ARTICULADO SUPERVENIENTE
FACTOS NOVOS
FACTOS ESSENCIAIS
Sumário


I – A superveniência na apresentação de um articulado tanto pode ser objectiva - quando os factos têm lugar já depois de esgotados os prazos legais de apresentação pela parte dos articulados -, como subjectiva, ou seja, quando os factos ainda que tenham tido lugar em momento anterior ao da apresentação pela parte do/s seu/s articulado/s, apenas cheguem ao seu conhecimento já depois de esgotados os prazos legais de apresentação dos aludido/s articulado/s.
II - Os factos alegados em sede de articulado superveniente hão-de necessariamente ser factos essenciais, que é o mesmo que dizer, hão-de poder integrar a previsão do n.º 1, do art.º 5.º, do CPC, quer por constituírem a causa de pedir, quer por ancorarem as excepções aduzidas, considerando que os factos instrumentais e os notórios não carecem sequer de alegação das partes para poderem ser considerados pelo Juiz.
III - Decisivo é que a parte pretenda carrear para os autos novos factos fundamentais/essenciais.
IV - Assim, não é um qualquer facto, ainda que objectiva ou subjectivamente superveniente, que é susceptível de ser carreado para os autos em sede de articulado superveniente, antes deve ele ser essencial, e não manifestamente impertinente, para o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa, e segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.

Texto Integral


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

EMP01... vieram intentar acção declarativa popular de condenação, sob a forma única de processo, contra EMP02..., S.A., pedindo a procedência da acção, declarando que a ré:

