa começa com a seguinte apresentação:

RR: Estamos a desenvolver uma cobertura especial a partir da investigação das jornalistas BB e CC. Em estúdio esta noite tenho “FF”, nome fictício, é a mãe ... de AA e EE, cuja história começamos por ouvir na reportagem desta noite. (…)

RR: Vou começar por si, FF, muito boa noite, bem-vinda. Percebeu-se pela reportagem que quem tomou a iniciativa de entregar os seus filhos naquele local foi a sua mãe. Já falou com ela sobre estas revelações.

FF: Destas revelações não, ainda não falei com ela, tenho evitado falar.

RR: E o pai das crianças?

FF: Não sei do paradeiro. Desde que eu saí…desde que eu consegui fugir daquela casa junto com os meus dois filhos, foi pessoa que eu nunca mais vi.

RR: E depois a FF ainda os foi visitar algumas vezes?

FF: Eu fui visitar três vezes os meus filhos ao Lar, a quarta vez quando lá fui foi-me dito que os meus filhos já não estavam. Então eu fui ter com a minha mãe a perguntar o que é que teria acontecido para eles não estarem lá e a minha mãe diz-me “Filha, está descansada que os teus filhos estão bem, estão com ... e ...”.

RR: E, portanto, tem ideia de quanto tempo é que foi, mais ou menos, entre…ou seja…entre a sua fuga e o momento em que deixou de ver os seus filhos, passaram quê…meses?

FF: Quando eu consegui fugir fui para casa dos meus pais. Pronto três dias de estarmos em casa da minha mãe foi quando ela mos entregou ao Lar. Eu continuava lá. “Ah, vens comigo, vamos ver os meninos ao Lar, vais ver que eles estão bem, está tudo bem”. Fui lá três vezes. Isto no mínimo do mínimo durou…eles estarem no Lar durou 2 ou 3 meses.

RR: 2 ou 3 meses?

FF: 2 ou 3 meses não foi mais do que isso. E a partir daí nunca mais os vi até hoje.

- A 1.ª R. refere que a mãe ... do A. era ... e que se dedicava à ..., mencionado o nome próprio do A.:

BB: A FF procurou os filhos. É verdade, e ela não esconde, que o pai dos miúdos a colocou numa vida de ... e ..., da qual ela conseguiu fugir graças ao AA, que tinha 6 anos. Pediu ajuda. A quem? Aos pais, como seria normal. (…) E o que ela encontrou foi uma mãe, ..., que colocou os filhos dela num lar à revelia dela.

- No debate é repetida a exposição da história da reportagem da ... do A. e do seu irmão mais novo, mencionando a 1.ª R. os nomes próprios destes e de uma irmã, acabando por se referir à mãe... do A. pelo seu nome verdadeiro de GG:

RR: Para percebermos um pouco melhor, podemos perceber o que é que aconteceu com o EE e o AA?

BB: Basicamente e resumindo, a filha HH vê por fotografia o filho da FF, ... aquela criança e aquela criança tinha um irmão e eles eram muito unidos, tal como a FF pode testemunhar. Até porque normalmente quando a vida é difícil… tal como na SS, a SS era quase maternal para os seus irmãos, era a mais velha e protegia…tendencialmente aqui o AA protegia o EE. O que é que acontece? A filha HH escolhe o EE e o HH decide que alguém tem ... o AA para ele não ficar sozinho na instituição. Mas estas crianças não estavam em fase de .... Estas crianças tinham sido colocadas recentemente num lar e ainda nem se tinha estudado o projeto de vida delas. Não se sabia se a FF tinha condições, se havia uma família alargada…

RR: Não estavam abandonadas.

BB: Não estavam…tinha de se estudar isso e quem decide isso depois é um tribunal. Agora, perante informações falsas, perante alguém que vai dizer - que não é a GG - alguém que foi ao Tribunal com um documento da GG dizer que ... os filhos para .... A GG não diz isso.

RR: A FF.

BB: A FF.

RR: E hoje em dia é possível identificar o paradeiro deles?

BB: Hoje em dia sabemos perfeitamente que o EE está ... à JJ, filha HH, e que o AA está entregue a um outro ...e à LL, que era ... do Lar, não sei se na sua altura. Lembra-se dela?

TT (antiga criança do lar): Eu lembro-me. A tia LL que era casada com outro...…

BB: Com outro ..., com o OO.

TT (antiga criança do lar): Certo, sim, sim.

30. No dia...-12-2017, foi transmitido o ... da reportagem, no qual se pode visualizar o seguinte:

- Narrador: A outra filha HH ... ter filhos e ...o bebé de sonho por fotografia.

Testemunha oculta: Era assim um bebé ... toda a gente queria, lindo de ..., ..., muito mimoso, muito dengoso

Narrador: ... EE no ... mas recusa o seu irmão mais velho.

Pessoa não identificada: Eu lembro-me do AA. O AA tinha assim um sinal muito grande.

Narrador: Várias crianças desaparecem do ... para serem entregues aos ....

JJ: Vamos ... uma criança e dar a ela uma família e salvá-la do inferno e criar um homem ....

Narrador: A verdade 20 anos depois numa investigação exclusiva TVI.

- Novamente é passada a imagem do A. enquanto criança.

- Ao mesmo tempo que são passadas as imagens do A. e do seu irmão ..., é afirmado:

Jornalista: EE sabe que é .... Sabe que AA é seu irmão. E que foram .... Os irmãos acreditam que FF, a mãe ..., os abandonou no...

“FF”: Eu nunca esqueci os meus filhos. Nunca. Eu nunca os vou esquecer nunca. Mesmo que eles não queiram saber de nada, não queiram saber de mim, eles são uma parte de mim. Eles continuam aqui dentro. São meus filhos. E continuo a amá-los do mesmo jeito. Que era como quando eles eram pequeninos, quando eu estava com eles.

(…)

Jornalista: AA vive no Brasil com os .... LL que à época era ... do lar e OO, .... O irmão mais velho de EE trabalhou numa ... e também ele não quis ser ....

(…)

- A reportagem refere-se à vida atual do A. e do seu irmão ..., ao mesmo tempo que passa a imagem do A., assim como do seu irmão ... enquanto adultos, bem como dos seus pais....

31. No dia...-12-2017, foi transmitido o ... da reportagem, no qual se pode visualizar o seguinte:

- No início do mesmo é novamente feita referência à história do A. e do seu irmão ....

Narrador: o confronto com avó que deu os netos à ... sem a mãe saber.

Avó: cada um tomou conta dos meninos, não ficaram no mesmo.

Mãe: a mãe está a dizer-me que eles foram separados?

Avó: Sim.

Narrador: Uma avó ... que sempre soube que eles iam acabar nas mãos de ....

Narrador: A vida de drogas do bebé .... EE: “Depois da ..., fui para a ...”.

Narrador: A investigação do na TVI …

- Voltando a passar a imagem do autor e do seu irmão ... enquanto crianças.

32. No decurso dos referidos episódios da reportagem, é utilizado um nome fictício para a mãe biológica do A. e a sua imagem não aparece visível, enquanto no que diz respeito ao A. é utilizada sempre a sua imagem, sem qualquer tipo de distorção e o seu nome verdadeiro.

33. A reportagem é marcada por um forte carácter emocional e sentimental, com sucessivas repetições e chamadas de atenção, visando caracterizar uma situação de escândalo público.

34. A reportagem relata factos, entre os quais se incluem referências ao processo ... do A., sugerindo que este teria sido ... da sua mãe ... e levado para o estrangeiro, através de ..., feita no âmbito do que apelidaram de uma rede ....

35. Em Abril de 2018, e igualmente com a autoria das 1.ª e 2.ª R.R., foram transmitidos na TVI e na TVI24, novos episódios da reportagem, que foram igualmente disponibilizados no site da TVI.

36. No dia ...-04-2018, foi transmitido o ... da reportagem, intitulado “...”, a propósito do encontro do A. e do seu irmão com a sua mãe ..., aquando da sua vinda a Portugal para prestar declarações no âmbito do processo de inquérito, no qual se pode visualizar o seguinte:

Jornalista voz off: Esta história começou em 1996, quando FF fugiu da casa de um marido violento que a obrigava a... com dois filhos menores, AA de 6 anos e EE de 3.

Foi a casa da avó pedir ajuda para ficar com os netos, enquanto se ia desintoxicar, mas a mãe de FF entregou os meninos no ....

“FF”: Eu consegui ir ver 3 vezes os meus filhos. Quando fui à quarta vez para ir ver os meus filhos já tinha desaparecido.

- Foi voltada a divulgar a infância do A., o facto de a sua mãe ser..., o facto de ele e o irmão terem sido colocados no lar e depois ... por “... e ...”.

- Prosseguiu o programa do seguinte modo:

Jornalista voz off: Na altura informaram-na que estavam com ... e ..., o que não lhe disseram é que as crianças tinham sido separadas. AA seguiu viagem para casa do OO e de LL, a ...do Lar. EE, o bebé ..., foi levado para ... pela mãe de JJ, a filha de HH, ... Um documento a que a TVI teve acesso e que foi feito com um bilhete de identidade que FF deu como perdido, garante que a mãe ... de EE o entregou nos braços da filha do HH para esta o levar para .... Um documento feito no exato dia em que FF já tinha uma guia para um novo bilhete de identidade, conforme a TVI confirmou junto do Instituto de Registos e Notariado.

