ACIDENTE DE TRABALHO
DECISÃO PENAL CONDENATÓRIA
OPONIBILIDADE
VALOR DA INDEMNIZAÇÃO
Sumário


1- O preceituado no art. 640º do CPC em conjugação com o que se dispõe no art. 662º do mesmo diploma legal permite ao Tribunal da Relação julgar a matéria de facto.
2- Quanto ao aspecto da culpa e consequente responsabilidade pelo acidente, assentando o entendimento das apelantes RR. numa factualidade que não logrou ver provada e cuja reapreciação igualmente não logrou ver alterada, revela-se inquinado o desfecho do recurso, ou seja, não podem as apelantes fazer assentar o recurso numa factualidade que representa a sua visão dos factos, mas que não se apurou após instrução e julgamento da causa.
3- O dano intercalar, porque medeia entre o momento em que ocorre o acto lesivo e morte da vítima resultante desse evento, abrange o sofrimento, designadamente pela percepção da iminência da própria morte, e dores físicas sentidas pela vítima durante o período em causa.
4- Esse dano é atendível em termos compensatórios, de acordo com o disposto no art. 496º/4 do CC, sendo entendimento uniforme da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que os valores indemnizatórios devem ser calculados em função do caso concreto, ponderando, designadamente, a gravidade das lesões sofridas, a intensidade das dores, o período de tempo durante a qual as dores se prolongam e eventual pressentimento da morte.

Texto Integral


Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

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1 RELATÓRIO

AA e BB, instauraram acção declarativa de condenação, com processo comum[1], contra CC e EMP01..., Ldª, pedindo que se condene as RR. a pagarem-lhes a quantia de € 100.000,00, referentes ao dano morte; a quantia de € 100.000,00, a título de danos não patrimoniais, relativos aos danos por si sofridos após o falecimento inesperado do marido e pai, respectivamente; a quantia de € 15.000.00, referente aos danos sofridos pelo malogrado antes de falecer; a que devem acrescer juros de mora à taxa legal desde 03-07-2017 até efectivo e integral pagamento.
Alegaram, para tanto e em síntese, que DD, marido da A. e pai do A., em 23 de Janeiro de 2017, foi contratado pelas RR. (a primeira é gerente da segunda) para desempenhar na 2ª R. as funções de acabador de primeira, mediante a retribuição ilíquida mensal de € 634,20.
Em ../../2017, DD sofreu um acidente de trabalho que lhe causou morte.
Tal acidente teve origem na violação, por parte das RR., dos deveres que sobre elas impendiam relativamente aos riscos da actividade exercida e de prestação de formação ao malogrado trabalhador, riscos e falta de formação que foram a causa necessária e adequada das lesões corporais que provocaram a sua morte.
O malogrado DD, à data do acidente, tinha 50 anos de idade. A sua morte causou profunda depressão e tristeza aos AA., não sendo capazes de ultrapassar a sua perda. Entre o acidente e a sua morte, o malogrado DD sentiu extrema agonia, sofrimento, desespero e impotência, na medida em que tinha enorme dificuldade em respirar e tinha consciência de que acabaria por sucumbir.
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As RR. contestaram, impugnando os factos relatados pelos AA., excepcionando a litispendência e o erro na forma do processo, uma vez que o processo próprio é a acção prevista no art. 18º/1 da LAT (Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro), que os AA. instauram no Tribunal de Trabalho e aí corre termos.
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Dispensou-se a audiência prévia e proferiu-se despacho saneador, no qual o Tribunal “a quo” se pronunciou sobre as invocadas excepções nos seguintes termos:

«(…) Tendo em conta a data do acidente dos autos – ../../2017 – no plano infraconstitucional aplica-se o regime jurídico da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (que revogou a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro), que regulamenta o regime da reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010, conforme resulta do seu art. 188.º. O art. 17.º da mencionada Lei n.º 198/2009, sob a epígrafe de “Acidente originado por outro trabalhador ou por terceiro”, refere o seguinte: (…)
Deste normativo podemos concluir que o sinistrado ou seus herdeiros podem optar por qualquer uma das vias processuais ao seu dispor, ou pelas duas (processo emergente de acidente de trabalho e de indemnização comum). Contudo, caso receba determinada quantia por uma dessas vias a mesma terá de ser contabilizada ou levada em conta, no montante global indemnizatório a que tinha direito. É o chamado regime de complementaridade das indemnizações, que veda a possibilidade de cumulação delas, sob pena de enriquecimento sem causa, ou sob pena de estarmos perante um injusto locupletamento do sinistrado ou seus beneficiários ou representantes.
São assim essas indemnizações complementares no sentido de subsistir a emergente do acidente de trabalho, para além da medida em que venha ser absorvida pela estabelecida nos termos da lei geral. O que se pretende, no fundo, é apenas ressarcir totalmente o prejuízo sofrido, não permitindo injustos enriquecimentos como sucederia no caso de ser permitida a acumulação das duas indemnizações. Diga-se ainda, que no que se refere a danos não patrimoniais, eventualmente fixados no âmbito da acção de responsabilidade civil emergente do acidente de viação, os mesmos estão excluídos para efeitos de desoneração, uma vez que, por regra, no domínio infortunístico laboral tais danos não são indemnizáveis (cf. arts. 23.º a 25.º e 47.º a 69.º da Lei n.º 198/2009). Em suma, nos presentes autos, é evidente que as rés respondem na medida em que são os alegados responsáveis pelo acidente ocorrido, visto que não fizeram observar as regras e normas de segurança aplicáveis ao exercício da concreta actividade da sociedade; nos autos de trabalho a aqui 2.ª ré respondeu enquanto entidade patronal e a seguradora ali demandada foi-o na medida em que a entidade patronal do sinistrado/falecido havia transferido para ela a responsabilidade infortunística por acidente de trabalho. Apesar da identidade dos titulares da relação substancial litigada em ambas as acções, embora com substituição da seguradora pela aqui 1.ª ré – gerente da sociedade/entidade patronal, já quanto à causa de pedir, dúvidas também não podem existir de que é distinta num e noutro processo. Nos presentes autos, a causa de pedir procede do facto de ter sido violado o direito à vida do sinistrado, já que as lesões físicas sofridas e que conduziram à sua morte decorreram do alegado manuseamento de chapas de pedra a pedido da entidade patronal, sem que para tal estivesse habilitado, e sem as que fossem observadas as condições de higiene e segurança adequadas, o que, por sua vez, determinou danos não patrimoniais aos seus familiares (mulher e filho). Nos autos de trabalho, a causa de pedir residiu no facto de terem sido infligidas lesões que tiveram como consequência a morte de um trabalhador da 2.ª ré, no local e horário de trabalho, na sequência do alegado cumprimento de ordens e instruções daquela ou das suas chefias. Como se refere no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de junho de 2020 “a concorrência de responsabilidades civil e laboral, ou também chamada infortunística, origina uma obrigação solidária, mas imprópria ou imperfeita e ao contrário do que ocorre na solidariedade obrigacional (art. 523.º do CC) o pagamento da indemnização pelo sinistro laboral não produz a extinção, ainda que parcial, da obrigação comum”, não liberando assim o responsável por esta, e se a indemnização paga por este extingue a obrigação a cargo da entidade patronal ou da respectiva seguradora, já o inverso não pode verificar-se. Mais, só o eventual e efectivo pagamento ao sinistrado/seus familiares das indemnizações fixadas na acção civil e em relação às quais ocorre duplicação por parte dos responsáveis aí considerados tem a virtualidade de extinguir a responsabilidade e correspondente obrigação do respectivo pagamento por parte dos responsáveis laborais, o que não sucedeu sequer no caso.
Assim, não existiu litispendência até ao trânsito da sentença proferida na acção especial n.º 3568/17...., nem se verifica agora caso julgado ou qualquer erro na forma do processo, improcedendo na totalidade toda a matéria de excepção invocada pelas rés na sua contestação.»
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Nada obstando, identificou-se o objecto do litígio e elencaram-se os temas da prova.
Realizou-se a audiência final.
Determinou-se a reabertura da audiência a fim de ser junta uma certidão.
As RR. arguiram a nulidade desse despacho, questão que foi apreciada como questão prévia na sentença, tendo-se decidido julgar não verificada a arguida nulidade.
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Seguidamente proferiu-se sentença em que se decidiu:

«Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, decide:
- condenar as Rés CC e EMP01..., L.da, solidariamente, a pagar aos Autores AA e BB a quantia de 135.000,00 €(cento e trinta e cinco mil euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal, civil, vigente em cada momento, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
- absolver as Rés do demais peticionado;
- condenar Autores e Rés no pagamento das custas do processo, na proporção do respectivo decaimento (art. 527º do CPC), e sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido aos Autores.»
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Inconformadas com o decidido, quer no saneador, quer na sentença, as RR. interpuseram o presente recurso de apelação, que instruíram com as pertinentes alegações, em que formulam as seguintes conclusões:

«1. O presente recurso tem por objeto a reapreciação de duas decisões proferidas pelo Venerando Tribunal ad quo, a primeira dessas decisões foi proferida através de Despacho Saneador datado de 12.07.2022, ao qual foi atribuída a referência citius n.º 180151219, através do qual o Venerando Tribunal ad quo julgou totalmente improcedentes duas exceções dilatórias deduzidas pelos Réus Recorrentes na contestação apresentada no âmbito dos presentes autos no dia 19.11.2021, à qual foi atribuída a referência citius n.º 40524672, a saber, a exceção de Litispendência e caso julgado e a exceção de Erro na forma de processo.
2. Para este efeito, importa desde logo atentar que no âmbito de um processo judicial que correu termos sob o n.º 3568/17.... junto do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, foi proferida uma sentença (autuada a fls. 300 a 326 destes autos) que, apreciando o mérito de pedidos de indemnização por danos morais pelo falecimento do seu pai e marido, deduzidos pelos aqui Autores, decidiu julgar tais pretensões totalmente improcedentes, pelo facto de não se terem demonstrado os pressupostos da responsabilidade civil.
3. Sendo de considerar que a referida ação, em parte, teve por objeto os danos não patrimoniais referentes ao dano morte, ao dano sofrido pelo falecido, bem como ao dano da perda de familiar próximo, o qual coincide exatamente com o objeto dos presentes autos.
4. Trata-se, portanto, de uma situação que configura o efeito negativo do caso julgado, a qual impede a interposição de uma nova ação com o mesmo objeto de uma outra, verificando-se uma situação de litispendência até ao momento em que esse processo transitou em julgado e uma situação de caso julgado a partir desse momento, que determina que a Sentença recorrida seja necessariamente revogada no âmbito do presente recurso e os presentes autos sejam julgados totalmente improcedentes.
5. Por sua vez, o presente recurso tem também por objeto:
- O julgamento feito pelo Tribunal ad quo ao regime da autoridade do caso julgado de uma sentença penal condenatória num processo como o presente;
- O julgamento feito pelo Tribunal ad quo ao regime do erro na forma de processo;
- O julgamento feito pelo Tribunal ad quo à prova produzida em audiência e à matéria de facto dada como provada e não provada;
- O julgamento feito pelo Tribunal ad quo ao regime relativo à fixação da medida de indemnização em face dos factos dados como provados.
6. Com efeito, para além de ter julgado improcedentes as exceções deduzidas pelos Réus ora Recorrentes, o Tribunal ad quo apreciou o mérito dos pedidos apresentados pelos Autores Recorridos e sentenciou os primeiros ao pagamento de uma indemnização aos segundos no valor de € 135.000,00, a título de dano morte, danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima antes de falecer e a título de danos não patrimoniais sofridos pelos próprios Autores Recorridos.
7. Ora, quanto ao cumprimento dos pressupostos da responsabilidade civil cumpre desde logo salientar que os mesmos não se encontram, de todo, verificados, começando desde logo pelo facto da sentença não fazer referência, em parte alguma, nem assim na parte da fundamentação referente ao direito de quais tenham sido os comandos normativos que foram violados pelas Rés.
8. Tanto mais que, estando em causa factos omissivos, importava afirmar que deveres ou comandos normativos não foram cumpridos e quais é que tiveram uma relação de causalidade com o acidente.
9. O mesmo sendo aplicável em relação à culpa, uma vez que a sentença não refere de que modo o comportamento das Rés é censurável.
10. Quanto ao nexo de causalidade, importa considerar que não estamos perante um processo penal, em que é censurável a prática de determinadas condutas, ainda que as mesmas não tenham sido eficazes.
11. O mesmo não sucedendo com a responsabilidade civil em que se exige a verificação de um nexo de causalidade entre as eventuais violações penais ou contraordenacionais foram a causa adequada do acidente, o que não ficou demonstrado.
12. Com efeito, o tribunal ad quo não referiu qual foi o comando normativo que as Rés alegadamente não cumpriam, por omissão, e que terá sido a causa adequada do acidente, claro está, à luz do conceito de causalidade em vigor no âmbito civil e não no âmbito penal.
13. Acresce que, ao determinar que a força do caso julgado resultante da decisão proferida no processo-crime que correu termos com o n.º 1546/17...., a referida decisão não apenas se encontra viciada por um erro de julgamento que afetou a forma como a prova produzida nestes autos foi apreciada, como também na medida em que a indemnização em que os Réus Recorrentes foram condenados viola o regime jurídico aplicável referente à reconstituição in natura e a jurisprudência que tem vindo a ser seguida em casos semelhantes ao presente.
14. Posto isto, ao decidir no referido sentido, o Tribunal de 1.ª Instância violou o disposto nos artigos 8.º, 483.º e seguintes, 494.º, 496.º e 522.º do CC, 193.º, 199º nºs 1 e 2, 546.º, 552.º, 576º, nº 1 e 2 e 577º al. b), 580.º, 581.º e 623.º do CPC, 21.º, n.º 3, 48.º, n.º 3, 99.º e seguintes e 127.º, n.º 1, do CPT, 8.º, 9.º, 18.º, n.º 1, 23.º, 57.º e 60.º da Lei 98/2009 de 4 de setembro, designada como LAT ou Lei de Acidentes de Trabalho, 421.º e 625.º do CPC e 84.º do CPP, e 17.º da Lei 102/2009, de 10 de setembro, que aprovou o Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho.
15. No que concerne à invocação da exceção de litispendência, a qual viria a convolar-se numa exceção do caso julgado após o trânsito da decisão em referência, importa reparar que previamente ao início dos presentes autos, foi instaurado um processo de acidentes de trabalho, o qual correu termos com o n.º 3568/17.... no Tribunal de Trabalho de Barcelos, que transitou em julgado em 11.05.2022, o qual teve como partes a aqui 1.ª Autora, ora recorrida, e como Rés a aqui 2.ª Réus e a respetiva seguradora.
16. Sendo de atentar que, no âmbito da referida fase contenciosa, os então Autores apresentaram como causa de pedir o acidente de trabalho que vitimou o Sr. DD, evento esse que os referidos atribuíram ao incumprimento das regras de segurança.
17. Tendo, nessa sequência, deduzido os pedidos de condenação das Rés ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, bem como pelo dano não patrimonial sofrido pela vítima DD, decorrente da perda do direito à vida.
18. Pedidos esses, cujo mérito viria a ser apreciado pelo referido Tribunal, tendo os mesmos sido julgados totalmente improcedentes, vindo o Tribunal de Trabalho de Barcelos viria a sentenciar expressamente que “no caso em apreço, não resultou provado que o acidente tivesse sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, nem que tivesse resultado da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho. Desta feita, para além das prestações acima referidas e liquidadas, mais nada é devido aos Autores a título de indemnização pelos danos morais ou não patrimoniais decorrentes do acidente de trabalho dos autos. Assim sendo, improcedem os pedidos relativos ao pagamento de indemnizações pelos danos morais.”.
19. Ora, pelo facto de o Tribunal de Trabalho já ter julgado, de mérito, o direito dos Autores Recorrentes a serem indemnizados por danos não patrimoniais resultantes da morte do seu familiar, verifica-se em relação aos presentes autos a exceção do caso julgado, a qual, contudo, o Tribunal ora recorrido não reconheceu.
20. Revelando-se manifesto que o Tribunal ad quo confundiu as duas vertentes mais conhecidas do caso julgado, enquanto “exceção” e enquanto “autoridade do caso julgado”, as quais têm aplicação sub judice de forma diversa.
21. Tendo o Tribunal recorrido desconsiderado, erradamente, que a matéria que integra a Decisão proferida no processo de natureza penal goza apenas e tão-só da “autoridade do caso julgado”, e que a Decisão proferida no processo especial de acidentes de trabalho é a única que conduz à verificação da “exceção do caso julgado”, o que naturalmente condicionou, de forma errada, o resultado dos presentes autos, o que não podemos conceder, nem aceitar.
22. Sendo de atentar que não se desconhece que o regime regra subjacente à responsabilidade do empregador é o da responsabilidade pelo risco, assente nas teorias de risco económico e da autoridade, conforme se infere da própria extensão do conceito de acidente de trabalho (cfr. artigos 8º e 9º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, que Regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, doravante LAT) e que, à luz deste regime, as prestações a que o credor (trabalhador/família) tem direito são unicamente as especificadas na LAT, designadamente pensões por morte ou por incapacidade permanentes, indemnizações por incapacidade temporária, prestações médicas ou medicamentosas, subsídio de funeral – cfr. 23º LAT –, sendo estabelecidos limites máximos aos montantes a atribuir, incluindo tabelas de pensões e indemnizações abaixo dos danos reais.
23. Contudo, não obstante este ser o regime-tipo, por vontade expressa do legislador consagrada no artigo 18.º, n.º 1, da NLAT, a responsabilidade da entidade empregadora pelo risco pode concorrer com a responsabilidade fundada na culpa do empregador, ou até dos seus representantes, de outro trabalhador ou de terceiros estranhos à relação laboral.
24. Foi o que sucedeu in casu, sendo que na referida ação especial emergente de acidente de trabalho, os aqui Autores acionaram a responsabilidade civil subjetiva (fundada na culpa) da 2.ª Ré e seus representantes, fazendo uma invocação expressa a responsabilidade agravada do artigo 18.º, n.º 1, da LAT e ao peticionarem uma indemnização por prejuízos que vai para além do âmbito típico da reparação em sede de acidentes de trabalho, abrangendo concretamente uma indemnização por danos não patrimoniais.
25. Pedido de indemnização esse, por danos não patrimoniais, que não apenas foi admitido, como também foi apreciado e alvo de uma decisão de mérito.
26. Concluindo, conforme é possível verificar, tanto os presentes autos de natureza comum, como os referidos autos de acidentes de trabalho, têm como sujeitos processuais as mesmas partes, têm por objeto a mesma causa de pedir – isto é, o acidente de trabalho que vitimou o trabalhador DD –, fundamentam-se no mesmo regime geral de responsabilidade civil fundado na culpa, e foi aí deduzido o mesmo tipo de pedido indemnizatório – isto é, uma indemnização por danos não patrimoniais.
27. Pelo que se verifica uma situação de “exceção do caso julgado” por referência ao processo especial de acidentes de trabalho, a qual enquanto patologia processual que tem subjacente a ideia de evitar a pendência simultânea de duas acções em que se verifica uma situação de identidade quanto aos sujeitos, ao objecto e à causa de pedir, obsta à apreciação do mérito dos presentes autos e deverá conduzir à absolvição de ambas as Rés da instância.
28. Com efeito, não pode o direito consentir com a prática repetida e inútil de actos processuais ou a adoção de soluções divergentes ou mesmo contraditórias para o mesmo caso.
29. Nestes termos, o Douto Despacho recorrido, ao ter reconhecido a força do caso julgado exclusivamente à sentença penal em detrimento da sentença proferida no âmbito do processo especial de acidentes de trabalho, violou o regime previsto nos artigos 483.º e seguintes, e 522.º do CC, 552.º, 580.º e 581.º do CPC, 21.º, n.º 3, 99.º e seguintes e 127.º, n.º 1, do CPT, e 8.º, 9.º, 18.º, n.º 1 e 23.º da Lei 98/2009 de 4 de setembro, designada como LAT ou Lei de Acidentes de Trabalho.
30. Pelo que a mesma deverá ser revogada e substituída por uma outra que reconheça a verificação sub judice da exceção do caso julgado tendo por referência a matéria já decidida através da sentença proferida no processo especial de acidentes de trabalho.
31. Por sua vez, no que concerne à exceção dilatória de erro na forma do processo, qual vício processual (nulidade) decorrente do uso pela parte de uma inadequada forma tramitacional – 193º CPC, importa reparar que o pedido indemnizatório por danos não patrimoniais formulado pelos Autores aqui Recorridos contra as Rés ora Recorrentes sempre teria de ser necessariamente formulado em acção especial de acidentes de trabalho e não na presente acção declarativa sob a forma de processo comum.
32. O que de resto, sucedeu, tendo os Autores deduzido um pedido indemnizatório por danos não patrimoniais contra os aqui Réus no âmbito da fase contenciosa do processo que correu termos sob o n.º 3568/17.... junto do Tribunal de Trabalho de Barcelos, justificando assim a invocação da exceção do caso julgado que neste recurso também se discute.
33. Como quer que seja, ainda que os Autores não tivessem deduzido o referido pedido indemnizatório no referido processo, a verdade é que não o poderiam fazer no âmbito dos presentes autos, uma vez que a forma processual adequada para dirimir essa pretensão sempre seria a ação especial de acidentes de trabalho.
34. Apenas assim não sendo em caso de não ser possível o recurso a esta, designadamente, ou porque foi alcançado um acordo na fase conciliatória, ou por falta de legitimidade para intervir nesses autos.
35. De facto, de acordo com a jurisprudência dominante, ao contrário do que o Tribunal recorrido pretende fazer crer, a forma processual comum e a de ação especial de acidentes de trabalho não correspondem a duas formas alternativas, ainda que complementares, que os Autores poderiam escolher livremente para exercer o seu alegado direito.
36. Estando os mesmos obrigado, pelo contrário e como se disse, a recorrer à acção especial de acidentes de trabalho e, apenas em caso de tal não se revelar possível, à presente ação de processo comum.
37. Neste ensejo, importa atentar que a acção emergente de acidente de trabalho é um processo especial previsto na lei adjectiva laboral - 21º/3 e 99º e ss CPT, cuja tramitação é profundamente sui generis, em muito distinta do comum das acções, considerando que tem subjacente o reconhecimento da necessidade social de um sistema próprio que tutele a situação do trabalhador e família, economicamente dependentes da sua prestação de trabalho e que ficam privadas da sua fonte de rendimento, por força de acidente que provoque morte ou incapacidade física.
38. Por outro lado, deverá atentar-se que a lei pretendeu que os casos de acidentes de trabalho com consequências mais graves (vg morte, ou com resultado de incapacidades permanentes) fossem obrigatoriamente participados a fim de oficiosamente, sob a égide do Ministério Público, se dar inicio ao processo de acidente de trabalho.
39. Tendo a ação emergente de acidente de trabalho por traços característicos essenciais o carácter oficioso do processo e a sua natureza de interesse público, o que se projeta no seu regime com uma tramitação muito particular, marcada pela imperatividade do seu regime e pela inadmissibilidade de renúncia aos direitos conferidos pela lei substantivas, não sendo admissíveis acordos contrários a esse regime – 12º LAT.
40. Por outro lado, não releva aqui a circunstância que é apontada tanto pelos Autores, como pelo Tribunal ad quo, relativa ao facto de os primeiros peticionarem uma indemnização que, segundo a sua conformação jurídica, não se funda num acidente de trabalho, mas sim na responsabilidade civil extracontratual fundada na culpa, prevista nos artigos 483º e ss CC.
41. Com efeito, a forma do processo é aferida em função do pedido formulado e não pela qualificação da relação jurídica ou enquadramento legal que a parte lhe confere, não havendo que confundir “a questão de fundo com a questão de forma”.
42. Ou seja, conforme é possível verificar, os Autores configuraram a ação especial emergente de acidente de trabalho como se se tratasse de um típico acidente de trabalho em que é invocada responsabilidade agravada, nos termos do artigo 18.º. n.º 1, da LAT, deduzindo aí pedidos que vão para além do âmbito-tipo dos processos especiais de acidentes de trabalho, ultrapassando o “carácter tarifário e limitado” dos prejuízos indemnizáveis nessa sede.
43. O que os Autores fizeram em obediência ao princípio da concentração neste processo especial de todas as questões relacionadas com a caracterização do acidente de trabalho e determinação da entidade responsável e em que moldes, com a consequente preclusão de reabertura destas questões, o qual tem na sua génese a especial natureza e configuração deste tipo de processo, determinados pelos suprarreferidos princípios da oficiosidade, da irrenunciabilidade dos direitos específicos conferidos pela lei de reparação de acidentes de trabalho e da sua natureza pública – 12º e 78º NLAT.
44. De onde se conclui que a acção especial de acidente de trabalho constitui a única forma processual adequada para os Autores beneficiários exercerem o seu direito à reparação por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do acidente sub judice, de resto, tal como já a intentaram e tentam aqui duplicar.
45. É atento ao exposto que se deverá concluir que, atento o facto de os Autores estes autos terem tido a oportunidade de reclamar no âmbito do processo especial de acidentes de trabalho, tal como de resto o fizeram através do processo que correu termos no tribunal de trabalho sob o n.º 3568/17...., estavam os mesmos impedidos de o fazer no âmbito dos presentes, seja por ofensa do caso julgado formado no âmbito do referido processo, seja porque, se esse processo não tivesse sido instaurado, sempre seria essa forma processual que deveria ser adotada pelos Autores ora Recorridos, e não os presentes autos sob a forma de processo comum.
46. Atento o exposto, deverá ser julgada procedente a invocada exceção de erro na forma do processo e, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 193.º, 199º nºs 1 e 2, 546.º, 576º, nº 1 e 2 e 577º al. b), do CPC, aplicáveis por força do disposto na al. a) do nº 2 do art.º 1º do CPT, 483.º e seguintes e 496.º do CC, 21.º, n.º 3, 48.º, n.º 3, e 99.º do CPT, e ainda 8.º, 9.º, 12.º, 18.º, n.º 1, 23.º, 57.º e 60.º da LAT, deverá o Douto Despacho Saneador datado de 12.07.2022, ao qual foi atribuída a referência citius n.º 180151219, ser revogado e substituído por um outro que jugue procedente a exceção dilatória de erro na forma de processo invocada pelas Rés ora Recorrida e, nessa sequência, deverão as Rés ser absolvidas da instância.
47. Por sua vez, importa reparar que o Tribunal recorrido aplicou a norma prevista no artigo 623.º do CPC no âmbito dos presentes autos, tendo por referência a Sentença proferida no processo de natureza penal que correu termos sob o n.º 1546/17.... junto do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Braga - Juiz ... na qual as Rés foram condenadas pela prática do crime de violação de regras de segurança.
48. Tendo o Tribunal ad quo feito uma incorreta interpretação e aplicação da referida norma, que o levou a considerar, erradamente, que a autoridade do caso julgado da Sentença proferida no referido processo de natureza penal é de um grau muito superior ao estabelecido pela referida norma.
49. Com efeito, se a referida norma nos remete para a existência de uma presunção ilidível, o Tribunal recorrido, erradamente, professou o entendimento que a referida presunção é inilidível.
50. Por outro lado, se a referida norma prevê e salvaguarda a autoridade do caso julgado da referida decisão, porém, apenas considera para esse efeito os factos apurados no âmbito da mesma, como se um valor probatório da sentença se tratasse, excluindo daí todas as considerações jurídicas que aí foram retiradas, designadamente, ao nível dos pressupostos de punição ao nível penal, não obstante, porém, é possível verificar que o Tribunal ad quo estendeu a autoridade do caso julgado da referida decisão penal condenatória às considerações jurídicas aí vertidas e à aplicação do direito (penal) aos factos aí em consideração.
51. Com efeito, o Tribunal recorrido procurou retirar da Sentença penal condenatória ilações inilidíveis relativas aos pressupostos da responsabilidade civil, designadamente, quanto à ilicitude, à culpa e ao nexo de causalidade, o que não pode aceitar-se.
52. De facto, o Tribunal ad quo, ao invés de considerar um conjunto de factos julgados como provados, nestes autos e nos referidos de natureza penal, subsumindo-os posteriormente ao regime legal de responsabilidade civil aqui aplicável, entendeu retirar da referida sentença o preenchimento dos pressupostos da ilicitude, da culpa e do nexo de causalidade.
53. Aproveitamento este que o Tribunal recorrido fez de forma tão flagrante que nem sequer é possível vislumbrar na Sentença recorrida quais foram as normas legais que, ao nível do pressuposto da ilicitude, fundamentam a condenação das Rés, o que jamais poderá aceitar-se, desde logo e na medida em que o objeto e os fins de um processo cível e de um processo-crime são totalmente diversos, não havendo comparação possível entre os pressupostos da responsabilidade civil e os pressupostos da responsabilidade penal.
54. Com efeito, se em termos genéricos, a responsabilidade civil se traduz numa solução privatística de justiça comutativa e de reparação dos prejuízos causados por um particular a outro, restabelecendo-se a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto causador do prejuízo, já a responsabilidade penal visa, em termos gerais, punir e prevenir uma ofensa de bens jurídicos de natureza pública.
55. Concluindo, analisado o regime aplicável ao valor da sentença condenatória no âmbito dos presentes autos de natureza cível, integrado, entre outros, pelos artigos 421.º e 623.º do CPC e 84.º do CPP, é possível verificar que a influência da sentença penal condenatória no processo civil se limita a uma presunção ilidível sobre a existência de factos, sublinhamos, de factos, e ao aproveitamento de determinados meios de prova, tais como os depoimentos prestados na audiência do processo penal.
56. Presunção essa que, de resto, neste caso, sempre teria de considerar-se totalmente ilidida pelos meios de prova produzidos na audiência de julgamento que teve lugar no âmbito dos presentes autos de natureza cível.
57. Atento o supra exposto, a Douta Sentença ora recorrida não poderá manter-se, desde logo e na medida em que, ao fazer uma interpretação e aplicação incorreta do regime normativo estabelecido pelo artigo 623.º do CPC, bem como pelos artigos 421.º e 625.º do CPC e 84.º do CPP, incorreu em erro na apreciação da matéria de facto, na medida em que considerou que a presunção estabelecida na referida norma se apresenta como inilidível, ao contrário da previsão expressa da referida norma, como também em erro na apreciação da matéria de direito, na medida em que a mesma se fundamenta não na matéria de direito aplicável sub judice, integradora de responsabilidade civil, mas sim em matéria de direito de natureza penal.
58. Termos em que que a mesma deverá ser substituída por uma outra que apenas considere a matéria de facto julgada como provada no referido processo-penal e apenas para efeitos de funcionar como uma presunção ilidível, possível, portanto, de ser contraditada pela prova produzida na audiência destes autos.
59. Por sua vez, no que respeita ao recurso da decisão proferida sobre a matéria de facto, a verdade é que a decisão final proferida não é congruente com a prova produzida nestes autos, estando, portanto, ferida de um erro notório na apreciação da prova, pelo que o presente recurso visa, entre outros fins, censurar o julgamento da matéria de facto, explicitando as concretas provas produzidos na audiência de julgamento que teve lugar nestes autos e que impunham, e impõem, uma decisão diversa daquela que foi proferida pelo Tribunal a quo.
