I. A perda do único cliente é um motivo de mercado do qual resulta a cessação dos contratos de trabalho dos trabalhadores afetos nessa empresa a essa atividade.
II. No nosso ordenamento o grupo de empresas não é o empregador.
III. Não é por se tratar de um despedimento coletivo que está automaticamente preenchida a alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, mormente quando a decisão recorrida não suscita qualquer alarme social e não põe em causa a tranquilidade, a segurança ou paz social, em termos de haver a possibilidade de descredibilizar as instituições ou a aplicação do direito.
Acordam na Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do Código de Processo Civil junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,
AA e BB intentaram separadamente ações de impugnação de despedimento coletivo contra FENACAM – Federação Nacional das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo e Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo.
Foi determinada a apensação das ações por despacho de 03.05.2018.
As Rés contestaram ambas as ações, tendo a Ré Caixa Central arguido a exceção de ilegitimidade.
Foi tentada a conciliação das partes.
Foram nomeados 3 assessores técnicos e elaborado o relatório a que alude o artigo 158.º do Código do Processo de Trabalho.
Por requerimento de 19.05.2020, os Autores requereram a ampliação do pedido e a condenação dos réus em litigância de má-fé. A ampliação do pedido não foi admitida, tendo sido admitido o incidente de litigância de má-fé (despacho proferido na sessão da audiência prévia de 03.06.2023).
Na audiência prévia de 03.06.2022 (cfr. acta), foi proferido despacho saneador, no qual:
- se considerou improcedente a exceção de ilegitimidade invocada pela Ré Caixa Central;
- se decidiu parcialmente de mérito nos seguintes termos:
“(…) não ter ocorrido, materialmente, qualquer falta de informação ou de promoção de negociação, geradora de ilicitude do despedimento nos termos do art.º 383º, al. a), do Código do Trabalho” e “(…) Deste modo, o tribunal conclui que, do ponto de vista formal, o comando normativo previsto no art.º 363º, n.º 5, do Código do Trabalho foi observado e que, por isso, inexiste ilicitude do despedimento com tal fundamento (art.º 383º, al. c), a contrario).
Assim sendo, conclui-se que o processo de despedimento coletivo não padece do vício de nulidade que os autores lhe atribuem, nem, consequentemente, o despedimento é ilícito por violação do art.º 383º, al. c) do Código do Trabalho.
Nestes termos, julga-se improcedente o invocado fundamento de ilicitude do despedimento.
Os Autores interpuseram recurso de apelação em separado do segmento decisório relativo ao cumprimento das formalidades do despedimento (apenso C). O Tribunal da Relação, por Acórdão de 15.03.2023, manteve a decisão recorrida.
Foram realizadas ainda várias sessões da audiência prévia.
Realizou-se audiência final.
Por Sentença de 22.10.2023, a ação foi considerada totalmente improcedente.
Os Autores interpuseram recurso de apelação.
O recurso de apelação foi considerado improcedente por Acórdão de 05.06.2024.
Ainda inconformados os Autores vieram interpor recurso de revista excecional, com fundamento nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do C.P.C..
Neste Supremo Tribunal a Exma. Conselheira Relatora pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade do recurso na parte em que se pretendia discutir a omissão de referência dos critérios de seleção dos trabalhadores a abranger pelo despedimento coletivo, sublinhando que “nesta parte, os Autores pretendem afinal recorrer, mais uma vez, sob as vestes de revista excecional do despacho saneador. Sucede que o despacho saneador foi confirmado por Acórdão do Tribunal da Relação proferido no apenso C, sendo que, caso os Autores pretendessem interpor recurso de revista excecional, teriam de ter recorrido oportunamente no âmbito daquele apenso. Não o tendo feito, aquele Acórdão transitou, verificando-se, assim, caso julgado. Com base no exposto, afigura-se-nos que nesta parte não poderá ser admitido o recurso de revista excecional por incidir, não sobre o Acórdão de 05.06.2024, mas sim sobre o despacho saneador já confirmado por Acórdão igualmente transitado - existindo caso julgado”.
Assim, cabe a esta Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do Código do Processo Civil pronunciar-se apenas sobre a admissibilidade da revista excecional na parte remanescente.
