EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
USO INDEVIDO
INDEFERIMENTO LIMINAR PARCIAL
DECISÃO SURPRESA
Sumário

I. O despacho proferido ao abrigo do art.º 734º do CPC não é um despacho liminar de indeferimento ou aperfeiçoamento do requerimento executivo, mas sim um despacho que é proferido posteriormente no processo com os mesmos fundamentos do despacho de indeferimento liminar/despacho, liminar de aperfeiçoamento.
II. Tanto é assim que nas execuções ordinárias onde já tenha sido proferido despacho liminar pode ainda assim vir a ser proferido despacho de rejeição ou aperfeiçoamento do requerimento executivo.
III. Não pode, pois, para efeitos de análise da necessidade/desnecessidade de observância do princípio de contraditório, ser equiparado ao despacho liminar.
IV. Tratando-se de despacho que no decurso de um processo o extingue com base em questões não suscitadas pelas partes, impõe-se, ao abrigo do art.º 3º nº3 do CPC, e, não obstante se tratarem de questões de conhecimento oficioso, a prévia audição das mesmas partes, permitindo-lhes uma tomada de posição sobre tais questões.
V. Não sendo observada tal audição prévia, a rejeição da execução configura decisão surpresa.
VI. A violação do princípio do contraditório acarreta a nulidade da subsequente decisão judicial, por excesso de pronúncia nos termos previstos no art.º 615º al. d) do CPC, na medida em que decide uma questão que, sem a realização do contraditório prévio, não poderia decidir.
VII. O crédito reclamado no procedimento de injunção inclui uma cláusula penal correspondente ao valor relativo à quebra do vínculo contratual. Tal quantia não diz respeito a serviços contratados, prestados e não pagos, mas antes se refere a uma indemnização por quebra do vínculo contratual. Desta forma, não poderia ser objeto de procedimento de injunção, pelo que a sua reclamação nessa sede configura uso indevido do procedimento de injunção.
VIII. O uso indevido do procedimento de injunção configura exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, conforme resulta, aliás, do art.º 14-A do regime anexo ao DL 269/98 de 01.09 que na al. a) do nº2 equipara, para efeitos de exclusão da preclusão prevista no nº1 do preceito, o uso indevido do procedimento de injunção à ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso.
IX. Não obstante a exceção de uso indevido da injunção poder ser invocada como fundamento de embargos de executado, pode também ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal na execução, por configurar exceção dilatória de conhecimento oficioso que inquina o título executivo, dando azo à sua falta.
X. Reportando-se o uso indevido do procedimento de injunção apenas a parte do requerimento de injunção dado à execução (já que este não se esgota no pedido de pagamento da referida cláusula penal), verifica-se falta de título executivo somente no que respeita aos valores que não poderiam ter sido incluídos no requerimento de injunção.
XI. Pode, pois, ao abrigo do art.º 734º do CPC, ser rejeitada a execução apenas relativamente à parte do pedido exequendo que excede os limites válidos do título executivo, ou seja, relativamente aos valores que não poderiam ser objeto de procedimento de injunção, desde que estes estejam devidamente delimitados no requerimento de injunção.

Texto Integral

Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:

I- Relatório:
Nos Comunicações, S.A. intentou execução para pagamento de quantia certa contra B, com o valor de 1.863,03 €, invocando como título executivo “Injunção”, juntando requerimento de injunção com fórmula executória.
Em 24.04.2024 foi proferido o seguinte despacho:
“ Compulsados os autos, sendo, esta, a primeira vez que o processo vem a despacho – atenta a forma (sumária) do processo (cf. artigo 550.º, nº2, alínea b), do CPC), que dispensa a prolação de despacho liminar (cf. artigos 855.º e 726.º a contrario, do CPC) –, constata-se que a exequente NOS COMUNICAÇÕES, S.A. intentou contra B a presente execução com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva por secretário de justiça, do qual consta peticionado o pagamento de valores correspondentes, além do mais, a cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, resultando do requerimento de injunção que:


Apreciando.
Nos termos do disposto no artigo 734.º do CPC, “o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo” (nº1), sendo que, “rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte” (nº2).
O procedimento de injunção é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos (não tendo a virtualidade de servir para exigir obrigações pecuniárias resultantes da responsabilidade civil contratual), sendo certo que tal prestação só pode ter por objeto imperativamente uma obrigação pecuniária, isto é, uma entrega em dinheiro em sentido restrito (em contraposição com a obrigação de valor, que não tem por objeto a entrega de quantias em dinheiro e visa apenas proporcionar ao credor um valor económico de um determinado objeto ou de uma componente do património).
