REVISTA EXCECIONAL
REQUISITOS
RELEVÂNCIA JURÍDICA
APLICAÇÃO DO DIREITO
DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DO SEXO
SALÁRIO
PARECER
FORÇA PROBATÓRIA
ASSÉDIO MORAL
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
Sumário


I. A relevância jurídica prevista no art.º 672.º, n.º 1, a), do CPC, pressupõe uma questão que apresente manifesta complexidade ou novidade, evidenciada nomeadamente em debates na doutrina e na jurisprudência, e onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa assumir uma dimensão paradigmática para casos futuros.
II. O regime jurídico especial previsto na Lei n.º 60/2018 de 21/8 – até por referência a idênticos Pareceres proferidos pela CITE no quadro dos artigos 68.º e 57.º do CT/2009 – coloca, efetivamente, questões que passam, por um lado, por saber se o carácter indiciário do primeiro Parecer [proposta técnica] e a natureza vinculativa do segundo Parecer do artigo 6.º da Lei n.º 60/2018 se refere, em tese, [1] aos empregadores a que aqueles se destinam e aos tribunais do trabalho ou se, ao invés, [2] respeitam apenas aos primeiros ou [3] aos segundos ou se, finalmente, e como parece ser sustentado pelo TRL e pela Ré, [4] não têm em rigor, qualquer índole vinculatória.
III. Em segundo lugar e caso se entenda que o cariz vinculatório desses Pareceres da CITE incide, pelo menos ou também, sobre as entidades patronais, saber se o não cumprimento dos mesmos por parte destas últimas não poderá ter reflexos jurídicos substantivos, que não sejam apenas ao nível salarial, como igualmente noutras vertentes da relação laboral, quer ainda em termos adjetivos, ao nível da inversão do ónus de prova e de mais simples e fácil configuração, de facto e de direito, de uma situação de assédio discriminatório por parte do trabalhador visado.
IV. O quadro factual e jurídico que deixámos traçado – e sem ignorarmos que está pendente um recurso ordinário de revista que incide, fundamentalmente, sobre a natureza e efeitos jurídicos do Parecer da CITE e sobre a efetiva existência de discriminação salarial – permite-nos afirmar que se mostra preenchido o requisito da alínea a) do número 1 do artigo 672.º do NCPC, dado nos depararmos com temáticas «cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
V. Idêntica perspetiva [relevância jurídica] temos quanto à problemática que se traduz em saber se a Autora teria ou não fundamento para resolver o contrato de trabalho com justa causa, nomeadamente, por ter sido vítima de assédio moral, pois a estreita conexão factual existente, na visão da recorrente, entre a situação de discriminação remuneratória em razão do sexo ou género, o pedido e a emissão dos Pareceres pela CITE conformadores de tal realidade e os atos que terão sido levados a cabo pela empregadora e que segundo a interpretação dos factos e das regras jurídicas aplicáveis feita pela recorrente se reconduzem a assédio moral, consentem que se afirme que uma tal questão evidencia suficiente complexidade ou novidade - aliás, evidenciada abundamentente em debates na doutrina e na jurisprudência – que reclama uma resposta do Supremo Tribunal de Justiça suscetível de assumir uma dimensão paradigmática para casos futuros.
VI. Os interesses de particular relevância social respeitam a aspetos fulcrais da vivência comunitária, suscetíveis de, com maior ou menor repercussão e controvérsia, gerar sentimentos coletivos de inquietação, angústia, insegurança, intranquilidade, alarme, injustiça ou indignação.
VII. Nenhuma dessas questões pode integrar a alínea b) do mesmo número 1 do artigo 672.º por, para a lei, não bastar o envolvimento de uma pessoa singular ou coletiva com renome público [como é caso da Ré] para se poder falar do preenchimento de interesses de particular relevância social, com a configuração jurídica que antes deixámos aflorada.

Texto Integral


RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL N.º 18993/22.5T8LSB.L1.S2 (4.ª Secção)

Recorrente: AA

Recorrida: QUERCUS – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA

(Processo n.º 18993/22.5T8LSB – Tribunal Judicial da Comarca de ... - Juízo do Trabalho de ... - Juiz ...)

ACORDAM NA FORMAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 672.º, N.º 3, DO CPC, JUNTO DA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – RELATÓRIO

1. AA intentou, em 12/03/2021, ação declarativa com processo comum laboral contra QUERCUS – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA requerendo, a final, o seguinte:

Nos mais de direito aplicável, deve ser julgada lícita a resolução do contrato de trabalho operada pela Autora e condenar a Ré no pagamento de €57.869,11 (cinquenta e sete mil oitocentos e sessenta e nove euros e onze cêntimos) à Autora, a título de indemnização por resolução com justa causa por iniciativa do trabalhador, créditos laborais, indemnização por danos morais e por danos patrimoniais, juros vencidos e os vincendos até integral pagamento, melhor discriminados no corpo da presente petição.

A Ré deve ainda ser condenada a devolver o número de telemóvel à Autora que foi dela durante 20 anos e que é anterior à sua admissão ao serviço da Ré, a desactivar o email ..., que era usado pela Autora dentro da estrutura e a retirar o nome da Autora do site e plataformas da Ré.”.


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2. A Ré, depois de regularmente citada, contestou e deduziu oportunamente reconvenção concluindo nos seguintes termos:

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, requer-se:

a) A condenação da Autora na junção de uma cópia legível do documento n.º 65 junto com a PI, nos termos do artigo 441.º do CPC;

b) A absolvição da Ré no pedido de pagamento do valor correspondente à diferença salarial entre o salário do ex-coordenador do CIR, e o salário auferido pela Autora, contado desde que esta tomou as funções de coordenadora, no valor de 13.938,00 €;

c) A absolvição do pedido de indemnização por danos morais no valor de 15.000,00 €;

d) A absolvição do pedido de indemnização para cobertura de despesas de saúde no valor de 59,70 €;

e) A absolvição do pedido de resolução do contrato de trabalho, bem como da correspondente indemnização, devendo ser julgada ilegal a resolução do contrato de trabalho operada pela Autora;

f) Que seja julgada a cessação do contrato de trabalho por denúncia, por parte da Autora, sem cumprimento do pré-aviso legal;

g) A compensação dos créditos da titularidade da Autora ao valor em dívida que esta contraiu perante a Ré, nos termos dos artigos 400.º e 401.º do Código do Trabalho

h) A condenação da Autora no pagamento à Ré de um montante total de 103,98 €.”.

3. Foi proferido despacho saneador, proferido em 28/10/2022, aí se havendo fixado o valor da causa em € € 57.973,09.

Tendo-se realizado Audiência Final com observância do legal formalismo.

4. Por Sentença de 01.06.2023 o tribunal da 1.ª instância decidiu julgar a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.


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5. Vindo a Autora a interpôr recurso de Apelação, veio o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 06.03.2024, decidir o seguinte:

“Em face do exposto, acorda-se em:

- Aditar a matéria de facto de um n.º 88 com a seguinte redacção:

«88 - Em 8 de Junho de 2022, por unanimidade dos membros do CITE [ Comissão para a igualdade no trabalho e no emprego] foi proferido o parecer final vinculativo nº ...12/CITE/2022 com o teor constante de fls. 321 v a 338 dos autos que aqui se dão por reproduzidas, sendo que no mesmo se concluiu que na Ré existe « pratica discriminatória remuneratória em função do sexo da trabalhadora AA, em relação aos seus colegas do sexo oposto e com a mesma categoria profissional.»

