DECISÃO SINGULAR
Sumário


I. Cumulam-se juridicamente as penas da mesma espécie. As penas de diferente natureza acumulam materialmente.
II. Sempre que alguma ou algumas das penas parcelares englobadas em anterior cúmulo jurídico vêm a ser englobadas em cúmulo jurídico posterior, impõe-se reformular o anterior, condenado o arguido em novas penas conjuntas.
III. A prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa porque tem natureza diferente não pode cumular-se com penas de prisão.
IV. Tendo-se extinguido pelo cumprimento mão não pode se englobada no cúmulo jurídico das penas de prisão aplicadas aos crimes do mesmo concurso, tal como sucede com a pena suspensa extinta.
V. Não se englobando no cúmulo jurídico de penas, a condenação em pena de multa convertida em prisão subsidiária não serve de marco temporal determinante de um concurso de crimes de conhecimento superveniente, mormente para formar dois ou mais cúmulos jurídicos de penas.
VI. Competente, territorialmente, para o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao condenado em vários processos por crimes de um concurso é o tribunal que proferiu a última condenação por qualquer deles. Não o da condenação transitada em julgado em último lugar. Nem o do último cúmulo jurídico efetuado por conhecimento superveniente do concurso de crimes.

Texto Integral

Conflito negativo de competência

(n.º 2/2025)

Proc. n.º 2234/21.5T8EVR-A.S1


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DECISÃO:

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a) relatório:

Dos elementos com que vem instruído este procedimento e da consulta eletrónica do processo relacionado (n.º 2234/21.5T8EVR) extrai-se, com relevância para a resolução do vertente conflito negativo de competência, que: -----

1. O Juízo central cível e criminal de Évora -juiz 1, por conhecimento superveniente de três concursos de crimes cometidos pelo arguido AA, em acórdão cumulatório, com data de 29.04.2022, proferido no processo em epígrafe, transitado em julgado em 30.05.2022, condenou-o nas seguintes 3 (três) penas únicas: -----

a) - 5 anos e 11 meses de prisão, englobando as penas parcelares em que foi condenado nos processos n.º 807/10.1... e 775/10.9...;

b) - 8 anos de prisão, englobando as penas parcelares que lhe foram aplicadas nos processos n.º 1559/12.5..., 455/15.9... e 100/16.5...; e ---

c) – 7 anos e 2 meses de prisão e na sanção acessória de proibição de conduzir por 5 meses, englobando as penas parcelares em que foi condenado nos processos n.º 896/18.0..., 117/18.5..., 762/18.9... e 942/18.7...

2. Dos termos em que vem configurado o dissídio constata-se que a pena única do primeiro bloco (cúmulo A) não tem qualquer relevância para a resolução deste conflito negativo de competência.

3. Na pena conjunta aplicada no segundo e no terceiro bloco englobaram-se as penas parcelares em que o arguido foi condenado como a seguir se especifica: -----

Cúmulo B: -----

processosentença/acord.trânsitocrimesdata dos factospena/prisão/multa
1559/12.5...20/02/201228/01/2016falsidade testemunho8/02/2012250d multa (extinta, cumpriu prisão subsidiária)
455/15.9...15/03/201712/09/2018arma proibida27/11/20152 anos
100/16.5...10/10/201812/06/2020roubo agravado14/01/20167 anos

Cúmulo C: -----

processosentença/acordtrânsitocrimesdata dos factospenas/prisão
896/18.0...20/04/202024/12/2020roubo

arma proibida

tráfico menor gravidad

16/08/2018

26/07/2019

26/07/2019

4anos e 6meses 2 anos

1ano e 6meses

117/18.5...15/01/202017/02/2020condução sem carta13/04/20186 meses
762/18.9...26/06/202014/09/2020condução sem carta

condução perigosa

25/08/201810 meses

20 meses

5m inibição

942/18.7...15/07/202115/07/2021furto27/10/20187 meses

4. O Juízo central criminal de Sintra -juiz 1, também por conhecimento superveniente de um concurso de crimes cometido pelo arguido AA, em acórdão cumulatório, datado de 8.11.2023, proferido no processo com o n.º 114/19.3..., transitado em julgado em 13.12.2023, condenou-o na pena única de 5 anos e 9 meses de prisão (a que logo perdoou um ano) englobando as penas parcelares que lhe foram aplicadas conforme se descrimina: ----