Este regime processual só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio.
A jurisprudência tem-se inclinado, de forma praticamente unânime, para a inadmissibilidade do pedido de pagamento da cláusula penal por incumprimento contratual nesta forma processual e/ou de indemnização (RL 08.10.2015, processo 154495/13.0YIPRT.L1-8; 12.05.2015, processo 154168/13.YIPRT.L1-7; RL 15-10-2015, processo 96198/13.1YIPRT.A.L1-2; RL 17.12.2015, processo 122528/14.9YIPRT-L1.2; RL, de 25.01.2024, processo 101821/22.2YIPRT.L1-8).
Ou seja, as injunções, incluindo as decorrentes de transação comercial, e a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, não são a via processual adequada para acionar a cláusula penal, mesmo que compulsória, decorrente da mora ou de qualquer vicissitude na execução do contrato – ver, neste sentido, Ac. RL, de 15.10.2015, relatado por Teresa Albuquerque (in www.dgsi.pt); João Vasconcelos Raposo e Luís Baptista Carvalho, in «Injunções e Ações de Cobranças», 2012, p.22.
A cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e a indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida peticionadas no procedimento injuntivo de que emergiu o requerimento/documento dado à execução não consubstanciam “uma obrigação pecuniária diretamente emergente de um contrato”.
Assim, relativamente ao pedido de pagamento do montante correspondente à cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e à indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, foi lançado mão de uma forma processual que legalmente não é a prevista para tutela jurisdicional respetiva.
O objetivo do legislador com o procedimento de injunção não foi o da economia processual, mas sim o de facilitar a cobrança das obrigações pecuniárias como instrumento essencial da regulação do sistema económico, ou seja, das dívidas que, pela sua própria natureza, implicam uma tendencial certeza da existência do direito de crédito.
A exequente não poderia ter recorrido ao requerimento de injunção e, tendo-o feito, deu causa à verificação de uma exceção dilatória inominada, prevista nos artigos 555.º, n.º 1, 37.º, n.º 1, primeira parte, e geradora de absolvição da instância ao abrigo do vertido nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578.º e 278.º, n.º 1, alínea e), todos do Código de Processo Civil.
Tal exceção atinge e contagia todo o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigíveis para a sua utilização, e não apenas o pedido referente ao valor da cláusula penal peticionada – ver, neste sentido, Ac. RL, de 23.11.2021, relatado por Edgar Taborda Lopes, proc. 88236/19.0YIPRT.L1-7; Ac. RP, de 15.01.2019, relatado por Rodrigues Pires, proc. 141613/14.0YIPRT.P1 (in www.dgsi.pt).
Ver, ainda, o recente acórdão da Relação de Lisboa, de 28.04.2022, relatado por Cristina Pires Lourenço, proc. 28046/21.8YIPRT.L1-8 (in www.dgsi.pt), assim sumariado:
“O uso indevido do procedimento de injunção inquina na totalidade a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias em que se se transmutou, consubstanciando exceção dilatória inominada (art.º 577º, do Código de Processo Civil), de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância, impedindo qualquer apreciação de mérito, designadamente, dos créditos cuja cobrança poderia ter sido peticionada por via daquele procedimento.”
E, ainda, o Ac. RC, de 14.03.2023, relatado por Henrique Antunes (in www.dgsi.pt), assim sumariado:
“I - Não é admissível, através do procedimento de injunção, a exigência de créditos pecuniários objecto de reconhecimento unilateral do devedor;
II - Ainda que através de negócio jurídico unilateral o devedor tenha reconhecido a dívida, o credor está vinculado, no procedimento de injunção, a alegar o contrato objecto da relação jurídica fundamental do qual a obrigação emerge;
III - O procedimento de injunção não é o adequado à exigência de créditos resultantes de cláusula penal com função indemnizatória ou despesas feitas pelo credor com a actuação ou exercício do crédito de que se diz titular;
IV- O uso inadmissível ou inadequado, ainda que meramente parcial do procedimento inquina e torna inaproveitável, in totum, a acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato em que o procedimento, por virtude da oposição, se convolou, e dá lugar a uma excepção dilatória, conducente à absolvição do requerido da instância.” (sublinhado e negrito, nossos).
Nesta conformidade, ao requerimento de injunção dado à execução não deveria ter sido aposta força executiva, uma vez que não podia deixar-se prosseguir ação especial/comum para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que houvesse resultado da transmutação de injunção interposta para acionamento dessa cláusula, pois, de contrário, estar-se-ia a admitir que o credor, para obter título executivo, que bem sabia, à partida, que não podia obter, defraudasse as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção.