Jornalista: Sabe que há um documento…e vendo por si…dizem assinado em que a JJ e o KK dizem que foi a FF que lhes deu o EE nos braços para cuidar porque não tinha condições.

“FF”: O Sr. KK e a D. JJ devem estar a sonhar porque eu nunca na minha vida eu passei o meu filho para os braços de ninguém, pura e simplesmente deixei os meus filhos na casa da minha mãe para me ajudar.

Jornalista voz off: FF garante que nunca assinou este documento e que, na altura, não esteve neste Cartório. Foram necessárias duas funcionárias, uma do Lar e outra da própria ... para atestar que quem lá foi assinar era a mãe ... de EE. Foram exigidas essas testemunhas justamente porque quem lá foi não levava o bilhete de identidade de FF.

“FF”: Nunca ninguém me procurou para assinar um papel, fosse o que fosse.

- Na reportagem, a propósito da adoção do A. e do seu irmão ... ter sido ilegal e feita com recurso a falsificação de documentos e de assinaturas, consta o seguinte:

Jornalista voz off: Num documento ilegível que o advogado ... fez chegar à TVI diz-se que a mãe ...de EE foi a tribunal dar o consentimento prévio para ... do filho.

“FF”: Eu nunca na minha vida estive sentada num tribunal, nem perante um juiz, nem com advogados, eu nunca estive.

Jornalista: Nunca assinou nada sobre ... dos seus filhos?

“FF”: Nunca assinei nada. Nunca.

37. Após a transmissão ...da reportagem, teve lugar, no mesmo dia ...-04-2018, na TVI24, um debate conduzido pelo jornalista RR, que contou com a presença, entre outros, da mãe... do A., do seu mandatário e da 1.º R..

38. No início do debate, o jornalista e pivot, RR, começa por contextualizar o assunto e introduzir a discussão da temática no seguimento do episódio emitido na TVI:

RR: Avançamos para o debate depois deste primeiro capítulo das novas revelações d’ .... Estamos numa nova fase da investigação em que tentamos acompanhar a sequência vertiginosa, nalgumas circunstâncias, de acontecimentos que tiveram lugar e que foram desencadeados pelas investigações originais em que expusemos pela primeira vez na TVI esta rede ...praticada pelos dirigentes ... num lar também ..., da ..., que esteve em situação ilegal durante muitos anos, nomeadamente na altura em que têm lugar estas ....

39. Uma vez mais, a mãe ... do A. surge com a sua identidade ocultada e nome fictício, enquanto continuam a ser revelados detalhes sobre a vida privada do A. e do seu irmão, bem como revelados os seus nomes verdadeiros:

RR: Tenho em estúdio a FF, que é a mãe... de AA e EE.

FF é o nome que lhe continuamos a atribuir. FF eu gostava de a ouvir, boa noite, bem-vinda de regresso. Eu gostava de… Ouvimo-la nesta reportagem há pouco a explicar como é que sentiu a armadilha. Sentiu que estava a abraçar um estranho? Porque a FF abraçou os dois filhos, não foi?

FF: Sim. Eu só contava que cá estivesse o meu EE, mas reencontrei também o meu filho AA.

RR: Que era o mais velho?

FF: Que é o mais velho.

RR: E foi diferente, o que teve com um e com outro? O que sentiu com um e com outro?

FF: Sim, sim. Foi totalmente diferente. Já antes de me encontrar com o EE cá em Portugal, eu já sabia, eu já tinha sentido que EE não estava a ser verdadeiro e acabei por ter a certeza depois de me encontrar com ele.

RR: Foi quê? Foi através da maneira como ele se aproximou de si? O que ele lhe disse? A maneira como lhe disse? O que é que se diz, o que é que se pode dizer quando se vai reencontrar a mãe ... ao fim de 20 anos?

FF: Deveria ser… deveria ser uma alegria, como foi a minha alegria de poder… de estar a abraçar os meus filhos como abracei, como foi visto, de alegria, de felicidade. E ele não estava como tal. EE estava… nunca me encarou, nunca me olhou nos olhos, disfarçava…como se vê nas imagens.

RR: Neste momento, posso-lhe perguntar FF, tem algum tipo de contacto com ele?

FF: Não, nunca mais tive contacto com o EE.

RR: E com o AA?

FF: Com o AA falei umas vezes com ele e com a esposa de meu filho. Sim, algumas vezes.

- E, posteriormente:

FF: Não era isto que eu tinha idealizado no encontro que tive. Eu fui com a maior alegria do mundo, com a maior felicidade e depois em troca recebo… recebo o beijo de Judas como eu já referi.

RR: Durante o pouco tempo que acabaram por estar… que acabaram por estar juntos… os seus filhos… não sei se posso perguntar isto, se não puder responder também não responda, já sabe FF esse é o princípio aqui, ninguém é obrigado a nada, pelo contrário. Eles têm memórias suas? E deles os dois enquanto… Eles saíram… eles foram ..., não é, quando o AA, o mais velho, tinha cerca de 7 anos e o EE, o mais novo, tinha cerca de 4.

FF: Sim.

(…)

RR: Percebeu se eles tinham memórias parte a parte, mútuas do seu relacionamento como irmãos e também suas?

FF: Não faço ideia. Eu só quando encontrei o meu filho…quando estive um bocadinho a falar com o meu filho AA, eu disse-lhe que não tinha a culpa de nada e que eu não o quis abandonar e que ele me ajudou a fugir e ele disse “eu sei mãe, eu sei mãe”. Agora qual é as memórias que ele tem dessa altura, eu não faço ideia.

(…)

RR: (…) e foi nomeadamente este seu filho mais velho, o AA que a ajudou a libertar-se da cadeira onde estava amarrada…

FF: Da cama…

RR: Da cama onde estava amarrada pelo seu companheiro da altura…

FF: Sim.

RR: E a fugirem os três dessa casa…

FF: Pela janela.

RR: E depois disso a FF só viu o AA… depois disso eles acabaram por ir poucos dias depois para o lar, entregues pela sua mãe…

FF: Exatamente, a minha mãe entregou-os no lar. Eu ainda cheguei a ir a esse lar umas três vezes para ver os meus filhos, vi os meus filhos, e depois nunca mais os vi. Quando lá vou, sensivelmente pela quarta vez, me disseram que EE e AA já não se encontravam na instituição, que tinham ido…que tinham ido sair com ....

RR: BB, deixa-me tentar perceber aqui uma das dimensões desta situação em concreto do EE e do AA, que é a separação dos irmãos.

Independentemente das circunstâncias de vida, deste início de vida deles os dois, não á, até aos 6, 4 anos, um e outro, separação de irmãos é algo de inusitado nos processos ..., não é?

BB: E sobretudo na S... que tem um princípio que é não separar irmãos e foi exatamente com a conivência da S... que estes irmãos foram separados. E isto é curioso porque na segunda reportagem nós vamos perceber que estes irmãos, teoricamente, porque essa técnica foi entrevistada por nós e ela garante que não fez o relatório do EE. Os relatórios foram feitos com 4 dias de diferença. Qualquer pessoa percebia que eram irmãos. Houve ... ...quando estes miúdos já estavam com as famílias, não seria este o procedimento. Houve intervenção direta da senhora ... UU à data dos factos com assinaturas de documentos, ela própria, a reformular confianças judiciais.

RR: Nós temos falado de documentos falsificados muitas vezes ao longo deste processo.

BB: Temos falado porque este processo tem este vício.

40. No dia ...-04-2018, foi transmitido o ... da reportagem, intitulado “...”, também disponibilizado no site da TVI, no qual se pode visualizar o seguinte:

- Voz-Off: 23 anos depois, mãe e filhos que desapareceram do lar ... abraçam-se. Os irmãos, EE e AA, foram entregues no lar ... da ... em ... em 1996, pela própria avó.

Avó: Eles são ..., mas pelo… pelos e…

Jornalista: Pelos…

Avó: E esposas.

Jornalista: Exato.

Avó: Não é por um qualquer.

- Mais à frente é afirmado:

Voz-Off: FF aproveita a presença dos filhos para lhes esclarecer todas as dúvidas e é surpreendida pela memória de AA, quando tinha 6 anos, quando a ajudou a fugir de casa pela janela, para escaparem a um pai violento.

FF: Quando abracei o meu filho e agradeci-lhe por ele me querer ver, eu agradeci “obrigado meu filho”, é… no meio da nossa conversa disse-lhe “filho, foste tu que me salvaste”, e o meu filho AA disse “eu sei mãe, eu sei”.

Voz-Off: AA recusa ser filmado, mas assiste emocionado ao encontro, ele e UU, a mãe ... de SS, II e VV, os três irmãos que desapareceram do lar ..., na mesma altura, e dois deles acabaram nas mãos de WW, a filha mais nova do HH. (…)

Voz-Off: Enquanto FF abraçava e beijava EE, o seu filho mais novo, UU aproveitava para falar com AA, o irmão mais velho.

UU: O AA perguntou porque é que nós não corremos atrás e eu disse-lhe, “AA, corremos, corremos muito, eu posso dizer que eu cheguei a dormir nos degraus da ..., à espera… e entrava em ... à espera de ver um rosto, qualquer coisa, fui à polícia, mas ninguém me ouviu, e depois, saídos do país, jamais, e eu não sabia entretanto que já tinham saído do país, a realidade dos factos eu soube-a quando a TVI me encontrou.