A. teve o comportamento descrito no §3 supra;
B. violou qualquer uma das seguintes normas:
1. artigo 35 (1, c), do decreto lei 28/84;
2. artigos 6, 10, 11 (1), 12, do decreto lei 330/90;
3. artigo 311 (1, a, e), do decreto lei 110/2018;
4. artigos 4, 5 (1), 6 (b), 7 (1, b, d), 9 (1, a), do decreto lei 57/2008;
5. artigos 3 (a) (d) (e) (f), 4, 7 (4) e 8 (1, a, c, d) (2), da lei 24/96;
6. do artigo 11, da lei 19/2012;
7. artigos 6, 7 (1) (2) e 8, da diretiva 2005/29/CE;
8. artigo 3, da diretiva 2006/114/CE;
9. artigos 2 (a) (b), 4 (1), da diretiva 98/6/CE;
10. artigo 102, do TFUE;
C. especulou nos preços das embalagens de pipas com sal, da marca ..., 100 g na sua sucursal, localizada em Lugar ..., ..., ..., ..., distrito ...;
D. publicitou enganosamente o preço das embalagens de pipas com sal, da marca ..., 100 g, na sua sucursal localizada em Lugar ..., ..., ..., ..., distrito ...;
E. teve o comportamento supra descrito em qualquer um dos pedidos anteriores e que o mesmo é ilícito e
1. doloso; ou, pelo menos,
2. grosseiramente negligente;
F. agiu com culpa e consciência da ilicitude no que respeita aos factos supra referidos, com os autores populares;
G. com a totalidade ou parte desses comportamentos lesou gravemente os interesses dos autores populares, nomeadamente os seus interesses económicos e sociais, designadamente os seus direitos enquanto consumidores;
H. causou e causa danos aos interesses difusos de proteção do consumo de bens e serviços, sendo a ré condenada a reconhece-lo, e em consequência, de qualquer um dos pedidos supra, deve a ré ser condenada a:
I. a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que lhes foram causados por estas práticas ilícitas, no que respeita ao sobrepreço, seja a titulo doloso ou negligente, em montante global:
1. a determinar nos termos do artigo 609 (2), do CPC;
2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço;
3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;
J. subsidiariamente ao ponto anterior, ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que resultou do sobrepreço causado pelas práticas ilícitas, em montante global:
1. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4) do CC, determinado em 0,35 euros por cada embalagem de Pipas com sal, da marca ..., 100 g, respetivamente vendida na sua sucursal, com estabelecimento localizado em Lugar ..., ..., ..., ..., distrito ..., durante, pelo menos, entre ../../2023, às 08h00, e 11.06.2023, às 18h52 (portanto, durante 13 dias seguidos, senão mais);
2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço;
3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;
K. ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos morais causado pelas práticas ilícitas, em montante global:
1. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4), do CC, mas nunca inferior a 1 euro por autor popular;
2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos morais;
3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;
L. ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares, in casu, todos os consumidores em geral, medidos por agregados familiares privativos, pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência, e montante global:
1. nos termos do artigo 9 (2), da lei 23/2018, ou por outra medida, justa e equitativa, que o tribunal considere adequada, mas nunca menos que 1 euro por autor popular, in casu, agregados familiares privativos;
2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência;
3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;
M. ser a ré condenada a pagar todos os encargos que a autora interveniente tiver ou venha ainda a ter com o processo e com eventual incidente de liquidação de sentença, nomeadamente, mas não exclusivamente, com os honorários advocatícios, pareceres jurídicos de professores universitários, pareceres e assessoria necessária à interpretação da vária matéria técnica [tanto ao abrigo do artigo 480 (3), do CPC, como fora do mesmo preceito], que compreende uma área de conhecimento jurídico-económico complexa e que importa traduzir e transmitir com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para os autores e seu mandatário, de modo a que possam assim (e só assim) exercer eficazmente os seus direitos, nomeadamente de contraditório, e assim como os custos com o financiamento do litígio (litigation funding) que venha a ser obtido pela autora interveniente;