60. Sendo quatro os temas principais em relação aos quais se crê que o Tribunal recorrido errou na apreciação da prova produzida:
- DO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA DE FACTO DA 1.ª RÉ;
- DA EXPERIÊNCIA E FORMAÇÃO MINISTRADA AOS TRABALHADORES DA 1.ª RÉ;
- DO NÃO EXERCÍCIO PELOS TRABALHADORES DA 1.ª RÉ DE FUNÇÕES QUE IMPLICAM O MANUSEAMENTO MANUAL DE PEDRAS DE GRANDES DIMENSÕES;
- APTIDÃO E SEGURANÇA DOS CAVALETES PARA A ATIVIDADE DA 1.ª RÉ.
61. Sendo de considerar que, em relação à matéria de facto relativa ao exercício da gerência de facto da 2.ª Ré, atenta a prova produzida em audiência, deverão ser julgados como provados os seguintes quatro factos:
FACTO 1: À data do acidente sub judice a gerência de facto da 2.ª Ré era exercida pelos filhos da 1.ª Ré, a saber, EE, FF e EMP01...
FACTO 2: À data do acidente sub judice a 2.ª Ré já não era gerente de facto há mais de 10 anos, pelo que apenas mantinha a gerência de direito da 2.ª Ré, deslocando-se à 2.ª Ré de forma intermitente e intervindo na assinatura de documentos e no apoio à gerência de facto no que concerne às questões de particular importância
FACTO 3: À data do acidente sub judice era a filha da 1.ª Ré, EE, quem assumia o contacto com todos os fornecedores, clientes, parceiros, autoridades e com todos os demais sujeitos ou entidades que se relacionassem com a 2.ª Ré
FACTO 4: À data do acidente sub judice era o filho da 1.ª Ré, FF, quem detinha o poder de direção e organização de todo o armazém da 2.ª Ré, sendo o superior hierárquico de todos os que aqui laboravam e laboram.
62. Por sua vez, em relação à matéria de facto relativa ao tema da experiência e formação ministrada aos trabalhadores da 2.ª Ré, atenta a prova produzida em audiência, deverão ser julgados como provados os seguintes cinco factos:
FACTO 1: Desde data anterior à ocorrência do acidente sub judice nestes autos que a 2.ª Ré contrata, para períodos anuais, uma empresa externa no sentido de identificar os riscos da respetiva atividade, estabelecer um plano de prevenção e eliminação de riscos, fornecer Equipamentos Individuais de Proteção (EPI’s) e dar formação a todos os trabalhadores sobre as regras gerais de saúde e segurança no trabalho.
FACTO 2: À data do acidente sub judice, o trabalhador falecido, DD, trabalhava na 2.ª Ré há cerca de 6 meses, porém, tinha uma larga experiência, de mais de 30 anos, na exata atividade a que se dedica a 2.ª Ré.
FACTO 3: Quando foi admitido a trabalhar na 2.ª Ré, o trabalhador falecido, DD, recebeu formação, em regime “on the job”, sobre o modo de funcionamento da 2.ª Ré e sobre todas as funções que lhe foram atribuídas e para as quais o mesmo não demonstrou ter conhecimento ou domínio completo.
FACTO 4: Após ter sido admitido a trabalhar na 2.ª Ré, o trabalhador falecido, DD, recebeu formação geral de segurança e saúde no trabalho ministrada por uma entidade externa contratada para o efeito pela 2.ª Ré.
FACTO 5: Após ter sido admitido a trabalhar na 2.ª Ré, o trabalhador falecido, DD, não recebeu formação em manuseamento manual de pedras de grandes dimensões uma vez que não estava compreendida nas suas funções a tarefa de manuseamento manual de pedras de grandes dimensões, a qual lhe era proibida pelos seus superiores hierárquicos.
63. Por sua vez, em relação à matéria de facto relativa ao tema do não exercício pelos trabalhadores da 2.ª Ré de funções que implicam o manuseamento manual de pedras de grandes dimensões, atenta a prova produzida em audiência, deverão ser julgados como provados os seguintes quatro factos:
FACTO 1: Não estava, nem nunca esteve, compreendida nas funções do trabalhador falecido, DD, nem assim do outro trabalhador acidentado, GG, a tarefa de manuseamento manual de pedras de grandes dimensões.
FACTO 2: A tarefa de manuseamento manual de pedras de grandes dimensões não apenas não se encontrava compreendida nas funções dos referidos trabalhadores, como não era realizada por qualquer outro trabalhador da 2.ª Ré, uma vez que a movimentação de pedras de grandes dimensões era exclusivamente feita por meio de uma ponte móvel, sem necessidade de qualquer tipo de manuseamento manual.
FACTO 3: O manuseamento manual de pedras de grandes dimensões sempre foi proibido pelos superiores hierárquicos do trabalhador falecido, DD.
FACTO 4: O ato de manuseamento manual de pedras de grandes dimensões que deu origem ao sinistro sub judice não se inseria nas funções de limpeza que tinham sido ordenadas aos acidentados, tendo os mesmos tocado na pedra que os viria atingir por ato manifestamente temerário, irrefletido e inconsciente dos perigos e contrário a todas as instruções que haviam recebido das suas chefias.
64. Por sua vez, em relação à matéria de facto relativa ao tema da aptidão e segurança dos cavaletes para a atividade da 2.ª Ré, atenta a prova produzida em audiência, deverão ser julgados como provados os seguintes cinco factos:
PONTO 1: O acidente em referência nestes autos não foi provocado, de qualquer forma, pelo cavalete no qual estava depositada a pedra que haveria de vitimar os acidentados neste acidente.
PONTO 2: O cavalete que esteve envolvido no acidente destes autos não colapsou, cedeu ou de outra forma sofreu qualquer problema que tivesse levado à ocorrência do acidente em referência
PONTO 3: O cavalete que esteve envolvido no acidente destes autos apenas não se encontrava certificado na data do sinistro, mas, na sequência de ensaios e testes realizados posteriormente, foi conferida a respetiva conformidade para a sua utilização profissional e o mesmo foi certificado com as exatas mesmas características que já possuía antes do sinistro.
PONTO 4: O modelo do cavalete que esteve envolvido no acidente destes autos é vulgarmente utilizado no mercado em que se insere a 2.ª Ré, sendo que toda a concorrência os utiliza, não obstante já existirem outros modelos de cavalete.
PONTO 5: Por autorização expressa dada pela entidade oficial certificadora, bem assim como pela ASAE, o cavalete que esteve envolvido no acidente destes autos, assim como outros do mesmo modelo, continuam a ser utilizados no âmbito da atividade da 2.ª Ré.
65. Atento o exposto, atenta a prova produzida em audiência, a sentença proferida sobre a matéria de facto dada como provada deverá ser alterada, passando daí a constar os referidos factos.
66. Do mesmo modo, atento o supra exposto e de forma congruente, a Douta Sentença recorrida deverá ser revogada e, nessa sequência, os pontos de facto dados como provados sob as letras ...), D), E), I), Q), FF), deverão ser julgados como não provados.
67. Por outro lado, os pontos de facto dados como não provados sob os n.ºs 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12, 13), 14), 15), 16), 17), 18) 19), 20), 21), 22) e 23) deverão ser julgados como provados.
68. Por fim, e sem menor importância, deverão ser retirados da Decisão proferida sobre a matéria de factos os PONTO T, U, V e W da matéria de facto dada como provada, na medida em que o respetivo teor corresponde a uma conclusão de direito, não qualificável como facto, pelo que não têm cabimento nesta decisão sobre a matéria de facto.
69. Por outro lado, no que concerne ao (não) preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do artigo 483.º e seguintes do CC, importa reparar que não é aqui aplicável qualquer ónus probatório que impenda sobre as Rés, ao contrário do que sucederia se estivesse ante uma responsabilidade civil contratual.
70. Sendo que, mesmo que assim não se entenda, designadamente, por força do regime do artigo 623.º do CPC, a verdade é que a presunção aí estabelecida foi devida ilidida pela prova produzida na audiência de julgamento que teve lugar nestes autos.
71. Porém, conforme vimos supra, o tribunal ad quo, tendo alegadamente por base o regime estabelecido no artigo 623.º do CPC, não apenas aproveitou para os presentes autos a matéria de facto dada como provada no âmbito do processo de natureza penal que correu termos sob o n.º 1546/17...., como também as conclusões jurídicas que aí foram retiradas, designadamente, ao nível da culpa, da ilicitude e do nexo de causalidade.
72. O que o mesmo fez como se os referidos pressupostos de responsabilidade civil tivessem a mesma génese e fossem construídos sob a mesma base que os pressupostos da responsabilidade penal, o que, como sabemos, não se verifica.
73. Nestes termos, independentemente da alteração da matéria de facto que se requer que seja feita por via do presente recurso, a verdade é que a Sentença recorrida se encontra gravemente viciada no que concerne ao preenchimento dos pressupostos gerais da responsabilidade civil através dos quais condenou as Rés ao pagamento de uma indemnização aos Autores.
74. Sendo de atentar desde logo acerca da ilicitude que o Tribunal recorrido refere apenas e tão só que o facto ilícito se identifica com a violação de prescrições legais e regulamentares em matéria de saúde e de segurança no trabalho e de formação profissional do trabalhador, as quais, porém, não identifica, ficando as Rés Recorrentes sem saber qual foi o facto ilícito por si praticado e que originou a sua condenação nestes autos ao pagamento de uma indemnização de € 135.000,00.
75. Sendo de atentar igualmente que o Tribunal recorrido desconsiderou que, quando muito, estamos perante um ato omissivo praticado pelas Rés, em violação de uma obrigação de atuação ativa, por oposição a um ato ou comportamento que, de forma ativa, tenha provocado os danos em questão.
76. Sendo portanto necessário averiguar, desde logo, dois pressupostos essenciais, que se identificam com o dever da prática do ato omitido e com a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento omitido e o acidente sub judice, de tal forma que se possa concluir que, se não fosse essa omissão, isto é, caso fosse praticado o ato devido, o acidente provavelmente não teria ocorrido.
77. Acontece, porém, que, de acordo com o excerto supratranscrito, a Sentença recorrida não dedica uma palavra sobre esta matéria, sendo que nem sequer identificou os normativos legais ou regulamentares de onde emerge a suposta obrigação das Rés praticarem um qualquer comportamento.
78. Sendo que, de resto, a sentença recorrida se encontra viciada por falta de fundamentação.
79. Nestes termos, para lá de não lograrmos encontrar qualquer ilicitude ou antijuridicidade nos comportamentos praticados pelas Rés, seja por ação ou omissão, designadamente nos termos previstos no artigo 483.º, n.º 1, do CC, a verdade é que o Tribunal recorrido não só não demonstrou a culpa das Rés Recorrentes, como também não demonstrou a existência de um qualquer nexo causal entre a conduta destas e a morte do malogrado trabalhador.
80. Ao exposto acresce que, as Rés Recorrentes foram acusadas pelos Autores Recorridos de, supostamente, não terem dado cumprimento ao dever de eliminar a necessidade ou o risco de manuseamento manual de pedras com as dimensões e peso da pedra que protagonizou o sinistro sub judice e ainda de, supostamente, não terem prestado ao falecido trabalhador DD formação relativa ao manuseamento manual de pedras.
81. Considerações estas que não têm qualquer fundamento válido, na medida em que partem de pressupostos que não têm qualquer sustentação na realidade, pois apenas podemos eliminar a necessidade ou o risco de manuseamento manual de pedras de grandes dimensões se na atividade da empresa em causa houver a necessidade e/ou for praticada uma qualquer ação de manuseamento manual de pedras de grandes dimensões.
82. Porém, analisada a prova produzida em audiência, incluindo a prova produzida nos autos de natureza penal, e mesmo sem as alterações da matéria de facto que se propugnam nas presentes alegações, é possível verificar que não se verifica qualquer necessidade de manuseamento manual de pedras de grandes dimensões, nem estas operações ocorrem, por outro motivo, no dia a dia da 1.ª Ré.
83. Por outro lado, a verdade é que apenas faz sentido prestar formação a um trabalhador sobre manuseamento manual de pedras se na atividade ou nas funções desse trabalhador, houver a necessidade e/ou for praticada uma qualquer ação de manuseamento manual de pedras de grandes dimensões.
84. O que não se verifica no presente caso, tendo sido demonstrado que as funções do malogrado trabalhador eram de acabador de 1.ª, estando o mesmo adstrito ao manuseamento de pedras de pequenas dimensões, conforme vasta prova produzida na audiência dos presentes autos.
85. Pelo contrário, conforme se demonstrou em audiência, os Sinistrados e demais colegas que exercem as funções de Acabador estão proibidos de realizar quaisquer tarefas de movimentação de chapas, manual ou não, tanto mais que tal movimentação de chapas pressupõe a utilização da ponte rolante manobrada em exclusivo pelos trabalhadores FF e HH.
86. Proibição essa que, de resto, sucede com este trabalhador e com quaisquer outros trabalhadores da 1.ª Ré, sendo que, conforme foi feita prova em audiência, no âmbito da atividade da 2.ª Ré, nem hoje, nem há mais de 30 anos, jamais se verificou a necessidade de manuseamento manual das placas de pedras de grandes dimensões, tal como a que caiu na situação sub judice.
87. Não tendo sido jamais praticado qualquer ato nesse sentido com a anuência e/ou sob as ordens e instruções emanadas das chefias da 2.ª Ré.
88. Sendo de atentar que também ficou demonstrado nestes autos que a 2.ª Ré assegura a realização de formação no posto de trabalho e procedimentos de segurança a todos os seus trabalhadores, ainda que, logicamente, o objeto dessas formações encontra-se naturalmente relacionado com as funções exercidas por cada trabalhador, até porque essa formação é ministrada, de forma continuada, e em contexto “on the job”.
89. Neste sentido, deverá concluir-se que, tendo os trabalhadores acidentados procedido ao manuseamento manual de tais chapas de pedra granítica, fizeram-no contra as expressas ordens e instruções das chefias da 1.ª Ré Recorrente, num comportamento que é tanto ou mais censurável quanto a proibição em causa se identifica com uma norma destinada a garantir a respetiva segurança e saúde, e quanto é certo que o perigo associado à ação em causa resulta ser por demais evidente, para qualquer pessoa, atenta a forma, as dimensões e o peso das pedras aqui em questão.
90. Sendo de atentar que nos termos do art.º 17.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, que aprovou o Regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, constitui obrigação do trabalhador, para além do mais, cumprir as prescrições de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e/ou emanadas da sua entidade patronal, bem como utilizar corretamente os equipamentos de proteção coletiva e individual.
91. Normativo esse que, por ironia, jamais foi referido na Sentença recorrida, não obstante ser o único aqui com algum relevo, sendo demonstrativo da culpa que o próprio sinistrado teve na ocorrência dos danos verificados.
92. Sendo o comportamento do Sinistrado, consubstanciado no facto de decidir retirar o calço de madeira posicionado entre as chapas de granito e colocar-se, de seguida, na frente das mesmas, revelador de uma atitude temerária e até atentatória das regras de senso comum, violando as mais elementares regras de prudência, tendo tal circunstância contribuído exclusiva e decisivamente para a ocorrência do acidente.
93. Não podendo as Rés ser responsabilizadas por tal atitude, absolutamente irrefletida e irresponsável, em tudo contrária às ordens e instruções que, naquele momento lhe haviam sido transmitidas – isto é, varrer o chão –, e também às ordens com carácter geral que haviam sido transmitidas a todos os trabalhadores relativamente à proibição de manuseamento de pedras de grandes dimensões.
94. Conforme é possível verificar, não sendo possível atribuir qualquer antijuridicidade aos comportamentos apontados aos Autores Recorrentes, não contendo em si qualquer violação do direito de outrem, nem se verificando qualquer acolhimento legal ou regulamentar que prescreva a responsabilização civil das Rés, a Sentença recorrida, ao condenar os Autores Recorrentes no pagamento da quantia de € 135.000,00, viola o regime legal que prevê os pressupostos da responsabilidade civil.
95. Termos que que, por violação do disposto nos artigos 483.º do CC, 623.º do CPC e 17.º da Lei 102/2009, de 10 de setembro, que aprovou o Regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, deverá a Douta Sentença recorrida ser revogada quanto a esta parte, e substituída por uma outra que julgue por não verificados os pressupostos da responsabilidade civil que conduziram à condenação das Rés ora Recorrentes.
96. Por fim, no que concerne ao valor da indemnização que as Rés foram condenadas a pagar aos Autores, as Rés ora Recorrentes entendem que, o referido valor se afigura demasiado excessivo, sobretudo tendo em consideração a prova produzida no âmbito dos presentes autos, bem assim como a linha jurisprudencial que tem vindo a ser seguida pelos nossos tribunais superiores.
97. De facto, a decisão proferida sobre a matéria de facto não permite sustentar, só por si, uma condenação dos Réus Recorrentes nas referidas indemnizações, sobretudo tendo em consideração os critérios estabelecidos na lei (494.º e 496.º, n.º 4, do CC) no sentido da determinação de uma indemnização desta natureza, bem assim como a linha indemnizatória que tem vindo a ser seguida pela nossa jurisprudência.
98. O que nos convoca para a necessidade de considerar que, a julgar-se existir algum tipo de culpa das Rés na ocorrência da morte do seu falecido trabalhador, o que não se concede, e nessa medida se entenda condená-las a ressarcir os Autores, sempre deverá considerar-se o concreto grau de culpa no eventual desrespeito pelas normas destinadas a garantir a segurança e a saúde no trabalho.
99. Para o que deverá considerar-se a capacidade e possibilidade que estas tinham de representar os riscos que acabaram por se concretizar, designadamente, a circunstância de as mesmas desconhecerem, ou não poderem prever, que o seu malogrado trabalhador violaria as ordens e instruções que lhe foram dadas pelas chefias da 2.ª Ré.
100. Ora, sobre este ponto, importa desde logo destacar que a Sentença recorrida não fez qualquer ponderação, como deveria, às circunstâncias especiais do presente caso, designadamente, à culpa de cada uma das partes na produção do sinistro sub judice, nem assim à respetiva situação económica, sendo que é o próprio Tribunal recorrido que assume de forma expressa que, não obstante nada ter determinado sobre o quadro psíquico e sensorial do sinistrado entre o momento do acidente e a sua morte, não deixou de condenar as Rés ao pagamento de uma indemnização de € 15.000,00, pelos alegados sofrimento e dor sofridos por este nesse período.
101. O que não podemos conceder nem aceitar, pois significa a introdução de uma total arbitrariedade na definição dos direitos das partes, à margem dos critérios legais estabelecidos e da prova produzida em audiência, consequentemente, um atentado à fixação de indemnizações por via da equidade.
102. De facto, não pode deixar de se revelar sub judice que foi dado como provado nestes autos que as Rés não ordenaram de qualquer forma aos sinistrados que empreendessem uma atividade que colocou em risco a sua integridade física ou a sua vida.
103. Tendo os sinistrados sido sim instados a simplesmente varrer o chão do armazém da 1.ª Ré, através da utilização de uma vassoura, o que, como sabemos, não constitui, de todo, uma atividade perigosa.
104. Tendo sido sim os sinistrados que, no decurso dessa atividade, a resolveram interromper e, por sua própria e livre espontânea vontade, sem que tal lhes tivesse sido solicitado pelas Rés, decidiram manusear uma pedra de grandes dimensões, colocando assim em risco a sua integridade física e a sua vida.
105. O que nos leva a concluir que, mesmo que se considere existir algum tipo de culpa das Rés na produção deste acidente, o que não se concede, a mesma foi de um grau extremamente reduzido.
106. Tendo havido sim uma culpa de grau elevado dos próprios sinistrados, os quais, apesar de toda a experiência que tinham na atividade a que se dedicam as Rés, na qual sempre trabalharam há mais de 30 anos, possivelmente com excesso de confiança, resolveram interromper a tarefa que lhes havia sido atribuída e, violando a proibição das Rés de não manusearem quaisquer pedras de grandes dimensões, colocaram em risco a sua própria integridade física e a sua vida.
107. Ao que acresce que a indemnização a encontrar num juízo equitativo há-de ser tendencialmente consentânea com a que tem vindo a ser encontrada pelos Tribunais Superiores, designadamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, para situações que se apresentem com alguma semelhança com a situação em referência.
108. Devendo cumprir-se o que dispõe o artigo 8.º do CC, de acordo com o qual a justiça do caso concreto há-de procurar-se também recorrendo a casos de natureza semelhante que já tenham sido apreciados pelos Tribunais.
109. Atento o supra exposto e, conforme é possível verificar, pois, os valores indemnizatórios em que as Rés foram condenadas pelo Tribunal recorrido não se encontram conformes aos critérios legais estabelecidos, os quais foram totalmente ignorados e desconsiderados pelo este tribunal.
110. Para além do mais, o Tribunal recorrido cometeu um manifesto erro de julgamento na elaboração de um juízo equitativo tendencialmente consentâneo com o que tem vindo a ser decidido pelos nossos Tribunais Superiores, designadamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, para situações que se apresentem com alguma semelhança com a dos autos.
111. Pelo que, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 8.º, 494.º e 496.º do CC e, por esse motivo, a Douta Sentença recorrida deverá ser revogada quanto a esta parte, devendo ser substituída por uma outra que, mantendo a decisão de condenação das Rés, o que não se concede, ajuste os valores indemnizatórios a atribuir aos Autores, não apenas aos critérios legais estabelecidos, como também aos valores indemnizatórios que têm vindo a ser atribuídos pelos nossos Tribunais Superiores.
112. Concluindo por tudo o exposto nesta peça, as Rés ora Recorrentes não podem aceitar as decisões proferidas pelo Tribunal de 1.ª Instância, seja no Despacho Saneador datado de 12.07.2022, ao qual foi atribuída a referência citius n.º 180151219, seja na Sentença proferida a 06.10.2023, à qual foi atribuída a referência citius n.º 186345538, na medida em que, ao decidir como decidiu, violou o disposto nos artigos 8.º, 483.º e seguintes, 494.º, 496.º e 522.º do CC, 193.º, 199º nºs 1 e 2, 546.º, 552.º, 576º, nº 1 e 2 e 577º al. b), 580.º, 581.º e 623.º do CPC, 21.º, n.º 3, 48.º, n.º 3, 99.º e seguintes e 127.º, n.º 1, do CPT, 8.º, 9.º, 18.º, n.º 1, 23.º, 57.º e 60.º da Lei 98/2009 de 4 de setembro, designada como LAT ou Lei de Acidentes de Trabalho, 421.º e 625.º do CPC e 84.º do CPP, e 17.º da Lei 102/2009, de 10 de setembro, que aprovou o Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho.
Termos em que o referido Despacho Saneador e Sentença deverão ser revogados e substituídos por outros que julguem os presentes autos totalmente improcedentes.
Em face de tudo quanto ficou exposto, o recurso principal supra apresentado deverá ser julgado totalmente procedente e, em consequência, deverá revogar-se o Despacho Saneador datado de 12.07.2022, ao qual foi atribuída a referência citius n.º 180151219, bem como a Sentença proferida a 06.10.2023, à qual foi atribuída a referência citius n.º 186345538, os quais deverão ser revogados e substituídos por outros que julguem os presentes autos totalmente improcedentes.»
*