Voz-Off: AA foi separado do irmão EE pela .... Tudo terá acontecido com a concordância da S..., onde FF, a técnica social à ata, a julgar pelos documentos a que a TVI teve acesso, terá tratado de ambos os relatórios dos irmãos com a diferença de quatro dias. AA, na Quinta e EE na Segunda-feira seguinte.

41. A respeito do ..., no contexto do A. se ter encontrado no mesmo espaço físico que a sua mãe ..., a imagem do autor foi incluída na reportagem, apelidando tal de reencontro.

42. O A. não deu autorização aos R.R. para procederem à filmagem, nem para que fosse relatado o que ali se passou.

43. No decurso do ...é feita alusão a que os relatórios e os documentos da S... (S...), que serviram de base ... do A. e do seu irmão ... teriam sido falsificados e que a S... não tinha conhecimento de que se tratavam de dois irmãos, e ainda que, por nas ... dos pais ... do A. e do seu irmão ... constarem já os nomes das crianças..., não foi seguido o procedimento normal ....

44. A 1.ª R. apresentou uma participação, em ...-11-1997, junto da PGR relativamente a ter, na sequência de um trabalho de investigação apurado factos relacionados com o “desaparecimento de umas crianças portuguesas que terão sido vítimas de uma rede ...” relativamente às crianças que identificou, e que tinham estado no Lar ..., e nas quais se incluía o A..

45. No teor dessa participação é feita referência à existência de um consentimento prévio para a ... mas que as mães garantiam nunca ter acontecido, ou sido notificadas em qualquer processo ... ou qualquer outro tipo de processo a respeito dos seus filhos.

46. Tal participação deu origem ao processo de inquérito n.º 704/17.9..., que correu termos na ....ª secção do DIAP de ..., no qual, após a realização de diversas diligências, foi proferido, em 14-05-2019, despacho de arquivamento no que se refere aos factos de natureza criminal relacionados, nomeadamente, com a ... do A., em virtude de eventuais responsabilidades criminais se encontrarem prescritas.

47. No âmbito desse inquérito foi realizada uma perícia às assinaturas da mãe ... do A., nos documentos correspondente[s] ao requerimento para designação de data para a prestação de consentimento prévio e da procuração que ao acompanhava, datados de 28-09-1998, tendo o Laboratório de Polícia Científica concluído, em 29-06-2018, como muito provável que a escrita suspeita seja da mãe ... do A..

48. Foi requerida abertura de instrução, a qual correu termos, sob o mesmo número de processo, junto do Juízo de Instrução Criminal de ... – Juiz ..., tendo em ...-11-2020, sido proferido decisão a concluir pela prescrição do procedimento criminal com os mesmos fundamentos.

49. O autor nasceu em...-02-1990, na freguesia de ..., em ..., tendo sido registado com o nome de XX.

50. O A. é filho ... de YY, sem que tenha sido registado o nome de qualquer pai.

51. Foi instaurado processo de averiguação oficiosa de paternidade que correu termos sob o n.º .../1997 do Tribunal de Família e Menores de ..., o qual veio a ser arquivado.

52. A mãe ... do A. era ... e dedicava-se à ..., tendo deixado o A. e o irmão, II, entregues à avó materna.

53. A avó materna era ... e frequentava ... do antigo ..., em ..., tendo pedido a responsáveis ... que o A. e o irmão fossem recebidos no Lar ... pertencente à Obra Social da....

54. O A. e o irmão deram entrada no Lar ... no ano de 1995, tendo a mãe ... tido conhecimento desse facto.

55. Na altura, o A. era uma criança com um estado de saúde debilitado e com diversos traumas devido às situações que vivenciara, tendo uma personalidade fechada e menos sociável.

56. O A. e o irmão chegaram a ser visitados no Lar pela avó materna e também pela mãe ....

57. No período em que o A. esteve no Lar criou-se uma ligação afetiva com LL, tendo a criança evoluído positivamente.

58. LL exercia, então, as funções de ... do Lar e era casada com OO, então ... e que veio a ser ..., tendo já dois filhos do seu casamento.

59. Em ...-03-1998, LL e OO inscreveram-se junto do serviço de ... da S... para ... criança.

60. Preencheram, cada um, um questionário da S..., encontrando-se o questionário assinado por LL datado de ...-04-1998, enquanto o de OO não foi por este nem assinado, nem datado.

61. Resulta das respostas a esse questionário que, apesar das questões não se referirem a qualquer criança concreta, foi o mesmo respondido por ambos por referência à intenção de... o autor com quem já tinham contacto.

62. Por requerimento entrado em tribunal em ...-09-1998, apresentado em nome da mãe ... do A., e dirigido ao Juiz de Direito do Tribunal de Família de ..., foi requerido que fosse designada data e hora para a prestação de consentimento prévio por esta para a ... do A. e do seu irmão II, tendo em vista a futura ... destes.

63. O requerimento em causa encontra-se assinado pela mãe ... do A., com aposição de carimbo relativo ao reconhecimento notarial da respetiva assinatura, e ainda assinado pela advogada TT, que juntou procuração forense emitida em seu favor.

64. A advogada TT exercia também as suas funções profissionais em favor do Lar ... e foi igualmente mandatária de LL e de OO, enquanto casal ....

65. Com data de ...-10-1998 foi lavrada ata de tomada de declarações à mãe... do A., na presença do juiz do ....º Juízo do Tribunal de Família da Comarca de ..., e com a presença da curadora, da funcionária e da mandatária, tendo a mãe ... do A. declarado que prestava o consentimento prévio para ... do A. e do seu irmão, tendo o juiz considerado válido o consentimento prévio prestado.

66. Por escrito datado de ...-01-1999, a advogada TT dirigiu à Dra. FF, técnica de serviço social da S..., os assentos de nascimento do A. e do seu irmão II, com vista à “confirmação da permanência a cargo”.

67. Com data de ...-02-1999, a referida técnica FF elaborou um relatório relativo ao A. do qual consta a referência à inscrição, em ...-03-1998, como casal ... de LL e de OO, e que “o Serviço iniciou todas as diligências previstas no nº 1 do Art. 6.º do Decreto-Lei nº 120/98 de 8 de Maio, constatando-se que o referido casal viera mais tarde a assumir como filho o menor XX, de 8 anos de idade”.

68. Nesse relatório é feita referência à situação do A. e do agregado familiar do casal ..., no qual o autor se integrara, concluindo que “... apresenta-se fundamentado na legítima defesa dos interesses desta criança pelo que este Serviço considera poder confirmar-se a sua permanência a cargo do casal (…)”.

69. Por ofício da S..., datado de...-03-1999, e dirigido ao Delegado do Procurador da República junto do Tribunal de Família e Menores de ..., assinado pela Provedora UU, sob o assunto “Confirmação de Permanência a Cargo”, consta o seguinte: “Nos termos da alínea a) do nº 5 do Artº 8 do Decreto-Lei nº 120/98, a S..., vem comunicar a V. Exa. que em 7/01/99 decidiu a confirmação de permanência a cargo do menor XX ao casal ... a ... constituído por OO e LL (…), com vista à sua futura ...”.

70. Em ...-05-1999 deu entrada a petição inicial ... do A. por parte de OO e LL, mediante articulado subscrito pela advogada TT, requerendo-se a modificação dos apelidos do menor para ZZ.

71. Em ...-12-1999 foi sentença proferida no processo ... n.º .../M/99, que correu termos na ....ª Secção, do....º Juízo, do Tribunal de Família e Menores de ..., a decretar a ... do autor que passou a chamar-se AA.

72. A S... tinha contactos regulares com o Lar e sabia que o A. era irmão de II, tendo procedido à sua confiança administrativa a casais distintos.

73. A 1.ª e 2.ª R.R. jornalistas nunca consultaram o processo ... do A., por o respetivo acesso lhe ter sido negado pelo tribunal, tendo, contudo, tido acesso a algumas cópias de peças que deste constariam.

74. Os R.R. pessoas singulares sabiam que os processos ... e os procedimentos que os antecedem são de conteúdo secreto e que não são de acesso ao público.

75. As 1.ª e 2.ª R.R. jornalistas não contactaram o A. previamente à exibição da reportagem, tendo apenas a “Equipa de Investigação da TVI”, por email de...-12-2017, remetido dias antes da transmissão do ... para responsáveis da ... solicitado os contactos de 6 membros da ... a fim de serem contactados a propósito da reportagem a emitir, sem que aí conste fazer referência ao A. ou aos seus pais ....

76. As 1.ª e 2.ª R.R. nunca contactaram o A. para esclarecimento de quaisquer factos ou pedirem autorização para a divulgação da sua imagem, da sua identidade e da sua história de vida.

77. As 1.ª e 2.ª R.R. jornalistas sabiam a identidade do A. e dos seus pais ... e tinham possibilidades […] contactar previamente o A., sem que o tenham feito.

78. Pelo facto de na reportagem terem sido difundidas imagens recentes do A., já maior de idade, é possível reconhecê-lo nos dias de hoje em qualquer local público por parte de quem visualizar a reportagem, ainda que este resida no Brasil.

79. A reportagem poderia ter sido feita sem incluir imagens do A. enquanto criança ou enquanto adulto, nem expondo o seu verdadeiro nome, conforme sucedeu em relação à mãe ... do A. cuja imagem e nome verdadeiro foram ocultados, sem que, pelo menos em relação à história da ... do A., tal impedisse a 1.ª a 2.ª R.R. de contar a história que pretendiam.