N. porque o artigo 22 (2), da lei 83/95, estatui, de forma inequívoca e taxativa, que deve ser fixada uma indemnização global pela violação de interesses dos titulares ao individualmente identificados, mas por outro lado é omissa sobre quem deve administrar a quantia a ser paga, nomeadamente quem deve proceder à sua distribuição pelos autores representados na ação popular, vêm os autores interveniente requerer que declare que EMP01..., agindo como autora interveniente neste processo e em representação dos restantes autores populares, têm legitimidade para exigir o pagamento das supras aludidas indemnizações, incluindo requerer a liquidação judicial nos termos do artigo 609 (2), do CPC e, caso a sentença não seja voluntariamente cumprida, executar a mesma, sem prejuízo do requerido nos pontos seguintes.
Subsidiariamente, e nos termos do §4 (m), :
Em face do elevado número de processos judiciais intentados pela a aqui autora e a complexidade dos mesmos, provocados pelas várias exceções invocadas pelos réus nesses processos, e a necessidade de obter consultoria jurídica e pareceres de professores catedráticos, a autora encontra-se neste momento a negociar o financiamento de vários litígios com várias entidades, incluindo o presente. Assim que a autora tiver celebrado o contato de financiamento do presente litígio, informará o processo das condições do mesmo.
O. o comportamento da ré, tido com todos os autores populares e descritos no §3, subsidiariamente, para o caso de não se aplicar nenhum dos casos supra, deve ser considerado mediante o instituto do enriquecimento sem causa e os autores populares indemnizados pelo sobrepreço cobrado, tal como sustentando em § 4 (m) supra.
Em qualquer caso, deve:
P. o comportamento da ré, tido com todos os autores populares e descritos no §3, sempre deve ser considerado com abuso de direito e, em consequência, paralisado e os autores populares indemnizados por todos os danos que tal comportamento lhes causou;
Requer-se ainda que Vossa Excelência:
Q. decida relativamente à responsabilidade civil subjetiva conforme § 15, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido;
R. decida relativamente ao recebimento e distribuição da indemnização global nos termos do § 16, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido;
S. seja publicada a decisão transitadas em julgado, a expensas da ré e sob pena de desobediência, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumivelmente lidos pelo universo dos interessados, apesar de tal decorrer expressamente do artigo 19 (2), da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido, e com o aviso da cominação em multa de € 100.000 (cem mil euros) por dia de atraso no cumprimento da sentença a esse respeito;
T. declare que a autora interveniente tem legitimidade para representar os consumidores lesados na cobrança das quantias que a ré venha a ser condenada, nomeadamente, mas não exclusivamente, por intermédio da liquidação judicial das quantias e execução judicial de sentença;
U. declare, sem prejuízo do pedido imediatamente anterior, que a ré deve proceder ao pagamento da indemnização global a favor dos consumidores lesados diretamente à entidade designada pelo tribunal para proceder à administração da mesma tal como requerido em infra em §16, fixando uma sanção pecuniária compulsória adequada, mas nunca inferior a € 100.000 (cem mil euros) por cada dia de incumprimento após o trânsito em julgado de sentença que condene a ré nesse pagamento;
V. declare uma remuneração, com uma taxa anual de 5 % sobre o montante total da indemnização global administrada, mas nunca inferior a € 100.000 (cem mil euros) nos termos do requerido infra em §16, a favor da entidade que o tribunal designar para administrar as quantias que a ré for condenada a pagar;
W. declare que a autora interveniente tem direito a uma quantia a liquidar em execução de sentença, a título de procuradoria, relativamente a todos os custos que teve com a presente ação, incluindo honorários com todos os serviços prestados, tanto de advogados, como de técnicos especialistas, como com a obtenção e produção de documentação e custos de financiamento e respetivo imposto de valor acrescentado nos termos dos artigos 21 e 22 (5), da lei 83/95, sendo tais valores pagos exclusivamente daquilo que resultarem dos montantes prescritos nos termos do artigo 22 (4) e (5), da lei 83/95.
X. declare a autora interveniente isenta de custas;
Y. condene a ré em custas.
Em suma, alegou que o preço cobrado pela Ré aos consumidores em alguns dos produtos que vende no momento do pagamento foi superior ao anunciado, acabando por pagar um sobrepreço indevido.

