CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS
PREVPAP
Sumário


I - Com o Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários (PREVPAP) não se criaram novos vínculos, nem se extinguiram os anteriores, tendo-se antes regularizado os pré-existentes, que assim se mantiveram embora sob outra qualificação, e salvaguardado o tempo de exercício na situação que deu origem à regularização em termos de desenvolvimento na carreira e posicionamento remuneratório.
II – Uma vez que a relação laboral existente entre as partes se traduziu em contratos de trabalho, que por terem sido celebrados pelo Réu contra regra imperativas são nulos, tendo a dita relação laboral perdurado e produzido efeitos como se fosse válida em relação ao tempo em que foi executada (art.º 122.º n.º 1 do Código do Trabalho) até se operar a regularização do vínculo mediante a celebração de contrato de trabalho em funções públicas, assiste direito aos Autores a receber os créditos vencidos durante a execução do contrato de trabalho, não se tendo estes extinguido por prescrição.

Texto Integral


Revista n.º 326/22.2T8SNS.E1.S1

MBM/JG/JES


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I.



1. AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ demandaram o Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP.

2. Na 1.ª Instância, a ação foi julgada improcedente.

3. Os AA. apelaram, tendo o Tribunal da Relação de Évora (TRE), concedendo provimento ao recurso, decidido:

a) Reconhecer a existência de uma relação laboral entre os AA. e o R., até 30.04.2020, inclusive;

b) Em consequência, condenar o R. a pagar a cada um dos AA. as peticionadas quantias, a título de férias remuneradas, subsídios de férias e de Natal e de subsídio de refeição.

4. O R. interpôs recurso de revista.

5. Os AA. não contra-alegaram.

6. O Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido do improvimento do recurso, em parecer a que as partes não responderam.

7. Em face das conclusões da alegação de recurso, e inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), as questões a decidir1 são as seguintes:

– Se os vínculos contratuais firmados entre os Autores e o Réu antes de 01.05.2020 [data em que os Autores passaram a integrar os quadros do Réu, na sequência de procedimento concursal aberto no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP) aprovado pela Lei n.º 112/2017 de 29 de dezembro] têm natureza laboral;

– Se os créditos laborais reclamados pelos Autores, relativos ao período contratual anterior a 01.05.2020, se encontram prescritos.

Decidindo.


II.


8. Com relevo para a decisão, foi fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto:

1. A 1.ª à autora foi contratada pelo réu, para o Centro de Emprego do ..., com o qual celebrou consecutivos contratos de aquisição de serviços de formação, por ação de formação, de 01.01.2015 até 2017.

2. A partir de 15.02.2017 até 30.04.2020, entre a 1.ª autora e o R. foram sucessivamente celebrados para o mesmo fim contratos anuais, precedidos de procedimentos de contratação.

3. A 2.ª autora foi contratada pelo réu, para o Centro de Emprego ..., em 01.05.2015 e em junho de 2016 até 04.10.2017 para o Centro de Emprego ..., tendo para o efeito celebrado com o R. consecutivos contratos anuais de aquisição de serviços de formação, precedidos de procedimentos de contratação.

4. A 2.ª autora, a partir de agosto de 2018 até agosto de 2019 foi contratada pelo réu, para o Centro de Emprego ..., com o qual celebrou consecutivos contratos de aquisição de serviços de formação, por ação de formação.

5. A 2.ª autora, entre outubro de 2017 e agosto de 2018 exerceu funções como professora contratada em docência de informática, ministrando cursos profissionais GPSI e Multimédia, no Agrupamento de Escolas da ..., do Ministério da Educação e de setembro de 2019 a abril de 2020 exerceu funções como professora contratada em docência de informática dos 1.º, 2.º e 3.º Ciclos, da disciplina de TIC, no Agrupamento de Escolas ..., do Ministério da Educação.

6. O 3.º autor foi contratado pelo réu, para o Centro de Emprego do ..., com o qual celebrou consecutivos contratos de aquisição de serviços de formação, por ação de formação, de 01.01.2015 até 2016.

7. A partir de 2016 até 31.03.2018, entre o 3.º autor e o R. foram sucessivamente celebrados para o mesmo fim, contratos anuais, precedidos de procedimentos de contratação e a partir de dezembro de 2019 até 30.04.2020 consecutivos contratos de aquisição de serviços de formação, por ação de formação.