processosentença/acordtrânsitocrimesdata dos factospenas/prisão
942/18.7...15/07/202130/09/2021furto27/10/20187 meses
114/19.3...6/02/20238/03/2023furto qualificado

condução s/carta

3/04/20195anos e 2meses

1ano e 2meses

5. O Juízo central civil e criminal de Évora – juiz 1, tomando conhecimento do acórdão cumulatório do tribunal criminal de Sintra e acolhendo promoção do Ministério Público, por despacho de 8.09.2023, envia-lhe certidão do seu acórdão referido em 1. “para realização do cúmulo jurídico” no processo n.º 114/19.3..., de modo a englobar numa nova pena conjunta a pena aí aplicada e as penas parcelares aplicadas ao arguido nos processos n.º nº 117/18.5..., 942/18.7..., 896/18.0... e 762/18.9... por entender que os crimes pelos quais foi aí condenado se duas penas se encontram entre si numa relação de concurso efetivo.

6. O Juízo central criminal de Sintra. Juiz 1, respondendo, por despacho de 10.10.2023 informou que “não realizará cúmulo jurídico de penas aplicadas a AA nos Procs. n.ºs 100/16.5..., 117/18.5..., 896/18.0... e 762/18.9...” porque os crimes por que o arguido foi aí condenado não estão em relação de concurso com aqueles por que foi condenado nos processos n.º 114/18.7... e n.º 942/18.9...

7. Acrescentando que a decisão transitada em julgado (em 12.09.2018) que marca o 2.º concurso é a que foi proferida no processo n.º 455/15.9... e a do 3.º concurso é a decisão transitada em julgado (em 17.02.2020) no processo n.º 117/18.5...).

8. Na sequência dessa informação, o Juízo central cível e criminal de Évora -juiz 1, por decisão de 19.03.2024, reafirmando que os crimes pelos quais o arguido foi condenado nos processos n.º 117/18.5..., n.º 896/18.0..., n.º 762/18.9..., n.º 942/18.7... e n.º 114/19.3... fêntão entre si numa relação de concurso efetivo e que, por isso, as penas parcelares em cada um aplicada devem ser cumuladas juridicamente pelo tribunal da última condenação, invocando o disposto no art. 471.º n.º 2 do CPP, declarou-se “incompetente para realizar a audiência de julgamento com vista à reformulação do cúmulo jurídico das penas” parcelares do referido concurso de crimes.

9. Competência territorial que atribuiu ao Juízo central criminal de Sintra -juiz 1 por ter sido no referido processo n.º 114/19.3... que o arguido julgado e condenado pela última vez por qualquer dos crimes desse concurso de infrações.

10. O Juízo central criminal de Sintra – juiz 1, respondendo, por decisão de 4/11/2024, entendendo que “o condenado AA não sofreu qualquer condenação cuja existência não tenha sido considerada no acórdão cumulatório proferido (…) [no processo 114/19.3...], em 08.1I.2023, transitado em julgado em 13.12.2023, não será realizado novo cúmulo jurídico.

11. Confrontado com essa decisão, o Juízo central cível e criminal de Évora -juiz 1, discordando, por despacho de 6.05.2022, declarou-se incompetência para a reformulação dos referidos cúmulos jurídicos .

12. Na sequência do que o Ministério Público junto do Juízo central criminal de Évora, deparando-se com o conflito negativo de competência territorial assim surgido no processo, requereu a resolução ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

b) parecer do Ministério Público:

O Digno Procurador-Geral Adjunto, em douto e fundamentado parecer, pronuncia-se no sentido de o o conflito se dirimir “com a atribuição da competência ao Juízo Central Criminal de Sintra | processo 114/19.3GCMFR para reformular as penas únicas do 2.º e 3.º cúmulos jurídicos [cúmulos B) e C)] fixadas pelo Juízo Central Cível e Criminal de Évora, mantendo-se a pena única do 1.º cúmulo jurídico [cúmulo A)].

c) o conflito:

No caso, os tribunais denegam a competência territorial própria para cumular juridicamente penas parcelares aplicadas em vários processos a arguido que cometeu uma pluralidade de crimes que entre si se encontram em relação de mais que um concurso efetivo, mas de que apenas se teve conhecimento depois de transitada em julgado a condenação pelos vários crimes de cada um desses concursos de infrações.

Conforme estabelece a lei, o tribunal pode conhecer, oficiosamente ou a requerimento, da sua própria competência e pode declarar-se territorialmente incompetente, na fase de julgamento, até ao início da respetiva audiência – art. 32º do CPP. No caso, a declaração de incompetência foi conhecida e tempestivamente declarada pelos tribunais em conflito.