Caso tivesse sido submetido a apreciação jurisdicional, deveria ter tido lugar um juízo de improcedência total do pedido, por recurso indevido ao procedimento de injunção, o que, repita-se, constitui exceção inominada de conhecimento oficioso – neste sentido, além dos arestos supra citados, Acs. RP de 31.05.2010 (Maria de Deus Correia), de 26.09.2005 (Sousa Lameiras); Acs. RL, de 07.06.2011 (Rosário Gonçalves), de 08.11.2007 (Ilídio Sacarrão Martins); João Vasconcelos Raposo e Luís Baptista Carvalho, in «Injunções e Acções de Cobranças», 2012, p.39 e 40).
Porém, o recurso ao procedimento de injunção quando este não se ajusta à pretensão formulada, porque acarreta exceção inominada, nulidade de conhecimento oficioso, pode esta ser conhecida em sede execução cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, embora ao arrepio da lei, tenha sido atribuída força executória por secretário judicial – neste sentido, Ac. RE, de 16.12.2010, relatado por Mata Ribeiro (in www.dgsi.pt).
Com efeito, a aposição de fórmula executória pelo Secretário Judicial, na sequência de falta de oposição, não tem força constitutiva de caso julgado, não precludindo a apreciação do aludido vício de uso indevido de procedimento injuntivo. Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa, de 15.02.2018, relatado por Anabela Calafate, processo 2825/17.9T8LSB.L1-6, consultável em www.dgsi.pt, “não pode ser equiparada a decisão judicial a aposição da fórmula executória por um secretário de justiça. Por isso a rejeição por despacho judicial da execução baseada em injunção não constitui violação de caso julgado.”
Por outro lado, a omissão ou insuficiência de título executivo são de conhecimento oficioso e podem ser apreciadas e declaradas até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC). Sendo irrelevante, para esse efeito, que o/s executado/s se tenha/m abstido de invocar tal vício, nomeadamente em sede de oposição à execução – ver, neste sentido, Ac. RL, de 12.07.2018, relatado por Jorge Leal (in www.dgsi.pt).
Como recentemente se entendeu no Ac. RP, de 27.09.2022, relatado por Anabela Dias da Silva, o procedimento de injunção não é meio processual próprio para se peticionar o pagamento de uma quantia a título de cláusula penal indemnizatório ou qualquer outra quantia a título de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida. Intentando-se a execução dando-se como título executivo injunção de onde resulte que abrange semelhantes quantias, há que se verificar exceção dilatória de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância, devendo-se indeferir liminarmente o requerimento executivo. – No sentido de que “a injunção à qual foi aposta fórmula executória nestas circunstâncias está assim afetada de vício que constitui exceção dilatória inominada justificativa do indeferimento liminar da execução”, ver, ainda, Ac. RP, de 08.11.2022, relatado por Alexandra Pelayo (in www.dgsi.pt).
Entende, assim, este Tribunal não dispor a exequente de título executivo eficaz, por a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção.
Decisão:
Em face de todo o exposto, por verificação da exceção dilatória da falta de título executivo, decido rejeitar a presente execução (cf. artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC).
Custas pela exequente.
Registe e notifique.
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Sintra, d.s.”
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Inconformada, a exequente intentou recurso de apelação, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
“1. Considerou o Tribunal a quo existir exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, absolvendo o Apelado da instância;
2. Por a Autora ter lançado mão de injunção onde incluiu valores em dívida relativos a cláusula penal pela rescisão antecipada do contrato e de despesas associadas à cobrança da dívida;
3. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de oportunidade e fundamento, sendo contrária à Lei;
4. Desde logo porque a lei não habilita o Tribunal a quo a conhecer oficiosamente de exceções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo;
5. Das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento executivo constantes do artigo 726.º do CPC não resulta o uso indevido do procedimento de injunção;
6. Permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o artigo 14.º-A n.º 2 do DL 269/98, de 01 de setembro, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no artigo 573.º do CPC;
7. Sem prescindir, o entendimento de que a cláusula penal as despesas de cobrança não podem integrar o procedimento injuntivo não determina que a extinção total da instância executiva, mas somente a recusa do título executivo relativamente à parte que integra tais valores.