Notificados os AA. das alegações de recurso apresentados pelos RR., vieram os mesmos apresentar as suas contra-alegações, que finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões:

«1. Na sequência da douta sentença proferida pelo tribunal a quo que julgou parcialmente procedente, por provada, e, consequentemente, decidiu condenar as Rés CC e EMP01..., Lda., solidariamente, a pagar aos Autores AA e BB a quantia total de €135.000,00 (cento e trinta e cinco mil euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal, civil, vigente em cada momento, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento,
2. Porquanto, julgou verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual resultante da violação por factos ilícitos,
3. Factos ilícitos esses assentes e dados como provados, quer nesta lide, quer no âmbito do processo crime n.º 1546/17...., que correu termos no Juízo Central Criminal de Braga – Juiz ..., por acórdão, transitado em julgado, onde, as Rés EMP01..., Lda. e CC foram condenadas pela prática, em autoria material, de um crime de violação de regras de segurança [tendo por ofendido DD], p. e p. pelo artº 152º-B, nºs 1, 2 e 4, al. b) do Cód. Penal, por referência ao disposto nos artºs 3º, nº 1, als. a) e b), 4º, als. a), c), e), f), g) e h), 5º, nºs 1 e 3, als. b), c) e f), 15º, nºs 1, 2, als. a), d), e), i) e l), 3, 5, 10 e 11, 17º, nº 3, 19º, nºs 1, als. a) e b), 2, als. a) e b) e 3 e 20º, nº 1 da L. nº 102/2009, de 10.09 - alterada pelas L. nºs 42/2012, de 28.08, 3/2014, de 28.01, pelo Dec. L. nº 88/2015, de 28.05 e pelas L. nºs 146/2015, de 09.09, e 28/2016, de 23.08 -, aos artºs 2º, 3º, als. a), b), c), g) e h), 15º e 86º, nº 1 da Portaria nº 53/71, de 03.02 – alterada pela Portaria nº 702/80, de 22.09 -, ao artº 13º da L. nº 105/2009, de 14.09 – alterada pela L. nº 60/2018, de 21.08 – e aos artºs 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, nºs 1, als. a) b) e 2 do Dec. L. nº 330/93, de 25.09 – alterado pela L. nº 113/99, de 03.08.
4. Não se conformando com tal sentença as Recorrentes vieram interpor, um extenso, recurso, nos mesmos moldes que apresentaram nos autos criminais, para o Tribunal da Relação de Guimarães, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tudo nos termos do Art. 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 637.º, 639.º, 644.º, n.º 1, al. a), e 2 e 3, 645.°, n.º 2, e 647.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC),
5. Pretendendo por via do presente recurso, agora, recorrer do despacho saneador, datado de 12.07.2022, com a referência eletrónica n.º ...19, que julgou improcedentes as exceções de litispendência de caso julgado e a de erro na forma de processo.
6. Ora, tal como decorre do n.º 1 do Art. 647º do C.P.C. a apelação tem efeito meramente devolutivo, à exceção dos casos previstos no n.º2 do mesmo preceito legal.
7. Casos esses que não têm nenhuma aplicação ao nosso e, tal como alegado pelos Recorrentes, o presente recurso, enquadra-se, no n.º1 do Art. 647º do CPC, logo, o efeito a atribuir-lhe é o de meramente devolutivo.
8. Fora dos casos previstos no número anterior, o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e,
9. se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efetiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal.
10. Requisitos esses que não foram invocados, e menos ainda, cumpridos pelos Recorrentes.
11. Logo, nos termos do n.º 4 do Art. 647º e do Art. 906º ambos do C.P.C. deve atribuir-se ao presente recurso EFEITO DEVOLUTIVO.