- Julgar improcedente o recurso da Autora.”.


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6. A Autora interpôs recurso de revista excecional, ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC/2013, aplicável por força do disposto no número 1 do artigo 87.º do CPT, tendo o mesmo por despacho de 06.03.2024 sido admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

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7. Foi determinada a subida do presente recurso de revista excecional, que tendo chegado a este Supremo Tribunal de Justiça, foi objeto de um despacho liminar, datado de 1/10/2024, onde foi decidido, em síntese, o seguinte:

«1. - Atento o exposto, decide-se:

a) Não admitir o recurso de revista na parte relativa ao depoimento das testemunhas que integravam os corpos sociais da Ré.

b) Convolar, parcialmente, o recurso em revista geral no que concerne à questão dos efeitos do parecer da CITE e da existência de discriminação salarial em função do género como fundamento da resolução do contrato de trabalho;

c) Remeter os autos à Formação para apreciação dos pressupostos específicos da revista excecional, quanto ao demais objeto do recurso de revista.» [1]


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8. A recorrente AA resume nas suas conclusões as diversas facetas do mesmo:

« B) - Efeitos probatórios para efeitos de assédio laboral da prática de atos de retaliação após o pedido de intervenção da CITE (v. disciplina do artigo 7.º da Lei n.º 60/2018)

Verifica-se que os actos de assédio que a Recorrente imputa à Recorrida ocorrem após o pedido de intervenção da CITE, o que não pode deixar de relevar para efeitos probatórios no âmbito do presente processo.

C) Como resulta provado do parecer da CITE, e não é infirmado pela matéria dada como provada nos autos, a Autora auferiu sempre um vencimento inferior face aos trabalhadores com os quais se compara. Ademais, e significativamente, a sua remuneração nunca atinge o mínimo estipulado na Tabela da QUERCUS para as funções de ..., não obstante ter sido nomeada para essas funções em..., e nunca ter sido alvo de processo disciplinar por deficiente execução da sua prestação.

Não basta existirem critérios objetivos que possam justificar a disparidade salarial: é necessário que o diferencial salarial entre homens e mulheres com a mesma categoria profissional se baseia num requisito justificável e determinante para o exercício da atividade profissional, em virtude da natureza da atividade em causa ou do contexto da sua execução.

6.- Por outro lado, a entidade empregadora não logrou ilidir a presunção estabelecida no artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 60/2018, de 21 de agosto. Segundo este preceito, “em caso de alegação de discriminação remuneratória nos termos do n.º 5 do artigo 25.º do Código do Trabalho, cabe à entidade empregadora demonstrar que possui uma política remuneratória nos termos previstos no número anterior”, ou seja, transparente, assente na avaliação das componentes das funções, com base em critérios objetivos comuns a homens e mulheres, nos termos do artigo 31.º do Código do Trabalho”.

A inexistência de qualquer jurisprudência relativamente a estes instrumentos legais de promoção da igualdade remuneratória constitui fundamento adicional no sentido de estas constituírem questões de inequívoca relevância jurídica. Torna-se imperioso dilucidar a relevância prática destes plus normativos que, em 2018, o legislador democrático introduziu na ordem jurídica, mas que, por via do seu reduzido reflexo na vida das entidades empregadoras, e do nulo efeito que os mesmos, até agora, produziram na prática judiciária, permanece law in books, e não law in action. É fundamental que a jurisprudência não só clarificadora, mas sobretudo conformadora do Supremo Tribunal de Justiça possa constituir o devido farol normativo para que as restantes instâncias assaquem as devidas consequências a um instrumento que se deveria revelar como uma ferramenta crucial no combate à disparidade salarial, um enorme flagelo do nosso País.

A Lei 60/2018 qualifica expressamente o parecer final como vinculativo. Segundo a doutrina, “o sentido da expressão, neste contexto, não se afigura (…) claro”. [2] Contudo, e segundo esclarece a mesma Autora, o sentido dessa dúvida coloca-se em sede da respetiva impugnabilidade. Não sendo o mesmo objeto de impugnação, persiste o problema jurídico de determinar a respetiva vinculatividade numa situação como a dos autos: tendo sido dado como comprovada, em sede do procedimento estabelecido na Lei n.º 60/2018, de 21 de agosto, a existência de discriminação salarial em função do sexo, e, não tendo a entidade empregadora logrado sanar tal discriminação, forçando a trabalhadora a recorrer à cessação da relação laboral com justa causa, qual o valor probatório, em sede de impugnação da cessação da relação laboral com justa causa intentada com este objeto, atribuído ao parecer emitido pelo CITE que conclui pela existência de tal discriminação?

Realce-se que o mencionado parecer determinou a notificação da ACT para efeitos do disposto no artigo 25.º, n.º 8 do Código do Trabalho, ou seja, para eventual instauração de processo de contraordenação pela prática de contraordenação muito grave!

7.- Estas questões são problemas de inequívoca relevância jurídica, cuja apreciação e dilucidação importa convocar, não só para os autos em apreço, mas para a comunidade jurídica na sua abrangência, que persiste sem alcançar, na verdade, quais os reais efeitos práticos e jurídicos que devem ser assacados a estes mecanismos de combate às desigualdades salariais entre homens e mulheres introduzidos pela Lei n.º 60/2018.»


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9. A Ré veio apresentar as suas contra-alegações, onde nas pertinentes conclusões, se pronunciou nos seguintes moldes quanto à interposição deste recurso de Revista Excecional:

«A) Veio a Recorrente interpor o presente recurso de revista excecional com fundamento nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, solicitando a análise deste Supremo Tribunal relativamente a dois temas versados no processo: (i) discriminação salarial em razão do género e (ii) assédio moral, alegando que tais questões assumem relevância social e jurídica.

B) No entender da Recorrente importa esclarecer a natureza jurídica e os efeitos probatórios do parecer da CITE e da Lei n.º 60/2018, de 21 de agosto que se pronunciou positivamente pela existência de discriminação remuneratória, nomeadamente quando a entidade empregadora exerceu o seu direito de defesa e não logrou ilidir as presunções de discriminação estabelecidas na Lei n.º 60/2018, de 21 de agosto, bem como os seus efeitos probatórios para efeitos de assédio laboral da prática de atos de retaliação após o pedido de intervenção da CITE.

C) Para fundamentar a relevância social a Recorrente alega que “é uma pessoa com conhecidos créditos na área do ambiente, bem como a Recorrida é uma associação com pergaminhos e muito visível no mesmo campo do ambiente. O presente processo dificilmente escapará ao conhecimento público, sendo provável que o público se interesse pelo desfecho do mesmo.

D) Quanto à relevância jurídica alega que a importância de tais questões advém do facto de não existir jurisprudência relativamente aos referidos instrumentos legais de promoção e igualdade remuneratória, sendo por isso, no seu entender, imperioso dilucidar a relevância pratica destes plus normativos, não só para os autos em apreço, mas para a comunidade jurídica na sua abrangência.

E) Decorre do n.º 2 do artigo 672.º do CPC que a Recorrente tem o ónus de indicar na sua alegação, sob pena de rejeição, “as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, caso invoque a alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º, e “as razões pelas quais os interesses são de particular relevância social”, quando o fundamento da revista excecional reside no disposto na alínea b) desse n.º 1.