8. O 4.º e 9.ª autores foram contratado pelo réu, para o Centro de Emprego ... entre 01.03.2013 e 30.04.2020, tendo para o efeito celebrado com o R. consecutivos contratos anuais de aquisição de serviços de formação, precedidos de procedimentos de contratação.

9. A 5.ª autora foi contratada pelo réu, para o Centro de Emprego ... entre 22.03.2013 e 30.04.2020, tendo para o efeito celebrado com o R. consecutivos contratos anuais de aquisição de serviços de formação, precedidos de procedimentos de contratação.

10. A 6.ª autora foi contratada pelo réu, para os Centros de Emprego ..., de ... e de .... entre pelo menos 01.01.2015 e 30.04.2020, com o qual celebrou consecutivos contratos de aquisição de serviços de formação, por ação de formação.

11. O 7.º autor foi contratado pelo réu, para o Centro de Emprego do ... entre 01.03.2013 e janeiro de 2019, tendo para o efeito celebrado com o R. consecutivos contratos anuais de aquisição de serviços de formação, precedidos de procedimentos de contratação.

12. A 8.ª autora, entre 1 de janeiro e 31.07.2015 e de fevereiro de 2016 a outubro de 2018 foi contratada pelo réu, para o Centro de Emprego ..., com o qual celebrou consecutivos contratos de aquisição de serviços de formação, por ação de formação e a partir de novembro de 2018 a 30.04.2020 celebrou com o R. consecutivos contratos anuais de aquisição de serviços de formação, precedidos de procedimentos de contratação.

13. A 10.ª autora, entre 01.01.2015 e 30.04.2020 foi contratada pelo réu, para o Centro de Emprego ..., ... e ..., com o qual celebrou consecutivos contratos de aquisição de serviços de formação, por ação de formação.

14. Cada um dos autores iniciou a prestação de atividade de formação nas datas dos contratos como especificado.

15. Os contratos anuais de aquisição de serviços de formação, foram celebrados ao abrigo dos procedimentos de contratação 1/2012 e 1/2015, ações estas que visavam a contratação para os Centros de Emprego e Formação Profissional do Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP, com vista ao suprimento de necessidades de docentes/formadores, para o período compreendido entre 2013/2015 e 2016/2018 e um último procedimento inominado para o período e 1 de janeiro a 30 de junho de 2020.

16. Os autores foram contratados para o desenvolvimento de atividades de formação para o réu, na qualidade de formadores, de acordo com as suas habilitações académicas: a 1ª autora, para além do mais, para a área da engenharia química e matemática; a 2ª A. informática; o 3.º A. serralharia civil/soldadura; o 4.º A., para além do mais, História; a 5.ª A., para além do mais, Inglês; a 6.ª A. Higiene e Segurança no Trabalho, Ambiente e Qualidade; o 7.º A. informática; a 8.ª A. Biologia e Matemática; a 9.ª A. Matemática; a 10.ª autora Hotelaria, restauração e Turismo.

17. O R. emitiu e entregou pelo menos aos 1.ª, 5.ª, 6.ª, 7.º e 10.ª AA. sucessivas declarações anuais de experiência formativa nos períodos contratuais suprarreferidos, assim reconhecendo a sua experiência formativa.

18. Com base no PREVPAP, programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública, através do qual o Estado possibilitou a regularização do vínculo precário entre outros os “falsos prestadores de serviços”, em 1 de maio de 2020, os AA. integraram os quadros do IEFP como trabalhadores.

19. O primeiro passo para a vinculação ao Estado foi os AA. solicitarem a avaliação da sua situação através da apresentação de um requerimento disponível no sítioprevpap.gov.pt, até ao dia 17 de novembro de 2017.

20. Em consequência, os AA. foram reconhecidos como necessidades permanentes do Estado e foi avaliado o vínculo jurídico ao abrigo do qual os AA. exerciam funções.

21. No âmbito do referido procedimento, foram ainda ponderados dois elementos: se o trabalhador exercia as funções em causa sem dependência de poderes de direção e disciplina e sem horário de trabalho relativamente ao órgão ou serviço da Administração Pública; ou se, pelo contrário”, o órgão ou serviço da Administração – IEFP - exercia poderes de direção e disciplina sobre o trabalhador e determinava o seu horário de trabalho, caso em que, o vínculo assente no contrato de prestação de serviços não foi considerado adequado a esse modo de exercício das funções, o qual, corresponde a trabalho subordinado.