80. Decorre da reportagem a associação do A. a uma criança que foi ... ..., ... à sua família ... e ter tido uma infância difícil.

81. Por causa da transmissão da reportagem o A. acabou por reviver episódios da sua infância que, ao longo de 20 anos tentou esquecer, nomeadamente, relacionados com episódios de ....

82. O autor, na sequência da transmissão da reportagem, foi identificado por terceiros, tendo-se visto forçado a falar sobre o tema e a dar explicações a desconhecidos, nomeadamente através do Facebook.

83. O A. foi, também, contactado e teve de dar explicações por ser associado ao seu irmão ... II que era conhecido por ter sido ... por uma filha HH.

84. O A. sentiu-se exposto pela sua vida privada ter sido divulgada, em termos que não associa inteiramente às memórias que guarda, perante milhares de pessoas.

85. O A. ficou chocado e consternado perante o conteúdo da reportagem e sentiu-se violentado na sua intimidade e na sua vida privada.

86. O A. sentiu um grande desgosto e frustrado e impotente, vendo a sua imagem e vida privada devassadas.

87. O A. sentiu-se triste e com um sentimento de injustiça pelas referências feitas na reportagem aos seus pais ... e à ideia transmitida de que o teriam ..., quando os via como alguém que o ..., lhe dera ..., amor e carinho.

88. O A., embora soubesse ser ... e ter ainda memórias da sua mãe ..., apenas no seguimento da reportagem teve conhecimento do paradeiro desta com quem nunca mais tinha tido contactos, tendo tal causado uma forte perturbação na sua vida.

89. Na altura em que os primeiros episódios da reportagem foram transmitidos, o A. era casado e encontrava-se à espera do seu primeiro filho, o qual veio a nascer em ...-03-2018, com cerca de 34 meses de gestação.

90. O A. ficou irritado e perturbado com a transmissão da reportagem, da qual veio a ter conhecimento no Brasil, não tendo dado à gravidez toda a atenção que pretendia, o que se repercutiu no seu relacionamento com a mulher.

91. O A. viu-se obrigado a dar explicações à sua mulher acerca da sua vida e do processo ..., pois esta apenas sabia que o autor tinha sido..., desconhecendo os detalhes da sua infância com a família ....

92. O A. não trabalhou para uma ..., conforme se refere na reportagem, sendo antes ... e trabalhou como funcionário não qualificado na área da manutenção para..., em ..., no Brasil.

93. Os episódios da reportagem registaram uma audiência média de 1 milhão e 437 mil telespectadores e 30,7% de quota de mercado, ou seja, 31 em cada 100 pessoas que tinha a televisão ligada, estava a assistir à reportagem.

94. Para além da transmissão televisiva, os vários episódios da reportagem foram colocados no site da TVI e TVI24.

95. A TVI e a TVI 24 foram sempre os canais mais vistos quando exibiam os episódios.

96. Para além disso, os episódios foram repetidos no dia seguinte, após a hora de almoço, tendo as repetições registado uma média de 388 mil telespectadores por minuto.

97. No conjunto desta série de reportagens e das respetivas repetições, o conteúdo foi visto por mais de 5 milhões de pessoas em Portugal, ou seja, mais de 50% da população residente em Portugal Continental com 4 ou mais anos de idade.

98. Em 2017, a semana em que a TVI registou a maior quota de mercado foi de 11 a 17 de Dezembro, com 23,3% de quota de mercado, quando foram exibidos os episódios.

99. Os episódios eram exibidos em simultâneo na TVI e TVI 24 (à exceção do dia 20-12-2017), sendo repetidos nesse mesmo final de noite TVI 24.

100. Para além disso, após a exibição de cada reportagem, a TVI 24 realizava um debate sobre cada episódio.

101. Nos dias em que houve debate, este era sempre o conteúdo que mais audiência dava ao canal, que por sua vez fazia com que a média subisse.

102. Assim, por exemplo, a audiência média da TVI 24 das 20:00 e as 24:00 nos dias:

- sem debate (1, 4, 5, 6, 7, 8, 20, 25, 26, 27, 28 e 29 de Dezembro): 49 mil telespectadores, 1,2% de share e apenas o 11º canal mais visto no cabo.

- com debate (11, 12, 13, 14, 15, 18, 19, 21 e 22 de Dezembro): 108 mil telespectadores, 2,6%de share e líder de audiência no cabo.

103. A audiência do horário nobre mais do que duplicou e o canal subiu da 11ª posição para a 1ª posição.

104. No ano de 2017, registou-se um rendimento em publicidade na TV de 98 milhões e 193 mil euros, nos canais TVI, TVI 24, TVI Internacional, TVI Ficção, TVI África e TVI Reality.

105. A soma do investimento a preço de tabela da TVI, TVI 24, TVI Ficção e TVI Realista foi de €2.825.563,00, com destaque para a TVI (com 94% deste investimento, totalizando €2.655.132,00 mil euros), podendo assumir que o Grupo Media capital pratica um desconto comercial na ordem de pelo menos 96,5%.

106. Com base no investimento por tabela na TVI em 2017 (de €2.886.334,00), e assumindo que o grupo Media capital pratica o tal desconto comercial na ordem dos 96,5%, então em 2017 a TVI teve um rendimento na Publicidade na ordem dos €101.000.000,00, o que se traduz numa média de €277.000,00 euros diários de rendimentos operacionais provenientes de publicidade.

107. A TVI ganhou (preço por tabela) em publicidade nos dias em que foram exibidos os episódios da Reportagem, nos breaks imediatamente após a exibição €12.510.000,00.

108. Assumindo os habituais descontos de 96,5%, chegamos a um valor de €437.850,00 euros de rendimentos operacionais provenientes da publicidade somente da TVI imediatamente após a exibição das 12 reportagens.

109. Por outro lado, a ré era a estação de televisão portuguesa líder de audiências há mais de 10 anos, quer na vertente informação, quer na vertente entretenimento, pelo que tinha os seus blocos de publicidade em “prime time” completos.

110. A Reportagem teve, ainda, um grande impacto digital, tendo todos os episódios da reportagem ficado disponíveis online, tanto no site da TVI como no YouTube da TVI 24.

111. No que toca à plataforma Youtube os utilizadores, no caso a ré, recebem um valor por cada mil visualizações (“Cost Per Thousand”, vulgo “CPM”), existindo plataformas que calculam a receita que um titular recebe pela visualização de cada vídeo.

112. Só na plataforma do Youtube, até ao dia 03-01-2019, foram contabilizadas as seguintes visualizações:

- Episódio 1: 152 mil visualizações

- Episódio 2: 83 mil visualizações

- Episódio 3: 40 mil visualizações

- Episódio 4: 54 mil visualizações

- Episódio 5: 63 mil visualizações

- Episódio 6: 39 mil visualizações (contagem por referência a 31.01.2018; vídeo republicado em 31.01.2018 com 898 visualizações)

- Episódio 7: 38 mil visualizações (vídeo entretanto removido; valor por referência a 31.01.2018)

- Episódio 8: 33 mil visualizações (vídeo entretanto removido; valor por referência a 31.01.2018)

- Episódio 9: 32 mil visualizações (vídeo entretanto removido; valor por referência a 31.01.2018)

- Episódio 10: 37 mil visualizações

- Episódio 11: 8 mil visualizações

Total: 534.000 visualizações

113. No seguimento da transmissão da reportagem, ... e parte dos visados pela reportagem têm vindo a recorrer aos meios jurisdicionais, demandando a TVI e outros responsáveis pela sua elaboração e transmissão, dividindo-se estas ações judiciais em dois grandes grupos:

- providências cautelares que visam essencialmente a remoção do conteúdo da reportagem do sítio da internet da ré; e,

- ações de processo comum cujos pedidos de indemnização se quantificam em somas avultadas.

114. Em 28-03-2018, o Conselho Deontológico do Sindicato de Jornalistas português, pronunciou-se através de comunicado, no qual se pode ler:

«O Conselho Deontológico manifesta a sua preocupação com o fenómeno que classifica de Bullying económico, uma forma de pressão económica exercida através de instrumentos jurídicos, sobre os jornalistas e os órgãos de comunicação social, a qual condiciona fortemente a investigação jornalística e põe em causa o livre exercício da Liberdade de expressão.

O fenómeno por nós classificado de Bullying económico é também conhecido por bullying jurídico (ou, na expressão inglesa SLAPP – strategic lawsuit against public participation) e consiste na “utilização abusiva de ações judiciais dirigidas à proteção da honra, do bom nome e da reputação com objetivo primordial de silenciar a crítica pública por parte dos meios de comunicação social e dos cidadãos, como definem Jónatas Machado e Iolanda Rodrigues de Brito na obra Difamação de Figuras Publicas.(…)

No presente momento, a TVI está a ser vítima deste tipo de condicionamento, na sequência da emissão do trabalho da autoria das jornalistas CC e BB, intitulado “...”, em que eram relatados factos de relevante interesse público sobre os responsáveis ....

Desde Janeiro, quer as ... jornalistas responsáveis pela investigação, quer a ... da TVI, quer a Media Capital têm sido alvo de inúmeros processos judiciais onde surge o respetivo pedido de indemnização.»