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Tendo a Ré apresentado articulado superveniente para contextualização da excepção do abuso do direito e do incidente da litigância de má fé que arguira na contestação, veio a Autora exercer o seu direito ao contraditório, após o que foi proferida decisão de não admissão por, em síntese, se ter entendido que não contem factos essenciais e que careçam de ser alegados, mas apenas factos que contextualizam os já alegados em sede de contestação a respeito do abuso do direito de agir e da litigância de má fé.
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II- Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida, veio a Ré interpor recurso juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

1ª – O despacho que recaiu sobre o Articulado Superveniente é ilegal e violador do disposto nos artigos 573º nº 2 e 578º e 588º do Código de Processo Civil, devendo por isso ser revogado.
2ª - Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 573º do CPC, o Articulado Superveniente é admissível para a dedução de exceções que sejam supervenientes ou de que se deva tomar conhecimento oficioso;
3ª – Nos termos do disposto no artigo 588º nº 1 do CPC, os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes, podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado pela parte a quem aproveitem até encerramento da discussão;
4ª – No dia 09.04.2024 a Recorrente deu entrada a um Articulado Superveniente no qual invocou razões de direito e alegou matéria de facto que, no seu entender preenchem as exceções de Incompetência Material Absoluta e Ilegitimidade da Recorrida, alegando expressamente que tal matéria era complementar relativamente à invocação de tais exceções já feita em sede de contestação;
5ª – As exceções de Incompetência Material Absoluta e Ilegitimidade são exceções dilatórias previstas pelo disposto no artigo 577º a) e e) do Código de Processo Civil, sendo que tal natureza determina, nos termos do disposto no artigo 578º do mesmo diploma legal que são exceções de conhecimento oficioso pelo Tribunal.
6ª - Não obstante toda a defesa dever ser deduzida na contestação, como resulta do disposto no artigo 573.º, n.º 1 do CPC, a lei também permite exceções à concentração da defesa, atento o disposto no n.º 2 do artigo 573.º do CPC, permitindo, designadamente, a apresentação de meios de defesa de que o tribunal possa conhecer oficiosamente, como sucede com as exceções dilatórias (artigo 578.º do CPC).
7ª – Assim, e sem necessidade de mais considerandos, levando em consideração que o Articulado Superveniente continha a invocação de exceções – que tinham sido já invocadas em sede de contestação – o mesmo sempre teria que ser admitido nos autos, sob pena de se ter violado como violou o disposto nos artigos 573º nº 2 e 578º ambos do Código de Processo Civil, o que expressamente se invoca.
8ª – Acresce que, a Recorrente para além de invocar expressamente as exceções dilatórias citadas nas conclusões antecedentes e de o fazer complementarmente à defesa apresentada em contestação, invocou expressamente as datas em que teve conhecimento de tais factos, assim dando cumprimento ao disposto no artigo 588º do Código de Processo Civil, uma vez que alegou e ofereceu prova da superveniência do conhecimento dos factos e razoes de direito invocados relativamente à data de apresentação da contestação.
9ª – Desde que tempestivamente apresentado, o articulado superveniente só poderá ser Liminarmente rejeitado pelo Juiz caso a factualidade nova nele vertida se, e obviamente tendo sempre em consideração as várias soluções plausíveis da questão de direito, manifestamente nenhum interesse têm para a boa decisão da causa.
10ª – Caso o Tribunal pretendesse indeferir o Articulado Superveniente com base no disposto no artigo 588º nº 4 teria que se ter pronunciado acerca do interesse dos factos alegados para a boa decisão da causa, o que manifestamente não fez, limitando-se a aludir aos mesmos de modo genérico, vago e impreciso.
11ª – De igual modo, o Tribunal também não conheceu sobre a superveniência dos factos e alegação feita pela Recorrente, pese embora esta tenha indicado datas concretas e junto aos autos documentos probatórios, a realidade é que o Tribunal não conheceu dos mesmos limitando-se a indeferir o Articulado com base no entendimento de que o mesmo não continha factos, pese embora seja omisso quanto aos concretos motivos nos quais funda tal entendimento.
12ª – Em face da total ausência de pronuncia crítica sobre os factos em concreto e sobre a superveniência dos mesmos, o Despacho não tinha outra solução senão a de ter admitido o Articulado, uma vez que a única razão que aflora para a sua rejeição é o alegado carater adjetivo dos mesmos, o despacho atua em clara violação do disposto no artigo 573º nº 2, 578º e 608º nº 1 do Código de Processo Civil.
13ª – A Recorrente alegou no Articulado Superveniente, designadamente, os seguintes factos a Recorrida, em 05.03.2024, no âmbito do processo n.° 2751/24...., que corre os seus termos no Juiz ... - Juízo Central Cível de Lisboa Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - após ter sido interpelada por parte do Mm.°. Juiz de Direito, para indicar o número dos seus associados e juntar os respetivos documentos comprovativos -, um certificado emitido no Cartório Notarial ..., tendo a Notária certificado que o Sr. AA (associado fundador e Presidente da Direção da Autora, cf. does. n.°s 1 e 2 da p.i.) é Presidente do Conselho Executivo da Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais (A.T.M.) e, o Sr. Dr. BB, Mandatário da Autora, é associado fundador e Secretário da Mesa da Assembleia Geral da Recorrente e, também, Secretário da Mesa da Assembleia Geral da A.T.M.
14ª – Alegando ainda que essa circunstância, a ser provada em juízo, reconduz-se à consequência de que a Recorrida se reconduz aos seus dois associados Fundadores, sendo, por isso, o número de associados da Recorrida inferior ao número mínimo exigido pelo artigo 17.°, n.° 2, da LDC, não lhe assistindo o direito de propor a presente ação popular, o que reforça a exceção da ilegitimidade ativa da Recorrida invocada pela Recorrente nos seus articulados.
15ª – A Recorrente alegou ainda um considerável conjunto de outros factos, que por brevidade aqui se dão por reproduzidos.
16ª – Este conjunto de factos é novo, os factos são essenciais para o bom, correto e adequado julgamento da exceções invocadas e como tal a admissão nos autos do Articulado Superveniente é não só possível como uma verdadeira imposição legal na medida em que a matéria em questão é constitutiva de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.
17ª – Ao decidir como decidiu o Tribunal violou, além do mais, o disposto no artigo 588º nº 1, 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, na medida em que impendia sobre o Tribunal o dever de cumprir o disposto neste artigo e admitir a junção aos autos do Articulado, uma vez que o mesmo foi apresentado em cabal cumprimento da lei.
18ª – Em face do que precede, o despacho proferido é ilegal e violador do disposto nos artigos 573º nº 2 e 578º e 588º do Código de Processo Civil, devendo ser revogado e substituído por outro que admita a junção do Articulado Superveniente aos autos e dos documentos que o acompanham com todos os devidos e legais efeitos.
Termos em que deve o despacho recorrido ser revogado por absolutamente ilegal e violador dos normativos atrás alegados, substituindo o despacho por outro que, admita o Articulado Superveniente e documentos que o acompanham, farão V. Exas., a costumada JUSTIÇA!
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Recebido o recurso, foram colhidos os vistos legais.
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III - O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso. 
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir sobre a admissibilidade do articulado superveniente.
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Fundamentação de facto

- Os elementos fáctico-processuais constantes do ponto I, aqui dados por reproduzidos.
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Fundamentação jurídica

Quanto aos termos em que são admitidos os articulados supervenientes, preceitua-se no art.º 588.º, do Cód. Proc. Civil, que:

“1.–Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2.–Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo, neste caso produzir-se prova da superveniência.
3.–O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes será oferecido:
a)- Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respectivo encerramento;
b)- Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c)- Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.
4.– O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa ; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior. (…) ”.
Daqui decorre que o articulado superveniente é de rejeitar caso se verifique um dos fundamentos taxativamente nele previstos, ou seja, a sua extemporaneidade ou a sua manifesta impertinência, por os factos alegados não interessarem à decisão da causa – cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 1984, pág. 351.
Conforme decorre do preceito citado, a superveniência factual tanto pode ser objectiva, como subjectiva. Ocorre a superveniência objectiva quando os factos têm lugar após o decurso do prazo para a apresentação dos articulados. Verifica-se a superveniência subjectiva quando os factos ocorreram em momento anterior ao prazo para a apresentação dos articulados, mas a parte só deles teve conhecimento posteriormente, sendo que, neste caso, tem de ser efectuada a prova da superveniência.
Os factos alegados em sede de articulado superveniente hão-de necessariamente ser factos essenciais, que é o mesmo que dizer, hão-de poder integrar a previsão do n.º 1, do art.º 5.º, do CPC, quer por constituírem a causa de pedir, quer por ancorarem as excepções aduzidas, considerando que os factos instrumentais e os notórios não carecem sequer de alegação das partes para poderem ser considerados pelo Juiz.
Decisivo é que a parte pretenda carrear para os autos novos factos fundamentais/essenciais, maxime porque integradores da previsão ou “tatbestand” da norma aplicável à pretensão ou à excepção - cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ibidem, pág. 401.
Assim, não é um qualquer facto, ainda que objectiva ou subjectivamente superveniente, que é susceptível de ser carreado para os autos em sede de articulado superveniente, antes deve ele ser essencial, e não manifestamente impertinente, para o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa, e segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Em síntese, escapam de todo à previsão do n.º 1, do art º 588.º, do CPC, e v.g., os factos que cumpram uma função de mera impugnação, e outrossim os factos instrumentais - Cfr. v.g. Abílio Neto, in NCPC , Anotado, 3ª Edição , Maio de 2015, pág. 681, nota 3 ], e Rui Pinto, in Notas ao Código de Processo Civil , 2ª Edição Volume 2º, Coimbra Editora, pág. 44.
Conforme dispõe o artº. 5º, n.º 1, do C.P.C., às partes impõe-se o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.
Por sua vez, do seu n.º 2, resulta que, para além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, e os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Face ao disposto no artº. 552º, nº. 1, d), do C.P.C., a petição inicial é o articulado no qual o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação. E face ao disposto no artº. 572º, b) e c), do mesmo C.P.C., na contestação o réu expõe as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor e os factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas, se for o caso. O artº. 573º do C.P.C. consagra o princípio da concentração que por sua vez implica o princípio da preclusão, impondo que a defesa deve ser deduzida na contestação e que depois desta só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, que a lei expressamente admita passado esse momento ou de que se deva conhecer oficiosamente.
A lei processual, contudo, prevê uma possibilidade de desvio a estas regras, consagrando o articulado superveniente para factos supervenientes relativamente a estes momentos temporais.
Do exposto decorre que o articulado superveniente é rejeitado se for extemporâneo ou se os factos aí alegados não interessarem à decisão da causa.
Os factos supervenientes atendíveis terão de ser relevantes, com aptidão para modificarem ou extinguirem o direito peticionado, quer por via principal, quer reconvencional.
Como se decidiu no Ac. RE de 23/372017, no proc. 108/16.0T8FAR-A.E1, publicado na dgsi, o articulado superveniente não pode surgir associado ao aditamento de factos que sejam mero complemento ou concretização dos que hajam anteriormente alegado ou que se apresentem como simplesmente instrumentais da pretensão deduzida, dado que, nesta última hipótese, por força dos poderes de cognição do Tribunal presentes no artigo 5º do Código de Processo Civil, o julgador está vinculado a tomar posição sobre os mesmos.
O princípio da aquisição processual plasmado no artigo 413º do Código de Processo Civil, permite, por essa via, que o tribunal tome em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las.