22. No caso dos autores, o Estado reconheceu que eram trabalhadores subordinados do IEFP, em relação laboral com este, pelo que, em 01.05.2020, os AA. integraram os quadros de pessoal do IEFP, desenvolvendo as funções de formador, mediante contrato de trabalho em funções públicas e por tempo indeterminado, na sua essência, nos mesmos moldes que até então.

23. Era imposta pelo R. aos AA. uma disponibilidade e exclusividade total para o exercício das correspondentes funções, pelo menos aquando da celebração dos contratos anuais, sendo a sua atividade prestada no horário das 08:00 às 20:00 horas, de acordo com uma carga horária média semanal de trinta horas. (cláusula 5.ª dos contratos)

24. O R. elaborava e entregava os mapas de horários das atividades formativas, com o número de horas de formação e o local onde esta deveria ser ministrada.

25. Os horários nos quais era ministrada formação eram definidos pelo R., atendendo às necessidades de cada curso, que depois os comunicava aos AA., na forma de cronograma.

26. Assim, os AA. proporcionavam a formação contratada nos horários que lhes eram unilateralmente transmitidos pelo IEFP, em harmonia com as entidades parceiras.

27. Os AA. não podiam alterar aquele horário e tinham de permanecer nas instalações do R. quando tinham atividade de mediação/coordenação, por forma a perfazer a média de trinta horas semanais.

28. Por regra, o horário de formação era das 9h00 às 17h00.

29. O R. exigia aos AA. o preenchimento de folhas de registos diários, denominadas “folhas de sumários” das diferentes ações de formação de que estavam incumbidos, podendo assim controlar a assiduidade dos AA., sendo aquelas folhas integradas no dossier técnico-pedagógico, ficando assim registadas.

30. Na eventualidade de faltarem, os AA. tinham de repor as horas de formação em falta.

31. As funções levadas a cabo pelos AA. eram predominantemente desempenhadas no Centro de Emprego e Formação Profissional ... e respetiva NUTS ou noutros locais indicados pelo R.

32. Os AA. deslocavam-se às entidades protocoladas para o exercício das suas funções.

33. Quando não se encontravam a ministrar formação, os AA. estavam presentes nas instalações do referido Centro, organizando o serviço e formação, participando em reuniões, acolhendo os formandos que atendiam pessoal ou telefonicamente.

34. Os instrumentos de trabalho que os AA. utilizavam no desempenho da sua atividade eram fornecidos pelo R., tais como quadros, marcadores, projetores, fotocópias, instalações, entre outros.

35. Por opção própria, os AA. utilizavam o seu próprio computador portátil, com o intuito de facilitar o trabalho.

36. Nas instalações do Centro de Emprego e Formação Profissional, essencialmente para os formadores com contratos anuais, existia uma área reservada aos formadores, dispondo os AA. de secretária, cadeira, computador, impressora, telefone, entre outros, que embora partilhados entre si, se destinavam ao seu uso no exercício da sua atividade.

37. O R., através dos Coordenadores Internos de Formação, orientava os procedimentos e métodos de trabalho a serem seguidos pelos AA.

38. Cada formação ministrada tinha um dossier técnico-pedagógico que os AA. tinham de organizar e arquivar nas instalações do R.

39. Os AA. não tinham qualquer opção ou escolha sobre quem eram os formandos, em cuja escolha não participavam direta ou indiretamente.

40. Quaisquer problemas ou ocorrências no exercício das suas funções eram reportadas ao Coordenador Interno da Formação.

41. Os AA. recebiam dos Coordenadores Internos de Formação indicações respeitantes ao modo de execução do seu trabalho e estavam sujeitos aos regulamentos, ordens e diretrizes internas do R., exercendo funções de forma essencialmente idêntica aos demais funcionários do R.

42. Os AA. eram convocados para comparecer em reuniões de coordenação, às quais sempre compareceram, independentemente de estas serem com a direção do Centro ou para coordenar as ações de formação.

43. No desenvolvimento das suas atividades, os 1.ª, 2.ª, 4.º, 5.ª, 6.ª, 7.º, 8.ª, 9.ª e 10.ª AA., por determinação do R., chegaram a assumir a coordenação/mediação de turmas, sendo verdadeiros “diretores de turma”.