115. Após a transmissão da reportagem, a 1.ª ré tem promovido e divulgado a reportagem, nomeadamente, na sua página de Facebook, sugerindo que esta seja partilhada por terceiros nas redes sociais.

116. A investigação jornalística que deu origem à reportagem, durou em dedicação exclusiva de alguns profissionais cerca de sete meses, com recurso a diversas fontes de informação, nomeadamente, pessoais e documentais.

117. O A. não é referido nem retratado em muitos dos episódios da reportagem, surgindo o seu nome, história e imagem, a maior parte das vezes, associadas ao foco informativo relativo ao processo ... do seu irmão ... II, por este ter sido uma das crianças ... por familiares diretos do responsável ..., HH.

118. O A. tem contas em redes sociais como o facebook, em que regularmente divulga a sua imagem pessoal – presente e passada –, sem que se encontre limitada a sua visualização a terceiros que peçam para às mesmas aceder.

119. Algumas das fotografias do A. que aparecem na reportagem foram retiradas e editadas a partir das imagens que constam das redes sociais.

2. Por seu turno, foram considerados não provados os seguintes factos:

A. A reportagem foi entregue para edição um mês e meio antes da emissão do primeiro episódio.

B. Na reportagem, são feitas diversas afirmações a respeito da infância e do processo ... do A. que os R.R. sabiam ser falsas, nomeadamente, no que se refere à falta de consentimento da mãe ... do autor para a ....

C. Na elaboração da reportagem muitas vezes as fontes eram ameaçadas e na investigação eram frequentemente usadas pessoas sem carteira profissional de jornalista e que, de facto, não eram jornalistas, embora se apresentassem como fazendo parte da “Equipa de Investigação da TVI”.

D. Na ocasião em que a avó materna do A., a então ... do Lar, LL, explicou-lhe que só poderia receber as crianças caso estas fossem encaminhadas pelas entidades competentes, in casu pela S... ou pela Segurança Social, sugerindo à avó materna do autor que procurasse ajuda junto destas entidades.

E. Embora o contacto inicial com o Lar tenha sido feito pela avó materna do A., a institucionalização dos dois menores só ocorreu após o Lar ter sido contactado por uma assistente social a solicitar duas vagas para que aí fossem recebidas estas duas crianças.

F. Nos dias subsequentes a este contacto, o Lar foi acionado pela S... para ir buscar duas crianças que, segundo uma denúncia recebida, passavam o dia sozinhas num quarto na zona da ....

G. Foi neste contexto que, a secretária do Lar foi buscar o A. e o seu irmão ... a um quarto na zona da ..., encontrando-se aí já a polícia e uma assistente social.

H. A funcionária do Lar recolheu então os dois irmãos que foram transportados para o Lar, onde ingressaram.

I. O processo do A. e do seu irmão sempre foi acompanhado pelas autoridades competentes, Segurança Social e S....

J. O Lar encetou vários esforços para localizar a mãe ... do A. e do seu irmão, tendo alguns funcionários procuraram a sua avó materna do A. que lhes terá mostrado um postal, expedido de ..., que havia recebido da filha e a partir daí a secretária e o motorista do Lar partiram à procura de pistas sobre o paradeiro da mãe ... do A. que os levaram a ... e a ..., onde a encontraram num ....

K. O A. viu associado o seu nome associado a um enredo novelesco e fraudulento onde ele, sem o querer, é protagonista.

L. O A. telefonava à sua mãe... a chorar compulsivamente, dizendo que tinha medo de a perder.

M. Todo o clima de instabilidade vivido pelo A. no momento da transmissão da reportagem levou a que a gravidez da sua mulher se tornasse numa gravidez de risco, e fez com que o filho nascesse prematuro.

N. O A. teve de procurar ajuda psicológica depois de ter sido obrigado a reviver todos estes traumas da sua infância com a família biológica.

O. Os vários episódios da reportagem permanecem no site da TVI e TVI24, até à data de hoje, no link ....

P. O A. terá de gastar muito dinheiro para conseguir “ir atrás” de todos os meios e suportes onde se encontram disponíveis os episódios supra referidos, para que esses conteúdos sejam removidos.

Q. A investigação jornalística na verificação e cruzamento da informação, procurou ouvir todas as pessoas com interesses atendíveis na sua divulgação.

R. Os visados na reportagem, e em particular o A. já haviam revelado publicamente a sua história de vida e tem publicamente promovido a sua imagem com os seus fins.

S. Foi a família... do irmão do A. e a sua própria que com o seu conhecimento e autorização – pelo menos tácita – que, à sua maneira e de forma a servir os seus interesses pessoais e os da organização..., primeiramente expuseram e revelaram publicamente a sua história de vida passada e presente.

T. O autor e a sua família ... assumem e exercem no presente um papel na estrutura ..., sendo o seu pai ... um dos mais influentes... e ...da instituição ...

U. O próprio A. utiliza e beneficia da revelação da sua imagem e vida privada, promovendo a sua difusão nas redes sociais para realizar os seus interesses e capitalizar a atenção para a instituição para a qual também trabalha – ...

V. O A. nas suas contas em redes sociais, como o facebook e instagram, divulga as suas atividades ao serviço da.

3. Direito aplicável

1. A questão de direito que cabe nos arts. 674º, 1, a), e 682º, 1, do CPC, solicitada em revista, é aferir se a equidade usada pelo tribunal recorrido, de acordo com a faculdade proporcionada pelo art. 496º, 1 e 4, do CCiv., em sede de dano não patrimonial decorrente da responsabilidade civil extra-contratual (art. 4º, a), CCiv.) – enquanto elemento essencial e insubstituível de avaliação deste tipo de dano –, desembocou num resultado decisório que se encontra, numa perspectiva actualista, dentro dos padrões que têm sido admitidos pelo STJ em situações tipologicamente análogas ou equiparáveis – isto é, aquelas em que se verificam condenações pelas violações de direitos de personalidade em conflito com a liberdade de expressão e informação e a liberdade de imprensa –, tendo em vista a “interpretação e aplicação uniformes do direito” imposta pelo art. 8º, 3, do CCiv. (e sem se estar vinculado nesta instância a um novo processo decisório em ordem à determinação do valor indemnizatório-compensatório a arbitrar).

Em síntese, retirada do Ac. do STJ de 9/7/20201, o juízo de equidade levada a cabo pelas instâncias é sindicável pelo STJ em termos muito limitados, ainda como matéria de direito, incidindo neste contexto sobre o controlo dos pressupostos normativos da fixação equitativa da indemnização, relativa a danos com relevância legalmente admitida, e da conformidade da avaliação e ponderação do montante quantitativo dos danos com os critérios e limites legais e/ou jurisprudenciais que para tal deveriam ser considerados na fixação desse montante (em especial, sindica-se a igualdade e a proporcionalidade perante a gravidade do dano na fixação da indemnização, recorrendo ao que é decidido, especialmente pelo STJ, em casos análogos, em face da individualidade casuística do caso concreto: aqui também o Ac. do STJ de 15/3/20222)3.

O objecto da revista é, por isso, averiguar se o juízo equitativo, sendo legítimo por habilitado na lei, se encontra alinhado com os princípios da igualdade e da razoabilidade e, nessa linha, conduziu a uma decisão equilibrada, sem arbitrariedade, de acordo com a aplicação dos critérios jurisprudenciais generalizadamente adoptados na margem de discricionariedade consentida ao julgador.

Ora.

2. Com efeito, uma vez considerados como preenchidos os requisitos constitutivos da responsabilidade pela violação dos direitos de personalidade da titularidade do Autor demandante – não é questão recursiva e constitui caso julgado material no processo –, o acórdão recorrido “desceu” tal montante de 60.000 para 30.000 euros, usando a seguinte fundamentação:

i. Sobre o requisito dano

“Os danos de natureza não patrimonial caracterizam-se pelo facto de não serem suscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, pelo que apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma verdadeira indemnização (Antunes Varela - Ob. cit. - Vol. I, págs. 602 e ss.).

Ora, ficou provado que decorre da reportagem em causa nos autos que o A. foi uma criança que foi ..., roubada à sua família ... e teve uma infância difícil (cfr. facto provado 80). Sendo que, o A. tinha feito um trajeto de vida em que tinha tentado esquecer os maus tratos e situações de violência que tinha vivido em criança, tendo sido obrigado, com a visualização da reportagem, a reviver todos esses episódios traumáticos da sua infância (cfr. facto provado 81). Acresce que, terceiros também viram essa reportagem e confrontaram o A., forçando-o a dar explicações a desconhecidos, através do Facebook (cfr. factos provados 82 e 83), tendo-se sentido exposto em pormenores da sua vida privada, que não correspondem à memória que tem dos factos (cfr. facto provado 84), ficando chocado e consternado perante o conteúdo da reportagem, sentindo-se violentado na sua intimidade e na sua vida privada e com grande desgosto, frustração e impotência (cfr. factos provados 85 e 86), para além de triste e com um sentimento de injustiça pelas referências feitas na reportagem aos seus pais ... e à ideia transmitida de que o teriam roubado, quando os via como alguém que o ..., lhe deram ..., amor e carinho (cfr. factos provados 87).

Também sentiu forte perturbação com as referências ao paradeiro da sua mãe ... (cfr. facto provado 88), tendo ficado irritado e perturbado com a transmissão da reportagem (cfr. facto provado 90), vendo-se obrigado a dar explicações à sua mulher acerca da sua vida e do processo ..., pois esta apenas sabia que o A. tinha sido ..., desconhecendo os detalhes da sua infância com a família ... (cfr. facto provado em 91).