F) As alegações da Recorrente apresentam-se desprovidas de qualquer argumentação sólida e convincente sobre as razões concretas e objetivas, que sejam suscetíveis de revelar a alegada relevância jurídica e social, quer quanto ao tema da discriminação salarial em razão do género, quer quanto ao tema do assédio moral, que justifique a intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça, das quais resulta apenas, e a nosso ver, um simples inconformismo com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, pretendendo que este Supremo Tribunal dirima, em sede de recurso de revista, um conflito de natureza privada, consistindo na análise do comportamento considerado ilícito da Recorrida e a sua relevância em termos de apreciação de justa causa de despedimento operado pela Recorrente.

G) É jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça que não bastam afirmações efetuadas de uma forma genérica e vaga, sendo necessário explicitar, com argumentação sólida e convincente, as razões concretas e objetivas, suscetíveis de demonstrar a alegada relevância jurídica e social, não relevando o mero interesse subjetivo da Recorrente, sendo necessário que a mesma concretize com argumentos concretos e objetivos.

H) Neste sentido, a Recorrente não cumpriu o ónus do n.º 2 do artigo 672.º do CPC, pelo que o presente recurso de revista excecional não deve ser admitido.

I) Subsidiariamente e sem conceder, e caso se entenda que o presente recurso deva ser admitido, e salvo entendimento poropiniãodiversa, a Recorrente vem levantar questões “novas” que não foram suscitadas nem apreciadas pelo Tribunal Recorrido, como seja a interpretação e aplicação da Lei n.º 60/2018, de 21 de agosto e a inconstitucionalidade da interpretação conjugada do dispositivo nos artigos 6.º, n.º 8 e 12.º, n.º 3, da Lei n.º 60/2018, por violação dos artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição, que, entendemos, não poderem ser apreciadas nesta sede.

J) Isto porque, os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão, mas não para obter decisões de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido, pois se assim não fosse, estar-se-ia a violar o princípio da preclusão e a desvirtuar a finalidade dos recursos, fazendo com que os tribunais de recurso funcionassem como tribunais de 1.ª instância relativamente a tal “questão nova”.»


*


Cumpre decidir.

II. FACTOS

10. Com relevância para a decisão, há a considerar os factos provados e não provados que constam do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa [TRL] de 21/2/2024 [após a procedência parcial da Impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto que foi deduzida pela Autora no seu recurso de Apelação]:

I - FACTOS DADOS COM O PROVADOS:

1. A Autora foi contratada pela Ré ao abrigo de um contrato de trabalho a termo certo de quatro meses a 1 de Junho de 2007.

2. A Autora foi contratada com a categoria de Técnico Superior.

3. O local de trabalho da Autora era no Centro ..., em ... (Cfr. Cláusula 4 do Doc. n.º 1).

4. O horário de trabalho da Autora era das 9h30 às 13h e das 14h às 18h, de segunda a sexta, com duas folgas semanais;

5. A Autora auferia um salário mensal no valor de €450,00 e subsídio de refeição de € 2,85 por dia (Cfr. Doc. n.º 1, cláusula 6).

6. O referido contrato foi celebrado ao abrigo do artigo 129.º, n.º 2, alínea f) da Lei 99/2003 de 27/08, para execução do projecto Centro de Informação de Resíduos e dar cumprimento a novos protocolos com empresas;

7. Tal contrato foi renovado por um documento chamado de adicional, celebrado a 1 de Outubro de 2007;

8. No dia 1 do outubro de 2007 a Autora e Ré celebraram o "adicional" ao contrato de trabalho cujo o teor consta de fls. 20 dos autos e que se dá por integralmente reproduzido;

9. Em 23 de Setembro de 2016, a Autora recebeu um e-mail, em que lhe era comunicado que foi formalmente nomeada coordenadora da estrutura profissional Centro de Informação de Resíduos em termos e condições que constam de fls. 20 verso dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

10. Ora, o anterior ..., BB, do género masculino, com as mesmas funções que a Autora agora desempenha, auferia o salário de € 1.302,00;

11. Outro trabalhador da Ré com funções similares à Autora mas do género masculino, CC, aufere um salário de € 1.250,00;

12. E ainda mais trabalhadores do género masculino – DD, EE e FF – auferem ou auferiram salário igual ou superior ao da Autora;

13. A Autora enviou à Ré nos dias 22/5/2019, 8/6/2019 e 16/9/2019 os E-mails que constam de fls. 25 a 27 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

14. A 20 de Junho de 2022, a Autora remeteu à Ré carta com o assunto “resolução do contrato de trabalho com justa causa por parte do trabalhador”, recebida no dia 22 de Junho do mesmo ano, em termos e condições que constam de fls. 28 a 32 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

15. A Autora enviou à ACT no dia 20-09-2021 o E-mail de fls. 34 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, sendo que o ACT enviou a Autora o E-mail de fls. 35 e 36 dos autos;

16. A Autora enviou ao CITE no dia 4/9/2020 e 18/2/2021 os E-mails de fls. 36 verso e 37 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

17. O CITE em 27/10/2021 emitiu o parecer que consta de fls. 38 a 46 verso dos autos, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

18. A Autora enviou à Ré com data de 30/1/2022 carta registada com o teor de fls. 47 a 50 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

19. A Autora encontrou-se de baixa médica de 24/9/2021 a 15/10/2021;

20. Entre a Autora e a então ... da Ré GG foi trocada a 14 de outubro de 2021 a mensagem de WHATSAPP de fls. 64 dos autos;

21. S..., HH e II declararam sobre a Autora o que consta de fls.65 verso e 66 dos autos e cujo teor se da por integralmente reproduzido;

22. Entre a Autora e a Ré (JJ na qualidade de ... nacional da Ré) foi trocada a correspondência de fls. 67 a 69 dos autos cujo teor se da por integralmente reproduzido;

23. Entre a Autora e a Ré (GG e KK, ambos da direção nacional da Ré) foi trocada a correspondência de fls. 69 verso a 77 dos autos e cujo teor se da por integralmente reproduzido;

24. Pelo menos desde março de 2022 que a Autora é ... da FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE ..., não tendo dado conhecimento à Ré;

25. A Ré cancelou a participação da Autora enquanto representante da QUERCUS no programa M... da R..., tendo comunicado tal a Autora por meio de e-mail de fls. 77 verso a 79 dos autos, cujo o teor se da por integralmente reproduzido;

26. Relativamente ao evento Ma... a Ré remeteu à Autora os emails de fls. 82 verso a 84, tendo deliberado nomear outra pessoa que não a Autora para a representar nesse evento;

27. Entre a presidente da QUERCUS e a Autora foi trocada a correspondência em dezembro de 2021 que consta de fls. 85 e 86 dos autos cujo teor de da por integralmente reproduzido;

28. O n.º de telefone ...35 corresponde a um número que pelo menos desde 2007/2008 se encontra em nome da Ré, embora sempre tenha sido atribuído para uso da Autora desde essa data;

29. No dia 23/2/2022, a Ré comunicou a retirada da viatura que estava atribuída às deslocações ao CIR (Centro de Informação de Resíduos) do qual a Autora era a coordenadora, tendo sido trocada a correspondência de fls. 89 verso a 90 dos autos;

30. Os trabalhadores do CIR estiveram em teletrabalho desde o decretamento inicial do estado de emergência e mantiveram-se até pelo menos 23 de fevereiro de 2022;

31. A viatura em apreço era pertença da Ré, sendo que até 23-02-2022 os custos da sua manutenção eram suportados pelo CIR, deixando de o ser a partir dessa data;