44. Os AA. estavam sujeitos a avaliação que tinha por desiderato atestar o seu desempenho enquanto formadores e as suas qualidades pedagógicas.

45. Os AA. tinham, ainda, de seguir os programas pré-definidos das disciplinas e efetuar os relatórios das avaliações nos prazos que o R. fixava.

46. No âmbito da sua atividade, os AA. tinam de entregar registos mensais de atividades.

47. Nos contratos anuais, e sobretudo quanto exerciam funções de mediação/coordenação uma parte significativa do tempo de trabalho dos AA., com exceção do 3.º A., não era despendido com formações, mas em outras tarefas, nomeadamente: colaboração na planificação e organização da formação do Centro; participação em reuniões de coordenação geral, de validação de competências e das respetivas equipas formativas; conceção de recursos pedagógico-didáticos de apoio à formação; registos nas aplicações informáticas de gestão da formação – SIGO e SGFOR; elaboração de documentos de natureza técnico-administrativa e pedagógica de suporte à organização, desenvolvimento e avaliação da formação; articulação com outros formadores e/ou técnicos de formação; participação de júris de certificação; acompanhamento dos formandos em formação prática em contexto de trabalho e articulação com o respetivos tutores; mediação em cursos EFA (educação e formação de adultos).

48. Os AA. que tinham de efetuar deslocações/itinerância na formação, o tempo despendido não era contabilizado como formação.

49. Embora em cada contrato, o número de horas adquiridas pelo R. fosse variando, os AA. auferiam uma remuneração mensal, que era calculada com base no número de horas que lecionavam em cada mês, tendo em conta a carga média semanal de 30 horas que lecionavam em cada mês, tendo em conta a carga média semanal de 30 horas, auferiam a retribuição média mensal era de 1.728,00 € (14,40€ x 30h x 4).

50. Os AA. encontravam-se numa situação de dependência económica em relação à retribuição que auferiam do R., com a qual contavam para o pagamento das suas despesas familiares e pessoais.

51. Por se encontrarem numa situação de dependência económica da retribuição que auferiam do R. aceitaram, sem reservas, as condições que lhes foram sendo impostas, assinaram sem qualquer negociação nem discussão prévia, os contratos que lhes foram sendo apresentados e emitiram os recibos verdes que lhes eram exigidos.

52. Desde o início da relação contratual, nunca os AA. receberam qualquer remuneração a título de férias, obrigando o R. aos AA. a parar no mês de agosto, subsídios de férias e de Natal, bem como a título de subsídio de refeição.

53. Os 4.º e 9.ª AA. trabalharam para o R. aquele quase em exclusivo e esta em exclusivo, entre 01.03.2013 e 30 de abril de 2020, a 5.ª A. em exclusivo de 22.03.2013 até 30.04.2020 e o 7.º A. praticamente em exclusivo de 01.03.2023 até janeiro de 2019.

54. Não auferiram qualquer remuneração a título de férias, subsídios de férias e de Natal nesse período.

55. Os formadores do quadro do R. em funções públicas recebem subsídio de refeição em 11 meses do ano.

56. Os 4.º e 9.ª AA. trabalharam para o R. naqueles termos, nos seguintes períodos temporais:

2013 – 188 dias úteis

(…)

2014 -231 dias úteis

(…)

2015 -232 dias úteis

(…)

2016 - 229 dias úteis

(…)

2017 -227 dias úteis

(…)

2018 - 230 dias úteis

(…)

2019 - 233 dias úteis

(…)

2020 - 86 dias úteis

57. A 5.ª A. trabalhou para o R., naqueles termos, nos mesmos períodos temporais, exceto em 2013, nos dias 4 a 8, 11 a 15, 18 a 21 de março.

58. O 7.º A. trabalhou para o R., naqueles termos, nos mesmos períodos temporais, exceto a partir de janeiro de 2019.

59. Os 1.ª, 6.ª e 10.ª AA. trabalharam para o R. aquela em exclusivo e estas praticamente em exclusivo, entre 01.01.2015 e 30.04.2020.

60. A 2.ª e a 8.ª AA. trabalharam para o R., em exclusivo, aquela no período de 01.01.2015 a 04.10.2017 e de 01.09.2018 a 31.08.2019 e esta de 01.01.2015 a 31.07.2015 e de 01.01.2016 a 30.04.2020.