8. A sentença recorrida foi ainda proferida sem a Apelante ter sido convidada a oferecer o devido contraditório, o que consubstancia uma violação do artigo 3.º do CPC;
9. A sentença proferida pelo Tribunal a quo traduz-se em indeferimento liminar da petição inicial, o que legitima a apresentação do presente recurso;
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida, ao rejeitar, liminarmente, a execução, violou, nomeadamente:
- o artigo 726.º n.º 2 do C.P.C.;
- o artigo 734.º do CPC;
- o artigo 14.º-A n.º 2 do regime anexo ao DL 269/98 e os artigos 227.º, número 2 e 573.º do CPC;
- o artigo 193.º do CPC;
- o artigo 3.º n.º 3 do CPC;
Deverá, consequentemente, ser revogada e substituída por decisão que admita o requerimento executivo e mande prosseguir os autos nos termos acima expostos.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas., doutamente, suprirão, se requer seja dado provimento ao presente recurso.”
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Em 22.05.2024 foi proferido o seguinte despacho:
“Por legal, tempestivo e interposto por quem, para tal, tem legitimidade, admito o recurso interposto pela exequente, o qual é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Relativamente à nulidade suscitada e em face do disposto no artigo 641.º, nº 1, do CPC, cumpre dizer o seguinte:
Analisadas criticamente as alegações de recurso constata-se que, embora não resulte expressamente invocada qualquer nulidade, a recorrente alega que o Tribunal se pronunciou sobre questão que lhe estava vedada por, no seu entender, não ser de conhecimento oficioso.
Ora, verifica-se a nulidade da decisão por excesso de pronúncia (artigo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC) quando o tribunal aprecia questões de facto ou de direito que não tenham sido invocadas pelas partes ou que não sejam de conhecimento oficioso – ver, neste sentido, Ac. STJ, de 15.09.2022, relatado pelo Colendo Conselheiro Nuno Ataíde das Neves, processo 3395/16.0T8BRG.G1.S1 (in www.dgsi.pt).
Entende, porém, este Tribunal que não se verifica a apontada nulidade.
Como se deixou exposto na decisão sob recurso, tem sido entendimento maioritário dos Tribunais Superiores (contrariamente ao que defende a recorrente) que o recurso ao procedimento de injunção quando este não se ajusta à pretensão formulada, porque acarreta exceção inominada, nulidade de conhecimento oficioso, pode, esta, ser conhecida em sede execução cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, embora ao arrepio da lei, tenha sido atribuída força executória por secretário judicial – ver, neste sentido, Ac. RE, de 16.12.2010, relatado por Mata Ribeiro (in www.dgsi.pt).
Com efeito, a aposição de fórmula executória pelo Secretário Judicial, na sequência de falta de oposição, não tem força constitutiva de caso julgado, não precludindo a apreciação do aludido vício de uso indevido de procedimento injuntivo. Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa, de 15.02.2018, relatado por Anabela Calafate, processo 2825/17.9T8LSB.L1-6 (in www.dgsi.pt), “não pode ser equiparada a decisão judicial a aposição da fórmula executória por um secretário de justiça. Por isso a rejeição por despacho judicial da execução baseada em injunção não constitui violação de caso julgado.”
Por outro lado, a omissão ou insuficiência de título executivo são de conhecimento oficioso e podem ser apreciadas e declaradas até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC), sendo irrelevante, para esse efeito, que o/s executado/s se tenha/m abstido de invocar tal vício, nomeadamente em sede de oposição à execução – ver, neste sentido, Ac. RL, de 12.07.2018, relatado por Jorge Leal (in www.dgsi.pt).
Como recentemente se entendeu no Ac. RP, de 27.09.2022, relatado por Anabela Dias da Silva, o procedimento de injunção não é meio processual próprio para se peticionar o pagamento de uma quantia a título de cláusula penal indemnizatório ou qualquer outra quantia a título de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida. Intentando-se a execução dando-se como título executivo injunção de onde resulte que abrange semelhantes quantias, há que se verificar exceção dilatória de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância, devendo-se indeferir liminarmente o requerimento executivo.
No sentido de que “a injunção à qual foi aposta fórmula executória nestas circunstâncias está assim afetada de vício que constitui exceção dilatória inominada justificativa do indeferimento liminar da execução”, ver, ainda, Ac. RP, de 08.11.2022, relatado por Alexandra Pelayo (in www.dgsi.pt), bem como o Ac. RE, de 28.04.2022, relatado por Mata Ribeiro (in www.dgsi.pt), assim sumariado:
“1 - O procedimento de injunção não é meio adequado para peticionar o pagamento da obrigação resultante da aplicação da cláusula penal acordada para o incumprimento do período de fidelização.
2 - No procedimento de injunção não se pode obter título executivo cumulando pretensão por dívidas referentes a prestações pecuniárias emergentes de contrato com indemnização por incumprimento contratual.
3 - A injunção à qual foi aposta fórmula executória nestas circunstâncias está assim afectada de vício que constitui exceção dilatória inominada justificativa do indeferimento liminar da execução.”
