I - Sendo diferentes os factos ilícitos praticados pelo arguido, em momentos distintos, porque foi julgado em processos diversos, eles não são inconciliáveis.
II - O facto de num processo ter sido considerado inimputável e no outro imputável, não torna os factos inconciliáveis, sendo objetos de julgamento distintos, em momentos temporais distintos e o arguido sujeito a perícias psiquiátricas distintas e em momentos temporais diversos.
III - A inconciliabilidade de factos prevista no art. 449.º, n.º 1, al. c), do CPP, exige que esteja em causa, em ambas as decisões, o mesmo pedaço da vida em que se traduz o ilícito em análise, ou seja, só perante a existência de duas sentenças que se debruçaram sobre a mesma conduta, é que pode resultar a inconciliabilidade de factos.
Acordam em audiência os juízes da 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
No Proc. C.S. nº 301/21.4PBCTB do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, Juízo Local Criminal de ... – juiz 1, em que é arguido AA, foi em 8/3/2024 proferida a seguinte sentença:
c) Declara que o arguido AA cometeu, em ........2021, factos ilícitos típicos que preenchem os elementos objetivos do tipo legal de crime de ofensa à integridade física agravado, p. p. pelo art. 143.º, n.º 1 do Código Penal e art. 86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (na pessoa de BB).
d) Declara que o arguido AA cometeu, em 04.07.2021, factos ilícitos típicos que preenchem os elementos objetivos do tipo legal de crime de detenção de arma proibida, p. p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.
e) Declara que o arguido AA é inimputável perigoso, nos termos do art. 20.º, n.º 1 do Código Penal.
f) Decreta a medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e de segurança adequado, fixando-se a sua duração máxima em 4 (quatro) anos, sem prejuízo de o internamento findar quando o Tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade que lhe deu origem, nos termos dos arts. 91.º e 92.º do Código Penal.
g) Condena o arguido AA no pagamento das custas do processo penal, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, nos termos dos arts. 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
h) Absolve o demandado AA do pedido de indemnização civil contra si deduzido pelo demandante INSTITUTO POLITÉCNICO DE CASTELO BRANCO.
Por requerimento, subscrito pelo seu defensor, interpôs recurso de revisão, ao abrigo do artº 449.º, n.º 1, al. c), do CPP, alegando estar esta condenação em contradição com a decisão proferida no proc. 11/21.2PBCTB do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco - Juízo Local Criminal de ... - Juiz 2, que decidiu:
“A) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa.
B) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa.
C) Em cúmulo jurídico, das penas parcelares (referidas em A) e B)), fixar a pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo um total de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros).
D) Condenar o arguido AA no pagamento das custas do processo penal, com taxa de justiça que se fixa em 2UC, nos termos dos artigos 513.º, n.º 1 do CPP e artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais.
E) Julgar o pedido de indemnização civil, parcialmente procedente, e em consequência, condenar o demandado/arguido a pagar à demandante/assistente a quantia de € 200,00 (duzentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros moratórios à taxa legal, de 4 % ao ano, desde a data da prolação desta decisão até efectivo e integral pagamento.”
Ambas as decisões têm por base relatórios periciais, e do confronto das duas decisões resulta que existe uma inconciliável apreciação do estado mental do arguido.
Essa divergência, inconciliável, do estado mental do arguido, essencial para o preenchimento do elementos subjetivos e determinação da culpa, inquinam, de forma irremediável, ambas as decisões nas suas condenações, reportadas ao mesmo arguido.
Conclui que “verificados os pressupostos da revisão requeridos pela alínea c) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, justificando-se a autorização da revisão, em consequência do que, nos termos do artigo 458.º do CPP, se anulam as duas decisões condenatórias, para se proceder a julgamento conjunto dos dois arguidos.”
O MºPº respondeu ao pedido de revisão, no sentido de ser negada a revisão porquanto a divergência inconciliável sobre o estado mental do arguido, resulta de perícias médicas, mas não se suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Na informação sobre o mérito do pedido o Mº Juiz, entende que “o recurso interposto não é provido de mérito, porquanto os factos que serviram de base à condenação proferida nos presentes autos não são inconciliáveis com os dados como provados na sentença proferida no proc. n.º 11/21.2PBCTB, não se suscitando dúvidas, muito menos graves, sobre a justiça da condenação.”
