I. Tratando-se de coligação activa, havendo uma cumulação de acções conexas, que poderiam ter sido propostas individualmente por cada um dos trabalhadores, para efeitos de aferição da alçada de recurso, o que conta é o valor de cada uma das acções, caso tivessem sido intentadas separadamente.
II. Não sendo perceptível o valor fixado a cada uma das acções conexas e à acção apensa, devem os autos baixar à 1.ª instância, a fim de aí se esclarecer o valor fixado a cada uma das acções coligadas e ser fixado o valor da acção apensa.
Reclamação para a Conferência
Acordam em Conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça
1 - Reclama a Ré para a conferência, nos termos dos artigos 652.º e 672.º do Código de Processo Civil (CPC), da decisão que lhe não admitiu o recurso de revista por si interposto, requerendo que sobre a mesma recaia um acórdão a admitir tal recurso.
Aduz, para tanto, que a decisão reclamada assentou em razões formais, não levando em conta a decisão de fundo seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça, constante de decisão singular de que junta cópia.
Os Autores responderam, alegando, em resumo, que quem recorre aos tribunais deve estar preparado para decisões de fundo e para decisões formais, as primeiras relacionam-se com o direito material, já as segundas com as regras disciplinam o acesso aos tribunais, sendo este o ponto. Nos presentes autos, estamos perante uma coligação activa (art.º 36.º do CPC), o que significa que existem 4 acções conexas, 3 iniciais e 1 que veio a ser apensada, sendo entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, que para efeito de aferição da alçada de recurso, o que conta é o valor de cada uma das acções, caso tivessem sido intentadas separadamente. Tendo o tribunal de 1.ª instância fixado o valor da causa em 56.290,39€ como valor global, tendo esse despacho transitado em julgado, a recorrente poderia ter recorrido do valor que foi atribuído à causa, mas não o fez, tendo-se conformado com o valor fixado. Assim sendo, dividindo o referido valor por quatro (3 acções conexas e 1 acção apensada), nenhuma das acções ultrapassa (30.000 €), o valor da alçada do Tribunal da Relação.
2. Apreciando
AA, BB e CC, intentaram acção declarativa de condenação com processo comum contra FIMA OLÁ – PRODUTOS ALIMENTARES, S.A.”, peticionando a final o seguinte:
“Nestes termos, nos mais de direito e com o douto suprimento de Vossa Excelência, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e:
- Deve ser reconhecida a existência de um vínculo laboral sem termo, entre os Autores e a Ré, desde as acima referidas datas de admissão (1984 os 1º e 3º AA, e 2006 o 2º A);
- Relativamente aos 1º e 3º Autores, deve ser declarada a ilicitude do respectivo despedimento ocorrido em Agosto de 2017 – data a melhor apurar através dos documentos que a Ré juntará - consistente nas comunicações de caducidade e declarações de desemprego enviadas aos mesmos, e consequentemente deve a Ré ser condenada a reintegrá-los nos seus postos de trabalho, pagando-lhes as retribuições que entretanto estes tenham deixado de auferir – sujeitas aos descontos legais - sendo-lhes ainda reconhecido, independentemente do direito de opção de que beneficiam, o direito à respectiva indemnização por despedimento ilícito, com base naquela antiguidade;
- Deve a Ré ser condenada a pagar-lhes todos os salários que deixaram de auferir durante os períodos em que, por força do que acima se expôs, se encontraram ausentes das suas funções a aguardar que a Ré os voltasse a admitir ao serviço, e durante o qual auferiram o subsídio de desemprego decorrente de tal situação, descontadas que sejam as quantias que tenham recebido a este título, a liquidar em execução de sentença;
- Deve a Ré ser condenada a pagar aos 1º e 3º Autores os salários vencidos desde o despedimento ilícito dos mesmos, bem como os salários vencidos na pendência da presente acção, efetcuados os devidos descontos legais, tudo a liquidar em execução de sentença;
- Deve ainda a Ré ser condenada a pagar aos Autores todos os créditos laborais que os mesmos tenham deixado de auferir por força do facto de não os considerar inseridos nos quadros da empresa, nomeadamente todos os créditos que decorram de instrumentos de regulamentação colectiva aplicável aos trabalhadores da Ré, incluindo os salários que tenham deixado de auferir durante os períodos em que entre os vários contratos a termo celebrados com a Ré, tenham sido considerados desempregados pela mesma, consequentemente sujeitos ao subsídio de desemprego, tudo a liquidar em execução de sentença;
- Deve a Ré ser condenada a pagar juros de mora aos Autores sobre todas as acima referidas importâncias;”.
Indicaram à causa o valor de 30.000,01€.
A Ré contestou e deduziu reconvenção, atribuindo o valor de 26.290,38€.
Os Autores reduziram o pedido, requerendo que fosse dado sem efeito o pedido constante do último travessão.