Posto isto,
12. Os Recorrentes insurgem-se, através do presente recurso, contra o Despacho Saneador, proferido em 12.07.2022, o qual julgou, totalmente, improcedentes as exceções deduzidas pelos Recorrentes, em sede de contestação, de litispendência e de erro na forma de processo.
13. Invocando para tal o regime processual previsto no n.º3 do Art. 644º do C.P.C., por acharem que, como tal Despacho Saneador não pôs fim à causa, não era imediatamente recorrível.
14. Sucede, porém, que os Recorrentes lavram em manifesto erro, pois o Despacho Saneador recorrido, poderia e devia ter sido alvo de recurso, nos termos da al. h) do n.º1 do Art. 644º do C.P.C.,
15. Ou seja, estamos perante uma decisão cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.
16. Os Recorrentes ao conformarem-se com o Despacho Saneador, proferido a 12.07.2022, aceitaram a improcedência das exceções por si deduzidas, as quais cuja apreciação, agora, é absolutamente inútil, pois produziu-se toda uma audiência de julgamento e proferiu-se uma decisão sobre o mérito da causa.
17. Os Recorrentes deveriam ter interposto recurso do despacho saneador, proferido em 12.07.2022, pois se este Tribunal da Relação de Guimarães concluísse pela procedência das exceções já não se teria procedido á realização da audiência de julgamento e a toda a sua inerente produção de prova.
18. Anote-se que, o Tribunal a quo não relegou o conhecimento das exceções invocadas pelos Réus, aqui Recorrentes, para final, isto é, para audiência de julgamento.
19. Se assim fosse assistia toda a razão aos Recorrentes e o presente recurso, nesta sede, era tempestivo.
20. Porém, o Tribunal a quo conheceu das exceções alegadas e os Recorrentes olvidaram o preceituado na al. h) do n.º1 do Art. 644º do C.P.C., pelo que o presente recurso, no que reporta ao Despacho Saneador de 12.07.2022, é manifestamente extemporâneo.
21. Por outro lado, e quanto ao erro na forma de processo, é de salientar AINDA que, por despacho datado de 28.01.2022, com a referência eletrónica ...28, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre tal questão – erro na forma de processo.
22. Aliás, pode ler-se, naquele despacho de 28.01.2022 que:
É que, salvo o devido respeito, o erro na forma de processo configura uma nulidade processual, e não uma exceção dilatória, pelo que sempre poderia o Tribunal ainda convidar os autores a pronunciar-se, por escrito ou na audiência prévia, sobre tal arguição. Porém, apenas se verifica um erro na forma do processo quando o pedido formulado pela parte corresponde ao objecto específico de uma acção com processo especial e o autor deduz o seu pedido através de uma acção com processo comum. Ora, da análise da petição e também da defesa apresentada quanto à excepção de litispendência, decorre já expressamente que os autores entendem que a presente acção é de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, em que os sujeitos (ou parte deles), a causa de pedir e os pedidos são diversos dos já apreciados na acção especial que correu termos no Tribunal do Trabalho de Braga, pois na presente visam o ressarcimento de lucros cessantes de outras actividades do falecido (que não do trabalho), bem como o ressarcimento dos danos não patrimoniais, entre eles o decorrente da perda do direito à vida e os sofridos pelos familiares, aqui autores, pelo que na óptica deles não existe qualquer erro na forma do processo.
(Negrito e sublinhado nosso)
23. Tudo isto a significar que a matéria que os Recorrentes pretendem, “atacar” no recurso interposto, está duplamente assente e aceite por eles, uma vez que sobre tais exceções recaíram dois despachos, um datado de 28.01.2022 e outro datado de 12.07.2022.
24. O que conduzirá, à inevitável conclusão que, V/Exas. Venerandos Desembargadores, alcançarão no sentido de não ser admissível o recurso ora interposto quanto à matéria do Erro na forma de processo.
Caso V/Exas. assim não entendam, o que não se concede e, por mera cautela de patrocínio sempre se dirá que:
25. As exceções de litispendência e caso julgado, assim como, a de erro na forma de processo devem permanecer totalmente improcedentes.
26. Como já se deixou dito, os presentes autos fundam-se na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, nos termos do Art. 483º do Cód. Civil.
27. Como bem sabem as Recorrentes, estas foram condenadas, processo-crime n.º 1546/17...., que correu termos no Juízo Central Criminal de Braga- Juiz ..., a 1ª Ré CC pela prática, em autoria material, de um crime de violação de regras de segurança [tendo por ofendido DD], p. e p. pelo artº 152º-B, nºs 1, 2 e 4, al. b) do Cód. Penal, por referência ao disposto nos artºs 3º, nº 1, als. a) e b), 4º, als. a), c), e), f), g) e h), 5º, nºs 1 e 3, als. b), c) e f), 15º, nºs 1, 2, als. a), d), e), i) e l), 3, 5, 10 e 11, 17º, nº 3, 19º, nºs 1, als. a) e b), 2, als. a) e b) e 3 e 20º, nº 1 da L. nº 102/2009, de 10.09 - alterada pelas L. nºs 42/2012, de 28.08, 3/2014, de 28.01, pelo Dec. L. nº 88/2015, de 28.05 e pelas L. nºs 146/2015, de 09.09, e 28/2016, de 23.08 -, aos artºs 2º, 3º, als. a), b), c), g) e h), 15º e 86º, nº 1 da Portaria nº 53/71, de 03.02 – alterada pela Portaria nº 702/80, de 22.09 -, ao artº 13º da L. nº 105/2009, de 14.09 – alterada pela L. nº 60/2018, de 21.08 – e aos artºs 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, nºs 1, als. a) b) e 2 do Dec. L. nº 330/93, de 25.09 – alterado pela L. nº 113/99, de 03.08 -, na pena de 2 [dois] anos e 8 [oito] meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo;
28. E a 2ª Ré EMP01..., Ldª., condenada pela prática de um crime de violação de regras de segurança [tendo por ofendido DD], p. e p. pelo artº 152ºB, nºs 1, 2 e 4, al. b) do Cód. Penal, por referência ao disposto no artº 11º, nºs 2, al. a) e 4 do mesmo diploma legal e ao que se prescreve nos artºs 3º, nº 1, als. a) e b), 4º, als. a), c), e), f), g) e h), 5º, nºs 1 e 3, als. b), c) e f), 15º, nºs 1, 2, als. a), d), e), i) e l), 3, 5, 10 e 11, 17º, nº 3, 19º, nºs 1, als. a) e b), 2, als. a) e b) e 3 e 20º, nº 1 da L. nº 102/2009, de 10.09 – alterada pelas L. nºs 42/2012, de 28.08, 3/2014, de 28.01, pelo Dec. L. nº 88/2015, de 28.05 e pelas L. nºs 146/2015, de 09.09, e 28/2016, de 23.08 -, aos artºs 2º, 3º, als. a), b), c), g) e h), 15º e 86º, nº 1 da Portaria nº 53/71, de 03.02 – alterada pela Portaria nº 702/80, de 22.09 -, ao artº 13º da L. nº 105/2009, de 14.09 – alterada pela L. nº 60/2018, de 21.08 – e aos artºs 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, nºs 1, als. a) e b) e do Dec. L. nº 330/93, de 25.09 – alterado pela L. nº 113/99, de 03.08, na pena de 320 [trezentos e vinte] dias de multa, à taxa diária de € 150,00 [cento e cinquenta euros], o que perfaz a multa global de € 48.000,00 [quarenta e oito mil euros], valor a que se subtrai, nos termos previstos pelo nº 3 do artº 82º do Dec. L. 433/82, de 27.10, a importância de € 714,00 [setecentos e catorze euros], reduzindo-se, por efeito disso, a sua responsabilidade exigível à importância de € 47.286,00 [quarenta e sete mil, duzentos e oitenta e seis euros],
29. Ou seja, violaram ilicitamente o direito de outrem ou, se assim não se entender, disposição legal destinada a proteger interesses alheios,
30. Pelo que, por força de tal violação (ilícita) ficaram obrigadas a indemnizar os lesados, aqui Recorridos, pelos danos resultantes daquela violação.
31. Nessa conformidade, tendo as Recorrentes e só elas, sido condenadas pela prática de tais crimes é, exclusivamente, sobre as Rés que impende a obrigação de indemnizar, obrigação essa que podia ser exigida nos próprios autos penais,
32. Porém, os Recorridos optaram por fazer o pedido de indemnização cível em separado.
33. A propósito da alegada exceção de litispendência invocada pelas Rés/Recorrentes, é de salientar que, para além dos titulares dos interesses juridicamente relevantes nesta ação serem, lado a lado, a Autora, como titular do interesse relevante em demandar, e todas as Rés, que possuem o interesse relevante em contradizer,
34. A legitimidade é um problema da posição das partes perante a relação jurídica material controvertida, tal como é configurada pela Autora, e não de procedência do pedido.
35. Assim, o que importa, para aferir da legitimidade como pressuposto processual, não é a relação material controvertida em si,
36. Mas sim a posição em que a Autora se coloca perante esta, assim, se dispensando a legitimidade substantiva.
37. Como se refere, e muito bem, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, o qual consigna que «o conceito jurídico da legitimidade das partes ainda hoje se ajusta (...) à fórmula consagrada de que as partes serão legítimas quando forem os sujeitos da relação hipotética controvertida, com interesse direto na sua declaração ou resolução».
38. Visando a legitimidade processual assegurar que, estejam na causa os verdadeiros e principais interessados na relação jurídica e no desfecho da mesma,
39. Exprime uma relação da parte com o objeto da ação, consistindo na posição que a parte detém perante determinada ação, posição essa que permite deduzir uma determinada pretensão ou defesa face à mesma.
40. Ora, em bom rigor, e em suma, a argumentação esgrimida pelas Recorrentes, para sustentar tal litispendência não se reconduz, de facto, salvo o devido respeito, à existência de uma ação laboral, em que a aqui 1ª Ré lá nem figurou nos autos,
41. Mas sim, deve ser entendida esta como o interesse direto que a 1.º Ré/Recorrente terá em contradizer.
42. Tudo isto é afirmado de modo lapidar, pelo artigo 30º, do Código de Processo Civil, que estabelece que a legitimidade processual (que não se confunde, de modo algum, com a denominada legitimidade substantiva, requisito da procedência do pedido).
43. Nessa conformidade, para além, dos sujeitos passivos nesta ação serem diferentes dos sujeitos passivos na ação laboral,
44. Também, os fundamentos da causa de pedir são diferentes e, em consequência, o pedido também é diferente.
45. Na ação que correu termos no Tribunal do Trabalho de Braga, foi peticionado, as prestações que os familiares têm direito, e as constantes na lei de acidentes de trabalho (L.A.T.), designadamente, pensão por morte e/ou incapacidades
permanentes,
46. Sendo os limites máximos dos montantes a atribuir fixados nas tabelas de pensões e indemnizações,
47. Ficando excluídas dessas mesmas Tabelas os lucros cessantes de outras atividades do sinistrado/Falecido, bem como, os danos não patrimoniais, entre eles o decorrente da perda do direito à vida e os danos não patrimoniais sofridos pelos seus familiares, aqui Autores.
48. Logo, não há duplicação de pedidos.
49. Por outro lado, e como já supra referido a presente lide surge na sequência do Acórdão proferido no âmbito do processo crime n.º 1546/17.... e que transitou em julgado no dia 09/11/2020 que culminou na condenação penal, das Rés nestes autos, e QUE NÃO FORAM RÉS NA AÇÃO LABORAL.
50. Como decorre do art. 580.º do C.P.C.:
1. As exceções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; uma causa repete-se estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verificar depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar a exceção de caso julgado.
2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.
51. A litispendência pressupõe a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso, e esta expressão só pode significar que a instância da acção anterior ainda não se encontra extinta.
52. Para que o caso julgado se imponha fora do processo, vinculando o juiz e as partes, é indispensável que concorram os requisitos estatuídos no art. 581.º do C.P.C., isto é, que entre a acção em que se formou o caso julgado e a ação em que se pretende fazer projectar a sua eficácia se verifique a tríplice de identidade ali referida.
53. Contudo, o caso julgado incide sobre a decisão e não abrange os fundamentos de facto, conforme orientação doutrinária e jurisprudencial prevalecente.
54. Neste sentido, elucida Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, 1984, pág. 697) que “Os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final”.
55. A propósito do denominado caso julgado material, expressa a lei que, transitados em julgado os despachos, as sentenças ou os acórdãos, a decisão sobre a relação material controvertida tem força obrigatória nos limites fixados pelos arts. 580.º e 581.º do C.P.C.
56. E quanto ao caso julgado formal, expressa a lei que os despachos, as sentenças e os acórdãos que recaiam unicamente sobre a relação processual apenas têm força obrigatória dentro do processo.
57. Logo, o caso julgado material tem força obrigatória no processo e fora dele, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material objecto do litígio.
58. O caso julgado formal apenas tem força dentro do processo, obstando a que o juiz possa, na mesma acção, alterar a decisão proferida, mas não impede que, noutra acção, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo tribunal ou por outro, entretanto chamado a apreciar a causa.
59. Concebida a litispendência e o caso julgado como pressupostos processuais negativos, ligado ao objecto do processo, actuando a se, com inteira autonomia dos restantes, com vista não só à protecção do demandado (“ne bis in idem”), mas também colimada ao interesse de ordem pública, pelo princípio da “tutela da coerência” e da segurança jurídica (prevenindo julgados contraditórios), constituem fundamento de excepção dilatória de conhecimento ofícios, nos termos dos Arts. 576.º, n.º 2, 577.º alínea i) e 578.º, todos do C.P.C.
60. Assim, ocorre repetição de causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir; havendo identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acção procede do mesmo facto jurídico.
61. Importa já referir que a jurisprudência uniforme afirma – e afirma-o invariavelmente – que a indemnização por acidente de trabalho e a obtida com recurso à imputação delitual na jurisdição comum, ambas assentes no mesmo evento infortunístico, se não cumulam antes se completam, pressupondo, assim, o carácter intrinsecamente compaginável de ambos os julgamentos.
62. Tendo em conta a data do acidente dos autos – ../../2017 – no plano infraconstitucional aplica-se o regime jurídico da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (que revogou a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro), que regulamenta o regime da reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010, conforme resulta do seu art. 188.º.
63. O seu Art. 17.º da mencionada Lei n.º 198/2009, sob a epígrafe de “Acidente originado por outro trabalhador ou por terceiro”, refere o seguinte:
“1 - Quando o acidente for causado por outro trabalhador ou por terceiro, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos gerais. “
64. Deste normativo podemos concluir que o sinistrado ou seus herdeiros podem optar por qualquer uma das vias processuais ao seu dispor, ou pelas duas (processo emergente de acidente de trabalho e de indemnização comum).
65. Tal como reconhecido pelas Recorrentes, no seu artigo 39º da contestação.
66. Contudo, caso receba determinada quantia por uma dessas vias a mesma terá de ser contabilizada ou levada em conta, no montante global indemnizatório a que tinha direito.
67. É o chamado regime de complementaridade das indemnizações, que veda a possibilidade de cumulação delas, sob pena de enriquecimento sem causa, ou sob pena de estarmos perante um injusto locupletamento do sinistrado ou seus beneficiários ou representantes.
68. O que se pretende, no fundo, é apenas ressarcir totalmente o prejuízo sofrido, não permitindo injustos enriquecimentos como sucederia no caso de ser permitida a acumulação das duas indemnizações.
69. Assim sucede nas situações dos acidentes de viação e, em benefício desta orientação, pode, desde logo, invocar-se a letra da lei – ou seja, o regime consagrado no art. 31º da Lei 100/97, que efetivamente não contempla a faculdade de o responsável civil opor ao lesado/sinistrado, como verdadeira exceção peremptória, o anterior pagamento de indemnização laboral, reportada precisamente aos mesmos danos que suportam a pretensão indemnizatória formulada na acção que visa a efetivação da responsabilidade civil extracontratual.
70. As indemnizações consequente do acidente de viação e ao sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado.
71. Pelo que não assiste ao lesante (aqui Recorrentes) o direito de, no seu próprio interesse, se desvincular unilateralmente de uma parcela da indemnização decorrente do facto ilícito com o mero argumento de que um outro responsável já assegurou, em termos transitórios, o ressarcimento de alguns dos danos causados ao lesado.
72. É este o entendimento pacifico e assente na jurisprudência e não o contante dos acórdãos desatualizadíssimos de 1999 que as Recorrentes citam no seu extenso recurso.
73. Aliás, as Recorrentes olvidam que a pretensão dos Recorridos poderia ter sido formulada no âmbito do processo-crime, em sede de Pedido de Indemnização Cível, porque a presente ação resulta da condenação das Recorrentes em sede penal,
74. Condenação essa que as Recorrentes pretendem, suavemente, apagar com uma esponja, usando para tal o argumento da litispendência por força da ação laboral que correu termos no Tribunal de Trabalho da Comarca de Braga, e não de ....
75. As Recorrentes insistem em desvirtuar a fundamentação da presente lide arrastando-a para a ação laboral quando ela é fruto da condenação das Rés pela prática do crime de violação de regras de segurança [tendo por ofendido DD], p. e p. pelo artº 152º-B, nºs 1, 2 e 4, al. b) do Cód. Penal, por referência ao disposto nos artºs 3º, nº 1, als. a) e b), 4º, als. a), c), e), f), g) e h), 5º, nºs 1 e 3, als. b), c) e f), 15º, nºs 1, 2, als. a), d), e), i) e l), 3, 5, 10 e 11, 17º, nº 3, 19º, nºs 1, als. a) e b), 2, als. a) e b) e 3 e 20º, nº 1 da L. nº 102/2009, de 10.09 - alterada pelas L. nºs 42/2012, de 28.08, 3/2014, de 28.01, pelo Dec. L. nº 88/2015, de 28.05 e pelas L. nºs 146/2015, de 09.09, e 28/2016, de 23.08 -, aos artºs 2º, 3º, als. a), b), c), g) e h), 15º e 86º, nº 1 da Portaria nº 53/71, de 03.02 – alterada pela Portaria nº 702/80, de 22.09 -, ao artº 13º da L. nº 105/2009, de 14.09 – alterada pela L. nº 60/2018, de 21.08 – e aos artºs 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, nºs 1, als. a) b) e 2 do Dec. L. nº 330/93, de 25.09 – alterado pela L. nº 113/99, de 03.08 -, na pena de 2 [dois] anos e 8 [oito] meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo;
76. Por outro lado, não há identidade dos titulares da relação substancial, uma vez que a aqui 2ª ré – CC, não figurou na ação laboral enquanto tal, 77. E quanto à causa de pedir, dúvidas também não podem existir de que é distinta num e noutro processo.
78. Nos presentes autos, a causa de pedir procede do facto de ter sido violado o direito à vida do sinistrado, já que as lesões físicas sofridas e que conduziram à sua morte decorreram do alegado manuseamento de chapas de pedra a pedido da entidade patronal, sem que para tal estivesse habilitado, e sem que fossem observadas as condições de higiene e segurança adequadas, o que, por sua vez, determinou danos não patrimoniais aos seus familiares (mulher e filho).
79. Nos autos de trabalho, a causa de pedir residiu no facto de terem sido infligidas lesões que tiveram como consequência a morte de um trabalhador da 2.ª ré, no local e horário de trabalho, na sequência do alegado cumprimento de ordens e instruções daquela ou das suas chefias.
80. Como se refere no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de junho de 2020 “a concorrência de responsabilidades civil e laboral, ou também chamada infortunística, origina uma obrigação solidária, mas imprópria ou imperfeita e ao contrário do que ocorre na solidariedade obrigacional (art. 523.º do CC) o pagamento da indemnização pelo sinistro laboral não produz a extinção, ainda que parcial, da obrigação comum”, não liberando assim o responsável por esta, e se a indemnização paga por este extingue a obrigação a cargo da entidade patronal ou da respectiva seguradora, já o inverso não pode verificar-se.
81. Mais, só o eventual e efetivo pagamento ao sinistrado/seus familiares das indemnizações fixadas na ação civil e em relação às quais ocorre duplicação por parte dos responsáveis aí considerados tem a virtualidade de extinguir a responsabilidade e correspondente obrigação do respetivo pagamento por parte dos responsáveis laborais, o que não sucedeu sequer no caso.
82. Assim, não se verifica litispendência, nem se verifica agora caso julgado ou qualquer erro na forma do processo,
83. Pelo que, deve ser julgado improcedente, nesta sede, o recurso interposto pelas Recorrentes.
84. No que diz respeito ao RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO ainda mais infundado é o presente recurso, pois, resulta das extensas transcrições apresentadas pelas Recorrentes a certeza de que o Tribunal a quo bem decidiu a presente lide, devendo manter-se inalterada, quer os factos provados, quer os factos não provados,
85. Com efeito, vêm as Recorrentes requerer a alteração dos seguintes pontos da matéria de facto dada como provada:
- C) – sendo falso na parte “a partir de ../../2014, passou a deter em exclusivo a gerência”
- D) – sendo falso todo o seu teor;
- E) – sendo falso todo o seu teor;
- I) – sendo falso na parte “(ordens e instruções) dimanadas pela 1.ª Ré”
86. E os seguintes pontos 6), 7), 8), 9), 10), 11) da matéria de facto dada como não provada.
87. Procedendo para tal à transcrição do depoimento das testemunhas II, JJ, KK, FF e LL.
88. Todavia, as Recorrentes, na nossa humilde opinião, não cumpriram, com rigor, o ónus imposto pelo n.º 1 do Art. 640º do C.P.C. que preceitua que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) - Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) - Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) - A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
89. No que toca à especificação dos meios probatórios, “quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
90. Não cumprindo as Recorrente os ónus do artigo 640º, nº 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no Art. 639º, nº 3 do C.P.C. o que V/Exas. Venerandos Desembargadores, com toda a certeza decidirão.
91. No caso do presente recurso, as Recorrentes, transcrevem aleatoriamente trechos dos discursos das testemunhas supra referidas, que, em nada contribuem para a alteração da matéria de facto, quer a provada, quer a não provada, que elas pretendem alterar.
92. Não concretizam, nem individualizam, os concretos meios de prova que permitem a alteração da matéria de facto.
93. As Recorrentes afirmam que pretendem a alteração da matéria de facto dada como provada em C) – sendo falso na parte “a partir de ../../2014, passou a deter em exclusivo a gerência”, D) – sendo falso todo o seu teor; - E) – sendo falso todo o seu teor; - I) – sendo falso na parte “(ordens e instruções) dimanadas pela 1.ª Ré”
94. E os pontos 6), 7), 8), 9), 10), 11) da matéria de facto dada como não provada e, logo de seguida “descarregam” as transcrições das testemunhas.
95. Concretizando, no que diz respeito à matéria relativa à autoria dos factos, às causas do acidente, à sua dinâmica, à morte de DD e ao nexo de causalidade entre o acidente e a morte deste, o Tribunal a quo atentou à certidão do acórdão proferido no processo comum (tribunal colectivo) n.º 546/17...., transitado em julgado em 9 de Novembro de 2020, e em que foram arguidas as aqui Rés (certidão de fls. 360 e ss. do processo físico).
96. Assim, tendo as Rés sido intervenientes naquele processo-crime, na qualidade de arguidas, a sentença penal condenatória transitada em julgado tem, em relação a elas, eficácia absoluta quanto aos factos constitutivos da infracção e da culpa, que não podem ser objecto de novo julgamento, constituindo presunção inilidível.
97. Como se lê no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23/02/2017, nos termos do art. 623º do CPC, em relação a terceiros (que não intervieram no processo crime, que não foram aí arguidos, por exemplo), a sentença penal condenatória constitui presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram a infracção, os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal;
98. Assim, provado que está no processo penal a prática de um acto criminoso que constitua ilícito civil, o titular do interesse ofendido não tem o ónus de provar na acção civil subsequente o acto ilícito praticado nem a culpa de quem o praticou, sem prejuízo de continuar onerado com a prova do dano sofrido e do nexo de causalidade (relatado por Manuel Bargado, publicado in www.dgsi.pt).
99. Contudo, e mesmo assim, foi feita prova, nestes autos, que veio corroborar não só a sentença penal condenatória, mas também que a douta sentença proferida não poderia ser outra que não a presente.
100. Com efeito, resulta do depoimento das testemunhas GG na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 14.02.2023, gravado em CD, com início às 11:31 horas e termo às 12:06:45 hora; do depoimento da testemunha JJ na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 14.02.2023, gravado em CD, com início às 15:08 horas e termo às 15:45 horas; e ainda, do depoimento da testemunha FF na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 14.02.2023, gravado em CD, com início às 16:25 horas e termo às 17:18 horas.
101. E, concretizando, meramente, a titulo exemplificativo, para não nos alongarmos como as Recorrentes, estas insurgem-se quanto ao facto da gerência não ser exercida pela Ré CC,
102. Mas a verdade e que resultou do depoimento das testemunhas supra, que ela é a “Patroa”, como refere e lhe chama o funcionário JJ,
103. E quando as Recorrentes tentaram empurrar a gerência para os filhos da Ré CC, este foi perentório a afirmar que era funcionário e não gerente.
104. Logo, era impensável, que o Tribunal a quo atenta a sentença penal condenatória que constitui presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram a infracção, os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, e à prova produzida, considera-se como não provado os factos constantes nas alíneas C), D), E), e I).
105. Não é pelo simples facto da gerente, CC, aqui Recorrente não ir com periodicidade à empresa que deixa de ser gerente,
106. A não ser assim, a certidão permanente perderia todo o seu sentido útil, e foi precisamente, para evitar estas situações que foi criado o instituto do RCBE, onde tem um item – beneficiários efetivos – que atesta quem tem o controlo direto da empresa.
107. A alteração da matéria de facto peticionada pelas Recorrentes só poderia ser alterada para o sentido oposto, mediante prova documental, ou seja, mediante a apresentação de uma certidão permanente e de RCBE onde aquela já não figurasse como gerente e sem controlo direto sobre a entidade.
108. A vingar a tese das Recorrentes, o que não se concede, seria abolir com o principio da segurança jurídica, plasmado na nossa C.R.P., no seu Art. 2º.
109. A segurança jurídica consiste num princípio inerente ao Direito e que supõe um mínimo de certeza, previsibilidade e estabilidade das normas jurídicas de forma a que as pessoas possam ver garantida a continuidade das relações jurídicas onde intervêm e calcular as consequências dos atos por elas praticados,
110. confiando que as decisões que incidem sobre esses atos e relações tenham os efeitos estipulados nas normas que os regem.
111. O princípio da segurança jurídica é deduzido pelo Tribunal Constitucional a partir do princípio do Estado de direito democrático, constante do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) no contexto de uma definição próxima à que foi dada supra (Acórdão n.º 294/2003 do TC).
112. Ou seja, segurança jurídica essa extraída através de uma certidão permanente e de um RCBE.
113. Tudo isto a significar que os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos,
114. o que, obviamente implica que a realização da Justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.
115. A prova não visa “(...) a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (...)”, mas tão só, “(...) de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (assim, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, págs. 419 e 420).
116. A apreciação das provas resolve-se, assim, em formação de juízos, em elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador “(...) segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da actividade intelectual, e, portanto, segundo as máximas de experiência e as regras da lógica (...)” (assim, Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 245).
117. Nessa atividade de livre apreciação da prova o tribunal a quo especificou os fundamentos que foram decisivos para a convicção adquirida (art. 653º, nº 2 do CPC), permitindo, dessa forma, que se “possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (cfr. Teixeira de Sousa; Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348) e exercer um controle externo e geral do fundamento de facto da decisão.
118. Importa, porém, não esquecer que se mantêm em vigor todos os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, por essa Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
119. Resultando, da factualidade provada, quer nestes autos, quer nos autos criminais, matéria que não pode ser descurada em sede civil, muito menos, ainda, quando está em causa a reparação de danos decorrentes da violação de factos ilícitos,
120. Pois, não podemos olvidar, por muito que custe às Recorrentes, que em sede penal a produção de prova é muito mais exigente e rigorosa, do que em qualquer outro ramo do Direito, motivo pelo qual, o Direito Penal é conhecido por ultima rácio onde vigora o principio maioral segundo o qual in dúbio pro reo.
121. Pelo que, não assiste nenhuma razão às Recorrentes quanto à alteração da matéria de facto, quer a Provada, quer a Não Provada,
122. Devendo V/Exas., Venerandos Desembargadores, manter a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, julgando, totalmente, improcedente, o recurso interposto pelas Recorrentes.
123. Em observância ao disposto no Art. 483º do Cód. Civil, já se adiantou pela prova já produzida, aqui e em sede criminal, que regras ou condições de segurança era coisa que não estava fixado pelas aqui Recorrentes,
124. A qual não provinha de um corredor de segurança, nem de cavaletes com barras de segurança para acondicionar as chapas de granito,
125. Ao invés dos arcaicos calços de madeira que, para além de serem rudimentares ainda estavam em péssimo estado de conservação,
126. Tal como resulta das fotografias juntas no relatório elaborada pelo ACT e que se encontra junto aos presentes autos.
127. Prova documental essa a considerar para a descoberta da verdade material, assim como, todas as decisões judiciais proferidas no âmbito do processo crime, que se encontram juntas aos autos.
125. Aos Autores/Recorridos incumbia então fazer a prova dos danos não patrimoniais alegados e do nexo de causalidade entre o acidente que causou a morte do pai e marido e esses danos.
128. Estando, assim, preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, elencada no art. 483º do Cód. Civil, evidente que está, a todas as luzes, que os factos controvertidos relativos à situação da gerência de direito e de facto da sociedade Ré/Recorrente, à autoria dos factos, o acidente, a dinâmica do acidente, a culpa, o nexo de causalidade entre o acidente e a morte do trabalhador resultam da sentença penal, transitada em julgado, correspondendo as alíneas C), D), F), I), M), N), O), P), Q), R),T), U), V), W) e FF) dos factos provados às alíneas b), c), d), e), g), l), m), n), o), p), r), t), u), v) e q) dos factos provados da sentença penal, cuja certidão com nota de trânsito em julgado se encontra nos autos.
129. E, nessa conformidade, foi arbitrada às Recorridas as seguintes quantias;
- €80.000,00, pela perda do direito à vida;
-€15.000,00 pelas dores e sofrimento experimentado pela própria vítima antes da morte;
- €20.000,00 €, à Autora mulher, pelos danos não patrimoniais por si sofridos pela morte de seu marido;
-€20.000,00, ao Autor filho pelos danos não patrimoniais por si sofridos pela morte de seu pai.4
130. Quantias essas que as Recorrentes discordam por serem demasiado elevadas invocando acórdãos do século passado que arbitraram indemnizações menores.
131. Contudo, as Recorrentes olvidam a doutrina, designadamente, os ensinamentos da Dra. Teresa Magalhães, e os ensinamentos do seu orientador de Tese, Prof. Dr. Claude Harmonet, acerca do conceito DOR e INDEMNIZAÇÃO.
132. Bem como as demais publicações sobre o tema da Dor e Indemnização, vide, Magalhaes T., Hamonet Cl., Carneiro de Sousa M.J., Matos E., Ribeiro C., Gram A., Pinto da Costa, “Occupational handicap in victims of limb injuries”, Medicine and Law, 15(1):135-141, 1996;
133. Magalhaes T., Hamonet Cl., Carneiro de Sousa M.J., Matos E., Ribeiro C., Gram A., Pinto da Costa, “Corporeal damage assessment in common law. A proposal”, Med Law (1996) 15: 627-632;
134. Magalhaes T., Hamonet Cl., “Handicap assessment setting the grounds for an effective intervention in community”, Medicine and Law, March/April 2001, Vol. 20, n° 1.
135. Fazendo até uma interpretação restritiva do conceito de dor,
136. Como refere Teresa Magalhães “a afetação definitiva da integridade física e/ou psíquica, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo as familiares, sociais, de lazer e desportivas” é também indemnizável devido à diminuição da capacidade de fruir a vida com a mesma qualidade,
137. Nessa conformidade, e resultando provado na sentença recorrida a “existência de um facto ilícito (a violação de prescrições legais e regulamentares em matéria de saúde e de segurança no trabalho e de formação profissional do trabalhador, que deu causa a que esse trabalhador ficasse sujeito a perigo para a vida, que se converteu, por meio dos factos ocorridos, na sua morte), na primeira das modalidades referidas no art. 483º do CC, na medida em que foi violado um direito subjectivo absoluto de outrem.
138. Bem andou o julgador da 1ª instância ao arbitrar aos aqui Recorridos os montantes supra mencionados.
139. Por outro lado, as Recorrentes olvidam que cabe ao julgador, recorrer ao princípio da equidade para arbitrar a mesma,
140. Alegar que a jurisprudência mais recente tem arbitrado indemnizações mais baixas, quando são referenciados acórdãos de 1999, devia ser considerado abuso de direito e, é descurar o sentido da vida humana, é a desumanidade da Vida, quando nessas decisões não estão em causa o tipo de lesões sofridas pela vítima, aqui pai e marido, bem demonstrativas de que este esteve, durante as horas em que sobreviveu, a agoniar, teve um sofrimento físico brutal,
141. Não podemos descurar que a vítima esteve consciente durante muito tempo, e acabou por falecer, já no hospital, cerca de 5h, após ter ocorrido o acidente,
142. Logo, mostra-se adequada, à luz dos parâmetros seguidos pela jurisprudência no tipo de dano em referência, a quantia arbitrada a título de indemnização.
143. Do mesmo modo que, provou-se a ocorrência de danos não patrimoniais sofridos, quer pela vítima, quer pela mulher e filho.
144. Também se provou o nexo de causalidade entre estes danos e aquele facto, nos termos previstos no art. 563º do CC, ou seja, ficou demonstrado que o facto constitui causa do dano.
145. Funcionou o nexo de causalidade como pressuposto da responsabilidade civil e medida da obrigação de indemnizar, já que são apenas ressarcidos os danos que o facto ilícito tenha, na realidade, ocasionado, sendo que, nos termos do disposto no art. 563º do CC, que consigna a doutrina da causalidade adequada, “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
146. Por fim, o comportamento em análise é também culposo.
147. A culpa é o juízo de censura que se dirige ao agente por ter agido como agiu quando, atenta a sua capacidade e em face da situação concreta, podia e devia ter agido de outra maneira, o que deve ser apreciado em abstracto ou, como manda a lei, “pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso” (art. 487º, n.º 2, do CC).
148. Seguindo os ensinamentos de ALMEIDA COSTA, a culpa pode apresentar-se na modalidade de mera culpa (culpa em sentido estrito ou negligência – consiste no “simples desleixo, imprudência ou inaptidão”, devendo-se o resultado ilícito somente à “falta de cuidado, imprevidência ou imperícia”)
149. ou de dolo (neste, “o agente tem a representação do resultado danoso, sendo o acto praticado com a intenção malévola de produzi-lo, ou apenas aceitando-se reflexamente esse efeito”) - op. cit., pp. 488.
150. Face ao preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, por factos ilícitos, o tribunal a quo seguiu para o montante indemnizatório a atribuir aos Autores/Recorridos.
151. E, aqui, o princípio geral que rege nesta matéria é o prescrito no art. 562º do CC, nos termos do qual “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, devendo dar-se preferência, sempre que possível, à restituição natural, que cede, no entanto, perante a indemnização em dinheiro quando “não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor” (art. 566º, n.º 1, do CC).
152. Atente-se, ainda, que a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, em matéria de danos não patrimoniais, tem evoluído no sentido de considerar que a respectiva compensação deve constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, assim, ser miserabilista,
153. Tal como pretendem as Recorrentes, que têm um avultado património imobiliário, já para não falar nas viaturas automóveis (...) em que os seus filhos circulam.
154. Filhos esses que, em sede de julgamento, às instâncias do MMº Juiz quanto à profissão disseram, categoricamente, e sem rodeios, serem funcionários da empresa, aqui Ré.
155. Só se tendo apercebido dessa sua resposta quando questionado, sobre quem afinal é gerente da empresa, se a “mãezinha” ou se os filhos.
156. Aliás, no âmbito do processo-crime, as Recorrentes não requereram Abertura de Instrução com fundamento de que a Arguida CC, afinal não era gerente, mas sim os seus filhos, e aqui não alegaram ilegitimidade passiva das Recorrentes!!!!
157. Todavia, e analisando comparativamente a jurisprudência (publicada in www.dgsi.pt), como critério orientador, temos que, para compensação pela perda do direito à vida: Ac. do TRP, de 06.11.2019, proc. n.º 1231/16.7GAMAI.P1:
I – É ajustada a fixação em cem mil euros da indemnização pela perda do direito à vida de um homem de vinte e seis anos, saudável, trabalhador e comprometido com a família.
II – É ajustada a fixação em trinta mil euros da indemnização dos danos não patrimoniais decorrentes dessa morte para cada um dos progenitores da vítima.
III – É ajustada a fixação em trinta mil euros da indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pela vítima entre o momento do embate e a sua morte.
158. E o Ac. do STJ, de 25.02.2021, proc. n.º 4086/18.3T8FAR.E1.S1.
159. Acórdãos estes por contraposição aos acórdãos mencionados pelas Recorrentes do ano de 1993 e 2003. Efetivamente, às Recorrentes tiveram que recuar, bastante, muito até, no tempo, para conseguirem encontrar um acórdão que fixasse em valor inferior a €50.000 o dano perda do direito à vida.
160. Só mesmo recuando aos primórdios da questão é que as Recorrentes conseguem a alicerçar, a sua infundada pretensão.
161. Em sede de compensação pela perda do direito à vida, tendo em conta que a vítima tinha 53 anos e não contribuiu para a produção do acidente, à luz dos parâmetros mais recentes da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, tem-se por razoável fixar o valor base daquela compensação em € 80.000,00.
162. Perante um quadro factual integrado pelas circunstâncias em que ocorreu o embate e pelo tipo de lesões sofridas e demonstrativo de que a vítima, durante as horas em que sobreviveu, teve sofrimento físico, mostra-se adequada, à luz dos parâmetros seguidos pela jurisprudência no tipo de dano em referência, a compensação de € 20.000,00.
163. Tendo em conta os parâmetros seguidos pela jurisprudência deste Supremo Tribunal e a necessidade de uma progressiva atualização dos valores indemnizatórios, considera-se justo e adequado fixar o valor base da compensação pelos sofrimentos próprios do filho da vítima e da pessoa com quem esta vivia em união de facto desde há 6 anos, em € 35.000,00,
164. não se vislumbrando razões para estabelecer, a este nível, qualquer diferenciação entre eles visto resultar claro da matéria provada que ambos mantinham com a vítima laços de afetividade e convivência no âmbito de um mesmo consolidado agregado familiar, admitindo-se, por isso, que terão ficado psicologicamente afetados, em igual medida, pela perda da vítima.
165. Por tudo o supra exposto e, sem necessidade de mais amplas considerações, é de manter, na íntegra, a douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância,
166. O qual fez Justiça.
167. Justiça essa que é de se manter e que, certamente, V/Exas. Venerandos Desembargadores, assim farão!
Termos em que e, nos melhores de Direito, devem V/Exas., Venerandos Desembargadores:
a) Atribuir efeito devolutivo ao presente recurso, nos termos do n.º 4 do Art. 647º e do Art. 906º ambos do C.P.C;
b) Não admitir o recurso, quanto à impugnação do despacho saneador datado de 12.07.2022, por extemporâneo, nos termos da al. al. h) do n.º1 do Art. 644º do C.P.C.
c) No mais, julgar, totalmente, improcedente o recurso apresentado mantendo-se, integralmente, a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo,
d) Fazendo, assim, V/Exas. inteira JUSTIÇA!!!!
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Por acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 23 de Maio de 2024 foi apreciado o recurso, que julgou procedente a apelação das Rés, revogando o despacho saneador recorrido e, em sua substituição, decidem julgar procedente a excepção do caso julgado e, consequentemente, absolver as Rés da instância. Tendo ficado prejudicada a apreciação das demais questões que se prendem com o mérito da causa.
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Irresignados os AA./Recorridos, apresentaram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo aquele Colendo Tribunal, por Acórdão de 14 de Novembro de 2024, julgado procedente o recurso interposto, e, consequentemente, concede-se a revista, revogando o acórdão proferido, substituindo por outro que julga improcedente a exceção de caso julgado invocada, devendo a Relação retomar o conhecimento daqueloutras questões que contendem com o mérito da causa, entretanto, por ter absolvido as Rés da instância, considerou como prejudicadas.
Tendo os autos regressado a este Tribunal da Relação.
 