Este conjunto de danos de natureza não patrimonial, pela sua gravidade e persistência no tempo, merecem evidentemente tutela do direito, devendo aos mesmos corresponder uma indemnização (Art. 496º n.º 1 do C.C.).

Como já referido, estes danos, pela sua própria natureza, não têm o valor económico certo, mas ainda assim a lei obriga a que se fixe um montante indemnizatório com recurso a critérios de equidade (Art. 496º n.º 3 do C.C.).

Nomeadamente, deverá ter-se em atenção a culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado, e as demais circunstâncias que no caso se justifiquem considerar (Art. 494º “ex vi” Art. 496º n.º 3, ambos do C.C.).”

ii. Sobre o “quantum” indemnizatório

A sentença recorrida veio a condenar os 1.º a 4.º R.R. no pagamento duma indemnização de €60.000,00.

Nem o A., nem os R.R., por razões diametralmente opostas, concordam com o valor assim fixado. O primeiro, por sustentar que o valor da indemnização deveria corresponder ao pedido de €350.000,00. Os segundos, por entenderem que a indemnização é excessiva.

Como já vimos, concluímos que estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos culposos, tal como os mesmos vêm definidos no Art. 483º n.º 1 do C.C., restando considerar o “quantum” indemnizatório devido solidariamente pelos R.R. ao A., em função dos danos dados por provados.

A dificuldade da fixação do “quantum” indemnizatório nasce desde logo da natureza dos bens jurídicos que foram lesados, pois, por princípio, os mesmos não têm valor económico.

Por outro lado, há que ter em atenção que o A. não era a pessoa diretamente visada pelas reportagens, embora aparecendo referido em pelo menos... dos ...transmitidos na televisão (cfr. factos provados 22 a 32 e 35 a 43).

Acresce que também sabemos que existem outras pessoas que intentaram contra os mesmos R.R. ações semelhantes à presente, com o intuito de serem indemnizadas pelos danos que elas concretamente possam ter sofrido. O que nos deve levar a restringir, como sempre deveria ser feito, a fixação da indemnização à concreta situação do A., evitando qualquer extrapolação do seu caso.

Ainda neste contexto, tem-se colocado a questão de saber se a indemnização deve consistir apenas e só na reparação do dano, ou se deve também cumprir uma função sancionatória relativamente ao comportamento do lesante. A nossa posição sobre esta matéria é que a indemnização não é uma “pena de talião” e não tem um carácter retributivo da culpa, salvo na situação excecional estabelecida no Art. 494.º do C.C. e para efeitos de ser ponderada uma redução do valor da indemnização, em função do menor grau da culpa, no caso de haver mera negligência. A inversa, ou seja, que a indemnização possa ser agravada em função da maior culpa do agente, não tem cobertura na letra da lei. Portanto, a indemnização visa essencialmente a reparação do dano em si mesmo considerado e não qualquer penalização aplicada ao agente.

Também se tem sustentado que, na fixação do “quantum” indemnizatório, não deverá ser permitido que o lesante tire benefícios do seu comportamento superiores aos da lesão que infligiu. As nossas reservas a este entendimento são semelhantes às atrás expostas, sendo que, neste caso concreto, há que ponderar, em contraponto, que o A. não era diretamente visado pelas reportagens, assumindo um papel perfeitamente secundário na história transmitida nas reportagens, sendo identificado como um mero exemplo, entre outros, das alegadas “...”, ainda que documentado com imagens e suportado em entrevistas.

Acresce que sempre haveria de ser relevado que o A. vive no Brasil e as reportagens foram passadas, e tiveram repercussão principal, em Portugal. Ora, ficou patente que o A. perdeu as suas ligações a este país a partir do momento em que foi ... em criança, não tendo praticamente qualquer vínculo efetivo ou vivência corrente e regular em terras lusas. O A., em Portugal, continua fundamentalmente a ser uma pessoa anónima. Nessa medida, a repercussão pessoal da revelação do facto de que o A. foi adotado acaba por objetivamente ter menor relevância para si, no que se refere à circunstância de milhares, ou eventualmente milhões, de espectadores da TVI ou TVI24, terem visto os episódios em causa (cfr. factos provados 93 a 113). Neste particular, existe apenas uma perceção subjetiva do A. relativamente à repercussão da revelação desses factos, que é relevante, mas não é objetivamente tão significativa.

Mais relevantes foram certamente as repercussões diretas sentidas pelo A. no Brasil e, muito em particular, no seio da sua família. Aí se incluem as explicações que teve de prestar a estranhos, através do Facebook (em pelo menos duas ocasiões, como decorre da prova gravada), por ter sido ... no contexto revelado pelas reportagens (cfr. factos provados 82 e 83), e as justificações que teve de dar à sua esposa acerca da sua vida e do processo ..., pois sendo certo que aquela sabia que o A. era filho ..., desconhecia os detalhes da sua infância com a família ... (cfr. facto provado 91).

Também não podemos deixar de relevar que o A. sabia perfeitamente que havia sido .... Conhecimento esse que era partilhado pelo núcleo central mais próximo da sua família, incluindo-se aí a sua esposa. Não havia era necessidade de divulgação genérica e pública desse facto relativamente a pessoas que o A. pretendia reservar esse aspeto da sua vida privada. Tal como não havia qualquer necessidade de ver a sua identidade revelada no quadro dum processo para o qual em nada contribuiu, com todas as consequências que se mostram provadas (v.g. factos provados nos pontos 80 a 91).

Debruçando-nos especificamente sobre os fundamentos expedidos pelo A. Recorrente, diremos que, com o devido respeito, no contexto concreto da situação retratada nesta ação, pretender sobrevalorizar as audiências gerais da TVI e da TVI24, ou as audiências (prováveis) no dia da transmissão desses concretos episódios, bem como os lucros ou proventos económicos da 4.ª R. realizados através da sua atividade televisiva em geral, quando em causa está uma reportagem difundida em escassos minutos, ainda que em prime time, mas em que a imagem do A. aparece ainda em menor tempo, para daí concluir que €350.000,00 seria a indemnização adequada, seja sob que ponto de vista se tome, afigura-se-nos completamente desproporcionado.

Desde logo, cumpre realçar que o padrão indemnizatório fixado pelo Supremo Tribunal de Justiça em matéria de liberdade de imprensa tem sido bem diverso.

Veja-se que, no acórdão de 26/2/2004 (Revista n.º 3898/03 – 7.ª Secção – Relator Araújo Barros – disponível, como todos os restantes agora citados, nos cadernos temáticos do STJ sobre “A liberdade de expressão e informação e os direitos de personalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça”), num caso em que o jornalista narrava certo facto, ou fazia afirmação ou insinuação, sabendo que dessa forma atingia a honra ou o bom nome de outrem, julgou-se justificada uma indemnização de €24.939,99, para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo autor.

No acórdão de 27/5/2004 (Revista n.º 1530/04 - 1.ª Secção – Relator: Faria Antunes) no caso duma entrevista e publicações com quebra do equilíbrio que deve existir entre o direito ao bom nome e à reputação, parte integrante da dignidade humana, e os direitos da liberdade de informação e de expressão, julgou-se adequado fixar uma indemnização de €15.000,00, confirmando a decisão do Tribunal da Relação.

No acórdão de 15/2/2005 (Revista n.º 3875/04 - 1.ª Secção – Relator: Faria Antunes), num caso em que se julgou que o lesado foi vilipendiado, amesquinhado, apoucado, no seu valor aos olhos da sociedade, com invocação de factos falsos, fixou-se a indemnização em €7.500,00.

No acórdão de 24/5/2005 (Revista n.º 1410/05 - 6.ª Secção – Relator: Salreta Pereira), num caso em que foram divulgadas no jornal fotografias da Escola onde ocorreram os factos noticiados e em que o A. foi tratado como pedófilo, imputando-lhe a tentativa de violar uma menina de 8 anos, manteve-se o montante indemnizatório fixado pela Relação de €24.940,00.

No acórdão de 27/11/2007 (Revista n.º 3341/07 - 6.ª Secção – Relator: Silva Salazar), num caso de violação dos direitos à integridade moral, ao bom nome e reputação, à imagem, à dignidade pessoal e à não utilização abusiva ou contrária à dignidade humana de informações relativas às pessoas visadas, com utilização de imagens da autora em associação com filmes de conteúdo pornográfico, foi julgada adequada uma indemnização de €20.000,00.

No acórdão de 7/2/2008 (Revista n.º 4403/07 - 2.ª Secção – Relator: João Bernardo), num caso de divulgação de irregularidade na gestão de associação com fins humanitários e apresentação de fotografia da diretora da instituição com imputação de que teria uma vida luxuosa, entendeu-se adequada uma indemnização de €12.500,00.

No acórdão de 10/7/2008 (Revista n.º 1824/08 - 1.ª Secção – Relator: Mário Cruz), num caso em que foram divulgados atos desonrosos e criminosos imputados a determinada pessoa, cujo nome e profissão foi divulgado, sendo assim facilmente identificada por quem a conhece, considerou-se ajustada a indemnização de €25.000,00.

Num acórdão de 9/12/2008 (Revista n.º 2613/08 - 6.ª Secção – Relator: Cardoso de Albuquerque), num caso de atentado ao bom nome e reputação profissional através de “mass media”, julgou-se adequado fixar a indemnização dos danos em causa no montante de €20.000,00.