Conclui-se, assim, no sentido de que a questão apreciada é de conhecimento oficioso e, por conseguinte, pela inexistência da nulidade apontada.
Porém, os/as Venerandos/as Senhores/as Desembargadores/as melhor decidirão.
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Notifique e cite o(s)/a(s) executado(s)/a(s) para os termos da execução e do recurso.
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Concretizada/s a/s citação/ões e juntas as contra-alegações ou decorrido o prazo para o efeito, não se suscitando dúvidas à Secção, remeta os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
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Sintra, d.s.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II– Objeto do recurso:
Segundo as conclusões do recurso, que delimitam o seu objeto, as questões a apreciar são as seguintes:
- Aferir se o Tribunal recorrido violou o princípio do contraditório previsto no art.º 3º nº 3 do CPC, e na afirmativa, a respetiva consequência;
- Aferir se o tribunal recorrido podia conhecer oficiosamente a exceção dilatória que deu azo à rejeição da execução, e na afirmativa, a consequência da procedência de tal exceção (rejeição total ou parcial da execução).
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III- Fundamentação de Facto:
Os factos relevantes para a decisão são os que resultam do relatório supra.
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IV– Fundamentação de Direito:
Da alegada violação do princípio do contraditório e, na afirmativa, respetiva consequência:
O despacho recorrido rejeitou a execução, nos termos previstos no art.º 734 nº 1 e 726 nº 2 al. a) do CPC, por verificação da exceção dilatória da falta de título executivo.
Dispõe o art.º 734º do CPC nº 1 que:
“O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.”
Por sua vez dispõe o art.º 726 nº 2 al. a) do CPC que:
“O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando:
a) Seja manifesta a falta ou insuficiência do título;
b) (…)
c) (…)
d) (…)”
Este artigo 734º do CPC permite que nas execuções sumárias, nas quais - salvo se o agente de execução recusar o requerimento executivo ou suscitar a intervenção do Juiz nos termos previstos no art.º 855 nº 2 als. a) e b) do CPC- a penhora se inicia antes da citação do executado(cf. art.º 855 nº 3 do CPC), seja, a posteriori (até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados), feito o controlo jurisdicional das questões suscetíveis de motivar o indeferimento liminar do requerimento executivo, designadamente das que respeitam à inexistência/insuficiência do titulo executivo .
Ou seja, o despacho proferido ao abrigo do art.º 734º do CPC não é um despacho liminar de indeferimento ou aperfeiçoamento do requerimento executivo, mas sim um despacho que é proferido posteriormente no processo com os mesmos fundamentos do despacho de indeferimento liminar/despacho liminar de aperfeiçoamento.
Tanto é assim que nas execuções ordinárias onde já tenha sido proferido despacho liminar pode ainda assim vir a ser proferido despacho de rejeição ou aperfeiçoamento do requerimento executivo. Neste sentido veja-se o Ac. do TRL de 10.09.2020 proferido no Proc. 2942/20.8T8SNT.L1-2, cujo sumário, na parte que aqui releva, se passa a reproduzir: “I – O despacho de rejeição e de extinção da execução, previsto no art.º 734 do CPC, pode ser dado mesmo que tenha havido um despacho liminar a dar seguimento à execução.”
Não pode, pois, para efeitos de análise da necessidade/desnecessidade de observância do princípio de contraditório, ser equiparado ao despacho liminar.
Logo, tratando-se de despacho que no decurso de um processo o extingue com base em questões não suscitadas pelas partes, impõe-se, ao abrigo do art.º 3º nº 3 do CPC, e, não obstante se tratarem de questões de conhecimento oficioso, a prévia audição das mesmas partes, permitindo-lhes uma tomada de posição sobre tais questões.
Não sendo observada tal audição prévia, a rejeição da execução configura decisão surpresa.
A violação do princípio do contraditório acarreta a nulidade da subsequente decisão judicial, por excesso de pronúncia nos termos previstos no art.º 615ºal d) do CPC, na medida em que decide uma questão que, sem a realização do contraditório prévio, não poderia decidir - cf Miguel Teixeira de Sousa in Blog do IPPC, 18-04-2018, https://blogippc.blogspot.com/search?q=nulidade+processual.
Veja-se também António Santos Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª edição, pags. 25 e 26.
Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação – cf art.º 665 nº1 do CPC.