32. A QUERCUS estava representada há mais de 10 (dez) anos na comissão de acompanhamento de gestão de resíduos, na entidade reguladora dos serviços da água e resíduos e no observatório nacional dos centros integrados de recuperação, valorização e eliminação de resíduos perigosos. direção nacional não se candidatou à renovação a essas entidades a partir de março/abril de 2022, conforme teor de fls. 91 e 92 dos autos, cujo teor se da por integralmente reproduzido;

33. Com a sua nomeação para uma nova categoria, a Autora passou a auferir um salário de € 1.100,00 mensais brutos, salário que se mantém até à atualidade;

34. No dia 14/3/2021 teve lugar uma reunião a pedido da Autora entre esta, uma colega da equipa LL e 4 elementos da direção;

35. No dia 12/4/2022 a Autora enviou à CITE o e-mail que consta de fls. 106 verso a 107 dos autos e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido;

36. A Ré enviou à Autora e aos demais destinatários os e-mails que constam de fls. 109 e 113 dos autos;

37. No dia 18/5/2022 a Ré enviou à Autora a carta registada com A/R que consta de fls. 114 dos autos tendo a Autora respondido em termos de fls. 114 verso;

38. Entre a Autora e a Ré foi trocada a correspondência relativa à SOCIEDADE P..., em junho de 2022, com o teor de fls. 115 verso e 116 dos autos e cujo o teor se dá por integralmente reproduzido;

39. Entre a Autora e a Ré foi trocada a correspondência relativa à participação e representação da Ré em entidades diversas em termos que constam de fls. 117 a 121 dos autos, cujo o teor se dá por integralmente reproduzido

40. A Autora tinha acesso a dois E-mails da Ré: - ... e ..., sendo este último o que era usado correntemente para as comunicações com a Autora e o primeiro, o E-mail geral do CIR.

41. Os trabalhadores do CIR ficaram sem acesso ao E-mail geral referido a partir de 19/5/2022 e durante um período de tempo de cerca de 1 mês, na medida em que a Ré alterou a password, o que originou os E-mails que constam de fls. 122 a 123 dos autos.

42. A Ré emitiu o Código de Conduta de fls. 123 verso a 125 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a 20/05/2022;

43. O coordenador cujo cargo a Autora veio ocupar também resolveu o seu contrato de trabalho com justa causa cfr. fls. 125 verso.

44. No dia 14/6/2022 foi emitida a ficha de aptidão para o trabalho que consta de fls. 126 dos autos, cujo teor se da por integralmente reproduzido;

45. A Ré não emitiu a declaração de situação de desemprego solicitada pela Autora;

46. A Autora viu-se obrigada a diligenciar pela obtenção da declaração de situação de desemprego junto da ACT;

47. A Ré não efetuou as contas finais pela Autora nem enviou o recibo de vencimento à Autora, tendo porém pago integralmente o mês de junho de 2022 e os valores que constam de fls. 238 dos autos;

48. A Ré pediu à Autora para restituir os equipamentos em termos de fls. 130 e 131 dos autos, o que ainda não sucedeu.

49. Do ano de 2022 faltava à Autora gozar 11 dias de férias;

50. A Autora despendeu a quantia de € 59,70 em consultas e despesas de farmácia;

51. O ex-... BB, começou a trabalhar para a Ré no ano de 2004;

52. Ou seja, contava com mais 3 (três) anos de antiguidade face à Autora.

53. Foi este quem sempre angariou o financiamento para o grupo de trabalho CIR, tomando iniciativa e efetuando protocolos com diversas entidades;

54. E geria 5 (cinco) pessoas, ao tempo em que coordenava aquele grupo de trabalho (CIR);

55. CC encontra-se ao serviço da Ré desde o ano de 1990, ou seja, com uma antiguidade de 17 (dezassete) anos de vantagem em relação à Autora;

56. Trabalhando, desde então, na área do ...: a maior área de trabalho no seio da organização da Ré;

57. Tendo participado inclusive na campanha pela criação do Parque Natural ....

58. No ano de 1998 fundou o CERAS - CENTRO DE ESTUDOS E RECUPERAÇÃO DE ANIMAIS SELVAGENS de ...,

59. No ano de 2003 promoveu a criação do PROGRAMA ...;

60. Colabora em, pelo menos, 6 (seis) projetos importantes da Ré, entre os quais o PROJETO ..., dos mais importantes na organização,

61. Encontra-se atualmente a gerir 3 (três) centros de recuperação de animais selvagens – ..., ... e ...;

62. Coordenando uma equipa com, pelo menos, 40 (quarenta) voluntários, que inclui veterinários, biólogos.

63. Sendo que no início do ano de 2022, já tinham sido recebidos mais de 380 (trezentos e oitenta) animais selvagens para recuperação.

64. Dos restantes trabalhadores objeto de comparação pela Autora, o trabalhador EE, entrou ao serviço da Ré no ano de 2006, para exercer, de início, funções como coordenador;

65. [Acresce que a Autora não refere que] [3], no ano de 2018, entrou ao serviço, com a categoria de técnico superior, um trabalhador do sexo masculino, MM, para auferir um salário no valor de € 900,00;

66. E no mesmo ano entrou ao serviço, com a categoria de técnica superior, outra trabalhadora do sexo feminino, NN, para auferir o salário de € 1.050,00;

67. Nos dias ... de fevereiro e ... de maio de 2022, a Autora publicou na sua página da rede social FACEBOOK imagens referentes ao PROJETO ..., concebido no âmbito de trabalho da Ré (estrutura CIR), sem nunca fazer qualquer referência à Ré, em termos e condições que constam de fls. 219 verso e 220 dos autos.

68. A Ré enviou aos seus colaboradores o e-mail de fls. 220 verso e 221 relativo à divulgação de informação e imagens das atividades desenvolvidas, cujo o teor se dá por integralmente reproduzido;

69. A Autora aparece diversas vezes em representação pública da F...;

70. A Ré tinha diversas apresentadoras do programa M..., entre elas a Autora, OO e PP, tendo deliberado por unanimidade afastar a Autora do programa, até pelo facto desta surgir diversas vezes em representação da FEDERAÇÃO PORTUGUESA ...;

71. A Ré comunicou ao produtor do programa “B...” que a Autora não iria mais participar na rúbrica “M...” em representação da Ré;

72. Em outubro de 2021, a Autora ia fazer uma intervenção em nome da QUERCUS no programa “S...”, da R... e informou a Ré que estava de baixa médica e que não iria participar, pelo que a Ré diligenciou para arranjar alguém que fizesse a intervenção em sua representação.