Neste Supremo Tribunal de Justiça o ilustre PGA emitiu parecer no sentido de ser negada a revisão
O Tribunal é competente ( artºs 11º 4 d) e 454º CPP
O requerente/ condenado tem legitimidade para requerer a revisão de sentença transitada em julgado (artº 450.º,1 al.c), do CPP).
O recurso encontra-se motivado e instruído (artº 451.ºCPP)
Nada obsta ao conhecimento do recurso.
Colhidos os vistos procedeu-se à conferência com observância do formalismo legal.
Resulta das certidões juntas ao processo:
1- No Proc. 301/21.4PBCTB foi em 8/3/2024 proferida a seguinte sentença:
c) Declara que o arguido AA cometeu, em ........2021, factos ilícitos típicos que preenchem os elementos objetivos do tipo legal de crime de ofensa à integridade física agravado, p. p. pelo art. 143.º, n.º 1 do Código Penal e art. 86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (na pessoa de BB).
d) Declara que o arguido AA cometeu, em 04.07.2021, factos ilícitos típicos que preenchem os elementos objetivos do tipo legal de crime de detenção de arma proibida, p. p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.
e) Declara que o arguido AA é inimputável perigoso, nos termos do art. 20.º, n.º 1 do Código Penal.
f) Decreta a medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e de segurança adequado, fixando-se a sua duração máxima em 4 (quatro) anos, sem prejuízo de o internamento findar quando o Tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade que lhe deu origem, nos termos dos arts. 91.º e 92.º do Código Penal.
g) Condena o arguido AA no pagamento das custas do processo penal, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, nos termos dos arts. 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
h) Absolve o demandado AA do pedido de indemnização civil contra si deduzido pelo demandante INSTITUTO POLITÉCNICO DE CASTELO BRANCO.
2-Esta sentença transitou em julgado em 24/4/2024
3- Os atos de agressão e detenção de arma ocorreram no dia 21/7/2021
4- Com base em exame pericial realizado em 30/12/2022, foi dado como provado que:
“10) “Em todos os atos praticados pelo arguido AA e que ficaram descritos, o arguido manifestou todas as sequelas da anomalia psíquica de grau grave de que padece.
11) O arguido AA sofre de uma esquizofrenia paranoide e uma politoxicodependência.
12) Na altura da prática dos factos ilícitos que lhe são imputados não apresentava capacidade para se autodeterminar de acordo com a avaliação que faz da realidade.
13) Atendendo ao quadro clínico em questão e na ausência de adesão a um tratamento
eficaz, será expectável que possam repetir-se factos semelhantes aos descritos.
14) Tais características de anormalidade psíquica são de molde a concluir que é elevada a probabilidade de o arguido repetir atos idênticos aos supra descritos.”
5- No Proc. 11/21.2PBCTB, foi em 5/6/2024 por sentença decidido:
A) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa.
B) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa.
C) Em cúmulo jurídico, das penas parcelares (referidas em A) e B)), fixar a pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo um total de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros).
D) Condenar o arguido AA no pagamento das custas do processo penal, com taxa de justiça que se fixa em 2UC, nos termos dos artigos 513.º, n.º 1 do CPP e artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais.
E) Julgar o pedido de indemnização civil, parcialmente procedente, e em consequência, condenar o demandado/arguido a pagar à demandante/assistente a quantia de € 200,00 (duzentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros moratórios à taxa legal, de 4 % ao ano, desde a data da prolação desta decisão até efectivo e integral pagamento.”
6- Esta sentença transitou em julgado em 12/7/2024.
7- Os atos de ameaça agravada e de injuria ocorreram em 6 e 30 de janeiro de 2021 respetivamente;
5- Com base exame pericial realizado em 13/5/2024 foi dado como provado:
“23. O arguido apresenta, de base, uma Perturbação da Personalidade Dissocial (ou antissocial) em Grau Severo (código 6D11.2, CID-11), e uma Dependência de Múltiplas Substâncias Psicoativas Específicas (código 6C4F.2, CID-11), mas não padece, no sentido estrito do termo, de uma doença mental.