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Assim, consideradas as conclusões formuladas pelas apelantes RR., prejudicadas já pelo conhecimento do recurso relativamente ao saneador [conclusões 1. a 46. das alegações], quanto à sentença estas pretendem:
- a reapreciação da decisão sobre a oponibilidade da decisão penal condenatória (art 623º do CPC) [conclusões 47. a 58. das alegações];
- a reapreciação da prova no tocante aos pontos da matéria de facto impugnados [conclusões 59. a 68. das alegações];
- a reapreciação da decisão em conformidade com a pretendida alteração e mesmo que ela não ocorra sobre a responsabilidade na produção do acidente e quanto ao valor dos danos [conclusões 69. e ss. das alegações]. 
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3 – OS FACTOS

Resultam provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:

A) Os Autores AA e BB são, respectivamente, viúva e filho de DD, falecido no dia ../../2017.
B) A 2.ª Ré, Sociedade EMP01..., Lda., que gira comercialmente sob a designação de “EMP02...”, tem como escopo social, desde a data da respectiva constituição, ocorrida no dia 19 de Janeiro de 2001, a actividade de importação, exportação, transformação e comercialização de granitos e mármores.
C) Desde a data da constituição da sociedade Ré, a 1.ª Ré, CC, sempre foi sócia da 2.ª Ré, e a partir de ../../2014, passou a deter em exclusivo a sua gerência.
D) Por figurar como gerente da referida Sociedade, aqui 2.ª Ré, a 1.ª Ré, sempre exerceu, em efectividade, a administração daquela, dirigindo, nesse quadro, os destinos dela e chamando a si a competência decisória pertinente a todos os aspectos da sua gestão corrente,
E) A incluir os relativos à contratação de trabalhadores e ao cumprimento das obrigações legais e regulamentares daí advenientes.
F) Nessa conformidade, e para o desenvolvimento do respectivo objecto social, a 2.ª Ré, sob decisão e direção da 1.ª Ré, em 23 de Janeiro de 2017, contratou DD, marido e pai da aqui Autora e Autor, respetivamente,
G) A fim de este, ao serviço da 2.ª Ré, desempenhar funções correspondentes à categoria de acabador de primeira, mediante o pagamento de retribuição mensal ilíquida de €634,20.
H) No dia 03 de Julho de 2017, em mais um dia de trabalho, DD, conjuntamente com o colega de trabalho GG,
I) em cumprimento de ordens e instruções dimanadas pela 1ª R. e pelo filho desta, FF, também funcionário da empresa, e no interesse da 2.ª Ré, procediam, no interior instalações da 2ª Ré, situadas no parque industrial de ..., 2 fase, lote ..., à limpeza da nave industrial, no que se incluía a zona de armazenamento de material.
J) Era na zona supra mencionada que se procedia a cargas e descargas, encontrando-se aí vários cavaletes metálicos que acomodavam as chapas de pedra.
K) Um desses cavaletes acomodava várias chapas da referida natureza, incluindo duas de granito, assentes em barrotes de madeira depostas uma sobre a outra, em posição inclinada, uma delas com a espessura de 8 cm, comprimento de 218 cm e altura de 159 cm, e a outra com a espessura de 5 cm, o comprimento de 218 cm e a altura de 155 cm, perfazendo, pelo seu conjunto, o peso de 500 a 600 quilogramas.
L) Estas chapas de granito tinham a separá-las um calço de madeira, destinado, por um lado a evitar a respetiva danificação por contacto entre elas e, por outro lado, a permitir criar e manter entre as mesmas espaço suficiente para o encaixe das cintas do sistema mecânico, denominado por ponte rolante.
M) Por volta das 11h15min, DD e GG interromperam a tarefa de limpeza do pavimento a que davam curso, para reposicionar o calço de madeira que separava as referidas chapas e que se apresentava no estado de descaído.
N) Unidos esforços para o fazer, DD, desencostou, manualmente, a chapa de pedra que se apresentava mais pela parte exterior do cavalete, inclinando-a, quando por seu turno, GG na lateral do cavalete para reposicionar o calço que estava por detrás dessa pedra e que a separava da outra.
O) A determinado momento, a segunda chapa de pedra sofreu um efeito de inclinação para a frente, também, originando, em conjunto com o peso da primeira, uma sobre carga sobre DD, que não conseguiu suster a chapa de pedra.
P) Nesse momento, o colega GG foi em seu auxílio, sem que, contudo, a união da força de ambos tivesse sido o bastante para suster a movimentação das duas chapas de pedra, que acabaram por cair sobre eles.
Q) O cavalete onde se encontravam depostas as referidas chapas de granito não era dotado nem estava provido de sistema fixo e estanque de acomodação e arrumação entre elas, que tornasse desnecessário o emprego de calços para as separar e que, por essa via, evitasse o risco de queda das pedras, em caso de manipulação manual, como veio a suceder.
R) Em consequência das ocorridas quedas que atingiram DD, marido e pai dos Autores, respetivamente, sofreu este várias lesões, nomeadamente ao nível da zona torácica e abdominal, que originaram choque hemorrágico tóraco-abdominal,
S) Lesões essas que, após horas de assistência e sofrimento no EMP03..., foram causa única, directa, necessária e adequada da morte de DD.
T) A 1ª Ré CC tinha, em representação e no interesse da 2ª Ré sociedade, o dever, a que não deu cumprimento, de eliminar a necessidade ou o risco de manuseamento manual de pedras com as dimensões e peso das referidas na alínea K),
U) Providenciando, em particular, como era possível e estava ao seu alcance, pela respectiva deposição e acondicionamento em cavaletes dotados de sistema de separação fixa e estanque entre elas, com supressão da utilização de calços para as separar.
V) Assim como tinha, no mesmo condicionalismo, o dever, a que não deu cumprimento também, de prestar ao trabalhador DD formação relativa ao manuseamento manual de pedras.
W) Ao omitir o cumprimento daqueles deveres, a 1ª Ré CC, que agiu de forma livre, em representação e no interesse da 2ª Ré sociedade, não previu, embora pudesse e devesse tê-lo previsto, que criaria perigo, como efectivamente criou, para a vida do trabalhador MM e que, por efeito disso, poderia este sofrer, como veio a suceder, acidente de que resultou a sua morte.
X) Por tais factos e por acórdão, transitado em julgado, proferido no âmbito do processo crime n.º 1546/17...., que correu termos no Juízo Central Criminal de Braga – Juiz ..., a 1ª Ré CC foi condenada pela prática, em autoria material, de um crime de violação de regras de segurança [tendo por ofendido DD], p. e p. pelo artº 152º-B, nºs 1, 2 e 4, al. b) do Cód. Penal, por referência ao disposto nos artºs 3º, nº 1, als. a) e b), 4º, als. a), c), e), f), g) e h), 5º, nºs 1 e 3, als. b), c) e f), 15º, nºs 1, 2, als. a), d), e), i) e l), 3, 5, 10 e 11, 17º, nº 3, 19º, nºs 1, als. a) e b), 2, als. a) e b) e 3 e 20º, nº 1 da L. nº 102/2009, de 10.09 - alterada pelas L. nºs 42/2012, de 28.08, 3/2014, de 28.01, pelo Dec. L. nº 88/2015, de 28.05 e pelas L. nºs 146/2015, de 09.09, e 28/2016, de 23.08 -, aos artºs 2º, 3º, als. a), b), c), g) e h), 15º e 86º, nº 1 da Portaria nº 53/71, de 03.02 – alterada pela Portaria nº 702/80, de 22.09 -, ao artº 13º da L. nº 105/2009, de 14.09 – alterada pela L. nº 60/2018, de 21.08 – e aos artºs 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, nºs 1, als. a) b) e 2 do Dec. L. nº 330/93, de 25.09 – alterado pela L. nº 113/99, de 03.08 -, na pena de 2 [dois] anos e 8 [oito] meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo.
Y) E a 2ª Ré EMP01..., Ldª., condenada pela prática de um crime de violação de regras de segurança [tendo por ofendido DD], p. e p. pelo artº 152ºB, nºs 1, 2 e 4, al. b) do Cód. Penal, por referência ao disposto no artº 11º, nºs 2, al. a) e 4 do mesmo diploma legal e ao que se prescreve nos artºs 3º, nº 1, als. a) e b), 4º, als. a), c), e), f), g) e h), 5º, nºs 1 e 3, als. b), c) e f), 15º, nºs 1, 2, als. a), d), e), i) e l), 3, 5, 10 e 11, 17º, nº 3, 19º, nºs 1, als. a) e b), 2, als. a) e b) e 3 e 20º, nº 1 da L. nº 102/2009, de 10.09 - alterada pelas L. nºs 42/2012, de 28.08, 3/2014, de 28.01, pelo Dec. L. nº 88/2015, de 28.05 e pelas L. nºs 146/2015, de 09.09, e 28/2016, de 23.08 -, aos artºs 2º, 3º, als. a), b), c), g) e h), 15º e 86º, nº 1 da Portaria nº 53/71, de 03.02 – alterada pela Portaria nº 702/80, de 22.09 -, ao artº 13º da L. nº 105/2009, de 14.09 – alterada pela L. nº 60/2018, de 21.08 – e aos artºs 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, nºs 1, als. a) e b) e 2 do Dec. L. nº 330/93, de 25.09 – alterado pela L. nº 113/99, de 03.08 , na pena de 320 [trezentos e vinte] dias de multa, à taxa diária de € 150,00 [cento e cinquenta euros], o que perfaz a multa global de € 48.000,00 [quarenta e oito mil euros], valor a que se subtrai, nos termos previstos pelo nº 3 do artº 82º do Dec. L. 433/82, de 27.10, a importância de € 714,00 [setecentos e catorze euros], reduzindo-se, por efeito disso, a sua responsabilidade exigível à importância de € 47.286,00 [quarenta e sete mil, duzentos e oitenta e seis euros].
Z) Tendo a pena de multa aplicada à 2ª Ré sido substituída pela prestação de caução de boa conduta, no valor de € 47.286,00 [quarenta e sete mil, duzentos e oitenta e seis euros] e vigente pelo período de 2 [dois] anos e 8 [oito] meses, a prestar, no prazo de 15 [quinze] dias, após trânsito em julgado da presente decisão, por meio de depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança.
AA) Nesse dia 03/07/2017, após os sinistrados serem prontamente socorridos pelos elementos médicos do INEM e consequentemente transportados para o EMP03..., EPE, a Guarda Nacional Republicana que esteve presente no local, solicitou a presença dos inspectores da Autoridade para as Condições do Trabalho (doravante ACT).
BB) Com o propósito de aqueles realizarem inspecção ao local e conduzir o inquérito relativo ao acidente de trabalho.
CC) Nessa conformidade, e perante o cenário e as condições encontradas nas instalações da 2.ª Ré, os inspectores, após toda a investigação levada a cabo por aqueles, redigiram o competente relatório.
DD) Consta desse relatório que: “o pavimento que os trabalhadores estavam a limpar encontrava-se sujo e escorregadio (…) os barrotes de madeira, na base do cavalete metálico, que sustentavam as chapas de granito, encontravam-se com sinais de deterioração”.
EE) O aludido relatório esclarece ainda que os cavaletes metálicos constituem a base de apoio das chapas de granito, onde aquelas se encontravam assentes, em cima dos referidos barrotes de madeira.
FF) O familiar dos aqui Autores não teve qualquer formação profissional, designadamente quanto ao adequado manuseamento das chapas graníticas nem lhe foi administrada formação sobre os concretos e específicos riscos da actividade.
GG) DD tinha 50 anos à data do acidente,
HH) Era a trave mestra da família constituída por si e Autores, com quem mantinha estreita convivência e laços afectivos fortes.
II) Era pessoa dinâmica, prestimosa e com capacidade para o trabalho.
JJ) Era dedicado aos Autores, zelando pelo seu bem estar.
KK) Os Autores viveram e vivem sentimentos de angústia e tristeza por terem perdido e sepultado o marido e pai.
LL) Os Autores ainda não conseguiram ultrapassar a perda de DD.
MM) Nas horas que decorreram entre o acidente e o seu falecimento, DD experimentou sentimentos de agonia, sofrimento, desespero e impotência.
*
Factos não provados, com interesse para a decisão da causa:

1. DD esteve cinco horas a receber assistência e em sofrimento no hospital até morrer.
2. Os cavaletes encontravam-se em estado de degradação perceptível e do inteiro conhecimento das Rés.
3. Os Autores viveram e vivem estado de depressão pela morte do marido e pai.
4. DD tinha dificuldades em respirar e consciência de que iria sucumbir.
5. Teve a percepção de que jamais veria a mulher e o filho.
6. As decisões relativas à contratação de trabalhadores e ao cumprimento das obrigações legais e regulamentares daí advenientes foram tomadas pela filha da 1.ª Ré, EE, sendo esta quem detinha a administração de facto da 2.ª Ré nesse âmbito e a pessoa a quem chamou a si a competência decisória sobre tais questões.
7. No dia 03 de julho de 2017 no qual se dá o acidente de trabalho sub judice, a 1.ª Ré era a gerente de direito da 2.ª Ré, mas, não obstante ser a sua gerente nominal ou formal, não era a sua gerente de facto.
8. Sendo os filhos da 1.ª Ré – EE e FF – os gerentes de facto da 2.ª Ré na data em que se deu o acidente em causa nos autos.
9. Era a filha da 1.ª Ré, EE, quem controlava e decidia com plena autonomia e exclusividade todas as questões do giro comercial corrente da 2.ª Ré relativas, entre outras, à:
- Interlocução com bancos;
- Interlocução com o Fisco e a Segurança Social;
- Interlocução com o técnico oficial de clientes;
- Interlocução com clientes e fornecedores;
- Interlocução total com as empresas de segurança e saúde no trabalho; e
- Contratação de funcionários e era à EE quem os trabalhadores reconheciam poder de autoridade em relação a todas as questões inerentes ao seu contrato de trabalho, tais como férias, faltas, processamento de salários, etc
10. Era o irmão da referida EE, igualmente filho da 1.ª Ré, FF, quem, com total autonomia e exclusividade, decidia todas as questões no setor fabril da 2.ª Ré, isto é, era ele quem:
- Distribuía o trabalho pelos funcionários da 2.ª Ré;
- Coordenava todo o setor fabril e de transformação de pedra da 2.ª Ré;
- Dava ordens aos trabalhadores e era a ele quem estes reconheciam poder de autoridade na área fabril;
- Comunicava os procedimentos de trabalho a observar pelos trabalhadores no interior da área fabril; e
- Exclusivamente operava com as pontes rolantes que existiam na fábrica para movimentar as pedras que se encontravam na zona do armazém para a zona da produção/transformação.
11. Na prática, são EE e FF quem, desde 2010 ou 2011, autonomamente, decide todas as questões relativas à gerência efectiva da 2.ª Ré.
12. A 2.ª Ré assegura a realização de formação no posto de trabalho e procedimentos de segurança.
13. A qual é ministrada de forma continuada a cada trabalhador e em contexto “on the job”.
14. Tendo essa formação por objecto, entre outros, as medidas adequadas à prevenção dos riscos profissionais das funções atribuídas a cada um, bem as regras de utilização de equipamentos de proteção individual necessários ao exercício das referidas funções.
15. Assim e concretamente no que ao Sinistrado diz respeito, foi-lhe assegurada formação contínua em contexto de trabalho, não só relativamente às principais regras de segurança e saúde no trabalho, riscos profissionais, como também relativamente às máquinas de polir e produtos de acabamento normalmente utilizados no exercício das funções a desempenhar.
16. Sendo de atentar para este efeito que, a propósito do manuseamento de pedras de grandes dimensões, apenas FF se encontrava habilitado, desde outubro de 2014, a manobrar as pontes móveis (ou rolantes) que existem nas instalações da sociedade Ré.
17. Compreendendo todos os trabalhadores da 2.ª Ré que não poderiam de qualquer forma manusear as pedras em referência, e muito menos fazê-lo de forma manual, não apenas porque esse comportamento lhes foi desde sempre proibido pelas chefias da 2.ª Ré, como também em razão da larga experiência de cada um neste ramo.
18. As chapas de granito em referência apenas caíram em resultado da acção indevida e imprudente destes, e não devido à falta de implementação, por parte da 2.ª Ré, de uma qualquer acção de prevenção, eliminação ou redução de um risco identificado de acidente.
19. Foi a queda das chapas de granito que acabou por danificar um dos barrotes de madeira que servia de apoio ao cavalete em que se encontravam as pedras envolvidas no acidente.
20. O sinistrado e demais colegas que exercem as funções de Acabador estão proibidos de realizar quaisquer tarefas de movimentação de chapas, manual ou não, tanto mais que tal movimentação de chapas pressupõe a utilização da ponte rolante manobrada em exclusivo pelos trabalhadores FF e EMP01....
21. Tendo os trabalhadores acidentados procedido ao manuseamento manual de tais chapas de pedra granítica, fizeram-no contra as expressas ordens e instruções das chefias da 2.ª Ré.
22. O sinistrado estava perfeitamente consciente que as suas funções não pressupunham, em qualquer momento ou circunstância, a movimentação das referidas chapas de granito, função essa que era exercida exclusivamente pelos trabalhadores FF e EMP01..., e apenas por meio de uma ponte rolante.
23. De sua livre iniciativa, o sinistrado incumpriu as ordens que lhe haviam sido expressamente transmitidas pela Ré e violou a proibição da movimentação das chapas de granito.
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Fundamentação da matéria de facto

A convicção do Tribunal baseou-se no teor dos documentos juntos aos autos, conjugados com os depoimentos das testemunhas.
Concretizando, no que diz respeito à matéria relativa à autoria dos factos, às causas do acidente, à sua dinâmica, à morte de DD e ao nexo de causalidade entre o acidente e a morte deste, atentou-se à certidão do acórdão proferido no processo comum (tribunal colectivo) n.º 1546/17...., transitado em julgado em 9 de Novembro de 2020, e em que foram arguidas as aqui Rés (certidão de fls. 360 e ss. do processo físico).
Assim, tenho as Rés sido intervenientes nesse processo, na qualidade de arguidas, a sentença penal condenatória transitada em julgado tem, em relação a elas, eficácia absoluta quanto aos factos constitutivos da infracção e da culpa, que não podem ser objecto de novo julgamento, constituindo presunção inilidível.
Efectivamente, os factos considerados provados na sentença penal que condenou as Rés têm de ser atendidos nesta sentença cível como factos provados, não sendo admissível contrariá-los por qualquer meio de prova, tendo já funcionado em relação às Rés, arguidas no processo crime, o princípio do contraditório.
Como se lê no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23/02/2017, nos termos do art. 623º do CPC, em relação a terceiros (que não intervieram no processo crime, que não foram aí arguidos, por exemplo), a sentença penal condenatória constitui presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram a infracção, os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal; decorre implicitamente desta norma, sob pena de não fazer sentido a ressalva dela constante quando se trate de terceiro, que, em relação aos próprios arguidos, os factos referidos na mesma norma devem ser considerados provados no processo civil. Assim, provado no processo penal a prática de um acto criminoso que constitua ilícito civil, o titular do interesse ofendido não tem o ónus de provar na acção civil subsequente o acto ilícito praticado nem a culpa de quem o praticou, sem prejuízo de continuar onerado com a prova do dano sofrido e do nexo de causalidade (relatado por Manuel Bargado, publicado in www.dgsi.pt).
Neste sentido, e a título exemplificativo, importa ver ainda os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09/12/2004 (relatado por Bettencourt de Faria), do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/03/2019 (relatado por Vera Sottomayor) e de 04/11/2021 (relatado por Anizabel Sousa Pereira) e do Tribunal da Relação de Évora de 08/10/2020 (relatado por Tomé Ramião), todos publicados in www.dgsi.pt.
Concluindo, quer seja com fundamento na autoridade do caso julgado da sentença penal condenatória, quer seja com fundamento na eficácia probatória extraprocessual da sentença penal condenatória, transitada em julgado, o arguido, réu em acção cível posterior, não tem a possibilidade de ilidir a presunção estabelecida pelo ar. 623º do CPC.
Voltando então ao caso sub judice, os factos controvertidos relativos à situação da gerência de direito e de facto da sociedade Ré, a autoria dos factos, o acidente, a dinâmica do acidente, a culpa, o nexo de causalidade entre o acidente e a morte do trabalhador resultam da sentença penal, transitada em julgado, correspondendo as alíneas C), D), F), I), M), N), O), P), Q), R),T), U), V), W) e FF) dos factos provados às alíneas b), c), d), e), g), l), m), n), o), p), r), t), u), v) e q) dos factos provados da sentença penal, cuja certidão com nota de trânsito em julgado se encontra nos autos.
Aos Autores incumbe então fazer a prova dos danos não patrimoniais alegados e do nexo de causalidade entre o acidente que causou a morte do pai e marido e esses danos.
Em relação a esta matéria a prova é testemunhal.
Sobre esses factos depuseram as testemunhas NN, sobrinha e prima dos Autores, e OO, vizinha e amiga dos Autores.
A primeira testemunha contou que a Autora, sua tia, lhe telefonou a dar conhecimento do acidente, quando o tio já se encontrava no hospital, e que estava a chorar, fora de si; quando chegou ao hospital o tio já tinha falecido; disse que a família era constituída pela tia, tio e primo, sendo que o tio era o pilar da família, que transportava a tia para todo o lado, incluindo às compras para a casa; a tia estava desempregada nessa altura; com a morte do tio, a tia e o primo ficaram desamparados, faltou-lhe o apoio que ele lhes dava, a tia ficou apática e o primo reprovou o ano escolar.
A segunda testemunha revelou que a Autora lhe telefonou a dar conta do acidente e depois, mais tarde, voltou a ligar-lhe dizendo já que o marido havia falecido; encontrou-se com a Autora no hospital e levou-a para casa, ajudando-a a tratar do funeral; disse que DD era o apoio fundamental naquela família, que a Autora “não tem rasgo”; o Autor BB frequentava a universidade, mas vivia em casa dos pais, e ficou revoltado com a morte do pai, que não aceitava, tendo perdido o ano; A Autora AA não quer sair de casa, não quer refazer a sua vida; e as datas festivas, como o Natal, são muito tristes para aquela família.
Estas duas testemunhas depuseram com rigor e credibilidade, demonstrando conhecimento directo dos factos.
Os depoimentos das restantes testemunhas e os documentos juntos aos autos para além da certidão da sentença penal estão relacionados com os factos acima identificados e que se encontram demonstrados pela sentença penal, pelo que não se mostraram relevantes.
A matéria que não consta do elenco dos factos provados e dos factos não provados é conclusiva, de direito ou não interessa à decisão da causa.
A matéria não provada foi assim considerada por não ter sido apresentada prova suficiente da mesma, nomeadamente, a referente aos danos não patrimoniais não confirmada pelas testemunhas inquiridas (a depressão não foi confirmada, sendo que se trata de uma doença e não de um estado de tristeza, esse, sim, demonstrado), ao número de horas entre o acidente e o óbito de DD, às dificuldades respiratórias e a consciência da morte de DD, o estado de deterioração dos cavaletes e o conhecimento deste pelas Rés (apenas se considerou o teor do relatório a que se referem as alíneas CC), DD) e EE)
A restante matéria não provada foi assim considerada na medida em que contraria a matéria elencada nos factos provados da sentença penal e que, como se viu, se impõe às Rés, não podendo ser objecto de novo julgamento.