73. O trabalho foi desenvolvido mas não pôde ser apresentado posto que a Autora obteve o cancelamento da intervenção da QUERCUS junto da R..., informando que não iriam comparecer. Nunca informou a Ré, e foi a própria R... quem informou aquando da sua apresentação, que o programa tinha sido cancelado;

74. Durante a reunião que a Autora teve com a direção da Ré, em .../3/2022, a ... da Ré acusou a Autora de falta de zelo e lealdade, falta de produtividade, e os demais membros presentes, assim como a ..., sustentaram tal no facto de a Autora não dar reporte dos projetos do CIR à Direção Nacional, e não responder às solicitações feitas com vista a saber o ponto de situação dos projetos;

75. O trabalho da Autora na Ré foi sempre restrito maioritariamente à área do ..., tendo feito alguns artigos que foram publicados nessa área e participado em grupos de trabalho igualmente nessa área;

76. O CIR gerido pela Autora era composto por si mesma e mais duas pessoas;

77. O anterior ... do CIR BB geria o CIR que tinha a sua presença e de mais quatro pessoas;

78. O anterior ... do CIR BB acompanhava todos os temas dos resíduos e não apenas o ...;

79. Apresentava o resumo curricular que consta de fls. 248;

80. A Autora enquanto coordenadora do CIR angariou menos verbas que o anterior coordenador, sendo os valores obtidos em 2016 a 2020 cerca de metade dos obtidos de 2010 a 2014 com o anterior coordenador, tudo em termos que constam de fls. 386 v.º dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

81. Em 2018 com o ... da Ré QQ a situação financeira da Ré atravessou dificuldades e os valores de passivo financeiro que constam de fls. 378 a 386, tendo o mesmo sido alvo de uma investigação criminal por gestão danosa;

82. DD é ... e esteve a desenvolver um projeto designado de “L...”;

83. FF é ... e foi contratado para a área do ...;

84. O número de telefone ...35 encontra-se registado em nome da Ré, sendo que sempre foi usado pela Autora, e já antes desta ter ido trabalhar para a Ré era por si usado, posto que cedido pela sua anterior entidade empregadora, tendo sido pertença desta última no passado;

85. Na sequência da Autora não dar informações sobre o CIR à Direção Nacional era foi consultar o email profissional da Autora e constatou que a mesma tinha apagado quase todos os emails profissionais até Junho/julho de 2022;

86. A Autora já sofria de enxaquecas e em 2020 e 2021 começou a sofrer mais de enxaquecas, ansiedade, tendo a sua situação sido agravada com a doença oncológica do pai;

87. A situação laboral da Autora começou igualmente a causar-lhe tristeza e ansiedade agravada pela saúde do pai, tendo a Autora estado de baixa médica para lhe prestar apoio.

88 - Em 8 de Junho de 2022, por unanimidade dos membros do CITE [Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego] foi proferido o parecer final vinculativo n.º ...12/CITE/2022 com o teor constante de fls. 321 verso a 338 dos autos que aqui se dão por reproduzidas, sendo que no mesmo se concluiu que na Ré existe «prática discriminatória remuneratória em função do sexo da trabalhadora AA, em relação aos seus colegas do sexo oposto e com a mesma categoria profissional.» [PONTO DE FACTO ADITADO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA]


***


II - FACTOS NÃO PROVADOS:

1. A direção nacional da Ré reuniu como produtor do programa “B...”, para proibir a participação da Autora na rúbrica M..., tendo esse produtor manifestado discordância com essa decisão, reforçando o empenho profissional da Autora;

2. Na reunião de 14/3/2022 a Autora sofreu três horas de violência verbal gratuita, fazendo acusações falsas e dizendo “tenho pena de não estar aí presencialmente na sede para ter o prazer de te dizer estas coisas pessoalmente”;

3. Quando a Autora deixou de ter acesso às contas bancárias do CIR foi avisada pela Ré;

4. Quando a Autora deixou de ter acesso às contas bancárias do CIR não foi avisada pela Ré;

5. O anterior ... do CIR BB participava em políticas de gestão de resíduos promovendo a prevenção do desperdício e reciclagem;

6. Prestava trabalho técnico de apoio a empresas na área de resíduos e formação de professores em matéria de resíduos;

7. O email de KK de fls. 59 v. foi enviado aos destinatários que dele constam;

8. A conduta da Ré causou pânico na Autora, sensação de viver um pesadelo e recorreu a consultas de psicoterapia, neurologia e dermatologia por causa de tal conduta;

9. Ficou com humor depressivo, distúrbios no sono, autoconfiança e autoestima e moral.»


*


III - QUESTÕES SUSCITADAS AO ABRIGO DAS ALÍNEAS A) e B) DO NÚMERO 1 DO ARTIGO 672.º DO NCPC [4]

11. Nos termos e para os efeitos do art. 672.º, n.º 1, alínea a), reclamam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça as questões “cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, como tal se devendo entender, designadamente, as seguintes:

– “Questões que motivam debate doutrinário e jurisprudencial e que tenham uma dimensão paradigmática para casos futuros, onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa ser utilizada como um referente.” (Ac. do STJ de 06-05-2020, Proc. n.º 1261/17.1T8VCT.G1.S1, 4.ª Secção).

– Quando “existam divergências na doutrina e na jurisprudência sobre a questão ou questões em causa, ou ainda quando o tema se encontre eivado de especial complexidade ou novidade” (Acs. do STJ de 29-09-2021, P. n.º 681/15.0T8AVR.P1.S2, de 06-10-2021, P. n.º 12977/16.0T8SNT.L1.S2, e de 13-10-2021, P. n.º 5837/19.4T8GMR.G1.S2).

– “Questões que obtenham na Jurisprudência ou na Doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação que suscite problemas de interpretação, nos casos em que o intérprete e aplicador se defronte com lacunas legais, e/ou, de igual modo, com o elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, em todo o caso, em todas as situações em que uma intervenção do STJ possa contribuir para a segurança e certeza do direito.” (Ac. do STJ de 06-10-2021. P. n.º 474/08.1TYVNG-C.P1.S2).

– “Questões que obtenham na jurisprudência ou na doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação com elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, suscetíveis, em qualquer caso, de conduzir a decisões contraditórias ou de obstar à relativa previsibilidade da interpretação com que se pode confiar por parte dos tribunais.” (Ac. do STJ de 22-09-2021, P. n.º 7459/16.2T8LSB.L1.L1.S2).

– Questão “controversa, por debatida na doutrina, ou inédita, por nunca apreciada, mas que seja importante, para propiciar uma melhor aplicação do direito, estando em causa questionar um relevante segmento de determinada área jurídica” (Ac. do STJ de 13-10-2009, P. 413/08.0TYVNG.P1.S1).

– “Questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica reclame aturado estudo e reflexão, ou porque se trata de questão que suscita divergências a nível doutrinal, sendo conveniente a intervenção do Supremo para orientar os tribunais inferiores, ou porque se trata de questão nova, que à partida se revela suscetível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, suscetíveis de conduzir a decisões contraditórias, justificando igualmente a sua apreciação pelo STJ para evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam surgir.” (Ac. do STJ de 02.02.2010, P. 3401/08.2TBCSC.L1.S1).


*


12. A nossa jurisprudência, quanto aos invocados interesses de particular relevância social que são enunciados na alínea b) do número 2 do artigo 672.º, fala-nos em “aspetos fulcrais para a vida em sociedade” (Ac. do STJ de 13.04.2021, P. 1677/20.6T8PTM-A.E1.S2), assuntos suscetíveis de, com maior ou menor repercussão e controvérsia, gerar sentimentos coletivos de inquietação, angústia, insegurança, intranquilidade, alarme, injustiça ou indignação (Acs. do STJ de 14.10.2010, P. 3959/09.9TBOER.L1.S1, e de 02.02.2010, P. 3401/08.2TBCSC.L1.S1), ou que “exista um interesse comunitário significativo que transcenda a dimensão inter partes” (Ac. do STJ de 29.09.2021, P. n.º 686/18.0T8PTG-A.E1.S2), sendo certo que nesta matéria “não basta o mero interesse subjetivo do recorrente” (Ac. do STJ de 11.05.2021, P. 3690/19.7T8VNG.P1.S2).

*


13. Vem a Ré, nas suas contra-alegações, opôr-se ao recurso de revista excecional interposto, em termos subsidiários, pela Autora, por entender que a mesma não cumpre os requisitos mínimos impostos pelos números 1 e 2 do artigo 672.º do Código de Processo Civil de 2013 mas, depois de lidas as alegações e conclusões de tal recurso, considera este Supremo Tribunal de Justiça que a recorrente cumpre suficientemente os mesmos, quanto aos fundamentos invocados e que constam das alíneas a) e b) do número 1 daquela disposição legal.