24. O arguido, quanto aos factos de que vem acusado, mantinha (e mantém) conservada a capacidade de avaliar o certo do errado, a licitude ou ilicitude dos seus atos e respetivas consequências, autodeterminado-se de acordo com essa avaliação.”
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Transitada em julgado uma decisão judicial (sentença ou despacho) a mesma torna-se definitiva, dizendo o direito no caso concreto de modo definitivo, com o que se visa assegurar a certeza e a segurança jurídica necessária à vida em sociedade. Todavia não são apenas essas os valores que o processo prossegue e outros de igual ou maior vali se levantam na sociedade, sendo mister prosseguir a verdade material do caso condição para a realização da justiça (final ultimo do processo), sem a qual não haverá nem segurança nem certeza jurídica. Face à falibilidade humana, impõe-se um ponto de equilíbrio entre valores conflituantes, razao pela qual o instituto do recurso de revisão, se mostra necessário, o que é conseguido a partir do reconhecimento de que o caso julgado terá de ceder, em casos excecionais e taxativamente enumerados, perante os interesses da verdade e da justiça.
Em face disso a Ordem Jurídica, veio a consagrar o recurso de revisão, com caracter extraordinário, e por fundamentos que taxativamente enumera (numerus clausus), visando, não a reapreciação da decisão judicial transitada, mas apenas o de saber se deve ser autorizado um novo julgamento da causa, relativa à mesma causa já julgada”1.
A sua legitimação resulta desde logo da CRP- artº 29º 6 – que dispõe: “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”, e de outros instrumentos internacionais, como a CEDH- Protocolo 7º, artº 4º2 que dispõe que “2. As disposições do número anterior não impedem a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento” e a sua regulamentação decorre dos artºs 449º a 466º CPP e os seus fundamentos constam do artº 449º CPP.
No caso dos autos, o fundamento invocado é o previsto na al. c) do nº 1 do citado artº 449º que dispõe: “1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: (…)
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;”, porquanto está em causa saber se existe uma inconciliável apreciação do estado mental do arguido, pois no presente processo o arguido foi declarado inimputável e perigoso em resultado de padecer de anomalia psíquica sofrendo “de uma esquizofrenia paranóide e uma politoxicodependência. Na altura da prática dos factos ilícitos que lhe são imputados não apresentava capacidade para se autodeterminar de acordo com a avaliação que faz da realidade.” e no proc. 11/21 foi julgado imputável, pois “O arguido apresenta, de base, uma Perturbação da Personalidade Dissocial (ou Antissocial) em Grau Severo (código 6D11.2, CID-11), e uma Dependência de Múltiplas Substâncias Psicoativas Específicas (código 6C4F.2, CID-11), mas não padece, no sentido estrito do termo, de uma doença mental. O arguido, quanto aos factos de que vem acusado, mantinha (e mantém) conservada a capacidade de avaliar o certo do errado, a licitude ou ilicitude dos seus atos e respetivas consequências, autodeterminado-se de acordo com essa avaliação.”
Vejamos então se ocorre fundamento para autorizar a revisão, com base na norma invocada.
Dela resulta que importa verificarem-se dois requisitos:
a)- Os factos que serviram de base à condenação foram inconciliáveis com os dados provados noutra sentença
b) - e da oposição (inconciliabilidade), resultem graves duvidas sobre a justiça da condenação.
No que respeita ao primeiro requisito, verificamos que os factos praticados porque o arguido/ requerente não são idênticos, tal como não são idênticos os crimes porque foi responsabilizado.
Ocorre apenas que no proc 301/21 pelos factos de 4/7/2021 e na sentença de 8/3/2024 com base na perícia psiquiátrica de 30/12/22 foi declarado inimputável por anomalia psíquica e por isso sem culpa (tendo sido condenado na medida de internamento), e no proc. 11/21 pelos factos de 6 e 30 /1/ 2021 (anteriores), e na sentença de 5/6/24 e com base na perícia psiquiátrica de 13/5/24, foi declarado imputável e com culpa e por isso condenado numa pena.