O Tribunal, no julgamento da matéria de facto, deve procurar tomar em consideração e atender a todas as provas produzidas nos autos, mesmo que elas aproveitem à parte contrária, ou mesmo que respeitem a factos (instrumentais) que, não tendo sido expressamente alegados, resultem da instrução e do julgamento da causa [Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, Coimbra 2007, pág. 162.].
Os factos essenciais devem ser alegados e provados pelas partes, mas o juiz pode atender aos factos notórios (artigo 512º do Código de Processo Civil) e aos factos instrumentais, não alegados pelas partes, que resultem da instrução e do julgamento.
Quanto aos factos instrumentais, o Tribunal pode não só investigá-los, como ordenar quanto a eles as actividades instrutórias que possam ser de iniciativa oficiosa; pelo contrário, quanto aos factos essenciais, o tribunal não possui poderes inquisitórios, pelo que, relativamente a eles, só pode ordenar as actividades oficiosas de instrução legalmente permitidas.
A grande diferença em relação ao anterior Código de Processo Civil é que a consideração dos factos essenciais que sejam complemento ou concretização dos alegados não depende já de requerimento da parte interessada nesse aproveitamento para que ele aconteça, como exigia o artigo 264º, nº 3, daquele diploma.
Presentemente, o juiz pode considerá-los mesmo oficiosamente, sem requerimento de nenhuma das partes, bastando que os sujeitos processuais tenham tido a possibilidade de se pronunciar sobre tais factos.
A solução é orientada pela busca da verdade em processo, entendendo-se que nada pode justificar que a parte possa impedir o tribunal de utilizar na sua actividade decisória um facto de que tem conhecimento – cfr. neste sentido Miguel Teixeira de Sousa, comentário a Acórdão proferido no processo nº 232/10.3T2DLD.E1 do Tribunal da Relação de Évora, relatado em 03/11/2016, publicado no sítio do Instituto Português de Processo Civil.
Daqui resulta, que os articulados supervenientes não podem ser utilizados para a alegação de factos instrumentais ou probatórios, ou seja, de factos dos quais é possível inferir, através de presunções judiciais ou naturais, o facto probando.
Isto é correcto quanto a factos instrumentais que não são supervenientes em relação aos articulados das partes, dado que, nessa hipótese, falta o próprio requisito de superveniência que pode justificar a admissibilidade dos articulados supervenientes.
Relativamente aos factos instrumentais supervenientes, como aponta o mesmo autor, dado que nada impede que as partes aleguem factos instrumentais nos seus articulados, também nada pode impedir que as partes invoquem factos instrumentais supervenientes em articulados supervenientes.
Contudo, tal como a não alegação de um facto instrumental nos articulados não impede que ele seja considerado pelo tribunal se o mesmo resultar da instrução da causa (cf. art. 5.º, n.º 2, al. a), CPC), também um facto instrumental superveniente não alegado num articulado superveniente pode vir a ser considerado, nessa mesma situação, pelo tribunal, o que leva ao mesmo resultado.
Ora, in casu, como resulta do requerimento em causa, os factos instrumentais pretendidos aduzir à matéria das excepções de abuso de direito e litigância de má fé, ocorreram antes, só agora sendo invocados face às informações obtidas depois da contestação fruto do grande número de acções instauradas pela A. contra a Ré que obsta a uma defesa integral em prazo.
Para tal necessário seria produzir-se prova da sua superveniência.
De qualquer das formas necessário seria que, em primeira linha, os factos aduzidos, ainda que instrumentais, tivessem o condão de modificarem ou extinguirem o direito peticionado, para serem atendíveis.
Ponderando o circunstancialismo alegado, constata-se tratarem-se de factos que contextualizam os já anteriormente alegados em sede de contestação quanto às referidas excepções.
Não têm como tal a relevância necessária justificativa do articulado respectivo que importe aquele efeito extintivo ou modificativo da pretensão requerida.
Caso assim não se entendesse, admitir-se-ia a apresentação de articulados supervenientes quanto a factos instrumentais ou probatórios, possíveis de inferir pelo tribunal em resultado da instrução da causa, ao abrigo do disposto no art. 5.º, n.º 2, al. a), CPC.
Acresce que, a factualidade alegada reporta-se a diversas situações que terão dado origem a várias acções judiciais e que poderão motivar a propositura de acção pela Ré contra os AA. e /ou seus representantes, pelo que, julgando não se verificarem os requisitos necessários à sua dedução, se entende ser de manter o decidido pelo tribunal a quo.
Nestes termos, tem, pois, o recurso de improceder, mantendo a decisão proferida.
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III- Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar o recurso improcedente, mantendo a decisão proferida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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Guimarães, 16.1.2025
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária sem observância do acordo ortográfico, a não ser nas transcrições efectuadas da autoria de terceiros, e é por todos assinado electronicamente)

 Maria dos Anjos Melo
Alexandra Rolim Mendes
Raquel Baptista Tavares