61. O 3.º A. trabalhou em exclusivo para o R., apenas no período de 01.01.2015 a 31.03.2018, tendo trabalhado ainda para este no período de 01.12.2019 a 30.04.2020.

62. Nesses períodos temporais não lhes foram pagos pelo R. férias e subsídios de férias e de Natal.

63. Os 1.ª, 6.ª e 10.ª AA. trabalharam para o R., naqueles termos, nos seguintes períodos temporais:

2015 -232 dias úteis

(…)

2016 - 229 dias úteis

(…)

2017 - 227 dias úteis

(…)

2018 - 230 dias úteis

(…)

2019 - 233 dias úteis

(…)

2020 - 86 dias úteis

64. A 2.ª A. trabalhou para o R., naqueles termos, no mesmo período temporal, exceto de 05.10.2017 a 31.08.2018.

65. O 3.º A. trabalhou para o R., naqueles termos, no mesmo período temporal, exceto de 01.04.2018 a 30.11.2019.

66. A 8.ª A. trabalhou para o R., naqueles termos, no mesmo período temporal, exceto de 01.08.2015 a 31.01.2016.

67. Uma vez avaliados no âmbito do Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública (SIADAP), o R. reconheceu a antiguidade aos autores reportada a 01.01.2015.


III.


9. As questões em causa no presente recurso têm merecido resposta constante por parte desta Secção Social do STJ, designadamente nos recentes Acs. de 11.12.2024, Proc. nº 2249/21.3T8BRG.G1.S1-A, de 03.07.2024, Proc. nº 5977/22.2T8CBR.C1.S1, de 22.05.2024, Proc. nº 7769/21.7T8PRT.P1.S1, de 22.05.2024, Proc. nº 603/22.2T8PTG.E1.S1, e de 24.04.2024, Proc. nº 825/21.3T8VCT.G2.S1, todos coincidindo no sentido de que, como se lê no sumário do primeiro destes arestos:

I - Com o Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários (PREVPAP) não se criaram novos vínculos, nem se extinguiram os anteriores, tendo-se antes regularizado os pré-existentes, que assim se mantiveram embora sob outra qualificação, e salvaguardado o tempo de exercício na situação que deu origem à regularização em termos de desenvolvimento na carreira e posicionamento remuneratório.

II – (…)

III – Uma vez que a relação laboral existente entre as partes se traduziu em contratos de trabalho, que por terem sido celebrados pelo Réu contra regra imperativas são nulos, tendo a dita relação laboral perdurado e produzido efeitos como se fosse válida em relação ao tempo em que foi executada (art.º 122.º n.º 1 do Código do Trabalho) até se operar a regularização do vínculo mediante a celebração de contrato de trabalho em funções públicas, assiste direito aos Autores a receber os créditos vencidos durante a execução do contrato de trabalho, não se tendo estes extinguido por prescrição.

10. Quanto à fundamentação deste entendimento, em termos que inteiramente se reiteram e que dispensam quaisquer desenvolvimentos argumentativos, refere-se no mesmo acórdão:

«4.1. De as relações jurídicas laborais prévias à regularização extraordinária dos vínculos dos Autores deverem ser qualificadas como contratos de trabalho em funções públicas.

Conforme resulta da matéria de facto provada, os Autores requereram a regularização do seu vínculo com o Réu no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários (PREVPAP), o que veio a suceder nos termos infra descritos.

Como é sabido, através do PREVPAP, que foi regulado pelas Portarias 150/2017, de 3 de Maio e 331/2017, de 03 de Novembro e pela Lei 112/2017, de 29 de Dezembro, na sequência da Resolução do Conselho de Ministros 32/2017, de 28 de Fevereiro (onde se considerou como prioridade do Governo, a promoção do emprego e o combate à precariedade laboral e se determinou ter início aquele programa até 31 de Outubro de 2017 e conclusão até 31 de Dezembro de 2018), e do disposto no art.º 19.º da Lei 7-A/2016, de 30 de Março e do art.º 25.º da Lei 42/2016, de 28 de Dezembro, onde se previu uma estratégia plurianual de combate à precariedade, estabeleceram-se os termos da regularização dos vínculos precários de pessoas que exerçam ou tenham exercido funções que correspondam a necessidades permanentes da Administração Pública, de autarquias locais e de entidades do sector empresarial do Estado ou do sector empresarial local, sem vínculo jurídico adequado.