Vistas as situações, quer-nos parecer que não se pode concluir que haja uma situação inconciliável, desde logo, porque a apreciação sobre a imputabilidade do arguido ocorreu em momentos diferentes, separados cerca de 1 anos e 5 meses, sendo diverso o laudo pericial.
Todavia importa averiguar a que factos se reporta o al. c) ao referir-se aos factos que serviram de fundamento à condenação, abrange não apenas os factos objetivos, ou se também se referem à culpa (que fazendo parte do crime) não é em si mesmo facto.
No ac. STJ 15/9/2021 citado expende-se “Exige-se que sejam inconciliáveis, que a realidade “retratada” numa e na outra sentença seja antagónica, reciprocamente excludente. Pelo que se a facticidade provada na outra sentença narrar, com autenticidade, o acontecimento da vida sobre que versou, não podem ser também verdadeiros os factos provados na sentença condenatória. Do antagonismo das duas narrações factuais do mesmo pedaço da vida, resulta que alguma delas não pode ser verdadeira.
Como no Ac. de 28/02/2019, deste Supremo Tribunal, também se entende que a inconciliabilidade tem de referir-se a factos “que façam parte da arquitetura típica do crime, na vertente objetiva ou subjetiva” e à participação do condenado na sua prática.
É jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal que a inconciliabilidade haverá de resultar dos factos provados numa e na outra sentença. Sendo irrelevante para este efeito a divergência entre os factos provados na sentença e os factos não provados em outra sentença. Efetivamente não pode haver qualquer contradição entre um facto provado e um facto não provado. Não há inconciliabilidade entre um facto julgado provado na sentença condenatória e a não prova do mesmo facto em outra sentença. A razão de numa sentença se ter dado como certo um determinado acontecimento e em outra sentença se não considerar provado o mesmo acontecimento, radica no diferente acervo probatório produzido num e no outro julgamento ou na diversidade do critério valorativo de um e do outro tribunal. Como se sustenta no acórdão ora em citação, também “questões relacionadas com a fundamentação da matéria de facto, quer no acórdão condenatório quer na sentença absolutória não têm que ser convocadas em sede de recursos de revisão”.
Ora no caso os factos não são inconciliáveis em si mesmos, pois o autor dos factos, que ocorreram e não estão em causa, foi o arguido, pelos quais teria de responder.
O facto de num processo o arguido ser considerado inimputável e no outro imputável resulta da diferente apreciação pericial a que o arguido foi sujeito em momentos distintos, juízo esse subtraído à apreciação do tribunal (artº 163º CPP). Não há apreciação diferente da prova, mas a mesma valoração, ínsita nesse juízo pericial feito por pessoas diversas em momentos diversos.
Assim os factos julgados num e no outro processo são não só diferentes como não são inconciliáveis de modo a autorizar a revisão. Cremos que só estando em causa o mesmo pedaço da vida se pode falar em factos inconciliáveis, ou seja, só perante a existência de duas sentenças que se debruçaram sobre a mesma conduta, é que pode resultar a inconciliabilidade, o que não é o caso. Existem duas sentenças em que o arguido é o mesmo mas as condutas ali descritas como tendo ocorrido nada têm a ver uma com a outra, pelo que não pode haver comparação sobre os factos ocorridos de molde a verificar a oposição entre uns e outros, sendo que a revisão versa apenas sobre a questão de facto.2
Por outro lado, o segundo requisito exige que da oposição resultem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Não exige esta norma apenas a dúvida, mas que esta seja grave. Quer isto dizer, que perante a condenação, é mais provável que devesse ser absolvido, ou o inverso. Como expressa o ac STJ 14/5/2008, www.dgsi.pt “as dúvidas, porque graves, «(...) têm de ser de molde a pôr em causa, de forma séria, a condenação de determinada pessoa, que não a simples medida da pena imposta. As dúvidas têm de incidir sobre a condenação enquanto tal, a ponto de se colocar fundadamente o problema de o arguido dever ter sido absolvido» - cf. Ac. do STJ de 25-01-2007, Proc. n.º 2042/06 ”, pois que o confronto é entre a condenação sofrida e a absolvição esperada, pois que o fundamento principal do recurso de revisão é a de evitar uma sentença injusta ou seja conceder a possibilidade de reparar um erro judiciário (através de um novo julgamento), que possibilitará (ou dando oportunidade) para descobrir, por fim, a verdade material (quer mantendo a condenação quer possibilitando a absolvição).