Os Recorrentes invocaram, designadamente, a contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo nº 7031/16.7T8FNC.L1.S1, a 11-12-2019. Tratou-se, neste Acórdão de apreciar a congruência ou coerência da motivação com o despedimento coletivo que o empregador levou a cabo. Mais concretamente tratou-se de apreciar a motivação para a escolha de uma entre quatro lojas que o empregador pretendeu encerrar na .... Como se pode ler no Acórdão fundamento, “operando a empregadora num concreto mercado através de várias lojas comerciais, a mera redução de custos inerentes ao funcionamento de uma concreta loja, potenciada pelo encerramento da mesma, motivada na redução do volume de vendas dessa loja em dois anos sucessivos, não pode ser entendido como motivo proporcionalmente adequado ao encerramento da mesma loja e ao despedimento coletivo
dos respetivos trabalhadores, quando não se tenha demonstrado sequer a existência de prejuízos decorrentes do funcionamento dessa loja, na operação global no mercado onde a mesma se situa”. Em suma, decidiu-se que o empregador não tinha justificado de maneira suficiente a escolha daquela concreta loja que afirmou ser selecionada por ser a menos competitiva, sem que, em rigor, o tivesse justificado. Como se afirma no Acórdão, “uma mera redução de custos derivados da operação de uma concreta loja, não quantificada, motivada na redução do volume de vendas dessa loja, em dois anos, não pode ser entendida como motivo proporcionalmente adequado ao encerramento dessa loja e aos custos sociais do mesmo derivados, não se tendo demonstrado sequer a dimensão dos prejuízos, a existirem, da operação global nesse mercado derivados do funcionamento dessa loja”. A situação não tem qualquer paralelo no caso vertente: como decorre da fundamentação do despedimento coletivo (ver factos 16 e 17), “[a] partir de dia 2 de Janeiro de 2017 a FENACAM deixou de prestar quaisquer serviços de auditoria, por não lhe restar um único cliente”. Trata-se de um motivo de mercado do qual resulta, sem necessidade de examinar mais atentamente a sua coerência, a cessação dos contratos de trabalho dos trabalhadores afetos nessa empresa a essa função. Não há, por conseguinte, qualquer contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento.
Os Recorrentes invocam, depois, uma série de argumentos, ainda que sem identificar com total precisão quais as questões que este Tribunal deveria analisar quer por a sua apreciação pela sua relevância jurídica se revelar claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º), quer por estarem em causa interesses de particular relevância social (alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º).
Assim, afirmam que “os motivos de mercado invocados pela FENACAM não se verificam e não se justificam para a fundamentação de um despedimento coletivo, porque não existia mercado – pois não se aplicam aqui as leis da oferta e da procura, o que motiva concorrência, e tal não existia - pois serviços prestados pela FENACAM, ora recorrida, estavam estatutariamente limitados ao Grupo Crédito Agrícola”, que “num ordenamento jurídico em que cada vez mais existem multiplicidade de empresas, é ou não relevante considerar-se a situação económica do Grupo como um todo nas situações de despedimento coletivo?”, que terá havido violação do princípio da igualdade quer na possibilidade de acesso à pré-reforma, quer na possibilidade de integração em outras empresas do grupo, que se deveria considerar a possibilidade de recorrer á desconsideração da personalidade jurídica, bem como ao abuso do direito, invocando, finalmente, a inconstitucionalidade do despedimento coletivo.
Diga-se, desde já, que algumas destas questões – como o abuso de direito e a desconsideração da personalidade jurídica das pessoas coletivas – têm sido abundantemente tratadas pela nossa jurisprudência, não se vendo em que é que uma intervenção deste Tribunal neste contexto seria “claramente necessária”. Outras careceriam de relevância face aos factos dados como provados no presente processo: a perda do único cliente é um motivo estrutural ou de mercado seja qual for a natureza desse mercado e não se vislumbra uma violação do princípio da igualdade – assim, por exemplo, a possibilidade de uma empresa aceder a acordos de pré-reforma pode variar em função do tempo e da sua própria situação económica. E é pacífico que no nosso sistema legal o grupo de empresas não é o empregador. Também não é por se tratar de um despedimento coletivo que estará automaticamente preenchida a alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º. A decisão recorrida não suscita qualquer alarme social e não põe em causa “a tranquilidade, a segurança ou paz social, em termos de haver a possibilidade de descredibilizar as instituições ou a aplicação do direito” (nos termos invocados pelos Acórdãos citados por ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 3.ª ed., 2016, p. 143).
Decisão: Não se admite a presente revista excecional
Custas pelos Recorrentes
Lisboa, 15 de janeiro de 2025
Júlio Gomes (Relator)
José Eduardo Sapateiro
Mário Belo Morgado