Em paralelo, a Lei 63/2013, de 27 de Agosto reforçou os poderes da ACT, instituiu mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado e criou a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho - o que se verificou na sequência da iniciativa cidadã de combater a precaridade laboral, decorrente, entre o mais, da existência de falso trabalho autónomo e se consubstanciou no Projeto de Lei 142/XII, designado de Lei contra a precaridade.

Os mencionados instrumentos incluem-se, assim, no âmbito da estratégia de combate à precaridade, sendo um de cariz administrativo, que se desenvolveu de acordo com o programa PREVPAP de acordo com os citados diplomas legais, e outro, sobretudo, de cariz judicial (artigos 186.º-K a 186.º-R, do CPT).

O PREVPAP, teve início em 2016 através do levantamento de todos os instrumentos de contratação em vigor nos serviços e organismos da Administração Pública central e local, e no sector empresarial do Estado, tendo o Governo estabelecido as regras a que devia obedecer a avaliação dos requisitos de acesso ao programa de regularização extraordinária dos vínculos precários, a realizar por comissões criadas no âmbito de cada área governativa, com participação de representantes sindicais, e que poderia ser desencadeada por solicitação dos trabalhadores.

O programa veio a desenvolver-se em 2017 com a constituição das Comissões de Avaliação Bipartidas (CAB), as quais ficaram incumbidas de dar parecer sobre as situações de vínculo inadequado submetidas pelos requerentes ou pelos serviços.

Foram estabelecidos os procedimentos da avaliação de situações a submeter ao referido programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública e sector empresarial do Estado.

A Lei 112/2017, estabeleceu os termos da regularização prevista no mencionado programa de regularização extraordinária dos vínculos precários de pessoas que exerçam ou tenham exercido funções que correspondam a necessidades permanentes da Administração Pública, de autarquias locais e de entidades do sector empresarial do estado ou do sector empresarial local, sem vínculo adequado.

Em 2018 procedeu-se à regularização com a abertura dos procedimentos concursais e a constituição do correspondente vínculo de emprego público, bem como a regularização formal dos vínculos laborais inadequados regulados pelo Código de Trabalho (art.º 10.º, da Lei 112/2017).

Competindo à CAB admitir os requerimentos que lhe sejam dirigidos por qualquer interessado, bem como as comunicações feitas pelo dirigente máximo de cada órgão, serviço ou entidade, bem como emitir parecer sobre a correspondência das funções exercidas a uma necessidade permanente do órgão, serviço ou entidade onde em concreto as mesmas são desempenhadas, e ainda, emitir parecer sobre a adequação do vínculo jurídico às funções exercidas.

Após informação do dirigente máximo de cada órgão, serviço ou entidade, a CAB procede à avaliação da adequação jurídica do vínculo, em consonância com os critérios previstos, após o que os pareceres da CAB são submetidos a homologação dos membros do Governo das áreas das Finanças, do Trabalho da Solidariedade Social e da respetiva área governativa.

Através do PREVPAP regularizaram-se, pois, os vínculos anteriores e indevidamente havidos como precários, salvaguardando-se o tempo de exercício na situação que deu origem à regularização em termos de desenvolvimento na carreira e posicionamento remuneratório, como resulta, designadamente dos artigos 7.º, 12.º e 13.º, da Lei 112/2017, onde se prescreve o seguinte:

Artigo 7.º

Carreira e categoria de integração

As pessoas recrutadas através do procedimento concursal são integradas na carreira correspondente às funções exercidas que deram origem à regularização extraordinária e, no caso de carreiras pluricategoriais, na respetiva categoria de base.

Artigo 12.º

Posição remuneratória

À pessoa recrutada é atribuída posição remuneratória de acordo com as seguintes regras:

a)- Em carreiras pluricategoriais, a 1.ª posição remuneratória da categoria de base da carreira;

b)- Em carreiras unicategoriais, a 1.ª posição remuneratória da categoria única da carreira, ou a 2.ª posição remuneratória da categoria única da carreira geral de técnico superior”.

Artigo 13.º

Contagem do tempo de serviço anterior

1- Após a integração e o posicionamento remuneratório na base da carreira respetiva, para efeitos de reconstituição da carreira, o tempo de exercício de funções na situação que deu origem à regularização extraordinária releva para o desenvolvimento da carreira, designadamente para efeito de alteração do posicionamento remuneratório, com ponderação de um critério de suprimento da ausência de avaliação de desempenho em relação aos anos abrangidos, a qual produz efeitos a partir do momento de integração na carreira.