Em anotação a este preceito (anot nº3) António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 3º ed., pags 865 e 866, referem que: “ (…) ainda que a Relação confirme a arguição de alguma das referidas nulidades da sentença, não se limita a reenviar o processo para o Tribunal a quo. Ao invés, deve prosseguir, em princípio, com a apreciação das demais questões que tenham sido suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do art.º 665 nº2. Ponto é que a Relação disponha de todos os elementos necessários para o efeito. Nesta eventualidade, é necessário atuar previamente o princípio do contraditório (…).”
No caso dos autos, conforme resulta à evidencia das conclusões 1 a 8, a exequente ora apelante já se pronunciou, em sede do presente recurso, sobre a questão analisada no despacho recorrido e que importa ora sindicar no âmbito da apreciação do mérito do recurso.
Consequentemente, é manifestamente desnecessária nova pronúncia da exequente/apelante, sob pena de prática de ato inúteis, os quais são vedados pelo art.º 130º do CPC.
Concorda-se, pois, com o entendimento vertido sobre esta matéria no Acórdão do TRL de 07.11.2024 proferido no Proc. 6121/23.4T8SNT.L1-2, cujo sumário, na parte que ora releva, se passa a reproduzir:
“1- A prolação de decisão de rejeição da execução, nos termos previstos no art.º 734º do Código de Processo Civil, sem prévia audição das partes, configura uma decisão‑surpresa, decorrente da omissão de um acto legalmente prescrito, a saber a observância do princípio do contraditório.
2- Proferindo tal decisão o tribunal recorrido conhece de matéria que não podia apreciar, naquelas circunstâncias, o que torna a decisão nula por excesso de pronúncia.
3- Ainda que a exequente venha arguir essa nulidade, na medida em que se apreenda que na sua alegação de recurso apresentou os seus argumentos no sentido da revogação da decisão de rejeição da execução, e impondo-se ao tribunal de recurso conhecer do objecto da apelação, ainda que declare a nulidade da decisão em questão (por força do art.º 665º, nº 1, do Código de Processo Civil), não mais há que extrair as consequências do referido vício processual da omissão do exercício do contraditório, correspondentes à destruição de todo o processado tendo em vista a prática do acto omitido, exactamente porque esse contraditório foi, entretanto, garantido e exercido.(…)”
E no AC. do TRL (também) de 07.11.2024 proferido no Proc. 5740/24.6T8SNT.L1-2, sujo sumário também, na parte ora relevante, ora se reproduz:
“I - A decisão proferida ao abrigo do artigo 734º do Código de Processo Civil, tem de ser precedida da comunicação dos fundamentos em que vai estribar-se aos sujeitos processuais.
II – Sem embargo, se nas alegações de recurso o exequente apresentou argumentos que sustentam o seu ponto de vista, o vício pode considerar-se sanado, permitindo a apreciação da substância da decisão recorrida. (…).
Veja-se ainda o Acórdão proferido em 21.11.2024 no Proc. 8289/22.8T8SNT.L1-8 (em que foi Relatora uma das Senhoras Desembargadoras ora Adjunta), cujo sumário contém, entre o mais, que: “Tendo sido proferida uma decisão de rejeição da execução sem que a exequente tenha tido oportunidade de expor os seus argumentos de forma a convencer (ou não) o tribunal da sua posição, numa altura em que já não era expectável a prolação dessa decisão, ocorre uma nulidade subsumível à previsão do art.º 615º, nº 1, d) do CPC (por excesso de pronúncia, na medida em que constitui uma decisão surpresa);
- Se a apelante em sede de alegações de recurso já teve oportunidade de se pronunciar, tomando posição expressa e adequada relativamente ao enquadramento jurídico efectuado na decisão objecto de recurso, o exercício do contraditório já se mostra assegurado, nada obstando à aplicabilidade da regra da substituição prevista no art.º 665º, nº 1 do CPC, sem necessidade de se proceder à prévia audição a que alude o nº 3 do mesmo normativo, a qual sempre configuraria, neste enquadramento, a prática de acto inútil e, como tal, legalmente ilícito (cfr. art.º 130º do CPC); (…)”
Assim sendo, passaremos de imediato a apreciar a questão referente ao conhecimento oficioso da exceção dilatória que deu azo à rejeição da execução, e sendo o mesmo possível, à análise da consequência da procedência de tal exceção.
A decisão recorrida rejeitou a execução por falta de título executivo considerando que a exequente não poderia ter recorrido ao requerimento de injunção para peticionar o pagamento do valor da clausula penal nele aludida, e, tendo-o feito, deu causa à verificação de uma exceção dilatória inominada, que contagia todo o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigíveis para a sua utilização e não apenas o pedido referente ao valor da cláusula penal peticionada), levando à falta de titulo executivo.