Num acórdão de 29-04-2010 (Revista n.º 5583/04.3TBOER.S1 - 2.ª Secção – Relator: Oliveira Rocha), num caso abuso de liberdade de imprensa contra os direitos de personalidade, em que foram transmitidas notícias sem previamente ouvir o visado e sem correspondência com a realidade, que se transformaram em tema de conversa em todo o País, criando em muitas pessoas um clima de desconfiança relativamente ao visado, reputou-se de justa e equitativa a quantia de €40.000,00.

Num acórdão de 19/1/2012 (Revista n.º 414/07.5TVLSB.L1.S1 - 7.ª Secção – Relator: Sérgio Poças), num caso de imputação de plágio, ainda que sob a forma de suspeita, ofendendo a honra, bom-nome e reputação do autor, em jornal semanal de grande tiragem, julgou-se adequada a condenação pelos danos não patrimoniais sofridos em €65.000,00.

Num acórdão de 18/12/2012 (Revista n.º 352/07.1TBALQ.L1.S1 - 2.ª Secção – Relator: Pereira da Silva), referente à publicação duma carta enviada pelo autor ao diretor do jornal onde se reporta a caluniosos boatos que circulam e adverte da sua intenção de responsabilizar judicialmente quem ajudou a difundir a notícia, afigurou-se adequado o montante indemnizatório de €22.500,00 a título de danos não patrimoniais.

No acórdão de 2/12/2013 (Revista n.º 1667/08.7TBCBR.L1.S1 - 1.ª Secção – Relator: Paulo Sá), numa situação de exibição na televisão de um suicídio por imolação pelo fogo, com exibição de imagem de arquivo que afastava a ideia nos espectadores, e em particular nos familiares próximos, de que o visionado era o A., atribuiu-se a cada uma das vítimas, a título de danos não patrimoniais, a indemnização de €10.000,00 a cada uma, no montante global de €20.000,00.

No acórdão de 1/4/2014 (Revista n.º 218/11.0TBPDL.L1.S1 - 1.ª Secção – Relator: Martins de Sousa), num caso de políticos ou figuras públicas com proeminência no governo, em que se admitiu que havia de ser mais permissivo e tolerante o tom mais elevado e intenso das críticas de que são objeto pela imprensa, julgou-se justificada a atribuição de uma compensação de €10.000,00, admitindo-se a função sancionatória da indemnização.

Mais recentemente, foram ainda publicados na “dgsi”, sobre o mesmo tema, os seguintes acórdãos:

- O Ac. do STJ de 26/10/2016 (Proc. n.º 953/09.3TASTR.E2.S1 – Relator: Pires Graça), em que foi lesada a honra profissional de magistrada judicial, estabelecendo-se uma indemnização de €15.000,00 por esses danos não patrimoniais.

- O Ac. do STJ de 2/12/2020 (Proc. n.º 24555/17.1T8LSB.L1.S1 – Relatora: Fátima Gomes) numa situação de divulgação de notícias falsas, que os R.R. não poderiam ignorar, denegrindo a honra e o bom nome do autor, no domínio da sua vida privada, determinou uma indemnização de €25.000,00.

- O Ac. do STJ de 24/5/2022 (Proc. n.º 14570/16.8T8LSB.L1.S1 – Relatora: Maria Olinda Garcia), reportando-se a um caso de gravação não autorizada de imagens e áudio de interrogatório de arguido, depois transmitido na televisão, julgou que não era excessiva a indemnização de €35.000,00 por danos morais causados ao A. e, bem assim, da indemnização de €10.000,00 com a publicação de notícias falsas de que o autor teria sido detido. [Sublinhado nosso.]

Em suma, sendo certo que a maior parte dos danos não patrimoniais, emergentes de ilícitos de abuso de liberdade de imprensa, aqui mencionados na jurisprudência citada, se referem essencialmente a direitos de personalidade mais ligados aos direitos à honra e bom nome e, sendo também claro, que cada uma das decisões reflete as realidades particulares de cada processo e dos casos concretos aí apreciados, fica evidenciado que a bitola do Supremo Tribunal de Justiça não se adequa à fixação duma indemnização no valor de €60.000,00, tal como decidida pelo tribunal recorrido, com a única exceção do acórdão de 19/1/2012 (Revista n.º 414/07.5TVLSB.L1.S1 - 7.ª Secção – Relator: Sérgio Poças), que aparece meio desfasado neste contexto.

Entendemos, portanto, que a reparação pelo dano causado pela divulgação não autorizada da imagem do A. e pela revelação não consentida da sua identidade como uma das crianças adotadas, com as repercussões provadas nos termos dos pontos 80 a 91 dos factos provados, justifica a condenação das R.R. no pagamento duma indemnização por danos não patrimoniais no valor equitativo de €30.000,00.”

1. Analisando agora no âmbito dos poderes cognitivos da revista.

3.3.1. Não há dúvida do pressuposto normativo de uso da equidade, a título principal, para a fixação da indemnização a título compensatório por danos não patrimoniais, uma vez assente a relevância destes por merecerem tutela jurídica: art. 496º, 1 e 4, CCiv.

3.3.2. O acórdão recorrido usou de critérios de aferição atinentes, no essencial, às «circunstâncias do caso» nas quais, dialogando com a matéria de facto, encontrou justificação para ponderação, tal como indicado no art. 494º, 1, por remissão expressa do art. 496º, 4, do CCiv. (v. o Ac. do STJ de 7/7/20214, referindo-se: “não equivalendo a equidade a arbitrariedade, a fixação de indemnização com recurso a esse juízo não pode surgir como expressão de sensibilidades ou intuições meramente subjectivas do julgador, tendo antes de se alicerçar em factualidade donde se possa, com base em padrões sedimentados na experiência comum, chegar a um valor racional”).

Em especial, não deixa de ponderar as circunstâncias de divulgação da reportagem televisiva, com equilíbrio e objectividade, no que respeita ao seu impacto e proliferação de conhecimento na comunidade, tendo em conta que a situação tipológica assenta na projecção do ilícito através de meio de comunicação social televisivo e sua dimensão social (tendo por base as suas audiências e proveitos).

Na verdade, não pode deixar de se atentar, como se fez no Ac. do STJ de 24/5/20225, “[d]iferentemente dos casos nos quais a ofensa do bom nome se projeta num circulo limitado de pessoas, tornando mais fácil a reabilitação desse valor (por acesso a informação em sentido contrário), nos casos em que tal tipo de ofensa é perpetrado através de um meio de comunicação social, e sobretudo de um órgão de comunicação que é líder de audiências (…), a reabilitação integral torna-se praticamente impossível, dado o número indeterminado de sujeitos que recebem a informação lesiva do bom nome do visado”.

Mas o acórdão recorrido discorre e fundamenta quando, vendo os factos provados, entende que “pretender sobrevalorizar as audiências gerais da TVI e da TVI24, ou as audiências (prováveis) no dia da transmissão desses concretos episódios, bem como os lucros ou proventos económicos da 4.ª R. realizados através da sua atividade televisiva em geral, quando em causa está uma reportagem difundida em escassos minutos, ainda que em prime time, mas em que a imagem do A. aparece ainda em menor tempo”, seria um juízo desadequado para chegar a uma indemnização superior por se afigurar desproporcionada.

3.3.3. O Autor Recorrente considera, porém, que o montante indemnizatório peca por defeito, ainda para mais tendo havido redução do que originariamente tinha sido arbitrado em 1.ª instância, atacando a decisão recorrida por via da bitola usada para chegar à decisão sobre o montante compensatório.

Neste particular, o acórdão recorrido faz um exercício assaz completo das decisões do STJ que contribuíram para um juízo sobre o “quantum” de compensação pelos danos patrimoniais, mobilizando, assim, padrões relativos à ilicitude que se considera ser de indemnizar no caso concreto: “a reparação pelo dano causado pela divulgação não autorizada da imagem do A. e pela revelação não consentida da sua identidade como uma das crianças ..., com as repercussões provadas nos termos dos pontos 80 a 91 dos factos provados”6.

Por isso, há acerto nessa mobilização, uma vez que é nesse contexto, nomeadamente de casos de informação e de divulgação através de meios de comunicação social, que devemos averiguar da bitola usada pelo acórdão recorrido e aferir da bondade do cumprimento dos limites para a fixação em concreto.