(…)”

(…)

Para a economia da presente decisão importa ainda assinalar o seguinte.

Nos termos do art.º 6.º da Lei 35/2014, de 20 de junho (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas - LTFP)

1- O trabalho em funções públicas pode ser prestado mediante vínculo de emprego público ou contrato de prestação de serviço, nos termos da presente lei.

2 - O vínculo de emprego público é aquele pelo qual uma pessoa singular presta a sua atividade a um empregador público, de forma subordinada e mediante remuneração.

3 - O vínculo de emprego público reveste as seguintes modalidades:

a) Contrato de trabalho em funções públicas;

b) Nomeação;

c) Comissão de serviço.

4 - O vínculo de emprego público pode ser constituído por tempo indeterminado ou a termo resolutivo.

Prescreve o art.º 10.º do mesmo diploma que:

1 - O contrato de prestação de serviço para o exercício de funções públicas é celebrado para a prestação de trabalho em órgão ou serviço sem sujeição à respetiva disciplina e direção, nem horário de trabalho.

(…)

3 - São nulos os contratos de prestação de serviço para o exercício de funções públicas em que exista subordinação jurídica, não podendo os mesmos dar origem à constituição de um vínculo de emprego público.

(…)”

Resultando, por seu turno, o n.º 1 do art.º 32.º também da LTFP que apenas podem ser celebrados contratos de prestação de serviços (tarefa e avença) para a “execução de trabalho não subordinado”.

Ora, consoante decorre da factualidade provada, e se consignou na sentença recorrida em termos que se subscrevem, os Autores “exerceram as atividades para que foram contratados com subordinação relativamente ao Réu, a quem cabia a conformação do conteúdo das prestações a realizar, a definição do respetivo modo de execução, a escolha do local – nas suas instalações ou em outros locais por ele designados - e do horário a praticar - estabelecido por referência ao respetivo horário de funcionamento (…). A materialidade apurada evidencia, também, que os autores estavam integrados na estrutura organizativa do réu, formando equipa com outros colaboradores, e estando subordinados, em identidade de circunstâncias com estes, a cumprir os regulamentos e diretrizes internas dimanadas do réu, bem como sujeitos a fiscalização. Como contrapartida da atividade que desenvolveram, numa média semanal de 30 horas, eram os autores pagos, com regularidade mensal, sendo que a circunstância de os valores a pagar serem determinados em função do número de horas concretamente realizadas, não descaracteriza o carácter certo dessa contrapartida – cfr. nº 2 do art.º 261.º do CT”.

Por conseguinte, verificando-se in casu vários dos indícios integrante da base da presunção de laboralidade prevista no art.º 12.º do Código do Trabalho (mormente os previstos nas alíneas a) a d) do n.º 1), e considerando que o Réu não logrou ilidir tal presunção, é de concluir que os Autores anteriormente à data em que viram a sua situação laboral regularizada por via da aplicação do PREVPAP, exerceram a sua atividade para o Réu ao abrigo de contratos individuais de trabalho.

Sucede que essa situação configura uma violação do disposto no art.º 6.º da LTFP, uma vez que o Réu, nos termos mencionados, não podia admitir trabalhadores ao seu serviço mediante contrato de trabalho de direito privado.

Destarte, os contratos de trabalho em questão são nulos, por força do disposto no art.º 294.º do Código Civil (Os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos (…)) produzindo, contudo, efeitos como se fossem válidos durante o período de tempo em que foram executados, como emerge do art.º 122.º n.º 1 do Código do Trabalho.

(…)

Improcede, por conseguinte, a presente questão.

4.2. Da cessação em 19-11-2018 por caducidade dos contratos de trabalho e da extinção por prescrição dos créditos deles decorrentes nos termos do art.º 337.º n.º1, do Código do Trabalho de 2009.

Pretende o Réu que a transição de contratos individuais de trabalho para contratos de trabalho em funções públicas implicou, necessariamente, uma rutura da realidade jurídica preexistente, pelo que os créditos laborais emergentes da primeira realidade jurídica se extinguiram por prescrição, decorrido um ano após a emergência da subsequente realidade jurídica. Sendo o prazo de prescrição dos créditos laborais de um ano contado a partir da data da cessação do contrato de trabalho (artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho), deveriam os Autores, em homenagem aos princípios da preclusão e da autorresponsabilização das partes, ter proposto a competente ação para fazer valer os seus direitos na altura própria, o que não sucedeu, mostrando-se prescritos os créditos salariais reclamados.