Porque os tribunais em conflito, - embora sejam de 1ª instância -, pertencem a circunscrição de diferentes Tribunais da Relação – um à de Évora, outro à de Lisboa -, é ao Presidente da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça que, nos termos do art.º 11º n.º 6, al.ª a) do CPP, compete resolver o vertente conflito negativo de competência territorial.

d) competência para o cúmulo jurídico:

Por imposição legal, quando sobrevem conhecimento de concurso de que o condenado por decisão transitada em julgado cometeu em momento anterior outros crimes pelos quais foi ou veio a ser condenado por decisão também transitada em julgado, há que realizar audiência de julgamento para cumular juridicamente as penas parcelares aplicadas aos crimes do mesmo concurso. Aplicando tantas penas únicas quantos concursos de crime tenham sido cometidos pelo arguido condenado.

Quanto à competência territorial, a lei é clara e expressa, estatuindo que, sem prejuízo da competência funcional (máxime: tribunal coletivo ou tribunal singular) “é territorialmente competente o tribunal da última condenação” – art.º 471º n.º 2 do CPP - para realizar o cúmulo jurídico de penas em caso de conhecimento superveniente de um concurso de crimes cometido pelo arguido condenado. Competente para o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido condenado em vários processos é o tribunal que proferiu a última condenação por qualquer dos crimes do concurso. Não o da condenação transitada em julgado em último lugar. Nem o do último cúmulo jurídico efetuado por conhecimento superveniente de um concurso de crimes.

Nem a letra nem o espírito da lei suportam entendimento diferente.

Quanto ao texto da norma rememora-se que a sua assertividade, nos remeta para a regra basilar da interpretação segundo a qual o interpreta não pode considerar um qualquer pensamento legislativo “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal” – art.º 9º n.º 2 do CC.

Quanto à teleologia, haverá que concordar com os comentaristas e a jurisprudência de que a justeza e proporcionalidade da pena conjunta a aplicar ao arguido em função do critério especial assente na globalidade dos factos e na personalidade do arguido neles revelada, se beneficia da proximidade e atualidade da última condenação por qualquer dos crimes do mesmo concurso.

Sendo, pois, incontestável que o legislador, se tivesse querido solução diferente, ou seja, que o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido em diversos processos por ter cometido vários crimes que entre si estão numa relação jurídica de concurso de infrações, fosse realizado por outro tribunal que não o da última condenação por qualquer deles, tê-lo-ia dito tão expressamente quanto fez na indicação, seca e direta, vertida no art. 471.º n.º 2 citado.
O trânsito em julgado, decisivo para estabelecer o marco temporal de um concurso de crimes, é, todavia, irrelevante para determinar o tribunal territorialmente competente para a realização do cúmulo jurídico de penas por conhecimento superveniente de que os crimes a que foram aplicadas se encontram numa relação de concurso efetivo.

e) pressupostos:

O Juízo central cível e criminal de Évora -juiz 1 entende que os crimes pelos quais o arguido foi condenado no processo n.º 114/19.3... estão em relação de concurso com os crimes que no seu acórdão de 29.04.202 cumulou no bloco C. E que, por isso, tem de realizar-se novo cúmulo jurídico que, reformulando aquele, englobe as penas parcelares aplicadas nesses processos e naquele, determinando uma nova pena conjunta.

Entende que esse novo cúmulo jurídico tem de ser efetuado pelo tribunal da última condenação que, no caso, é o Juízo central criminal de Sintra – juiz 1. Pelo que lhe atribuiu essa competência, declarando a sua incompetência territorial.

Por sua vez, o Juízo central criminal de Sintra -juiz 1 não contesta que o acórdão prolatado no processo n.º 114/19.3... seja a última condenação do arguido pela prática de dois crimes de um concurso efetivo que entende integrar também o crime pelo qual foi condenado, em 15/07/2021, no processo n.º 942/18.7... Mas, entende que os crimes pelos quais o arguido foi condenado nos processos n.º 117/18.5..., n.º 896/18.0... e n.º 762/18.9... integram outro concurso efetivo de crimes que tem como o marco inicial o trânsito em julgado, em 12.09.2018, da sua condenação decretada no processo n.º 455/15.9...