Conforme resulta das conclusões do recurso, a exequente/apelante não contesta que o valor contido no requerimento de injunção com fórmula executória dado à execução contenha uma parte referente a uma cláusula penal (nem o poderia fazer, uma vez que tal cláusula é mencionada na exposição de factos que consta no requerimento de injunção.)
Também não põe em causa que o procedimento de injunção não pode ser utilizado para peticionar o pagamento de uma cláusula penal.
Efetivamente, dispõe o art.º 1.º do DL n.º 269/98 de 01.09 que: “É aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma.”
E no art.º 7º do regime anexo consta que:
“Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.”
É este o âmbito delimitador da utilização do procedimento de injunção: a) obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior a € 15 000; b) obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, independentemente do seu valor.
Isto porque o art.º 2º nº 1 do referido DL 32/2003 estabelece que o diploma se aplica a todos os pagamentos efetuados como remunerações de transações comerciais, não impondo qualquer limite de valor.
Todavia, no nº 2 al. c) deste artigo exclui-se expressamente da aplicação do diploma os pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros.
O que significa que tais indemnizações não legitimam o recurso ao procedimento de injunção previsto no art.º 7º do regime anexo ao DL 269/98 de 01.09.
Ora, o crédito reclamado no procedimento de injunção inclui uma cláusula penal correspondente ao valor relativo à quebra do vínculo contratual.
Tal quantia não diz respeito a serviços contratados, prestados e não pagos, mas antes se refere a uma indemnização por quebra do vínculo contratual.
Desta forma, não sendo obrigação pecuniária que seja contrapartida de um bem ou serviço, não poderia, nos termos do art.º 1º do DL n.º 269/98 de 01.09 e do art.º 7º do regime anexo, ser objeto de procedimento de injunção, pelo que a sua reclamação nessa sede configura uso indevido do procedimento de injunção.
A questão que se coloca é a de saber se tal questão de uso indevido do procedimento de injunção podia ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal a quo.
Entendemos que sim.
 O uso indevido do procedimento de injunção configura exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, conforme resulta, aliás, do art.º 14-A do regime anexo ao DL 269/98 de 01.09 que na al. a) do nº 2 equipara, para efeitos de exclusão da preclusão prevista no nº1 do preceito, o uso indevido do procedimento de injunção à ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso.
Exceção essa que inquina o título executivo (o requerimento de injunção indevidamente utilizado), dando azo à falta de título executivo, sendo certo que a falta de título executivo é também de conhecimento oficioso.
Tal não viola o princípio da concentração da defesa contido no art.º 573º do CPC (cf. conclusão 6 do recurso), pois ainda que tenha sido aposta força executória no requerimento de injunção por falta de oposição, o art.º 14-A nº 2 al a) do Regime anexo ao DL 269/98 de 01.09 ressalva da preclusão referida no seu nº1 (a preclusão dos meios de defesa que nessa oposição poderiam ter sido invocados) a invocação do uso indevido do procedimento de injunção. E o art.º 857º nº1 do CPC prevê expressamente que se possam invocar em embargos de executado os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.
E não obstante a exceção de uso indevido da injunção poder ser invocada como fundamento de embargos de executado, pode também ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal na execução, por configurar exceção dilatória de conhecimento oficioso que inquina o título executivo, dando azo à sua falta. A inexistência de titulo executivo pode ser invocada em embargos de executado (mesmo quando se trate de execução de sentença - art.º 729 al a) do CPC), mas também pode ser conhecida oficiosamente, em sede de despacho liminar (art.º 726 nº 2 al. a) do CPC), ou em sede de despacho de rejeição da execução (art.º 734º do CPC).
Averiguemos agora a respetiva consequência, ou seja, se implica, in casu, a rejeição total ou parcial da execução.
Ora, reportando-se o uso indevido do procedimento de injunção apenas a parte do requerimento de injunção dado à execução (já que este não se esgota no pedido de pagamento da referida clausula penal), verifica-se falta de título executivo somente no que respeita aos valores que não poderiam ter sido incluídos no requerimento de injunção.
Lembremos que o art.º 726 nº 3 do CPC refere expressamente ser admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados.
Pode, pois, ao abrigo do art.º 734º do CPC, ser rejeitada a execução apenas relativamente à parte do pedido exequendo que excede os limites válidos do título executivo, ou seja, relativamente aos valores que não poderiam ser objeto de procedimento de injunção, desde que estes estejam devidamente delimitados no requerimento de injunção.
É, aliás, a solução que melhor se coaduna com o princípio da economia processual.