Desde já se adianta, que também quanto a esta questão, salvo o devido respeito, está o Réu carecido de razão.

Não se ignora, que nos termos do art.º 337.º n.º 1 do Código do Trabalho, “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.

Todavia, a presente situação, pelas suas particularidades, não se compagina com o previsto no citado normativo.

Com efeito, como resulta do anteriormente referido a propósito do PREVPAP e tem vindo a ser entendido, com esse programa não se criaram novos vínculos (Ac. do STJ de 23-11-2021, proc. 18638/17.5T8LSB.L2.S1), nem se extinguiram os anteriores, antes se regularizam os pré-existentes, que assim se mantiveram embora sob outra qualificação, tendo-se, como tal, salvaguardado o tempo de exercício na situação que deu origem à regularização em termos de desenvolvimento na carreira e posicionamento remuneratório, conforme acima se assinalou (artigos 7.º, 8.º 12.º e 13.º, da Lei 112/2007).

Ora, consoante resulta do citado art.º 13.º da Lei 112/2007, “o tempo de exercício de funções na situação que deu origem à regularização extraordinária releva para o desenvolvimento da carreira e posicionamento remuneratório”, mas tal não tem efeitos retroativos relativamente a créditos salariais devidos aos trabalhadores - pelo que da regularização da situação laboral por via da celebração do contrato de trabalho em funções públicas não decorre qualquer sobreposição de efeitos relativamente aos créditos salariais dos Autores.

Acresce que, como também refere o Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, sem a regularização da situação que o PREVPAP veio permitir, o contrato de trabalho, por ser nulo, cessaria, designadamente quando o réu recorrente assim o quisesse. Todavia, esse regime excecional de regularização de vínculos ilegais veio permitir que a relação laboral se mantenha, mas agora devidamente legalizada, mais referindo que se não “vislumbra como poderia a regularização de uma situação ilícita trazer prejuízos aos trabalhadores, designadamente privando-os do direito a créditos que se venceram durante a execução do contrato de trabalho”.

Anota-se ainda que o referido entendimento foi veiculado por este Supremo Tribunal de Justiça, em casos similares ao presente, em que também era Réu, o ora Recorrente (Acórdãos de 22-05-2023, processos 603/22.278PTG.E1.S1 e 7769/21.T8PRT.P1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt), no sentido de que não há lugar à aplicação do número 1 do artigo 337.º do CT/2009, pois existe, no caso concreto dos autos, uma continuidade relacional, que é juridicamente relevante, entre trabalhadora e empregador desde o começo das suas relações de cariz laboral até ao presente – ou, pelo menos, até à data da propositura desta ação -, continuidade que não deixou de ocorrer pela circunstância de a Autora e o Réu terem, ao abrigo do regime do PREVPAV, celebrado, com efeitos a 19/11/2018, um contrato de trabalho em funções públicas. (Sublinhados nossos).

Destarte, uma vez que a relação laboral existente entre as partes se consubstanciou em contratos de trabalho nulos - relação essa que perdurou no tempo e produziu efeitos como se fosse válida em relação ao tempo em que foi executada (art.º 122.º n.º 1 do Código do Trabalho) até se operar a regularização do vínculo mediante a celebração de contrato de trabalho em funções públicas, assiste direito aos Autores a receberem os créditos laborais vencidos durante a execução do contrato de trabalho, não se tendo os mesmos extinguido por prescrição.

Termos em que sem mais, se conclui pela improcedência da presente questão.»


IV.


11. Em face do exposto, confirmando o acórdão recorrido, acorda-se em negar a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 15.01.2025

Mário Belo Morgado (Relator)

Júlio Manuel Vieira Gomes

José Eduardo Sapateiro

SUMÁRIO2

DESCRITORES

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1. O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, 663.º, n.º 2, e 679º, CPC], questões (a resolver) que, como é sabido, não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais não vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.º, n.º 3, do mesmo diploma.↩︎

2. Identicamente, na parte que ora releva, ao sumário constante do sobredito Acórdão desta Secção Social do STJ de 11.12.2024, Proc. nº 2249/21.3T8BRG.G1.S1-A.↩︎