*


14. Debrucemo-nos agora sobre a primeira questão que foi remetida para apreciação por esta formação - Quais os efeitos probatórios para efeitos de assédio laboral da prática de atos de retaliação, após o pedido de intervenção da CITE -, de maneira a apurarmos se os exatos contornos em que a mesma se acha suscitada e discutida pelas partes nos seus articulados e alegações e tratada pelas instâncias, lhe confere a relevância jurídica proeminente reclamada pelo alínea a) do número 1 do artigo 672.º do NCPC.

Importa não perder de vista o contexto em que tal matéria do assédio moral surge e que se radica, essencialmente, na alegação pela Autora de que foi, por parte da Ré, discriminada salarialmente em razão do género – questão que, reiteradamente, suscitou junto da ACT e da CITE, assim como da sua empregadora - e que culminou num pedido de intervenção da COMISSÃO PARA A IGUALDADE NO TRABALHO E NO EMPREGO, que, para o efeito, veio a emitir nos termos do artigo 6.º da Lei n.º Lei n.º 60/2018, de 21 de agosto [5] Parecer que, segundo o Ponto de Facto n.º 88 - que foi aditado pelo Tribunal da Relação de Lisboa - foi favorável às pretensões da trabalhadora [6].

Interessa contudo e ainda nesta precisa matéria, atender aos Pontos 16. e 17. da Factualidade dada como Provada, quando afirmam o seguinte:

«16. A Autora enviou ao CITE no dia 4/9/2020 e 18/2/2021 os E-mails de fls. 36 verso e 37 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

17. O CITE em 27/10/2021 emitiu o parecer que consta de fls. 38 a 46 verso dos autos, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;»

Logo, constata-se que a CITE não emitiu apenas um Parecer – o de 8/6/2022 – mas antes dois, possuindo o de 27/10/2021, uma natureza provisória [7], ao contrário daquele outro que já tem um cariz definitivo [8] [em, rigor, a COMISSÃO PARA A IGUALDADE NO TRABALHO E NO EMPREGO qualifica o primeiro como «Proposta Técnica de Parecer nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 6.º da Lei 60/2018 de 21 de agosto» e o segundo como «Parecer Final nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 6.º da Lei 60/2018 de 21 de agosto», o qual a CITE denomina de «Parecer Final Vinculativo»].

A Autora alega ainda que, na sequência de tais Pareceres, a empregadora não apenas não eliminou a situação de discriminação salarial existente como desenvolveu a prática de atos revanchistas, retaliatórios sobre ela, que se configuram juridicamente como assédio moral.

A Ré, na sua contestação nega a verificação de um qualquer cenário de discriminação salarial ou de assédio moral, alegando para o efeito e na sua perspetiva uma versão diversa e uma explicação válida para os factos invocados pela trabalhadora, assim como impugna o Parecer da CITE. [9]

Importa dizer que nenhuma das partes faz, nos seus articulados, qualquer menção ao regime especial constante da Lei n.º 60/2018 de 21 de agosto, limitando-se a Autora a remeter para o princípio constitucional da igualdade e de não discriminação [artigo 13.º da CRP] e para o regime geral ínsito nos artigos 23.º a 32.º do Código do Trabalho de 2009, na parte aplicável ao tratamento discriminatório em razão do sexo e ao assédio moral.

A sentença da 1.ª instância, que julgou totalmente improcedente a presente ação, não refere os Pareceres da CITE – em rigor, só deu como assente o primeiro, não tendo levado à factualidade dada como assente o último -, nem faz qualquer apreciação, na sua fundamentação de direito, acerca da natureza e valor jurídico e probatório dos mesmos, restringindo a sua apreciação à efetiva inexistência de uma violação da salário igual para trabalho igual ou equivalente ou de condutas que pudessem, em moldes individuais ou globais, configurar o mencionado assédio.

A Autora, nas suas alegações de recurso de Apelação, para além de impugnar a Decisão sobre a Matéria de Facto, quanto aos factos do Ponto n.º 88, que veio a ser aditado à Factualidade Assente pelo TRL, vem invocar, pela primeira vez e de forma expressa, o carácter vinculativo do segundo parecer da CITE [sem que saibamos se o faz por referência à entidade empregadora, ao tribunal ou a ambos, pois não é desenvolvido qualquer raciocínio a esse respeito], ainda que, de novo, sem qualquer menção ao regime jurídico da Lei n.º 60/2018 de 21 de agosto e sem extrair as necessárias consequências jurídicas de tal aspeto, para além das já antes referenciadas, a propósito da Petição Inicial [discriminação salarial + queixa à CITE + Pareceres + assédio moral subsequente a título persecutório e retaliatório].

A Ré, curiosamente, nas suas contra-alegações, vem pronunciar-se sobre a temática dos Pareceres da CITE, opondo-se à inclusão no novo Ponto de Facto n.º 88 e entendendo que os efeitos jurídicos dos mesmos, segundo o artigo 6.º da Lei n.º 60/2018 de 21 de agosto, não vinculam os tribunais e reconduzem-se a presunções ilidíveis que foram afastadas pela Ré no quadro desta ação.

O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa aqui recorrido nada mais diz acerca de tal assunto se não que tais Pareceres não se sobrepõem nem condicionam minimamente a apreciação e a decisão dos julgadores, chegando-se então ao presente recurso de revista que, como sabemos, viu um dos seus fundamentos ser rejeitado, outros serem aceites no âmbito de um recurso ordinário e os demais, integrados neste recurso extraordinário de revista.

Chegados aqui e face a esta síntese do que as partes afirmaram ao longo dos autos quanto a esta complexa problemática dos Pareceres emitidos ao abrigo do artigo 6.º da Lei n.º 60/2018 de 21/8, não se nos afigura possível defender que nos deparamos com uma questão nova que nos está vedado julgar, pois, ainda que de uma maneira deficiente, a mesma é sufientemente suscitada nos autos, encontrando-se este STJ, por outro lado, confrontado com a aplicação de um regime laboral especial, ao abrigo do qual foram emitidos a Proposta Técnica de Parecer e o Parecer Definitivo, que não pode ser ignorado no quadro desta Revista Excecional.

No que toca ao objeto desta revista, a Autora parece sustentar que o Parecer ou Pareceres da CITE, nos termos do regime jurídico que decorre do artigo 6.º da Lei 60/2018 de 21 de agosto, não apenas produzem efeitos jurídicos ao nível da presumida discriminação salarial pelos mesmos reconhecida e declarada [a título provisório e depois definitivo] como ainda, atendendo às circunstâncias particulares em que as diversas situações invocadas pela mesma tiveram lugar e ao quadro normativo constante do diploma legal antes identificado assim como do artigo 25.º do Código do Trabalho de 2009, decorrerá dos ditos Pareceres, mesmo quanto ao Assédio invocado, um regime probatório reforçado distinto do habitual ou normal, por força da discriminação operada.

A recorrente sustenta, aliás, quanto ao regime legal que prevê e regula a emissão desse Parecer pela CITE e seus reflexos sobre o cenário de assédio por ela alegado, que a interpretação sumária e não fundamentada que o Tribunal da Relação de Lisboa fez, no Aresto recorrido, da natureza vinculativa daquele [cf. previsto nos artigos 6.º, n.º 8 e 12.º, n.º 3, da Lei n.º 60/2018] se traduz numa violação dos artigos 13.º [princípios da igualdade e da proibição da discriminação] e 59.º, n.º 1, alínea a) [10], da Constituição da Républica Portuguesa.