Concordamos assim, também nesta parte, com o entendimento vertido nos já referidos Acs. do TRL de 07.11.2024 proferidos nos Processos 6121/23.4T8SNT.L1-2 e 5740/24.6T8SNT.L1-2, cujos sumários, nos segmentos ora relevantes, se passam, respetivamente, a transcrever:
- Processo 6121/23.4T8SNT.L1-2: “(…) 4- A aposição de fórmula executória no requerimento de injunção, na sequência da falta de oposição ao mesmo pelo requerido, não preclude a apreciação do vício da utilização indevida do procedimento de injunção.
5- Tal vício, repercutindo-se na falta ou insuficiência do título dado à execução, permite o seu conhecimento oficioso na execução, nos termos do art.º 734º do Código de Processo Civil, face ao disposto na al. a) do nº 2 do art.º 726º do Código de Processo Civil.
6- O procedimento de injunção só deve ser utilizado para a cobrança de obrigações pecuniárias directamente emergentes do contrato, e não para cobrança de outros valores, como aqueles relativos ao accionamento de uma cláusula penal ou correspondentes a despesas associadas à cobrança da dívida.
7- Estando-se perante a excepção dilatória do uso indevido do procedimento de injunção, bem como da consequente falta ou insuficiência do título executivo (que se formou com a aposição da fórmula executória no requerimento de injunção), impõe-se o aproveitamento desse título, na parte relativa aos pedidos e valores admissíveis no âmbito do procedimento de injunção, em obediência aos princípios da economia processual e do aproveitamento dos actos processuais.”
-Processo 5740/24.6t8SNT.L1-2: “(… ) III. A inclusão de pedido de pagamento de quantias não abrangidas pelo conceito de obrigações pecuniárias emergentes de contrato em sentido estrito no procedimento injuntivo, no qual foi aposta fórmula executória, constitui um vício do título executivo, de conhecimento oficioso ao abrigo dos artigos 726º nº 2 alínea a) e 734º do Código de Processo Civil, conduzindo a indeferimento liminar ou rejeição parciais.
IV. O aproveitamento do título executivo por referência à parte não viciada apenas é possível quando seja possível distinguir os montantes correspondentes à remuneração dos serviços fornecidos pela exequente e os valores respeitantes aos respetivos juros.
E no Acórdão do TRL de 21.11.2024 proferido no Proc. 5760/24.0T8SNT.L1-8 (em que foi Relatora uma das Senhoras Desembargadores ora Adjuntas), cujo sumário se reproduz:      
“I- O uso indevido do procedimento de injunção, exceção de conhecimento oficioso pode ser conhecida, também, pelo juiz de execução, quando se possa concluir, da evidência do título, que há manifesta falta de título (ainda que parcial), posto que o mesmo não se pode ter por exequível fora da finalidade para que foi criado.
II- Se o indeferimento/rejeição é consentido em caso de manifesta falta ou insuficiência de título, tal não ocorre relativamente à parte da quantia que podia ser reclamada no procedimento de injunção, a não ser por via de um argumento de repercussão do vício na totalidade (equiparando-se talqualmente à ação declarativa), que se enjeita, e não é aplicado no caso de outros títulos executivos também em parte afetados de inexequibilidade ou de não conformação com a sua finalidade (v.g. titulo previsto no art.º 14.º-A do NRAU), justamente porque não há uma falta/insuficiência total de título para o que, com base nele, é pedido, devendo prevalecer o aproveitamento do titulo, em conformidade com o comando do art.º 10.º n.º 5 do CPC - o titulo define os limites da ação executiva, donde a mesma restringir-se-á aos limites (válidos) do título.
III- Mas, se em face do título (requerimento de injunção com aposição de fórmula executória), sendo embora evidente que está reclamada e incluída quantia atinente a indemnização, não se consegue, com igual e suficiente evidência, saber o respetivo valor e distingui-la das demais quantias, é inviável a rejeição parcial da execução.”
Ora, no caso dos presentes autos não é possível fazer a destrinça dos valores que excedem os limites válidos do título executivo, pois em nenhuma parte do requerimento de injunção se encontra delimitado o valor do capital correspondente ao valor da cláusula penal por quebra do vínculo contratual.
O que inviabiliza a rejeição apenas parcial da execução, impondo-se, pois, a rejeição total.
Consequentemente, improcede o recurso.
As custas da instância recursiva recaem sobre o apelante, atento o seu decaimento - art.º 527 nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
*
V - Decisão:
Pelos fundamentos expostos, as Juízes desta 8ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência confirmam a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo apelante.
Notifique.

Lisboa, 16.01.2025
Carla Cristina Figueira Matos
Fátima Viegas
Carla Figueiredo