Destarte, enquanto o tribunal criminal de Évora configura o dissídio como uma questão de competência territorial para a realização de um cúmulo jurídico de penas; o tribunal criminal de Sintra entende que a divergência radica no concurso de crimes, isto é, em saber que crimes integram (ou não integram) o concurso de infrações que determinou a realização do cúmulo jurídico das penas parcelares cumuladas no seu acórdão de 8.11.2023.

Olhando atentamente para a configuração do dissídio verifica-se que o tribunal de Évora também diverge relativamente aos concursos de crimes e cúmulos jurídicos a efetuar. Discordando do de Sintra, entende que o crime por que o arguido foi condenado no processo n.º 114/19.3... está em concurso efetivo com os crimes por que foi condenado nos processos cumulados no bloco C (e não apenas com o crime por que foi condenado no processo n.º 942/18.7...

E, se se mantivesse a posição de cada tribunal conflituante quanto aos concursos de crimes, sempre o bloco C do acórdão do tribunal de Évora teria de reformular-se para, em novo julgamento e acórdão cumulatório, determinar a medida da pena única que não englobasse a pena parcelar aplicada ao arguido no referido processo 942/18.

Neste conspecto, a questão a dirimir acaba por ser de competência para reformular cúmulos jurídicos de penas (com exceção do bloco A) porque, como se entende, “se os crimes conhecidos forem vários, tendo uns ocorrido antes de condenação anterior e outros depois dela, o tribunal proferirá duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior e outra relativa aos factos praticados depois daquela condenação”. Embora não possam “cumular-se as penas dos crimes cometidos depois de uma condenação transitada em julgado com as penas dos crimes praticados antes dessa condenação, impõe-se que, sendo vários os crimes conhecidos e verificando-se que uns foram cometidos antes de proferida a anterior condenação e outros depois dela, se proceda à realização de dois (ou mais) cúmulos jurídicos para determinação das correspondentes penas conjuntas.

Especificando: se alguma ou algumas das penas parcelares englobadas em anterior cúmulo jurídico são depois, englobadas em posterior cúmulo jurídico, impõe-se reformular o anterior, condenado o arguido em duas penas novas conjuntas de cumprimento sucessivo.

E o tribunal territorialmente competente para o efeito é um e somente o da última condenação por qualquer das penas parcelares englobadas nesse novo cúmulo jurídico.

f) crimes em concurso:

Para a resolução do conflito, impõe-se, desde logo, esclarecer se os crimes por que o arguido foi condenado no processo n.º 114/19.3... estão (como sustenta o tribunal criminal de Évora) ou não estão (como decidiu o tribunal criminal de Sintra) em relação de concurso efetivo, não apenas com o crime por que o arguido foi condenado no processo 942/18.7..., mas também com os crimes por que foi condenado nos restantes processos identificados no bolco C do acórdão do juízo central criminal de Évora.

Vejamos: ------

Dispõe o artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal que “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.

Conforme aflorado supra, só existe concurso de crimes de conhecimento superveniente quando tenham sido praticados vários crimes antes de transitada em julgado a condenação por qualquer deles. O trânsito em julgado é, então, o marco que baliza um concurso efetivo de crimes, conforme este Supremo Tribunal interpretou no AFJ n.º 9/2016 com o seguinte texto: “O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso.

Se os vários crimes do concurso forem, uns cometidos antes da condenação anterior e outros depois dela, o tribunal deve efetuar dois cúmulos aplicando duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior, outra relativa aos crimes praticados depois dessa condenação. E assim sucessivamente para os crimes cometidos depois do trânsito em julgado de subsequentes decisões condenatórias.

Entende-se e está estabilizado na jurisprudência deste Supremo Tribunal e na doutrina que somente se cumulam juridicamente penas da mesma espécie. E que as penas de diferente natureza se acumulam materialmente. Assim, quando as penas aplicadas aos crimes do mesmo concurso são de diferente natureza, a pena a aplicar em cúmulo jurídico haverá de ser uma pena compósita, de prisão e de multa. “Assim, no caso de os crimes em concurso terem sido punidos uns com penas de prisão e outros com penas de multa, deve realizar-se um cúmulo jurídico de penas de prisão e um cúmulo jurídico de penas de multa; havendo apenas uma pena de multa a considerar, esta acumula-se materialmente à pena conjunta de prisão.”