A recorrida, nas suas contra-alegações, para além de reiterar o que já antes tinha sustentado quanto à restrita força jurídica e probatória de tais Pareceres da CITE [designadadamente, no âmbito desta ação, por as presunções legais terem sido por ela efetiva e concretamente ilididas quanto à referida discriminação salarial], vem ainda remeter os efeitos daquela para o estrito plano contraordenacional.

Diremos que a Ré, quando confrontada com a intervenção e atuação da CITE, se remeteu ao silêncio e ignorou as mesmas, não dando assim uma qualquer resposta à notificação efetuada na sequência da proposta técnica de Parecer e uma mínima satisfação às determinações finais dela constantes, conforme resulta do Relatório e considerações constantes do Parecer definitivo e vinculativo.

Ora, nesta matéria, importa atender aos números 7 e 8 do artigo 6.º e 3 do artigo 12.º do mencionado diploma legal quando estatuem, respetivamente, o seguinte:

«7 - A entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres notifica o requerente, a entidade empregadora e o serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral do seu parecer final, vinculativo, no prazo de 60 dias a contar da data do decurso dos prazos previstos nos n.ºs 5 ou 6, consoante tenha ou não sido disponibilizada a informação solicitada nos termos do n.º 3.

8 - Presumem-se discriminatórias as diferenças remuneratórias que a entidade empregadora não justifique nos termos do presente artigo.»

3 - O parecer vinculativo emitido nos termos do n.º 7 do artigo 6.º da presente lei é comunicado ao serviço inspetivo pela entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, para efeitos do disposto no n.º 8 [11] do artigo 25.º do Código do Trabalho.»

Interessa também considerar aqui o artigo 7.º desse mesmo diploma legal quando estabelece o seguinte:

Artigo 7.º

Proteção do trabalhador

1 - Presume-se abusivo o despedimento ou outra sanção aplicada alegadamente para punir uma infração laboral, quando tenha lugar até um ano após o pedido de parecer previsto no artigo anterior, aplicando-se o disposto nos n.ºs 3 a 7 do artigo 331.º do Código do Trabalho.

2 - É inválido o ato de retaliação que prejudique o trabalhador em consequência de rejeição ou recusa de submissão a discriminação remuneratória, nos termos do artigo 25.º do Código do Trabalho.

Impõe-se ainda, quanto a esta problemática do assédio moral de que, alegadamente, a Autora terá sido vítima após o recebimento dos ditos Pareceres da CITE que afirmaram a existência de discriminação salarial - primeiro em moldes indiciários e depois de forma efetiva e presumida -, olhar para o que o anterior número 7 – hoje número 8 – desse mesmo artigo 25.º do CT/2009 igualmente determina: «8 - É inválido o acto de retaliação que prejudique o trabalhador em consequência de rejeição ou submissão a acto discriminatório.»

Este regime jurídico especial, que, salvo o devido respeito, não foi devidamente ponderado pelas partes e pelas instâncias – até por referência a idênticos Pareceres proferidos pela CITE no quadro dos artigos 68.º e 57.º do CT/2009 – coloca, efetivamente, questões que passam, por um lado, por saber se o carácter indiciário do primeiro Parecer [proposta técnica] e a natureza vinculativa deste segundo Parecer do artigo 6.º da Lei n.º 60/2018 se refere [1] aos empregadores a que aqueles se destinam e aos tribunais do trabalho ou se, ao invés, [2] respeitam apenas aos primeiros ou [3] aos segundos ou se, finalmente, e como parece ser sustentado pelo TRL e pela Ré, [4] não têm em rigor, qualquer índole vinculatória.

Em segundo lugar e caso se entenda que o cariz vinculatório desses Pareceres da CITE incide, pelo menos ou também, sobre as entidades patronais, saber se o não cumprimento dos mesmos por parte destas últimas não poderá ter reflexos jurídicos substantivos, que não sejam apenas ao nível salarial, mas igualmente noutras vertentes da relação laboral, quer ainda em termos adjetivos, ao nível da inversão do ónus de prova e de mais simples e fácil configuração, de facto e de direito, de uma situação de assédio discriminatório por parte do trabalhador visado.

O quadro factual e jurídico que deixámos traçado – e sem ignorarmos que está pendente um recurso ordinário de revista que incide, fundamentalmente, sobre a natureza e efeitos jurídicos do Parecer da CITE e sobre a efetiva existência de discriminação salarial – permite-nos afirmar que se mostra preenchido o requisito da alínea a) do número 1 do artigo 672.º do NCPC, dado nos depararmos com temáticas «cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».


*


15. Idêntica perspetiva [relevância jurídica] temos quanto à problemática que se traduz em saber se a Autora teria ou não fundamento para resolver o contrato de trabalho com justa causa, nomeadamente, por ter sido vítima de assédio moral, pois a estreita conexão factual existente, na visão da recorrente, entre a situação de discriminação remuneratória em razão do sexo ou género, o pedido e a emissão dos Pareceres pela CITE conformadores de tal realidade e os atos que terão sido levados a cabo pela empregadora e que segundo a interpretação dos factos e das regras jurídicas aplicáveis feita pela recorrente se reconduzem a assédio moral, consentem que se afirme que uma tal questão evidencia suficiente complexidade ou novidade - aliás, evidenciada abundamentente em debates na doutrina e na jurisprudência – que reclama uma resposta do Supremo Tribunal de Justiça suscetível de assumir uma dimensão paradigmática para casos futuros.

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16. O mesmo já não podemos dizer quando à integração da alínea b) do mesmo número 1 do artigo 672.º de qualquer uma dessas questões, por se nos afigurar que, para a lei, não bastará estar envolvida uma pessoa singular ou coletiva com renome público [como é caso da Ré] para se poder falar do preenchimento de interesses de particular relevância social, com a configuração jurídica que antes deixámos aflorada.

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IV – DECISÃO

17. Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 672.º, números 1, alínea a) e 3 do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça em admitir o presente recurso de Revista excecional interposto pela Autora AA quanto às questões abordadas sob os números 14 e 15 da fundamentação do presente Aresto.

Custas do presente recurso a cargo da recorrente - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa, 15 de janeiro de 2025

José Eduardo Sapateiro - relator

Júlio Gomes – 1.º Adjunto

Mário Belo Morgado – 2.º Adjunto

SUMÁRIO

DESCRITORES_____________________________________________

1. Nesse mesmo despacho liminar fez-se a seguinte síntese de todas as questões suscitadas no recurso de revista excecional:

«No recurso de revista excecional, a Autora suscita a apreciação das seguintes questões, para além da já apreciada [relativa ao depoimento das testemunhas que integravam os corpos sociais da Ré]:

- Qual a natureza jurídica de parecer da CITE que se pronuncie, positivamente, pela existência de discriminação remuneratória;

- Quais os efeitos probatórios para efeitos de assédio laboral da prática de atos de retaliação, após o pedido de intervenção da CITE;

- E, em consequência, se (i) a Autora tinha fundamento para resolver o contrato de trabalho com justa causa, nomeadamente, por ter sido vítima de assédio moral e de discriminação salarial, e (ii) se a interpretação do Tribunal da Relação dos artigos 6.º, n.º 8 e 12.º, n.º 3, da Lei n.º 60/2018 viola os artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da Républica Portuguesa.»↩︎