Foi apensada aos autos a acção que corria termos sob o nº 2887/17.9... (apenso A), cujo Autor é DD e a Ré é “FIMA OLÁ – PRODUTOS ALIMENTARES, S.A. e na qual foi peticionado o seguinte:
“- Deve ser reconhecida a existência de um vínculo laboral sem termo, entre o Autor e a Ré, desde 1 de Outubro de 2007;
- Deve ser declarada a ilicitude do despedimento do Autor ocorrido em 19 de Agosto de 2017, consistente na comunicação de caducidade que se junta como doc. nº 27, e consequentemente deve a Ré ser condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, pagando-lhe as retribuições que entretanto este tenha deixado de auferir, sendo-lhe ainda reconhecido, independentemente do direito de opção de que beneficia, o direito à respectiva indemnização por despedimento ilícito, com base naquela antiguidade;
- Deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor os salários vencidos desde o despedimento ilícito do mesmo, bem como os salários vencidos na pendência da presente acção, efectuados os devidos descontos legais, tudo a liquidar em execução de sentença e;
- Deve a Ré ser condenada a pagar juros de mora aos Autor sobre todas as acima referidas importâncias”.
Foi indicado à causa o valor de 30.000,01€.
A Ré foi citada naquela acção e contestou e deduziu reconvenção à qual atribuiu o valor de 4.149,66€.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado à causa o valor de 56.290,39€
Realizou-se audiência final.
Por sentença de 04.12.023 a acção foi considerada improcedente.
Os Autores interpuseram recurso de apelação.
Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.05.2024 foi decidido o seguinte: “Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência:
a) Declara-se a existência de uma relação de trabalho sem termo, entre os autores Recorrentes e a ré Recorrida, desde 02/11/2015 para o 1º Recorrente (AA), 05/09/2017 para o 2º Recorrente (BB), 09/01/2017 para o 3º Recorrente (CC), e 09/01/2017 para o 4º Recorrente (DD);
b) Declara-se que as comunicações de caducidade que foram enviadas a AA, CC e DD, datadas de 24/07/2017, através das quais lhes comunicaram a caducidade dos contratos de trabalho, a partir de 19/08/2017 constituíram um despedimento ilícito;
c) Condena-se a Recorrida a reintegrar os Recorrentes, - AA, CC e DD, - no seu posto de trabalho, sem prejuízo da antiguidade e categoria;
d) Condena-se a Recorrida a pagar aos Recorrentes - AA, CC e DD, - as retribuições vencidas, desde:
a) 30/11/2017, quanto aos primeiros e b) 16/07/2018, quanto ao último, por referência à última retribuição mensal que auferiam, respetivamente, 962,15€, 869,11€ e 825,72€, até ao trânsito em julgado desta decisão, incluindo subsídios de férias e de Natal, tudo a liquidar em execução de sentença;
e) Condena-se a Recorrida a pagar aos Recorrentes juros, à taxa legal, desde a data da citação até integral e efetivo pagamento, sobre todas as quantias reclamadas.”.
Prevê o artigo 629.º n.º 1 do CPC que “o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada da tribunal (…)”.
Nos termos do artigo 44.º n.º 1 da LOSJ, a alçada do Tribunal da Relação é de 30.000,00 €.
Isto é, sem prejuízo das decisões que admitem recurso independentemente do valor da causa e da sucumbência (artigo 629.º n.º 2 do CPC), o recurso de revista é admissível apenas quando o valor da causa é superior a 30.000,00 € e a sucumbência é superior a metade deste valor, ou seja, a 15.000,00 €.
Tratando-se de coligação activa, havendo uma cumulação de acções conexas, que poderiam ter sido propostas individualmente por cada um dos trabalhadores, para efeitos de aferição da alçada de recurso, o que conta é o valor de cada uma das acções, caso tivessem sido intentadas separadamente.
O tribunal da 1.ª instância fixou como valor à causa 56.290,39€,
Estão em causa 3 acções coligadas, tendo sido indicado o valor de 30.000,01 €. A Ré deduziu reconvenção no valor de 26.290,38 €.
Na acção apensa foi igualmente indicado o valor de 30.000,01 euros, tendo aí a Ré também deduzido reconvenção no valor 4.149,66€.
Na presente situação, não obstante o entendimento veiculado há muito por este Supremo Tribunal de Justiça de que “os interesses imateriais que possam estar associados aos litígios de trabalho não têm expressão no valor das ações, não sendo aplicável no âmbito do Código de Processo de Trabalho, a norma do artigo 303.º, n.º 1 do CPC” (Acórdão de 11-11-2020, proc. 19103/18.9T8LSB.L1. S1 Revista - 4.ª Secção), tendo os Autores requerido a sua reintegração, é de pressupor que ao fixarem, respectivamente, às acções coligadas e apensa o valor de 30.000,01 € tiveram em consideração esse dispositivo legal.
Ora, uma vez que nos termos sobreditos, por despacho proferido pela 1.ª instância foi fixado à causa o valor de 56.290,39€, tendo-se aparentemente ignorado o valor de 30.000,01 € indicado na acção apensa e o valor da reconvenção de 4.149,66€ aí deduzida, importando aferir nesta sede da recorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação impugnado pelos Autores, deverá o tribunal de 1.ª instância por despacho fundamentadamente esclarecer, como se chegou ao valor de 56.290,39 €, ou seja, qual o valor fixado a cada uma das acções coligadas, devendo, também, expressamente, fixar o valor da acção apensa.
3. Decisão
Em face do exposto, determina-se a baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de aí se esclarecer, como se chegou ao valor de 56.290,39 €, ou seja, qual o valor fixado a cada uma das acções coligadas, devendo, também, expressamente, se fixado o valor da acção apensa.
Sem custas.
Lisboa, STJ, 2025.01.15
Albertina Pereira (Relatora)
Júlio Gomes
Mario Morgado