Sobre esta matéria o STJ no ac. de 25/02/2021, Proc. 1482/15.1PBSTB-A.S1, in www.dgsi.pt., defendeu que a dúvida grave (…) tem que ser uma dúvida sólida, séria, consistente e verdadeiramente perturbadora para que se possa afirmar a sua “gravidade”. Trata-se de um grau de convicção mais exigente do que aquele que é exigido na fase de julgamento para levar à absolvição do arguido em audiência se então fossem conhecidos os novos factos e os novos meios de prova. Situa-se para além da dúvida ‘razoável’, pois, mais do que razoável, deve ser uma dúvida ‘grave’, pois só essa poderá justificar a revisão do julgado. “[…]. Dir-se-ia que se a condenação surge com a superação da dúvida razoável, o caminho de regresso à discussão da causa exige porventura uma dúvida de maior peso. […].
A “dúvida relevante” para a revisão tem de ser “qualificada” há-de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade” que baste, ou seja, deles resulta uma forte possibilidade de não condenação. Terá, assim, de decorrer sob a égide da alternativa condenação/absolvição, que afinal plasma e condensa o binómio condenação justa (a manter-se) condenação injusta (a rever-se)”
Ora no caso dos autos, não ocorre, nem é posta em causa a justeza da condenação, nem nenhum elemento é avançado para que possa ocorrer uma absolvição. O que decorre é apenas a possibilidade de ao arguido em alternativa a uma medida de internamento (decisão revidenda) por ser inimputável perigoso, ser aplicada uma pena criminal.
Germano M. da Silva3, expende “ Na legislação anterior ao CPP/29 a revisão com este fundamento só seria de conceder quando fosse de presumir a inocência do condenado, mas já no CPP/29 apenas se exigia que da oposição entre os factos dados como provados nas duas sentenças resultassem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, como agora também só é exigido pelo CPP/87.
As duvidas tanto podem recair sobre se o arguido deveria ou não ser condenado, como se foi condenado a uma pena mais grave do que aquela a que deveria ser. Se, porém, as dúvidas recaírem sobre se devia ou não ser aplicada uma pena mais elevada do que aquela em que o arguido foi condenado, não se deve conceder a revisão”
Nos termos do nº 3 do artº 449º CPP “ não é admissível a revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicável” entendendo o STJ no ac. de 17/01/2019 proc. 209/17.8T8VVD-A.S1 www.dgsi.pt Cons. Francisco Caetano que também não é admissível, por maioria ou identidade de razão, quando tiver como único fim a correcção da escolha da espécie da pena (Acs. STJ de 05.11.2014, in Sumários do STJ e 21.06.2018, in wwwdgsi.pt." Diversamente, Ac. STJ de 06.02.2014, in Sumários do STJ)” pelo que também por este fundamento não poderia ser autorizada a revisão.
Acresce que tendo em conta a pena aplicada, em face da medida de internamento aplicada (mínimo um mês e máximo 4 anos) e pela possibilidade de cessação do internamento por ausência de perigosidade, não se vislumbra se lhe seria aplicada pena menos grave.
- Julgar improcedente o recurso e em consequência negar a revisão.
-Condena o recorrente no pagamento da taxa de justiça de 4Ucs (artº 456ºCPP)
Registe e notifique
Dn.
José A. Vaz Carreto
Jorge Raposo
Carlos Campos Lobo
Nuno Gonçalves (Presidente da Secção)
________
1. Ac. STJ 15/9/21 Proc 699/20.1GAVNF.A.S1 Cons. Nuno Gonçalves
2. Simas Santos et alli, Recursos em Processo Penal, 2ª ed. Rei dos livros, pág.131