[transcrição dos autos].
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE Facto e de DIREITO

I – Da reapreciação da decisão sobre a oponibilidade da decisão penal condenatória (art 623º do CPC) [conclusões 47. a 58. das alegações]

Entendem as recorrentes RR. que o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação e aplicação da norma prevista no art. 623º do CPC, que o levou a considerar, erradamente, que a autoridade do caso julgado da Sentença proferida no referido processo de natureza penal é de um grau muito superior ao estabelecido pela referida norma. Com efeito, se a referida norma nos remete para a existência de uma presunção ilidível, o Tribunal recorrido, erradamente, professou o entendimento que a referida presunção é inilidível.
Com o que discordam os recorridos AA., pois tendo as RR. sido intervenientes naquele processo-crime, na qualidade de arguidas, a sentença penal condenatória transitada em julgado tem, em relação a elas, eficácia absoluta quanto aos factos constitutivos da infracção e da culpa, que não podem ser objecto de novo julgamento, constituindo presunção inilidível. Já assim não seria em relação a terceiros (que não intervieram no processo crime), caso em que, nos termos do mencionado art. 623º do CPC, a sentença penal condenatória constitui presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram a infracção, os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal. Logo, provado que está no processo penal a prática de um acto criminoso que constitua ilícito civil, o titular do interesse ofendido não tem o ónus de provar na acção civil subsequente o acto ilícito praticado nem a culpa de quem o praticou, sem prejuízo de continuar onerado com a prova do dano sofrido e do nexo de causalidade[2].
Quid iuris?

Desde já se diga não terem razão as recorrentes quanto à questão que aqui colocam, concordando-se com a interpretação efectuada pelo Tribunal a quo. De facto, não é a mesma a situação cuja errada interpretação suscitam, na medida em que a presunção legal ilidível a que alude a norma se refere apenas à oponibilidade da decisão penal condenatória relativamente a terceiros, o que não é a situação aqui em apreço, já que as RR. o não são relativamente às AA.
Realmente, o art. 623º do CPC regula o caso de ter havido condenação pelo ilícito criminal e não ter sido exercido, nessa acção, o direito de pedir a indemnização. Ao contrário do que acontecia com a lei anterior segundo a qual a decisão condenatória definitiva constituía caso julgado quanto à existência e qualificação do facto punível e quanto à determinação dos seus agentes – presentemente a sentença condenatória transitada constitui apenas presunção ilidível quanto aos pressupostos da punição, aos elementos típicos legais e as formas do crime (arts. 10º a 30º do CP). A decisão proferida em processo penal constitui, assim, uma presunção juris tantum (ilidível mediante prova em contrário de terceiro) da existência dos factos constitutivos em que se tenha baseado a condenação. Com efeito e, como sustenta Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “não se trata, directamente, da eficácia extraprocessual da prova produzida no processo penal, mas da eficácia probatória da própria sentença[3].
Essa possibilidade de ilidir a presunção nunca é concedida ao arguido condenado, a quem já foi dada a faculdade do contraditório. Ele teve oportunidade de juntar provas e aduzir as razões de facto e de direito, no processo penal e, não há falta de contraditório.
Também Lopes do Rego[4] defende que a norma do art. 674.º- A (actual 623º do CPC) estabelece “a relevância “reflexa” do caso julgado penal condenatório em subsequentes acções de natureza cível, materialmente conexas com os factos já apurados no processo penal – e tendo, nomeadamente em conta que a condenação penal pressupõe uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, bem como a certeza “prática” de que o arguido cometeu a infracção que lhe era imputada”.
O art. 623º do CPC refere-se aos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como aos respeitantes às formas do crime.
Reconhecendo-se que a condenação penal pressupõe uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, não poderá, em todo o caso, recusar-se também que essa eficácia se encontra necessariamente limitada aos factos – efectivamente – apurados na acção penal.[5]
Em suma: segundo Lebre de Freitas, em síntese, se a presunção é invocável perante terceiros relativamente ao processo penal, entre as partes é inilidível.
Em verdade, enquanto os terceiros são alheios ao processo penal, o arguido teve oportunidade de defesa e de contraditório sobre as questões suscitadas. “Não se trata aqui, diretamente, da eficácia extraprocessual da prova produzida no processo penal, mas da eficácia probatória da própria sentença, independentemente das provas com base nas quais os factos tenham sido dados como assentes. A presunção estabelecida difere das presunções stricto sensu, na medida em que a ilação imposta ao juiz cível resulta do juízo de apuramento dos factos por um ato jurisdicional com trânsito em julgado; não está, porém, em causa a eficácia do caso julgado (ao contrário do que a inserção dos artigos que regulam a matéria poderia levar a supor), mas a eficácia probatória da sentença penal. Ver MARIA JOSÉ CAPELO, “A sentença entre a autoridade e a prova: em busca de traços distintivos do caso julgado civil”, Coimbra, Almedina, 2015, ps. 149-224 e 394 : afastada a ideia de que a vinculação do juiz cível à sentença penal constitua um fenómeno de caso julgado, a autora entende que nos encontramos perante uma "situação sui generis, cuja consagração não tem em consideração tanto a dificuldade de prova dos factos "presumidos", mas sim uma "confiança” na averiguação dos factos feita pelo juiz penal[6].
Por isso, aquela mesma autora[7] refere que Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto, no CPC Anotado, Vol. II, reconduzem o fenómeno a uma questão de “distribuição de prova”, explicitando, por exemplo, a propósito da eficácia de uma sentença penal condenatória que “o titular do interesse ofendido não tem ónus de provar na ação civil subsequente o ato ilícito praticado nem a culpa de quem praticou, sem prejuízo de continuar onerado com a prova do dano sofrido e nexo de causalidade”.
Sem embargo, e seja qual for a teoria utilizada para classificar a situação (ou a do efeito reflexo do caso julgado ou a teoria da extensão do caso julgado ou da eficácia probatória da sentença penal, enquanto questão de distribuição de prova), cremos que ainda assim se poderá dizer com toda a propriedade o seguinte:
- em relação ao arguido condenado no processo penal opera plenamente e sem quaisquer restrições a autoridade do caso julgado da sentença penal no que tange à matéria da autoria, da ilicitude e da culpa, estando vedado ao arguido num subsequente processo cível entre as mesmas partes ilidir a presunção decorrente da sentença penal. Dito de outro modo: os factos que foram considerados provados na sentença penal, têm de ser atendidos na sentença cível como factos provados, não sendo admissível contrariá-los por qualquer meio de prova.
- apenas um terceiro é que poderá ilidir a presunção estabelecida no art. 623º do CPC, em homenagem ao princípio do contraditório, alegando factos e produzindo prova para demonstrar que o arguido não praticou os factos pelos quais foi condenado.
Revelando-se, pois, assertiva a conclusão do Tribunal a quo de que, in casu, os factos controvertidos relativos à situação da gerência de direito e de facto da sociedade Ré, a autoria dos factos, o acidente, a dinâmica do acidente, a culpa, o nexo de causalidade entre o acidente e a morte do trabalhador resultam da sentença penal, transitada em julgado, correspondendo as alíneas C), D), F), I), M), N), O), P), Q), R), T), U), V), W) e FF) dos factos provados às alíneas b), c), d), e), g), l), m), n), o), p), r), t), u), v) e q) dos factos provados da sentença penal, cuja certidão com nota de trânsito em julgado se encontra nos autos.
Aos Autores incumbe então fazer a prova dos danos não patrimoniais alegados e do nexo de causalidade entre o acidente que causou a morte do pai e marido e esses danos.
*     *
II – Da reapreciação da prova no tocante aos pontos da matéria de facto impugnados [conclusões 59. a 68. das alegações]

Entendem as recorrentes RR. existir erro de julgamento, na apreciação da prova, relativamente à matéria de facto.
Todavia, face ao decidido anteriormente em I –, mostra-se prejudicado o conhecimento desta impugnação da matéria de facto, na medida em que contende toda com matéria inilidível e que resulta da sentença penal, transitada em julgado e relativa à situação da gerência de direito e de facto da sociedade Ré, a autoria dos factos, o acidente, a dinâmica do acidente, a culpa, o nexo de causalidade entre o acidente e a morte do trabalhador. É que os factos que foram considerados provados na sentença penal, têm de ser atendidos na sentença cível como factos provados, impondo-se às RR., não sendo admissível contrariá-los por qualquer meio de prova, não podendo ser objecto de novo julgamento. O que também vale para os impugnados factos não provados, na medida em que contrariam a matéria elencada nos factos provados da sentença penal e para os pontos T), U), V) e W), que constando do elenco dos factos provados da sentença penal, o seu teor não constitui qualquer conclusão de direito, não qualificável como facto.
*     *
III – Da reapreciação da decisão em conformidade com a pretendida alteração e mesmo que ela não ocorra sobre a responsabilidade das RR. na produção do acidente e quanto ao valor dos danos [conclusões 69. e ss. das alegações]

Atendendo a que a matéria de facto não sofreu qualquer alteração, prejudicada fica a reapreciação da decisão em conformidade com a pretendida alteração.
Restando, pois, reapreciar a decisão de mérito da acção, independentemente de não haver qualquer alteração da matéria de facto, quanto ao aspecto da culpa das RR. e sua consequente responsabilidade pelo acidente, bem como quanto ao valor dos danos.
Entendeu o Tribunal a quo na decisão sub judice, que Nos termos do disposto no art. 483.º, n.º 1 CC, quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação.
Em conformidade com a aludida disposição legal são assim pressupostos da responsabilidade civil: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e nexo de causalidade entre facto e dano.
No caso dos autos, e atenta a factualidade provada, resultam verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e da obrigação de indemnizar a cargo das Rés.
Com efeito, constata-se a existência de um facto ilícito (a violação de prescrições legais e regulamentares em matéria de saúde e de segurança no trabalho e de formação profissional do trabalhador, que deu causa a que esse trabalhador ficasse sujeito a perigo para a vida, que se converteu, por meio dos factos ocorridos, na sua morte), na primeira das modalidades referidas no art. 483º do CC, na medida em que foi violado um direito subjectivo absoluto de outrem.
Do mesmo modo, provou-se a ocorrência de danos não patrimoniais sofridos quer pela vítima, quer pela mulher e filho.
Provou-se ainda o nexo de causalidade entre estes danos e aquele facto, nos termos previstos no art. 563º do CC, ou seja, ficou demonstrado que o facto constitui causa do dano. Funciona o nexo de causalidade como pressuposto da responsabilidade civil e medida da obrigação de indemnizar, já que são apenas ressarcidos os danos que o facto ilícito tenha, na realidade, ocasionado, sendo que, nos termos do disposto no art. 563º do CC, que consigna a doutrina da causalidade adequada, “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
Por fim, o comportamento em análise é também culposo.
A culpa é o juízo de censura que se dirige ao agente por ter agido como agiu quando, atenta a sua capacidade e em face da situação concreta, podia e devia ter agido de outra maneira, o que deve ser apreciado em abstracto ou, como manda a lei, “pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso” (art. 487º, n.º 2, do CC).
Seguindo os ensinamentos de ALMEIDA COSTA, a culpa pode apresentar-se na modalidade de mera culpa (culpa em sentido estrito ou negligência – consiste no “simples desleixo, imprudência ou inaptidão”, devendo-se o resultado ilícito somente à “falta de cuidado, imprevidência ou imperícia”) ou de dolo (neste, “o agente tem a representação do resultado danoso, sendo o acto praticado com a intenção malévola de produzi-lo, ou apenas aceitando-se reflexamente esse efeito”) - op. cit., pp. 488.
As Rés não previram, e podiam prever, o perigo a que o trabalhador ficou exposto e a sua morte.
Ora, em face do acidente apurado, quanto a esta questão da responsabilidade na sua produção, entende-se não ser de introduzir qualquer alteração à decisão recorrida, que, assim, se confirma. Aderindo-se, pois, à apreciação jurídica da causa nos seus precisos termos, uma vez que se mostra adequada e correcta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis. Não merecendo, pois, a sentença do Tribunal a quo qualquer reparo. Apenas se conjecturando qualquer desacerto da solução jurídica dada ao caso sub judice, caso ocorresse alteração da matéria de facto.
Concluiu-se, pois, assertivamente pela imputação do acidente à responsabilidade das RR., que não previram, e podiam prever, o perigo a que o trabalhador ficou exposto e a sua morte. Tendo efectivamente resultado verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e da obrigação de indemnizar a cargo das Rés, constatando-se a existência de um facto ilícito (a violação de prescrições legais e regulamentares em matéria de saúde e de segurança no trabalho e de formação profissional do trabalhador, que deu causa a que esse trabalhador ficasse sujeito a perigo para a vida, que se converteu, por meio dos factos ocorridos, na sua morte), na primeira das modalidades referidas no art. 483º do CC, na medida em que foi violado um direito subjectivo absoluto de outrem e tendo-se provado a ocorrência de danos não patrimoniais sofridos quer pela vítima, quer pela mulher e filho, bem como o nexo de causalidade entre estes danos e aquele facto, nos termos previstos no art. 563º do CC, sendo o comportamento em análise culposo.
E não se diga que o ocorrido extravasava as ordens e instruções transmitidas à infeliz vítima, não cabendo nas suas funções de limpeza da nave industrial em causa, a arrumação desse mesmo espaço. É que a limpeza de armazéns industriais envolve uma abordagem sistemática para manter a limpeza e a ordem, indo para além das tarefas de limpeza normais, sendo a mesma fundamental para manter a eficiência, a produtividade e a segurança. Cientes da actividade perigosa a que o trabalhador estava exposto, as RR. nada fizeram para minorar os riscos da ocorrência de fatalidades, tais como sinalizar o local ou proibir o trabalhador de manusear as pedras de grandes dimensões, advertindo-o para a perigosidade abstrata que tal representava. Podendo aqui configurar-se uma actividade perigosa a desempenhada pela vítima, em face do armazenamento de produtos susceptíveis de originar riscos graves pela dimensão das chapas de pedra aí acomodadas. Não fazendo qualquer sentido sustentar que o sinistrado teve culpa na ocorrência dos factos verificados, quando se encontrava a desempenhar as suas funções, cumprindo as ordens e instruções que lhe haviam sido transmitidas. 
*
Vejamos, agora, a reapreciação da decisão quanto ao valor da indemnização pretendida pela R. nas suas conclusões 96. e ss., que entende que o valor fixado é demasiado excessivo, sobretudo tendo em consideração a prova produzida no âmbito dos presentes autos, bem assim como a linha jurisprudencial que tem vindo a ser seguida pelos nossos tribunais superiores. Sustentando ter sido arbitrário o valor fixado de € 15.000,00 pelas dores e sofrimento experimentado pela própria vítima antes da morte, não obstante nada ter determinado sobre o quadro psíquico e sensorial do sinistrado entre o momento do acidente e a sua morte, e não ter sido ponderada a culpa da vítima na produção do sinistro, nem quanto às RR. o concreto grau de culpa no eventual desrespeito pelas normas destinadas a garantir a segurança e a saúde no trabalho.
Ora, quanto a esta última questão, foi considerada na sentença recorrida, na penúltima página, que a culpa imputada se situa ao nível da negligência, pelo que não é certo não ter feito a sentença qualquer ponderação, como sustentado em 100. das conclusões.
Quanto à questão da culpa ou concorrência de culpa da vítima na produção do sinistro, já nos pronunciámos supra, não se vislumbrando qualquer culpa ou contribuição da vítima para a ocorrência dos factos verificados, que se limitava a desempenhar as suas funções, cumprindo as ordens e instruções que lhe haviam sido transmitidas. Nada se tendo provado quanto à especulada violação de ordens e instruções pela vítima, que por sua iniciativa livre e espontânea, decidiu manusear uma pedra de grandes dimensões, colocando assim em risco a sua integridade física e a sua vida. Não sendo de adoptar a redutora visão ora proposta pelas recorrentes de que a limpeza da nave industrial em causa se cingia a simplesmente varrer o chão do armazém.
Já quanto à questão de nada se ter determinado sobre o quadro psíquico e sensorial do sinistrado entre o momento do acidente e a sua morte, é olvidar absolutamente o facto provado MM), de onde resulta que Nas horas que decorreram entre o acidente e o seu falecimento, DD experimentou sentimentos de agonia, sofrimento, desespero e impotência. Logo, apesar da reconhecida escassez quanto à matéria apurada a esse respeito, não é admissível que se diga que nada se determinou e que a fixação foi arbitrária.
Passemos, pois, aos concretos valores da indemnização, que alegadamente não levaram em consideração a linha jurisprudencial que tem vindo a ser seguida pelos nossos tribunais superiores. Alegação das recorrentes que desde logo não corresponde ao ocorrido na sentença recorrida, como melhor resulta das antepenúltima e penúltima páginas, que se socorreu, como critério orientador, da análise comparativa de jurisprudência publicada in www.dgsi.pt, designadamente dos Acs. do TRP de 06-11-2019, in Proc. nº 1231/16.7GAMAI.P1 e do STJ de 25-02-2021, in Proc. nº 4086/18.3T8FAR.E1.S1, cujos sumários transcreveu.
In casu, verifica-se terem sido arbitrada às Recorridas as seguintes quantias, que respeitaram os valores fixados naqueles mencionados arestos:
- € 80.000,00, pela perda do direito à vida;
- € 15.000,00 pelas dores e sofrimento experimentado pela própria vítima antes da morte;
- € 20.000,00 à A. mulher, pelos danos não patrimoniais por si sofridos pela morte de seu marido;
- € 20.000,00, ao A. filho pelos danos não patrimoniais por si sofridos pela morte de seu pai.
Quantias essas que as Recorrentes discordam, por serem demasiado elevadas, invocando 7 acórdãos prolatados entre ../../1993 e ../../2017, que arbitraram indemnizações menores. Mas sem contrapropor quaisquer outros valores.
Quid iuris?