Entende-se que “o mesmo princípio da acumulação material é válido no caso de a pena de multa ter sido, entretanto, convertida em prisão subsidiária”, porque a prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa tem uma natureza diferente da pena de prisão. Pelo que não pode ser cumulada com penas de prisão aplicadas a crimes do mesmo concurso. Se ainda não estiver extinta, então acrescerá, em acumulação material, à pena única de prisão, mantendo a sua autonomia na pena conjunta.

Encontrando-se extinta a pena de multa aplicada, - pelo pagamento, pela prestação de trabalho ou pela expiação da prisão subsidiária resultante da conversão daquela -, não pode e, consequentemente, a sua prisão subsidiária também não, integrar o cúmulo jurídico de penas de prisão. Não integrando o cúmulo jurídico das penas de um concurso de crimes, o trânsito em julgado da respetiva condenação também não pode funcionar como marco temporal determinante de um concurso de crimes de conhecimento superveniente, mormente para formar dois ou mais cúmulos jurídicos de penas. Tal como se passa com a pena de prisão com execução suspensa que se encontra extinta pelo decurso do prazo sem que tenha sido revogada a suspensão.

g) os cúmulos jurídicos de penas a realizar:

No caso, o Juízo central cível e criminal de Évora, no acórdão acima identificado, inclui no cúmulo jurídico efetuado a pena de multa aplicada ao arguido no processo n.º 1559/12.5... que, por não ter sido paga, nem substituída pela prestação de trabalho, acabou convertida em prisão subsidiária que o condenado cumpriu.

E adotou a data do trânsito em julgado dessa condenação como marco determinante do concurso de crimes que considerou constituir o bloco B.

Decorre do exposto que aquela pena de multa e bem assim a prisão subsidiária em que acabou convertida e que, tendo sido cumprida, determinou a sua extinção, não devia, atenta a diferente natureza, ter sido cumulada juridicamente com penas de prisão, como são todas as demais englobadas nos três cúmulos jurídicos aí efetuados.

Não podendo essa pena entrar no cúmulo jurídico de penas não devia – não podia – ter servido para balizar um concurso de crimes.

Assim, o marco relevante para o 2.º concurso de crimes, é o transito em julgado, em 12.09.2018, da sentença proferida no processo n.º 455/15.9... que condenou o arguido pela prática, em 27/11/2015, de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 2 anos de prisão.

Pelo que, no 2.º (segundo) concurso de crimes e o correspondente cúmulo jurídico de penas, incluem-se: --

- ademais desse crime (detenção de arma proibida por que foi condenado no proc. 455/15.9...);

- o crime de roubo agravado, cometido em 16/08/2018, por que foi condenado no processo n.º 100/16.5...);

- o crime de condução sem habilitação legal, cometido em 13/04/2018, por que foi condenado no processo 117/18.5...;

- o crime de roubo, cometido em 16/08/2018, por que foi condenado no processo no 896/18.0...; e --

- os crimes de condução sem habilitação legal e de condução perigosa de veículo rodoviário, cometidos em 25/08/2018, por que foi condenado no processo n.º 762/18.9...

Não se incluem nesse 2.º concurso os crimes de detenção de arma proibida e de tráfico de menor gravidade, ambos cometidos em 26/07/2019, por que foi condenado no processo n.º 896/18.0..., pela insofismável evidência de que foram perpetrados quase um ano depois da decisão marco desse concuso, ou seja, depois de ter transitado em julgado a condenação do arguido em pena de prisão decretada no processo n.º 455/15.9...

Constituem o 3.º concurso, que tem como marco o trânsito em julgado, em 24/12/2020, da condenação no processo n.º 896/18.0...: -----

- os referidos crimes de detenção de arma proibida e de condução perigosa de veículo rodoviário (por que foi aí condenado);

- o crime de furto simples, cometido em 27/10/2018, por que foi condenado no processo n.º 942/18.7...; e

- os crimes de furto qualificado e de condução sem habilitação legal, cometidos em 3/04/2019, por que foi condenado no processo n.º 114/19.3...

O arguido tem, pois, direito a que se realizem 3 (três) cúmulos jurídicos para “fundir” em três penas únicas, as penas parcelares de prisão que lhe foram aplicadas nos processos identificados nas duas tabelas constantes do relatório desta decisão.

Como se realçou e o Digno Procurador-Geral Adjunto sustenta, o 1.º bolco do cúmulo jurídico de penas realizado pelo Juízo central cível e criminal de Évora -juiz 1 não tem de ser reformulado.