2. «Assim, Milena da Silva Rouxinol, Direito Antidiscriminação nas Relações Laborais, Almedina: Coimbra, 2024, p. 94.» - NOTA DE RODAPÉ DAS CONCLUSÕES TRANSCRITAS, COM O NÚMERO 1.↩︎

3. Excerto que tem de ser desconsiderado por se traduzir numa mera expressão coloquial de linguagem que dele não deveria constar, por nada acrescentar de concreto à factualidade dada como assente neste Ponto.↩︎

4. As referências teóricas e jurisprudenciais constantes da presente fundamentação, assim como os dois pontos do Sumário, foram extraídos, com a devida vénia, dos dois Acórdãos de 11/9/2024 e de de 12.04.2024, proferidos, respetivamente, no Processo n.º 511/20.1T8FAR.E1.S2 (revista excecional) e no Processo n.º Processo n.º 3487/22.7T8VIS.C1.S1 (revista excecional), ambos relatados pelo Juiz Conselheiro MÁRIO BELO MORGADO.↩︎

5. Diploma legal que, segundo o seu Sumário, «Aprova medidas de promoção da igualdade remuneratória entre mulheres e homens por trabalho igual ou de igual valor e procede à primeira alteração à Lei n.º 10/2001, de 21 de maio, que institui um relatório anual sobre a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, à Lei n.º 105/2009, de 14 de setembro, que regulamenta e altera o Código do Trabalho, e ao Decreto-Lei n.º 76/2012, de 26 de março, que aprova a orgânica da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego.»↩︎

6. «88 - Em 8 de Junho de 2022, por unanimidade dos membros do CITE [Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego] foi proferido o parecer final vinculativo n.º ...12/CITE/2022 com o teor constante de fls. 321 verso a 338 dos autos que aqui se dão por reproduzidas, sendo que no mesmo se concluiu que na Ré existe «prática discriminatória remuneratória em função do sexo da trabalhadora AA, em relação aos seus colegas do sexo oposto e com a mesma categoria profissional.» [PONTO DE FACTO ADITADO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA]↩︎

7. Pode ler-se no final do mesmo [CONCLUSÃO] o seguinte:

«Face ao exposto, a CITE delibera:

4.1. Nos termos do n.º 6 do artigo 6.º da Lei 60/2018, de 21 de agosto, convocar a entidade empregadora QUERCUS – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA - DIREÇÃO NACIONAL, para no prazo de 180 dias a contar da notificação da presente presente proposta técnica de parecer, proceder à justificação dos indícios de discriminação ou apresentar medidas de correção adotadas quanto à situação remuneratória da trabalhadora queixosa AA.

4.2. Notificar da presente proposta técnica de parecer a requerente AA.

APROVADO POR UNANIMDADE DOS MEMBROS DA CITE EM 27 DE OUTUBRO DE 2021, CONFORME CONSTA DA RESPETIVA ATA NA QUAL SE VERIFICA A EXISTÊNCIA DE QUORUM CONFORME LISTA DE PRESENÇAS ANEXA À MESMA ATA.»↩︎

8. Pode ler-se, por seu turno, no final do mesmo [CONCLUSÃO] o seguinte:

«Face ao exposto, a CITE delibera:

4.1. Existir por parte da entidade empregadora QUERCUS – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA - DIREÇÃO NACIONAL prática discriminatória remuneratória em função do sexo da trabalhadora AA, em relação aos seus colegas do sexo oposto e com a mesma categoria profissional.

4.2. Nos termos do n.º 7 do artigo 6.º da Lei 60/2018, de 21 de agosto, comunicar à Autoridade para as Condições no Trabalho (ACT) o presente parecer, para os efeitos previstos no disposto do n.º 8 do artigo 25.º do Código do Trabalho.

4.3. Comunicar o presente parecer às partes.

APROVADO POR UNANIMIDADE DOS MEMBROS DA CITE EM 08 DE JUNHO DE 2022».↩︎

9. Talvez não seja despiciendo olhar para o que foi alegado ou pedido pelas partes a este respeito nos seus articulados:

PETIÇÃO INICIAL

«23. A Autora levou a cabo uma série de diligências quer junto da Ré, sua entidade patronal, quer junto das entidades oficiais como CITE e ACT, que coincidiram com a nomeação da atual direção em Julho de 2021, que levaram a que a Autora fosse alvo de uma pressão psicológica direcionada a levá-la a abdicar do seu cargo de coordenação e, mesmo, a sair da associação, condutas essas que constituem casos claros de exercício de assédio moral.

29. A Autora também diligenciou o contacto com a CITE, referido na carta de resolução (Cfr. Doc n.º 10):

10. Em setembro de 2020, apresentei a situação por escrito à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), tendo sido emitido, por unanimidade, um parecer favorável provisório. Juntam-se os emails de contacto com a CITE como Docs. n.º 14 e 15 e o parecer emitido a 27 de Outubro de 2021, como Doc. n.º 16.

30. A CITE pronunciou-se no seguinte sentido, “Com base nos documentos analisados, é razoável concluir que estamos perante um caso de discriminação remuneratória em razão do sexo” e que “a entidade empregadora não logrou apresentar quaisquer motivos ou factos que permitam afastar, de forma clara e inequívoca, os factos relatados e demonstrados pela queixa” (Cfr. Docs. n.º 16).

31. A situação do salário da Autora não foi regularizada apesar do parecer emitido pela CITE;

32. E a Autora nunca deixou de fazer pressão junta da Ré para regularização desta diferença salarial, tendo contacto a sua entidade patronal em duas ocasiões por carta, cujos comprovativos se juntam como Docs. n.º 17 (primeira carta), 18 (registo e aviso de recepção) 19 (carta devolvida) e 20 (segunda carta).

33. Apenas a segunda carta foi recebida pela Ré, e mesmo essa, não obteve qualquer reposta, juntando-se registo e aviso de recepção dos CTT como Doc. nº 21.

34. A Ré não regularizou a situação, apesar dos protestos da Autora.

35. A Autora prossegue na sua carta de resolução (Cfr. Doc n.º 10):

11. Desde as minhas diligências junto da CITE, que coincidiram com a passagem da anterior direção para a atual direção, que noto que tenho sido alvo de uma pressão psicológica direcionada a levar-me a sair da associação, condutas essas que constituem casos claros de exercício de assédio moral.

82. A discriminação salarial em razão do género de que a Autora foi alvo, bem como a campanha de assédio moral que se seguiu, provocam grave prejuízo à Autora, quer a nível monetário, quer a nível da sua saúde, e a nível da dignidade e brio profissional da trabalhadora, e tornam inexigível a manutenção do seu vínculo laboral com a Ré.»

CONTESTAÇÃO

«130.º - Deste modo, impugna-se qualquer parecer com proveniência da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, uma vez que os mesmos assentam em meros indícios e não em provas concretas.»

RESPOSTA DA AUTORA – Pedido de junção aos autos do procedimento administrativo da CITE no âmbito do qual vieram a ser proferidos os mencionados dois Pareceres, pretensão essa que foi deferida pelo tribunal da 1.ª instância e que foi oportunamente satisfeita pro aquele organimso, encontrando-se o o memso apenso a esta ação.↩︎

10. «1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:

a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;»↩︎

11. «8 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto nos n.ºs 1 ou 7.» [hoje número 9 do mesma disposição legal, após a alteração introduzida pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, com entrada em vigor a 1 de maio de 2023].↩︎