Vejamos separadamente os danos em causa:
A – indemnização pela perda do direito à vida;
B – indemnização pelo sofrimento da vítima antes da morte;
C – valores atribuídos pelos danos morais suportados pelos AA.
*
AIndemnização pela perda do direito à vida

A perda do direito à vida, por parte da vítima da lesão, constitui, nos termos do nº 2 do art. 496º do CC, um dano autónomo, susceptível de reparação pecuniária, cujo direito à reparação é reconhecido em conjunto ao cônjuge e filhos da vítima, independentemente da controvérsia sobre a esfera jurídica em que tal direito nasce e dos seus titulares activos.
Com efeito, no que respeita aos danos morais ou não patrimoniais, acrescenta-se no nº 4 do art. 496º do CC, que “o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º”.
Daí entender-se que a indemnização por danos não patrimoniais deva ser fixada de forma equilibrada e ponderada, segundo critérios de equidade, atendendo em qualquer caso (quer haja dolo ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como por exemplo, o valor actual da moeda.
Como realçam Pires de Lima e Antunes Varela[8], “o montante de indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida” (no mesmo sentido, vd. Antunes Varela[9]).
A este propósito afirma-se no Ac. do STJ de 23-11-2011[10], que “este recurso à equidade não afasta, no entanto, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso. Como se escreveu no acórdão de 25 de Junho de 2002 (www.dgsi.pt, proc. nº 02A1321), cumpre “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes””.
Porém, como também tem sido entendido pela jurisprudência, em especial pelo Supremo Tribunal de Justiça, “essa indemnização nunca se poderá reconduzir a um papel meramente simbólico, antes devendo representar uma adequada compensação, aferida segundo critérios de equidade. A jurisprudência vem, de resto, acentuado cada vez com mais insistência a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. A indemnização tem de ser significativa, o que não quer dizer que possa ser arbitrária. O legislador manda, como vimos, fixar a indemnização de acordo com a equidade, sem perder de vista as circunstâncias, já enunciadas, referidas no art. 494º – o que significa que o juiz deve procurar um justo grau de “compensação”(cf., entre outros, os Acórdãos de 11.02.09, Pº nº 3980/08-3ª, de 30.10.08, Pº nº 2989/08-2ª e de 18.12.2007, Pº nº 3751/07-2ª)[11].
No que respeita ao quantum indemnizatório, a fixar segundo critérios de equidade, há que atender à extensão e gravidade dos danos, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e social do lesado, à sua idade, aos padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc[12].
E ensina ainda Antunes Varela[13], “A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.”
O STJ chama a atenção em aresto de 21 de Outubro de 2010[14]: «A fixação da indemnização para os danos não patrimoniais tem de ser ajustada, face aos factos concretos, tendo em conta os padrões que em tal matéria têm vindo a ser adotados pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, em função da equidade».
No mesmo sentido o acórdão de 7 de Outubro de 2010 em cujo sumário pode ler-se: «tal juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade»[15].
E quanto ao valor a fixar pela perda do direito á vida, escreveu-se no Ac. do STJ de 15-09-2016[16]: “Tem-se consolidado, assim, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os € 50.000,00 e € 80.000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a € 100.000,00 (Cfr, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012, (processo 875/05.7TBILH.C1.S1), 10 de Maio de 2012 (processo 451/06.7GTBRG.G1.S2), de 12 de Setembro de 2013 (processo 1/12.6TBTMR.C1.S1), de 24 de Setembro de 2013 (processo 294/07.0TBETZ.E2.S1), de 19 de Fevereiro de 2014 (processo 1229/10.9TAPDL.L1.S1), de 09 de Setembro de 2014 (processo 121/10.1TBPTL.G1.S1), de 11 de Fevereiro de 2015 (processo 6301/13.0TBMTS.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 185/13.6GCALQ.L1.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 1369/13.2JAPRT.P1S1), de 30 de Abril de 2015 (processo 1380/13.3T2AVR.C1.S1), de 18 de Junho de 2015 (processo 2567/09.9TBABF.E1.S1).”.
Ora, no caso em apreço, a vítima tinha 50 anos de idade à data do acidente, era a trave mestra da família constituída por si e AA., com quem mantinha estreita convivência e laços afectivos fortes, era pessoa dinâmica, prestimosa e com capacidade para o trabalho, trabalhava na sociedade 2ª R., aí desempenhando funções correspondentes à categoria de acabador de primeira, mediante o pagamento de retribuição mensal ilíquida de € 634,20, não contribuiu para o acidente, sendo imputável, exclusivamente, às AA.
Tendo a sentença recorrida fixado, a título de indemnização pela perda do direito à vida, a quantia de € 80.000,00, face aos critérios referidos, o recurso à equidade e à jurisprudência dominante, nenhum reparo nos merece a quantificação desse dano.
Nestes termos, improcede a apelação.
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BIndemnização pelo sofrimento da vítima antes da morte

Vejamos, agora, a reapreciação da decisão de mérito da acção quanto à questão da indemnização pelo sofrimento da vítima antes da morte, fixada pelo Tribunal a quo em € 15.000,00 e atendendo ao seguinte facto: MM) Nas horas que decorreram entre o acidente e o seu falecimento, DD experimentou sentimentos de agonia, sofrimento, desespero e impotência.
O dano intercalar, porque medeia entre o momento em que ocorre o acto lesivo e a morte da vítima resultante desse evento, abrange o sofrimento, designadamente pela percepção da iminência da própria morte, e dores físicas sentidas pela vítima durante o período em causa.
Esse dano é atendível em termos compensatórios, de acordo com o disposto no art. 496º/4 do CC, sendo entendimento uniforme da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que os valores indemnizatórios devem ser calculados em função do caso concreto, ponderando, designadamente, a gravidade das lesões sofridas, a intensidade das dores, o período de tempo durante a qual as dores se prolongam e eventual pressentimento da morte[17]. A supressão da verba indemnizatória ora em apreciação só se justificaria nos casos extremos, difíceis de configurar, de morte instantânea, ou de coma profundo desde o preciso instante do acidente até à morte.
No caso em apreço, face ao exíguo contexto factual apurado e supra mencionado e tendo presentes os Acs. considerados na sentença a quo, bem como o Ac. da RP de 27-04-2021[18], afigura-se-nos adequada e equitativo atribuir a título de indemnização pelos danos não patrimoniais da própria vítima, o valor de € 10.000,00.
Nestes termos, procede a apelação.
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CValores atribuídos pelos danos morais suportados pelos AA.

Vejamos, finalmente, a reapreciação da decisão quanto aos valores atribuídos pelos danos morais suportados pelos AA. AA e BB.
Julgou adequado o tribunal a quo atribuir pelos danos morais suportados por cada um dos AA. mulher e filho, o montante de € 20.000,00.
Aos danos não patrimoniais refere-se o art. 496º do CC, quando determina:
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3 - Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.
4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores”.
Segundo o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2014, publicado no Diário da República de 22.05.2014, “Os artigos 483.º, n.º 1 e 496.º, n.º 1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave.”.
Como já explicava o Ac. da RP de 06-11-1990[19] “(…) nos termos dos artigos 496º, nº 3 e 494º, como critério da sua determinação equitativa, há que atender à natureza e intensidade do dano causado, grau de culpa do lesado, e demais circunstâncias que seja equitativo ter em conta”.
Por outro lado, “sempre que se trate de compensar a dor física ou a angústia moral sofridas pela pessoa directamente lesada ou a dor pessoal sofrida pelos terceiros referidos no nº 2 do artigo 496º, segue-se normalmente o critério pelo qual a quantia em dinheiro há-de permitir alcançar situações ou momentos de prazer bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade dessa respectiva dor. A isso se chama impropriamente o “preço da dor[20].
Assim, na fixação da indemnização por estes danos sofridos pelos lesados está o julgador subordinado a critérios de equidade, que ponderem, todavia, a situação económica dos lesados e do obrigado à reparação, a intensidade do grau de culpa do lesante, e extensão e natureza das lesões sofridas pelo titular do direito à indemnização, considerando, como ponto de equilíbrio, as próprias finalidades prosseguidas pela indemnização por este tipo de danos: “a indemnização por dano moral não é o equivalente medível da alegria vital perdida, mas uma compensação da dor sofrida e que tem por finalidade criar no lesado a liberdade económica de que careça para vencer o dano imaterial[21].
Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial “são infungíveis, não podendo ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro … em virtude da aptidão [deste] para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses[22].
Escreveu-se no Ac. do STJ de 13-07-2017[23]: “Consabidamente, os danos não patrimoniais, incluindo evidentemente a dor sentida pela perda de um ente querido, são fonte da obrigação de indemnizar, mas esta tem propósitos meramente compensatórios, assumindo-se como uma tentativa de minorar o sofrimento causado ao lesado, e por outro lado, como uma satisfação dada pelo agente em virtude do seu comportamento censurável. Não tem a veleidade de apagar o dano moral, com bens materiais, pela evidente natureza heterogénea das realidades em confronto”.
A quantificação dos valores indemnizatórios em causa será, uma vez mais, feita com recurso à equidade, ponderando a especificidade do caso concreto, nomeadamente os vínculos afectivos que ligavam os beneficiários da indemnização à vítima, tomando ainda por referência os valores adoptados pela jurisprudência para casos semelhantes.
Vejamos, pois, algumas dessas decisões, proferidas pelos nossos Tribunais – numa jurisprudência actualista –, acerca da fixação destes danos não patrimoniais, todas consultáveis in www.dgsi.pt:
- no Ac. do STJ de 12-03-2009, proferido no âmbito do processo nº 09P0611, da 3a Secção, mostra-se equitativamente adequado o montante atribuído, de € 25 000 para cada um dos demandantes (pais da vítima), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por si sofridos, perante a seguinte factualidade apurada:
- a vítima, NS, vivia com os seus pais, a quem muito amava e queria, sendo uma filha extremosa e dedicada, auxiliando, sempre que podia, o pai num estabelecimento de café que este explorava;
- os demandantes tinham grande orgulho na sua filha NS, vivendo apenas com ela, que era o seu grande aconchego, sendo que têm um outro filho, mas mais velho, casado e com família e vida própria;
- a morte da filha NS causou aos demandantes grande desgosto, sofrimento e angústia;
- em Outubro de 2006 os demandantes estavam a ser acompanhados no Centro de Saúde da sua localidade, por padecerem de perturbações depressivas desde a morte da filha NS; e, desde ../../2006 até, pelo menos, Maio de 2006, o demandante também foi acompanhado pelos serviços de psiquiatria e saúde mental de V…, em consequência da morte da filha NS.
- no Ac. do STJ de 15-09-2022, proferido no âmbito do processo nº 2374/20.8T8PNF.P1.S1, da 7ª Secção, foi confirmado a título de reparação pelos danos não patrimoniais próprios de cada um dos demandantes viúva e 2 filhos da vítima, os valores de € 30.000 (trinta mil euros) à Autora viúva, € 25.000 (vinte e cinco mil euros) a cada um dos 2º e 3º autores, filhos da vítima.
E fê-lo com a seguinte justificação:
“Sendo pacífico, face ao teor literal no normativo em causa, que a viúva e os filhos da vítima têm direito a serem ressarcidos pelos danos não patrimoniais próprios sofridos com a morte do marido e do pai, importa, antes de mais, indagar se são excessivos, como alega a recorrente, os valores indemnizatórios fixados a esse título.
A determinação de tais valores será, uma vez mais, feita com recurso à equidade, ponderando a especificidade do caso concreto, nomeadamente os vínculos afectivos que ligavam os beneficiários da indemnização à vítima, tomando ainda por referência os valores adoptados pela jurisprudência para casos semelhantes.
No caso concreto, importa, assim, ponderar o seguinte circunstancialismo fáctico apurado:
- À data do sinistro o EE, marido da primeira autora e pai do segundo e terceiro autores, tinha 33 anos de idade;
- A essa data a autora AA tinha 35 anos de idade, e os filhos de ambos, BB e CC tinham, respectivamente, 4 e 13 anos de idade.
- À data do acidente o EE era pessoa alegre, comunicativo e bem disposto, devotando à família grande estima e carinho, sendo também estimado pelos familiares.
- Realizava com frequência convívios, piqueniques, passeios e actividades desportivas com a família; - A relação dele com a mulher e com os filhos era vista por toda a comunidade como um exemplo de família feliz; - O EE era um marido carinhoso e um bom pai, pelo que a sua morte causou e causa um sentimento de vazio imenso e deixa toda a família em profunda depressão.
- A relação com os seus filhos e mulher era de grande proximidade e cumplicidade.
- A autora AA sofreu ansiosamente durante os 13 dias que mediaram entre o sinistro e a morte.
- O momento em que comunicou a notícia da morte do EE aos seus filhos foi de grande sofrimento.
- no Ac. do STJ de 19-10-2016, proferido no âmbito do processo nº 1893/14.0TBVNG.P1.S1, da 7ª Secção, foi entendido o seguinte:
I - Numa acção de responsabilidade civil emergente de um acidente de viação em que ocorre o falecimento de um familiar dos demandantes, a quantificação do dano não patrimonial à luz dos critérios insertos no art. 496.º, n.º 1, do CC, é sempre difícil por envolver a valoração do sofrimento com a ruptura de laços afectivos devido à morte de um ente querido. 
II - Sofrendo os autores, em consequência do falecimento do seu marido e pai, um choque emocional, a atribuição de uma indemnização pela Relação no montante de € 25 000 a cada uma das autoras, cônjuge e filha que viviam com o falecido, e de € 20 000 ao filho, mostra-se equilibrada e equitativa. 
- no Ac. do STJ de 14-12-2016, proferido no âmbito do processo nº 12381/11.6TBBCL.G1.S1, da 2ª Secção, foi entendido o seguinte:
VII - Tendo a Relação ponderado a idade da vítima, a natureza das relações familiares, de harmonia e afectividade, o convívio marital que perdurava há 8 anos e a idade dos filhos menores (de 2 e 5 anos), têm-se por adequados, considerando o estatuído no art. 496.º, n.º 1, do CC, os montantes indemnizatórios, fixados no acórdão recorrido, de € 25 000 para o marido e de € 20 000 para cada um dos filhos, a título de danos não patrimoniais sofridos por via da morte daquela. 
- no Ac. do STJ de 03-10-2017, proferido no âmbito do processo nº 1270/15.5T8PNF.P1.S1, da 1ª Secção, foi entendido o seguinte:
III - Revela-se adequado o valor da indemnização, a título de danos não patrimoniais, diferenciadamente fixado pela Relação – € 30 000 para a viúva, e € 25 000, para cada um dos dois filhos da vítima – dado que aquela viu, com o perecimento do marido, destruído o seu plano de vida em comum, ao passo que os filhos, considerando a sua idade (à data do sinistro, um com 18 anos, outro ainda menor), previsivelmente, não verão o seu projecto de vida futura afectado pelo desaparecimento de seu pai, sendo o sofrimento e desgosto do cônjuge sobrevivo, normalmente, mais intenso e de maior duração do que aquele de que padecem os filhos. 
No caso vertente, resultou, com relevância, comprovado que:
GG) DD tinha 50 anos à data do acidente,
HH) Era a trave mestra da família constituída por si e Autores, com quem mantinha estreita convivência e laços afectivos fortes.
II) Era pessoa dinâmica, prestimosa e com capacidade para o trabalho.
JJ) Era dedicado aos Autores, zelando pelo seu bem estar.
KK) Os Autores viveram e vivem sentimentos de angústia e tristeza por terem perdido e sepultado o marido e pai.
LL) Os Autores ainda não conseguiram ultrapassar a perda de DD.
Tendo a sentença recorrida fixado, a título de indemnização por danos não patrimoniais próprios, as quantias de € 20.000,00 a cada um dos AA. AA e BB, respectivamente, viúva e filho do falecido, nenhum reparo nos merece a quantificação desses danos, que até se nos afiguram exíguos.
Nestes termos, improcede a apelação.
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5 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, no parcial provimento do recurso das RR., revogando parcialmente a sentença da 1ª instância, acordam os juízes desta secção cível em condenar as RR. CC e EMP01..., Ldª, solidariamente, a pagar aos AA. AA e BB a quantia de € 130.000,00 (cento e trinta mil euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal, civil, vigente em cada momento, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
As custas da acção e do recurso serão suportadas na proporção do decaimento. 
Notifique.
*
Guimarães, 16-01-2025
                                                       
(José Cravo)
(Maria dos Anjos Nogueira)
(Joaquim Boavida)


[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, EMP04... - JC Cível - Juiz ...
[2] Neste sentido, o Ac. da RE de 23-02-2017, prolatado no Proc. nº 268/11.7TBRDD.E1 e acessível in www.dgsi.pt.
[3] In CPC Anotado, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Vol. 2º, pág. 763, 4ªed.
[4] Cfr. “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág., 448. No mesmo sentido se pronunciou o STJ, no Ac. de 14-12-2006, no Proc. nº 06B3599, acessível in www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido também o Ac. do STJ de 13-01-2010, no Proc. nº 1164/07.8TTPRT.S1, acessível in www.dgsi.pt., cujo sumário se transcreve parcialmente: «1. A decisão penal condenatória, transitada em julgado, no respeitante ao autor e à ré, que intervieram na acção penal, na qualidade, respectivamente, de arguido e de assistente, tem eficácia absoluta no tocante aos factos constitutivos da infracção, que não poderão, assim, voltar a ser discutidos dentro ou fora do processo penal, sendo o julgamento desses factos definitivos quanto ao arguido. 2. A possibilidade de ilidir a presunção iuris tantum estabelecida no artigo 674.º-A do Código de Processo Civil, conferida a terceiros, nunca é concedida ao arguido condenado, mas apenas aos sujeitos processuais não intervenientes no processo criminal, em homenagem ao princípio do contraditório (…)».
[6] In CPC Anotado Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Vol. 2º, p. 763, 4ªed.
[7] In ob cit, p. 169.
[8] In CC Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, pág. 501.
[9] In “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 4.ª Edição, pág. 533.
[10] Prolatado no Proc. n. 90/06.2TBPTL.G1.S1 e acessível in www.dgsi.pt.
[11] Cfr. Ac. do STJ de 3-11-2010, prolatado no Proc. nº 55/06.4PTFAR.E1.S1 e disponível in www.dgsi.pt.
[12] Cfr. Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 4.ª Edição, pág. 533.
[13] Ob. citada, pág. 534.
[14] In Proc. nº 276/07.2 TBCBT.G1.S1 (Cons. Gonçalo Silvano).
[15] In Proc. nº 839/07.6TBPFR.P1.S1 (Cons. Lopes do Rego).
[16] Prolatado no Proc. nº 492/10.0TBBAO.P1.S1 e disponível in www.dgsi.pt.
[17] Neste sentido, e entre muitos outros, cfr. os acórdãos do STJ de 08-09-2011 (proc. nº 2336/04.2TVLSB.L1.S1); de 27-09-2011 (proc. nº 425/04.2TBCTB.C1.S1); de 24-10-2013 (proc. nº 225/09.3TBVZL.S1); de 29-10-2013 (proc. nº 62/10.2TBVZL.C1.S1); de 28-11-2013 (proc. nº 177/11.0TBCP.S1) de 15-09-2016 (proc. nº 492/10.0TBBAO.P1.S1) e de 02-03-2017 (proc. nº 36/12.9TBVVD.G1.S1, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[18] Prolatado no Proc. nº 1123/19.8T8PVZ.P1 e acessível in www.dgsi.pt.
[19] In Colectânea de Jurisprudência XV, 5, pág. 186.
[20] Cfr. Dario M. de Almeida, “Manual de Acidentes de Viação”, págs. 188-189.
[21] Vd. Ac. da RL de 5-05-1981, in BMJ 312º-291.
[22] Cfr. Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, pág. 86.
[23] Prolatado no Proc. nº 313/13.1PGPDL.L1.S1 e acessível in www.dgsi.pt.