Aos indicados neste acórdão, juntem-se ainda:

- o Ac. do STJ de 23/10/20127: indemnização de € 50.000; “Para qualquer pessoa dotada de um padrão médio de razoabilidade e bom senso, apresenta-se como óbvio que a não fundada imputação, pública e reiterada, através de um órgão de comunicação social (no caso, um relevante canal de televisão) a um cidadão (em concreto um cidadão com demonstrada e reconhecida intervenção a nível cívico, público e político) de envolvimento em actos de pedofilia e envolvimento sexual com menores, ainda que objecto de posterior rectificação, constitui, no seu conjunto, muito mais do que meros incómodos destituídos de relevância jurídica. / Tal imputação constitui uma grave lesão de aspectos essenciais dos direitos fundamentais de personalidade que atingem de forma marcante a honra e dignidade da pessoa e merecem a protecção do direito.” (Sumário, pontos II. e III.);

- o Ac. do STJ de 5/6/20188: indemnização de € 16.000; “(…) a conduta da ré, ao difundir televisivamente que o autor era frequentador de sites de pedofilia, e a actuação do réu, ao referir-se ao autor, em directo e perante as câmaras da televisão da ré, como «pedófilo britânico», são objectivamente idóneas para provocar os danos provados quer em abstracto, quer em concreto. A circunstância de o processo factual de que resultou o dano do autor só em parte ser imputável aos réus, visto outros órgãos de comunicação social terem difundido notícias de teor idêntico não os exime da sua responsabilidade, ao contrário do que os réus sustentam, apenas relevando para efeito de quantificação da indemnização.”;

- o Ac. do STJ de 10/4/20249: € 10.000; “Para qualquer pessoa dotada de um padrão médio de sensibilidade, de um padrão médio de razoabilidade e bom senso, se apresenta como óbvio que a (ainda por cima não fundada) imputação, pública e reiterada, através de um órgão de comunicação social (no caso, um relevante canal de televisão) a um cidadão, caso concreto a um cidadão com demonstrada e reconhecida intervenção a nível cívico, público e politico, de envolvimento em atos de pedofilia e envolvimento sexual com menores, ainda que objeto de posterior retificação, constitui, no seu conjunto, muito mais do que meros incómodos destituídos de relevância jurídica, antes constituindo aquilo que são graves lesões de aspetos essenciais dos direitos fundamentais de personalidade atingidos, lesões que pela sua gravidade, pela forma como atingem elementos essenciais da personalidade de uma pessoa, que atingem de forma marcante a sua honra e a sua dignidade merecem a proteção do direito. As notícias divulgadas pela estação de televisão de que a sociedade ré, é proprietária, recolhidas, por jornalistas ao seu serviço, assumem uma indiscutível natureza antijurídica decorrente da circunstância de, com elas e na perspetiva de qualquer cidadão médio, se ter atentado de forma grave contra a dignidade e integridade do autor. Tais notícias constituíram, naturalmente e sem dúvida, atos que prejudicaram de forma intensa e relevante o seu direito ao bom nome, violando de uma forma grave, reiterada e insistente o disposto no art. 484º, que, sublinhe-se mais não é do que um especial caso da anti-juridicidade definida no art. 483º.”;

- o Ac. do STJ de 12/11/202410: € 12.500; publicação em revista de imagens em que, relativamente a figura pública, “o autor surge com a cara inchada e ligada, constando do interior da revista seis fotografias, tiradas à distância sem o seu conhecimento nem consentimento”, após intervenção cirúrgica; “Não se deteta nesta reportagem qualquer intuito - principal ou sequer lateral - de contribuir para um debate de interesse geral para a sociedade, antes se vislumbra, independentemente da base factual da mesma, um estrito propósito de devassa da vida privada do autor, que se mostra associado à sugestão capciosa de se ter envolvido em algum confronto físico com a utilização do adjetivo “DESFIGURADO”, em letras maiúsculas. Com efeito, o conteúdo da capa desta revista é suscetível de criar no leitor médio deste género de publicações, a convicção de que a causa da desfiguração do autor poderá estar relacionada com o seu passado de consumo excessivo de álcool, sendo que a revista optou, certamente por critérios que nada têm a ver com a verdade jornalística, por não efetuar qualquer esclarecimento a este respeito na própria capa, reservando para o conteúdo do artigo a precisão de que o autor havia sido operado ao nariz. (…) Porém, acompanharam tal divulgação, não obstante a oposição expressa do autor, da publicação de fotografias em que o mesmo é retratado com uma tala no nariz e hematomas na cara.”.

Neste contexto de casos susceptíveis de comparação, não obstante se verificar uma tendência (ainda não consolidada) para se aproximarem as decisões neste grupos de casos de valores mais reduzidos para a compensação dos danos não patrimoniais, julgamos que o valor atribuído pela Relação com recurso à equidade se encontra dentro da moldura de compensações atribuídas ao longo dos anos, atentos os critérios de mobilização da equidade, e, estando de todo arredado qualquer juízo arbitário, não deve ser censurado pela sua insuficiência e exiguidade, mantendo-se o decidido.

Razão pela qual falece a pretensão dos Recorrentes e se adere ao acórdão recorrido, nos termos do art. 663º, 5, ex vi art. 679º, do CPC

III) DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista interposta pelo Autor, confirmando-se o acórdão recorrido no segmento impugnado.

Custas pelo Recorrente (art. 527º, 1 e 2, CPC).

STJ/Lisboa, 14 de Janeiro de 2025

Ricardo Costa (Relator)

Luís Correia de Mendonça

Maria do Rosário Gonçalves

SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC)

_____________________________________________




1. Processo n.º 3015/06, Rel. GRAÇA AMARAL, in www.dgsi.pt.↩︎

2. Processo n.º 2957/12, Rel. GRAÇA AMARAL, sendo 2.º adjunto o aqui Relator, in www.dgsi.pt.↩︎

3. V. ABRANTES GERALDES, “Artigo 674º”, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, nt. 585 – págs. 401-402.↩︎

4. Processo n.º 323/17, Rel. GRAÇA AMARAL, sendo 2.º Adjunto o aqui Relator, in www.dgsi.pt.↩︎

5. Processo n.º 14570/16, Rel. MARIA OLINDA GARCIA (sendo 1.º Adjunto o aqui Relator), in www.dgsi.pt; citado no acórdão recorrrido.↩︎

6. Nesta sede, concluiu antes o acórdão recorrido:

“(…) no caso concreto as peças jornalísticas em causa, apesar de terem interesse público e de relatarem factos tidos por verdadeiros (pelo menos, tendo em atenção as fontes ao tempo verificadas), objetivamente violaram a reserva da intimidade da vida privada do A. ao divulgarem aspetos da sua vida pessoal identitária mais íntima, que até estava sujeita a segredo legal (cfr. Art. 4.º n.º 1 do Regime Jurídico do Processo ...), estabelecido também no interesse da pessoa ..., expondo realidades ao público de que o A. tinha legítimo interesse que não fossem divulgados, porque compreendidos na sua esfera pessoal mais íntima. Isto assim é, mesmo sendo certo que o A. sabia que era ... e existia um núcleo familiar próximo que já sabia dessa realidade.

Mais, a revelação desses factos e da sua imagem, seja por fotografias ainda em criança, seja por fotografias já em adulto, não serviram qualquer propósito informativo atendível, no contexto das reportagens, ponderando que o A. não consentiu, nem na revelação do seu nome, nem na difusão da sua imagem.

Diremos que a questão da ilicitude da conduta das 1.ª e 2.ª R.R. não está na revelação dos indícios sobre a existência de ..., ou na identificação das pessoas que possam ter realizado esses procedimentos. O problema da ilicitude está na revelação inútil da identidade das crianças ..., nomeadamente do A., que é identificado pelo nome e pela divulgação, não autorizada, de retratos seus, seja em criança, seja já em adulto, sem que tal sirva um propósito informativo útil, para mais quando esses factos estão a coberto por norma legal que consagra o secretismo do processo ....”;

“Em suma, entendemos que foram violados os normativos previstos no Art. 79.º n.º 1 e 80.º n.º 1 do C.C., onde se estabelece a tutela específica dos direitos de personalidade relativos à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada do A., todos eles com igual tutela, quer nos termos da Constituição, quer da Declaração Europeia dos Direitos Humanos.

Esse comportamento deve julgar-se como ilícito, porque apesar de ter sido realizado no contexto do exercício da liberdade de informação e de imprensa, com um propósito de informação do público sobre determinadas situações relacionadas com a legalidade de processos ... em que intervieram ..., excedeu manifestamente o fim social para o qual a Lei e a Constituição a estabeleceu quando expõe inutilmente a identidade e imagem do A..

Por um lado, tornou-se evidente que a finalidade informativa e de esclarecimento do público poderia perfeitamente ter sido alcançada com a anonimização do A., através da ocultação da sua imagem e do seu nome, tal como sucedeu com a imagem e nome da sua mãe .... No final, a inobservância desse elementar dever de cuidado relativamente ao A. traduziu-se num tratamento diferenciado, incompreensível e desajustado.

Por outro, o desrespeito dos direitos de personalidade, relativos à imagem e à intimidade da vida privada, traduziu-se, no caso concreto, na imposição ao A. de um dano excessivo e completamente inútil, já que, a serem verdadeiros todos os factos relatados nas reportagens – conclusão que, como vimos, já pode ser posta em causa –, não poderemos deixar de ter em consideração que também o A. é uma vítima inocente de todo estes eventos, vendo-se agora duplamente penalizado, seja (eventualmente) pelos atos alegadamente realizados pela ..., tal como noticiados (caso sejam verdadeiros), seja (certamente) pela exposição pública do seu caso particular (independentemente de serem ou não verdadeiros os factos noticiados), por uma divulgação despropositada e não consentida da sua identidade e imagem.”↩︎

7. Processo n.º 2398/06, Rel. MÁRIO MENDES, in www.dgsi.pt.↩︎

8. Processo n.º 517/09, Rel. FERNANDA ISABEL PEREIRA, in www.dgsi.pt.↩︎

9. Processo n.º 2398/06, Rel. NÉLSON BORGES CARNEIRO, in www.dgsi.pt.↩︎

10. Processo n.º 3363/22, Rel. NÉLSON BORGES CARNEIRO, in www.dgsi.pt.↩︎