Mas há que reformular os demais cúmulos jurídicos realizados – os dos blocos B e C do acórdão do tribunal de Évora e o efetuado no acórdão do tribunal de Sintra -, reduzindo-os a dois que englobem as penas parcelares de prisão nos termos que acima se descriminaram (maxime: no 2.º bloco englobando as penas de prisão aplicadas nos processos 455/15, 100/16, 117/18, 762/18 e a pena de 4 anos e 6 meses de prisão, no processo 896/18, pela prática, em 16/08/2018, de um crime de roubo; no 3.º bloco englobando as penas de prisão aplicadas nos processos 942/18, 114/19 e as penas de 2 anos de prisão e de 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática em 26/07/2019, de, respetivamente, um crime de detenção de arma proibida e um crime de tráfico de menor gravidade).

h) apreciação:

O Juízo criminal de Évora considerou marco determinante do segundo concurso de crimes cujas penas cumulou juridicamente no bloco B o trânsito em julgado da sentença proferida no processo n.º 1559/12.5..., transitada em julgado em 28/01/2016 que condenou o arguido pela prática em 8/02/2012 de um crime de falsidade testemunho, na pena de 250 dias de multa à taxa de €5,00/dia, convertida em prisão subsidiária integralmente cumprida.

Como vem de expor-se, essa pena de multa e a prisão subsidiária em que foi convertida, não devia ter sido cumulada juridicamente com penas de prisão, atenta a sua diferente natureza. E que, por isso, não funciona como fronteira delimitadora dos crimes de um concurso e, consequentemente, não serve de marco para um cúmulo jurídico de penas.

Acertados os concursos de crimes nos termos expostos e assente que há que reformular os cúmulos dos blocos B e C do acórdão do Juízo central cível e criminal de Évora e o cúmulo efetuado no acórdão do Juízo central criminal de Sintra, cumulando juridicamente as penas parcelares de prisão de modo a aplicar duas penas conjuntas nos termos acima enunciados e não dissentindo os tribunais conflituantes sobre qual deles foi o último a sentenciar o arguido por algum dos crimes desses concursos, facilmente se encontra o tribunal territorialmente competente para, em novo julgamento, proceder à reformulação dos referidos cúmulos jurídicos de penas. Questão de competência territorial que é a que aqui nos compete resolver.

Ora, como consta do relatório desta decisão, dúvidas não restam que a última condenação do arguido foi a decretada pelo Juízo central criminal de Sintra, no seu acórdão de 6 de fevereiro de 2023 (6.02.2023) que aplicou ao arguido as duas já referidas penas de prisão por ter cometido em 3 de abril de 2019 (3.04.2019) um crime de furto qualificado e um crime de condução sem habilitação legal.

Se esse tribunal tem razão quando ao marco do 2.º concurso de crimes (a condenação no processo 455/15, transitada em julgado em 12.09.2018) já não assim quanto ao 3.º concurso e às penas parcelares a cumular juridicamente no processo 114/19.3... Cúmulo jurídico que deveria ter englobado, ademais das que foram aí cumuladas, no acórdão de 6.02.2023, também as penas de prisão ( 2 anos; 1 ano e 6 meses) aplicadas ao arguido no processo n.º 896/18.0..., pela prática, em 26/07/2019, dos crimes detenção de arma proibida e de tráfico de menor gravidade.

É, pois, esse o tribunal da última condenação que o art.º 471.º n.º 2 estabelece como critério determinante da competência territorial para a realização do cúmulo jurídico de penas por conhecimento superveniente de que o arguido cometeu concurso/s de crimes.

Assim, no caso, é ao tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de Sintra – juiz 1 que compete, territorialmente, em julgamento, realizar novos cúmulos jurídicos que, reformulando o dos bloco B e C e o efetuado no seu processo, determine e aplique ao arguido duas novas penas conjuntas.

i) dispositivo:

Assim, de conformidade com o exposto decido, nos termos do art. 36º n.º 1 do CPP, resolver o conflito negativo surgido nos autos, atribuindo, à luz do estabelecido no art.º 471º n.º 2 também do CPP, a competência territorial para a reformulação dos cúmulos jurídicos por conhecimento superveniente de dois concursos de crimes, formados nos termos acima especificados, ao Juízo central criminal de Sintra -juiz 1.


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Comunique-se e notifique-se como determina o art. 36º n.º 3 do CPP.

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Lx. 22.01.2025

O Presidente da 3ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça

Nuno Gonçalves